Harry Potter e a Camara Secreta PARTE 2
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CAPÍTULO NOVE
A pichação na parede
— Que está acontecendo aqui? Que está acontecendo?
Atraído, sem dúvida, pelo grito de Draco, Argo Filch
apareceu, abrindo
caminho com os ombros por entre os alunos aglomerados. Então
ele viu
Madame Nor-r-ra e recuou, levando as mãos ao rosto
horrorizado.
— Minha gata? Minha gata! Que aconteceu a Madame Norr-ra? —
gritou
ele.
E seus olhos saltados pousaram em Harry.
— Você! — gritou. — Você! Você assassinou a minha gata? Você
a
matou! Vou matá-lo! Vou...
— Argo! — Dumbledore chegara à cena, seguido de vários
professores.
Em segundos, passou por Harry, Rony e Hermione e soltou
Madame Nor-r-ra do
porta-archote.
— Venha comigo, Argo — disse a Filch. — Os senhores também,
Sr.
Potter, Sr. Weasley e Srta. Granger.
Lockhart deu um passo à frente pressuroso.
— A minha sala fica mais próxima, diretor, logo aqui em
cima, por favor,
fique à vontade...
— Muito obrigado, Gilderoy — disse Dumbledore.
Os presentes se afastaram para os lados em silêncio para deixá-los
passar.
Lockhart, com o ar agitado e importante, acompanhou
Dumbledore,
apressado; o mesmo fizeram a Profª. McGonagall e o Profº.
Snape.
Ao entrarem na sala escura de Lockhart, ouviram uma agitação
passar
pelas paredes; Harry viu vários Lockharts nas molduras se
esconderem, com
os cabelos presos em rolinhos. O verdadeiro Lockhart acendeu
as velas sobre a
escrivaninha e se afastou um pouco. Dumbledore pôs Madame
Nor-r-ra na
superfície polida e começou a examiná-la. Harry, Rony e
Hermione trocaram
olhares tensos e se sentaram, observando, em cadeiras fora
do círculo iluminado
pelas velas.
A ponta do nariz comprido e curvo de Dumbledore estava a
menos de três
centímetros do pêlo de Madame Nor-r-ra. Ele a examinou atentamente através
dos óculos de meia-lua, apalpou-a e cutucou-a com os dedos
longos. A Profª.
McGonagall estava curvada quase tão próxima, os olhos
apertados. Snape
esticava-se por trás deles, meio na sombra, com uma
expressão estranhíssima no
rosto: era como se estivesse fazendo força para não sorrir.
E Lockhart andava à
volta do grupo, oferecendo sugestões.
— Decididamente foi um feitiço que a matou, provavelmente a
Tortura Transmogrifiana. Já a usaram muitas vezes, que pena
que eu não estava
presente, conheço exatamente o contra feitiço que a teria
salvado...
Os comentários de Lockhart eram pontuados pelos soluços
secos e
violentos de Filch. Ele se afundara em uma cadeira ao lado da escrivaninha,
incapaz de olhar para Madame Nor-rra, o rosto coberto com as
mãos. Por mais
que detestasse Filch, Harry não pôde deixar de sentir uma
certa pena dele,
embora não tanta quanto a que sentia de si mesmo. Se Dumbledore acreditasse
em Filch, o garoto com certeza seria expulso.
Dumbledore agora murmurava palavras estranhas para si mesmo,
tocando Madame Nor-r-ra com a varinha, mas nada aconteceu:
ela continuava
parecendo que fora empalhada recentemente.
— Lembro-me de algo muito parecido que aconteceu em
Ouagadogou —
disse Lockhart —, uma série de ataques, a história completa
se encontra na minha
autobiografia, naquela ocasião pude fornecer aos habitantes
da cidade vários
amuletos, que resolveram imediatamente o problema...
As fotografias de Lockhart na parede concordavam com a
cabeça quando
ele falava. Uma delas se esquecera de tirar a rede dos
cabelos.
Finalmente Dumbledore se ergueu.
— A gata não está morta, Argo — disse ele baixinho.
Lockhart parou imediatamente de contar o número de
assassinatos que
evitara.
— Não está morta? — engasgou-se Filch, olhando por entre os
dedos
para Madame Nor-r-ra. — Então por que é que ela está toda...
Toda dura e
gelada?
— Ela foi petrificada — disse Dumbledore ("Ah Eu bem
que achei!",
disse Lockhart.) — Mas de que forma, eu não sei dizer..
— Pergunte a ele! — gritou Filch, virando o rosto manchado e
escorrido de
lágrimas para Harry.
— Nenhum aluno de segundo ano poderia ter feito isto —
disse Dumbledore com firmeza. — Seria preciso conhecer Magia
Negra
avançadíssima...
— Foi ele, foi ele! — cuspiu Filch, o rosto balofo
congestionado. — O
senhor viu o que ele escreveu na parede! Ele encontrou... No
meu escritório...
Ele sabe que eu sou um... Sou um...
— O rosto de Filch se contorceu de modo horrendo. — Ele sabe
que sou
um aborto! — terminou.
— Jamais encostei o dedo em Madame Nor-r-ra! — disse Harry em voz
alta, sentindo-se incomodado por saber que todos o olhavam, inclusive todos
os Lockhart nas paredes. — Nem mesmo sei o que é um aborto.
— Mentira! — rosnou Filch. — Ele viu a carta do
Feiticexpresso!
— Se me permite falar, diretor — disse Snape de seu lugar
nas sombras,
e Harry sentiu seus maus pressentimentos aumentarem; tinha
certeza de que
nada que Snape tivesse a dizer iria beneficiá-lo.
— Talvez Potter e seus amigos simplesmente estivessem no
lugar errado
na hora errada —, disse ele, um ligeiro trejeito de desdém
lhe encrespando a boca
como se duvidasse do que dizia. — Mas temos um conjunto de
circunstâncias
suspeitas neste caso.
Por que é que estavam no corredor do andar superior?
Por que não estavam na Festa das Bruxas?”
Harry, Rony e Hermione, todos desataram a dar explicações
sobre a festa
do aniversário de morte.
— ... Havia centenas de fantasmas na festa, que poderão confirmar que
estávamos lá...
— Mas por que não foram depois para a Festa das Bruxas? —
perguntou
Snape, os olhos negros faiscando à luz das velas. — Por que subir àquele
corredor?
Rony e Hermione olharam para Harry.
— Porque... Porque... — disse Harry, o coração disparado; alguma coisa
lhe disse que seria muito difícil eles acreditarem se confessasse
que fora levado
por uma voz sem corpo que ninguém, exceto ele, tinha podido
ouvir —
porque estávamos cansados e queríamos nos deitar.
— Sem jantar? — disse Snape, um sorriso vitorioso perpassou
o seu rosto
magro. — Eu não sabia que nas festas os fantasmas ofereciam
comida própria
para consumo de gente viva.
— Não estávamos com fome — disse Rony em voz alta ao mesmo
tempo
que sua barriga dava um enorme ronco.
O sorriso maldoso de Snape se ampliou.
— Suspeito, diretor, que Potter não esteja dizendo toda a
verdade. Talvez
fosse uma boa idéia privá-lo de certos privilégios até que
esteja disposto a nos
contar tudo. Pessoalmente, acho que deveria ser suspenso do
time de Quadribol
da Grifinória até que se disponha a ser honesto.
— Francamente, Severo — disse a Profª. McGonagall com aspereza —,
não vejo razão para impedir o menino de jogar Quadribol. Esta gata não foi
enfeitiçada com um golpe de vassoura. Não há qualquer evidência de que Potter
tenha feito algo errado.
Dumbledore lançou a Harry um olhar penetrante. Seus olhos
azuis
cintilantes faziam Harry sentir que estava sendo
radiografado.
— Inocente até que se prove o contrário, Severo — disse com
firmeza.
Snape pareceu furioso. E Filch também.
— Minha gata foi petrificada! — gritou, os olhos
esbugalhados. — Quero
ver alguém ser castigado!
— Vamos curá-la, Argo — disse Dumbledore, paciente. — A
Profº. Sprout
recentemente obteve umas mandrágoras. Assim que elas
crescerem, vou mandar
fazer uma poção que ressuscitará Madame Nor-r-ra.
— Eu faço — Lockhart entrou na conversa. — Devo ter feito
isto centenas
de vezes. Seria capaz de preparar um Tônico Restaurador de Mandrágora
até dormindo...
— Desculpe-me — disse Snape num tom gelado. — Mas creio que
sou o
professor de Poções aqui nesta escola.
Houve uma pausa muito incômoda.
— Vocês podem ir — disse Dumbledote a Harry, Rony e
Hermione.
Os três saíram o mais depressa que puderam sem chegar a
correr.
Quando estavam um andar acima da sala de Lockhart, entraram
em uma sala de
aula e fecharam a porta silenciosamente. Harry procurou
enxergar o rosto dos
amigos no escuro.
— Vocês acham que eu devia ter falado a eles daquela voz que
ouvi?
— Não — respondeu Rony sem hesitar. — Ouvir vozes que
ninguém mais
ouve não é bom sinal, mesmo no mundo da magia.
Alguma coisa na voz de Rony fez Harry perguntar:
— Você acredita em mim, não é?
— Claro que acredito — respondeu Rony depressa. — Mas...
Você vai
concordar que é estranho...
— Eu sei que é estranho — disse Harry. — A coisa toda é
estranha. O que
era aquela pichação na parede? A Câmara Secreta foi
aberta... Que será
que significa isso?
— Sabe, me lembra alguma coisa — disse Rony lentamente. —
Acho que
alguém certa vez me contou uma história de uma câmara
secreta em Hogwarts...
Talvez tenha sido o Gui...
— E afinal o que é um aborto? — perguntou Harry.
Para sua surpresa, Rony sufocou uma risadinha.
— Bem... Não é realmente engraçado... Mas é o que Filch é —
disse ele.
— Um aborto é alguém que nasceu em uma família de bruxos,
mas não tem
poderes mágicos. De
certa forma é o oposto do bruxo que
nasceu trouxa, mas
os abortos são muito raros. Se Filch está tentando aprender
magia em um
curso Feiticexpresso, imagino que ele seja um aborto. Isto explicaria muita coisa.
Por exemplo, a razão por que ele odeia tanto os alunos. —
Rony deu um sorriso
de satisfação. — É um amargurado. — Um relógio bateu as
horas em algum lugar.
— Meia-noite — disse Harry — É melhor irmos deitar antes que
Snape
apareça e tente nos culpar de outra coisa qualquer.
Durante alguns dias, a escola praticamente não conseguiu
falar de outra
coisa a não ser do ataque à Madame Nor-r-ra. Filch o manteve
vivo na lembrança
de todos, perambulando pelo lugar onde ela fora atacada,
como se achasse que o
atacante poderia voltar. Harry o vira esfregando a mensagem
na parede com
Removedor Mágico Multiuso Skower, mas sem resultado; as
palavras
continuavam a brilhar na
pedra, mais fortes que nunca. Quando Filch não estava
guardando a cena do crime, esquivava-se pelos corredores, os
olhos vermelhos,
investindo contra estudantes distraídos e tentando
impingir-lhes uma detenção por
coisas do tipo "respirar fazendo barulho" e
"parecer feliz".
Gina Weasley parecia ter ficado muito perturbada com o
destino de
Madame Nor-r-ra. Segundo Rony, ela adorava gatos.
— Mas você nem chegou a conhecer Madame Nor-r-ra direito —
disse
Rony animando-a. — Francamente, estamos muito melhor sem ela. — Os lábios
de Gina tremeram. — Coisas assim não acontecem todo dia em Hogwarts —
tranqüilizou-a Rony. — Vão pegar o maníaco que fez isso e
mandá-lo embora
daqui na hora. Só espero que ele tenha tempo de petrificar o
Filch antes de ser
expulso. Brincadeirinha... — acrescentou Rony depressa, ao
ver
Gina empalidecer.
O ataque também afetara Mione. Tornou-se comum ela passar
muito
tempo lendo, mas agora não fazia quase mais nada. Nem Harry
e Rony tampouco
obtinham alguma resposta quando lhe perguntavam o que
pretendia fazer, e
somente na quarta-feira seguinte ficaram sabendo.
Harry se demorara na sala de Poções, onde Snape o retivera
depois da
aula para raspar os vermes deixados em cima das carteiras.
Depois de um almoço
apressado, ele foi ao encontro de Rony na biblioteca e viu
Justino Finch-Fletchley,
o garoto da Lufa-Lufa que tinham conhecido na aula de
Herbologia, vindo em sua
direção.
Harry acabara de abrir a boca para dizer "Olá"
quando Justino o viu, virou-se abruptamente e saiu correndo na direção oposta.
Harry encontrou Rony no fundo da biblioteca, medindo o dever
de História
da Magia. O Profº. Binns tinha pedido uma redação de um
metro sobre o
"Congresso Medieval de Bruxos Europeus".
— Não acredito que ainda faltem vinte centímetros... — disse
Rony
furioso, largando o pergaminho, que tornou a se enrolar. — E
Mione escreveu um
metro e vinte e oito e a letra dela é miudinha.
— Onde é que ela está agora? — perguntou Harry, pegando a
fita métrica
e desenrolando a própria redação.
— Ali adiante — disse Rony indicando as estantes. —
Procurando outro
livro. Acho que está tentando ler a biblioteca inteira antes
do Natal.
Harry contou a Rony que Justino Finch-Fletchley fugira dele.
— Não sei por que você se importa — disse Rony escrevendo
sem parar,
fazendo a caligrafia o maior possível. — Toda aquela
baboseira sobre a
importância de Lockhart...
Hermione saiu do meio das estantes. Tinha um ar irritado, mas parecia,
finalmente, disposta a falar com eles.
— Todos os exemplares de Hogwarts: uma história foram
retirados —
anunciou ela, sentando-se com Harry e Rony. — E tem uma
lista de espera de
duas semanas. Eu gostaria de não ter deixado o meu exemplar
em casa, mas não
consegui enfiá-lo no malão com todos os livros de Lockhart.
— Para que você quer a história? — perguntou Harry.
— Pela mesma razão que todo mundo quer: para ler a lenda da
Câmara
Secreta.
— Que vem a ser isso? — perguntou Harry depressa.
— Esta é a questão. Não consigo me lembrar — disse Mione,
mordendo o
lábio. — E não consigo encontrar a história em lugar
nenhum...
— Mione, me deixe ler a sua redação — pediu Rony
desesperado,
consultando o relógio de pulso.
— Não, deixo não — disse a garota com severidade. — Você
teve dez
dias para terminá-la...
— Eu só preciso de mais cinco centímetros, deixe, vai...
A sineta tocou. Rony e Mione se dirigiram à aula de História
da Magia,
discutindo.
A História da Magia era a matéria mais sem graça do programa.
O Profº.
Binns, encarregado de ensiná-la, era o único professor
fantasma, e a coisa
mais excitante que acontecia em suas aulas era ele entrar em
classe
atravessando o quadro-negro.
Velhíssimo e enrugado, muita gente dizia que ainda não
percebera que
estava morto. Um belo dia ele simplesmente se levantara para
dar aula e deixara
o corpo sentado numa poltrona diante da lareira da sala de
professores; sua rotina
não se alterara nem um pingo desde então.
Hoje estava chato como sempre. O Profº. Binns abriu seus
apontamentos
e começou a ler num tom monótono como um aspirador de pó velho, até que
quase todos os alunos na sala caíram num estupor profundo, de que emergiam
ocasionalmente o tempo suficiente de copiar um nome ou uma
data e, em
seguida, tornar a adormecer.
Estava falando havia meia hora quando aconteceu uma coisa
que nunca
acontecera antes.
Hermione levantou a mão.
O Profº. Binns ergueu os olhos no meio de um discurso mortalmente
maçante sobre a Convenção Internacional de Bruxos de 1289 e
fez uma cara
surpresa.
— Senhorita... Ah...?
— Granger, professor. Eu gostaria de saber se o senhor poderia nos
contar alguma coisa sobre a Câmara Secreta — pediu Mione com
voz clara.
Dino Thomas, que estivera sentado com a boca aberta,
espiando para fora
da janela, acordou de repente do seu transe; a cabeça de Lilá Brown deitada
sobre os braços se ergueu e o cotovelo de Neville Longbottom
escorregou da
carteira.
O Profº. Binns pestanejou.
— Minha matéria é História da Magia — disse ele naquela voz
seca e
asmática. — Lido com fatos, Srta. Granger, não com mitos nem com lendas. —
Ele pigarreou fazendo um barulhinho como o de um giz que se
parte e continuou.
— Em setembro daquele ano, um subcomitê de bruxos sardos...
O professor gaguejou antes de parar. A mão de Mione estava
outra vez no
ar.
— Srta. Granger?
— Por favor, professor, as lendas não se baseiam sempre em
fatos?
O Profº. Binns olhou-a com tal espanto, que Harry teve certeza
de que
nenhum aluno vivo ou morto, jamais o interrompera antes.
— Bem — disse o Profº. Binns lentamente —, é um argumento
válido,
suponho. — Ele estudou Mione como se nunca antes tivesse olhado direito para
um aluno. — Contudo, a lenda de que a senhorita fala é tão
sensacionalista e até
tão absurda que...
A classe inteira ficou pendurada em cada palavra que o
professor dizia.
Ele correu um olhar míope por todos, rosto por rosto virado
em sua direção.
Harry percebeu que ele estava completamente desconcertado
por aquela
manifestação incomum de interesse.
— Ah, muito bem — disse vagarosamente. — Vejamos... A Câmara
Secreta...
— Os senhores todos sabem, é claro, que Hogwarts foi fundada
há mais
de mil anos... a data exata é incerta... pelos quatro maiores bruxos e
bruxas da
época. As quatro casas da escola foram batizadas em
homenagem a eles:
Godrico Gryffindor, Helga Hufflepuff, Rowena Ravenclaw e
Salazar Slytherin. Eles
construíram este castelo
juntos, longe dos olhares curiosos dos trouxas, porque
era uma época em que a magia era temida pelas pessoas
comuns, e os bruxos e
bruxas sofriam muitas perseguições.
Ele fez uma pausa, percorreu a sala com os olhos
lacrimejantes e
continuou:
— Durante alguns anos, os fundadores trabalharam juntos, em
harmonia, procurando jovens que revelassem sinais de talento
em magia e
trazendo-os para serem educados no castelo. Mas então
surgiram os
desentendimentos. Ocorreu uma cisão entre Slytherin e os
outros. Slytherin queria
ser mais seletivo com relação aos estudantes admitidos. Ele
acreditava que o
aprendizado de magia devia ser mantido no âmbito das famílias inteiramente
mágicas. Desagradava-lhe admitir alunos de pais trouxas, pois os achava pouco
dignos de confiança. Passado algum tempo houve uma séria
discussão sobre o
assunto entre Slytherin e Gryfflndor, e Slytherin abandonou
a escola.
O Profº. Binns parou de novo, contraindo os lábios,
parecendo uma velha
tartaruga enrugada.
— É o que nos contam as fontes históricas confiáveis. Mas
estes fatos
honestos foram obscurecidos pela lenda fantasiosa da Câmara
Secreta. Segundo
ela, Slytherin construiu uma câmara secreta no castelo, da
qual os outros nada
sabiam. Slytherin teria selado a Câmara Secreta de modo que ninguém pudesse
abri-la até que o seu legítimo herdeiro chegasse a escola. Somente o herdeiro
seria capaz de abrir a Câmara Secreta, libertar o horror que
ela encerrava e usá-lo
para expurgar a escola de todos que não fossem dignos de
estudar magia.
Fez-se silêncio quando ele acabou de contar a história, mas
não foi o de
sempre, o silêncio modorrento que dominava as aulas do
Profº. Binns. Havia no
ar um certo constrangimento enquanto todos continuavam a
olhá-lo, esperando
mais. O Profº. Binns fez um ar ligeiramente aborrecido.
— A história inteira é um perfeito absurdo, é claro.
Naturalmente, a escola
foi revistada à procura de provas da existência dessa
câmara, muitas vezes, pelos
bruxos e bruxas mais cultos. Ela não existe. Uma história
contada para assustar
os crédulos.
A mão de Mione voltou a se erguer.
— Professor.. O que foi exatamente que o senhor quis dizer
com "o horror
que a câmara encerra"?
— Acredita-se que haja algum tipo de monstro, que somente o herdeiro
de Slytherin pode controlar — respondeu o Profº. Binns com sua voz seca e
esganiçada.
Os alunos trocaram olhares nervosos.
— Afirmo que a coisa não existe — disse ele folheando suas
anotações. -Não há Câmara alguma e monstro algum.
— Mas, professor — perguntou Simas Finnigan —, se a Câmara
só pode
ser aberta pelo verdadeiro herdeiro de Slytherin, ninguém
mais seria capaz de
encontrá-la, não é?
— Bobagem, Flaherty — disse o Profº. Binns, num tom
irritado. — Se uma
longa sucessão de diretores e diretoras de Hogwarts não
encontraram a coisa...
— Mas, professor — ouviu-se a voz fina de Parvati Paúl —, a
pessoa
provavelmente terá de usar Magia Negra para abri-la...
— Só porque um bruxo não usa Magia Negra não significa que
não
possa, senhorita Pennyfeather —
retrucou oProfº. Binns. — Eu
repito, se uma
pessoa como Dumbledore...
— Mas talvez a pessoa tenha que ser parente de Slytherin, por isso
Dumbledore não poderia... — começou Dino Thomas, mas para o
professor aquilo
já era demais.
— Basta — disse com rispidez. — É um mito! Não existe! Não há a
mínima prova de que Slytherin tenha algum dia construído sequer um
armário secreto de vassouras! Arrependo-me de ter contado
aos senhores uma
história tão tola. Vamos voltar, façam-me o favor, à história, aos fatos sólidos,
criveis e verificáveis!
E em cinco minutos a classe voltara a mergulhar em seu
torpor habitual.
— Eu sempre soube que Salazar Slytherin era um velho maluco
e tortuoso
— contou Rony a Harry e Mione enquanto tentavam passar pelo
corredor
apinhado de alunos ao fim das aulas, para guardarem as
mochilas antes do jantar
— Mas não sabia que ele é quem tinha começado toda essa história
de puro
sangue. Eu não ficaria na casa dele nem que me pagassem.
Francamente, se o
Chapéu Seletor tivesse tentado me mandar para Sonserina, eu
teria tomado o
trem de volta para casa...
Mione concordou fervorosamente, mas Harry não disse nada. Sentira o
estômago afundar e o comentário lhe causara mal estar.
Harry nunca contara a Rony e Mione que o Chapéu Seletor considerara
seriamente mandá-lo para Sonserina. Ainda lembrava, como se
fosse ontem, a
vozinha que lhe falara ao ouvido quando no ano anterior ele
colocara o chapéu na
cabeça:
“Você poderá ser grande, sabe, está tudo aí em sua cabeça, e
Sonserina
o ajudaria a galgar o caminho para a grandeza, não há
dúvida...”
Mas Harry, que já ouvira falar da reputação que tinha
Sonserina de
produzir bruxos das trevas, pensou desesperado:
"Sonserina, não!" e o chapéu lhe respondera:
"Bom, se você tem certeza...
então é melhor Grifinória...
Enquanto se deslocavam pela multidão, Colin Creevey passou.
— Oi, Harry!
— Olá, Colin — respondeu Harry automaticamente.
— Harry, Harry, um garoto da minha classe anda dizendo que
você...
Mas Colin era tão pequeno que não conseguiu resistir à maré
de gente
que o empurrava em direção ao Salão Principal; eles ouviram sua voz
pequenininha:
— Vejo você depois, Harry! — e desapareceu.
— O que será que um garoto da classe dele anda dizendo de
você? —
perguntou Mione.
— Que sou o herdeiro de Slytherin, imagino — disse Harry, o estômago
afundando mais uns dois centímetros e ele, de repente,
lembrou-se de
Justino Finch-Fletchey fugindo dele na hora do almoço.
— O pessoal daqui acredita em qualquer coisa — disse Rony
desgostoso.
A multidão foi-se esgarçando e eles puderam subir a escada
seguinte sem
dificuldade.
— Você naturalmente acha que existe uma Câmara Secreta? —
perguntou Rony a Mione.
— Não sei — respondeu ela franzindo a testa. — Dumbledore
não
conseguiu curar Madame Nor-r-ra, e isto me faz pensar que
aquilo que a atacou
talvez não fosse... Bem... Humano.
Ao falar, eles dobraram um canto e se viram no fim do
mesmíssimo
corredor em que ocorrera o ataque. Pararam e olharam. A cena
era exatamente a
daquela noite, exceto que não havia nenhum gato duro pendurado no porta-archote, e havia uma
cadeira encostada na parede em que se lia a mensagem "A
Câmara Secreta foi Aberta".
— É onde Filch tem estado de guarda — murmurou Rony.
Eles se entreolharam. O corredor estava deserto.
— Não faria mal algum dar uma espiada por aí — disse Harry,
largando a
mochila e ficando de quatro de modo a poder engatinhar à
procura de pistas.
— Marcas de fogo! — disse. — Aqui... E aqui...
— Venham só dar uma espiada nisso! — chamou Mione. — Que
coisa
engraçada...
Harry se levantou e foi até a janela junto à mensagem na
parede. Mione
estava apontando o caixilho superior da janela, onde havia
umas vinte aranhas
correndo e brigando para entrar em uma pequena fenda. Um fio
longo e prateado
estava pendurado como uma corda, como se todas o tivessem
usado na pressa
de sair.
— Vocês já viram aranhas se comportarem assim? — perguntou Mione
pensativa.
— Não — disse Harry —, e você, Rony? Rony?
Ele olhou por cima do ombro. Rony estava parado bem longe e
parecia
lutar contra o impulso de correr.
— Que aconteceu?— perguntou Harry.
— Eu... Não... Gosto... De aranhas — disse Rony muito tenso.
— Eu nunca soube disso — comentou Mione, olhando para Rony
surpresa. — Você usou aranhas na aula de Poções um monte de
vezes...
— Não me importo quando estão mortas — explicou Rony, que
tomava o
cuidado de olhar para todo lado menos para a janela. — Não
gosto do jeito como
elas andam...
Hermione riu.
— Não tem graça — disse Rony, furioso. — Se precisa mesmo
saber,
quando eu tinha três anos, Fred transformou o meu... Meu
ursinho numa enorme
aranha nojenta porque eu quebrei a vassoura de brinquedo
dele... Você
também detestaria aranhas se estivesse segurando um urso e
de repente ele
ganhasse um monte de pernas e...
Ele estremeceu, sem terminar a frase. Mione continuava
obviamente a
fazer força para não rir. Harry, achando que era melhor mudarem de assunto,
disse:
— Vocês se lembram daquela água toda no chão? De onde terá
vindo?
Alguém a enxugou.
— Estava mais ou menos por aqui — disse Rony, recobrando-se
para
andar até um pouco além da cadeira de Filch e apontar.
— Na altura desta porta.
Ele levou a mão à maçaneta de latão mas, de repente, puxou a
mão como
se tivesse se queimado.
— Que foi? — perguntou Harry.
— Não posso entrar aí — explicou impaciente. — É o banheiro das
garotas.
— Ah, Rony, não vai ter ninguém ai — disse Mione, ficando em pé e
se aproximando. — É o lugar da Murta Que Geme.
Vamos, vamos dar uma olhada.
E desconsiderando o grande aviso de INTERDITADO, ela abriu a
porta.
Era o banheiro mais escuro, mais deprimente em que Harry já
entrara. O
piso estava molhado e refletia a luz fraca dos tocos de vela que brilhavam nos
castiçais: as portas de madeira dos boxes estavam descascadas e arranhadas e
uma delas se soltara das dobradiças.
Mione levou o dedo aos lábios e se encaminhou para o último boxe. Ao
chegar, disse:
— Olá, Murta, como vai?
Harry e Rony foram olhar. A Murta Que Geme estava flutuando
acima da
caixa de descarga do vaso, cutucando uma manchinha no
queixo.
— Isto aqui é um banheiro de garotas — disse ela, olhando
desconfiada
para Rony e Harry. — Eles não são garotas.
— Não — concordou Mione. — Eu só queria mostrar a eles
como... Ah... É
bonitinho aqui.
Ela fez um gesto vago indicando o velho espelho sujo e o
piso molhado.
— Pergunte a ela se viu alguma coisa — pediu Harry
disfarçando.
— Que é que você está cochichando? — perguntou Murta,
encarando-o.
— Nada — disse Harry depressa. — Queríamos perguntar...
— Eu gostaria que as pessoas parassem de falar às minhas
costas! —
disse Murta numa voz engasgada de choro. — Eu tenho
sentimentos, sabe,
mesmo que morta...
— Murta, ninguém quer aborrecê-la — disse Mione. — Harry
só...
— Ninguém quer me aborrecer! Essa é boa! — uivou Murta.
— Minha vida foi uma infelicidade só neste lugar, e agora as pessoas
aparecem para estragar a minha morte!
— Nós queríamos perguntar se você viu alguma coisa esquisita
ultimamente — falou Mione depressa. — Porque uma gata foi
atacada bem ali na
porta de entrada, no Dia das Bruxas.
— Você viu alguém por aqui naquela noite? — perguntou Harry.
— Eu não estava prestando atenção — respondeu a Murta teatralmente.
— Pirraça me aborreceu tanto que entrei aqui e tentei me matar.
Depois, é claro,
lembrei-me que já estou... Que estou...
— Morta — disse Rony querendo ajudar.
Murta soltou um soluço trágico, subiu no ar, deu uma cambalhota e
mergulhou de cabeça no vaso, espalhando água neles e
desaparecendo de vista,
embora pela direção dos seus soluços abafados, devesse ter
ido pousar em algum
ponto da curva em U.
Harry e Rony ficaram boquiabertos, mas Mione deu de ombros
cansada e
disse:
— Francamente, vindo da Murta isto foi quase animador...
Vamos, vamos
embora.
Harry mal fechara aporta, abafando os soluços gargarejantes
de Murta,
quando uma voz alta fez os três darem um salto.
— RONY!
Percy Weasley tinha estacado de repente no alto da escada, a
insígnia de
monitor reluzindo e uma expressão de absoluto choque no
rosto.
— Isto é um banheiro de garotas! Que é que você...?
— Só estava dando uma olhada — Rony sacudiu os ombros.
— Pistas, sabe...
Percy inchou de um jeito que lembrou a Harry, com
eloqüência, a Sra.
Weasley.
— Suma... Daqui... — disse Percy, caminhando em direção a
eles e
começando a afugentá-los, agitando os braços. — Vocês não se
importam com o
que isto parece? Voltarem aqui enquanto todos estão
jantando...
— Por que não deveríamos estar aqui? — retrucou Rony
exaltado,
parando de repente para encarar Percy. — Olhe aqui, nunca pusemos um dedo
naquela gata!
— Foi o que eu disse a Gina — respondeu Percy com ferocidade
—, mas
ainda assim ela parece pensar que você vai ser expulso,
nunca a vi tão
perturbada, chorando de se acabar, você poderia pensar nela,
todos os alunos de
primeiro ano estão excitadíssimos com essa história...
— Você nem se importa com a Gina — disse Rony, cujas orelhas
agora
estavam vermelhas. — Você só está preocupado que eu estrague
suas chances
de se tornar monitor-chefe...
— Cinco pontos a menos para a Grifinória! — disse Percy
concisa e
autoritariamente, levando a mão à insígnia de monitor.
— E espero que isto seja uma lição para vocês! Nada de
trabalho de
detetive ou vou escrever para a mamãe!
E saiu a passos firmes, a nuca tão vermelha quanto as
orelhas de Rony.
Àquela noite, Harry, Rony e Mione escolheram poltronas na
sala comunal
o mais afastado possível de Percy. Rony continuava de muito
mau humor e não
parava de borrar com a pena o dever de Feitiços. Quando ele esticou a mão
distraidamente para remover os borrões, ela tocou fogo no
pergaminho.
Fumegando quase tanto quanto o seu dever, Rony fechou com estrondo o Livro
Padrão de Feitiços, 2ª série. Para surpresa de Harry Mione
fez o mesmo.
— Mas quem é que pode ser? — perguntou ela baixinho, como se
estivesse continuando uma conversa já iniciada. — Quem iria querer afugentar
todos os abortos e trouxas de Hogwarts?
— Vamos pensar — disse Rony fingindo-se intrigado. — Quem é
que
conhecemos que acha que os que nascem trouxas são escória?
Ele olhou para Mione. Mione retribuiu o olhar sem se
convencer.
— Se você está pensando no Draco...
— Claro que estou! — exclamou Rony. — Você ouviu quando ele
disse:
"Você será o próximo, Sangue Ruim!", vem cá, a
gente só precisa olhar para
aquela cara nojenta de rato para saber que é de...
— Draco, o herdeiro de Slytherin? — disse Mione cética.
— Olha só a família dele — disse Harry, fechando os livros
também. —
Todos foram da Sonserina; ele está sempre se gabando disso.
Podiam muito
bem ser descendentes de Slytherin. O pai dele decididamente
é bem malvado.
— Eles poderiam ter guardado a chave para a Câmara Secreta durante
séculos! — disse Rony. — Passando-a de pai para filho...
— Bem — disse Mione, cautelosa —, suponhamos que seja
possível...
— Mas como vamos provar isso? — disse Harry deprimido.
— Talvez haja um jeito — disse Mione pausadamente, baixando
a voz
ainda mais e lançando um breve olhar a Percy do outro lado
da sala. — Claro que
seria difícil. E perigoso, muito perigoso. Estaríamos
desrespeitando umas
cinqüenta normas da escola, acho...
— Se, dentro de mais ou menos um mês, você tiver vontade de
explicar,
você nos avisa, não é? — disse Rony, irritado.
— Muito bem — disse Mione friamente. — O que precisamos é
entrar na
sala comunal da Sonserina e fazer umas perguntas a Draco,
sem ele perceber
que somos nos.
— Mas isto é impossível — exclamou Harry enquanto Rony dava
risada.
— Não, não é — disse Mione. — Só precisaríamos de um pouco
de
Poção Polissuco.
— Que é isso? — indagaram Rony e Harry juntos.
— Snape mencionou essa poção na aula há umas semanas...
— Você acha que não temos nada melhor a fazer na aula de
Poções do
que prestar atenção a Snape? — resmungou Rony.
— Ela transforma você em outra pessoa. Pense só nisso!
Poderíamos
nos transformar em alunos da Sonserina. Ninguém saberia que
somos nós. Draco
provavelmente nos contaria qualquer coisa. Provavelmente anda se gabando
disso na sala comunal da Sonserina neste instante, se ao
menos pudéssemos
ouvi-lo.
— Essa história de Polissuco me parece meio suspeita — disse
Rony,
franzindo a testa. — E se a gente acabasse parecendo três
alunos da Sonserina
para sempre?
— Sai depois de algum tempo — disse Mione, fazendo um gesto
de
impaciência. — Mas conseguir arranjar a receita vai ser muito difícil. Snape
falou que estava em um livro chamado “Pociones Muy Potentes”
e vai ver está na
Seção Reservada da biblioteca.
Só havia um jeito de retirar um livro da Seção Reservada: O aluno
precisava de uma permissão escrita do professor.
— Vai ser difícil entender por que queremos o livro — disse
Rony —, se
não temos intenção de preparar uma das poções.
— Acho — disse Mione — que se fizermos parecer que só
estamos
interessados na teoria, talvez haja uma chance...
— Ah, qual é, nenhum professor vai cair nessa — disse
Rony.
— Teria que ser muito tapado...
CAPÍTULO DEZ
O Balaço Errante
Desde o desastroso episódio com os diabretes, o Profº. Lockhart não
trouxera mais seres vivos para a aula. Em vez disso, lia
trechos dos seus livros
para os alunos, e, por vezes, dramatizava algumas passagens
mais pitorescas.
Em geral ele escolhia Harry para ajudá-lo nessas
dramatizações; até aquele
momento o garoto fora obrigado a representar um camponês
simplório da
Transilvânia, de quem Lockhart curara um feitiço de
gagueira, um iéti com um
resfriado na cabeça e um vampiro que se tornara incapaz de
comer outra coisa a
não ser alface, depois que Lockhart dera um jeito nele.
Harry foi chamado à frente da classe na aula seguinte de
Defesa contra as
Artes das Trevas, desta vez para representar um lobisomem.
Se não tivesse uma
boa razão para deixar Lockhart de bom humor, ele teria se
recusado.
— Um belo uivo, Harry, exato, e então, queiram acreditar, eu
saltei sobre
ele, assim, joguei-o contra a porta, assim, consegui contê-lo com uma das
mãos, com a outra apontei a varinha para o pescoço dele, e então reuni toda a
força que me restava e lancei o Feitiço Homorfo, muitíssimo
complicado, e ele
soltou um gemido de dar pena... Vamos, Harry mais alto, bom,
o pêlo dele
desapareceu, as presas encurtaram, e ele voltou a virar homem.
Simples, mas
eficiente, e mais uma aldeia que se lembrará de mim para
sempre como o herói
que os salvou do terror dos ataques de lobisomem.
A sineta tocou e Lockhart ficou em pé.
— Dever de casa... Compor um poema sobre a minha vitória
sobre o
lobisomem de Wagga Wagga! Exemplares autografados de O Meu
Eu Mágico
para o autor do melhor trabalho!
Os alunos começaram a sair. Harry voltou ao fundo da sala,
onde Rony e
Mione esperavam.
— Prontos? — murmurou Harry.
— Espere até todos saírem — pediu Mione nervosa. — Certo...
Ela se aproximou da mesa de Lockhart, um papelzinho seguro
firmemente
na mão, Harry e Rony logo atrás.
— Ah... Profº. Lockhart? — gaguejou Mione. — Eu queria...
Retirar este
livro da biblioteca.
Só para ter uma idéia geral do assunto. — Ela estendeu o
papelzinho, a mão ligeiramente trêmula. — Mas o problema é
que ele é guardado
na Seção Reservada da biblioteca, então preciso que um
professor autorize, tenho
certeza de que o livro me ajudaria a entender o que o senhor
diz em Como se
Divertir com Vampiros sobre os venenos de ação retardada...
— Ah, Como se divertir com vampiros!— exclamou Lockhart
apanhando o
papelzinho de Hermione e lhe dando um grande sorriso. —
Possivelmente é o livro
de que mais gosto. Você gostou?
— Gostei — disse Hermione depressa. — Muito esperto o modo
com que
o senhor apanhou aquele último, com o coador de chá...
— Bem, tenho certeza de que ninguém vai se importar que eu
dê à melhor
aluna do ano uma ajudinha extra — disse Lockhart calorosamente,
e puxou uma
enorme pena de pavio. — Bonita, não é? — disse ele,
interpretando mal a
expressão de indignação no rosto de Rony. — Em geral eu a
uso para autografar
livros.
Ele rabiscou uma enorme assinatura cheia de floreios no
papel e
devolveu-o a Hermione.
— Então, Harry — disse Lockhart, enquanto Hermione dobrava o
papel
com dedos nervosos e o guardava na mochila. — Creio que
amanhã é a primeira
partida de Quadribol da temporada. Grifinória contra
Sonserina, não é? Ouvi dizer
que você é um jogador muito útil. Eu também fui apanhador.
Convidaram-me para
tentar a seleção nacional, mas preferi dedicar minha vida à erradicação das
Forças das Trevas. Ainda assim, se algum dia você achar que precisa de um
treino pessoal, não hesite em me pedir. Fico sempre feliz de passar minha
experiência a jogadores menos capazes...
Harry fez um barulhinho discreto na garganta e saiu correndo atrás de
Rony e Hermione.
— Eu não acredito — disse ele quando os três examinaram a
assinatura
no papel. — Ele nem olhou o nome do livro que queríamos.
— É porque ele é um panaca desmiolado — disse Rony. — Mas
quem se
importa, temos o que precisávamos...
— Ele não é um panaca desmiolado — disse Hermione em voz
alta
quando se dirigiam quase correndo à biblioteca.
— Só porque ele disse que você é a melhor aluna do ano...
Eles baixaram a voz ao entrar na quietude abafada da biblioteca.
Madame Pince, a bibliotecária, era uma mulher magra e irritável que parecia um
urubu subnutrido.
— Pociones Muy Potentes? — repetiu ela desconfiada, tentando
tirar a
autorização da mão de Hermione; mas a garota não deixou.
— Eu pensei que talvez pudesse guardar a autorização — disse
Hermione
ofegante.
— Ah, qual é? — protestou Rony, arrancando a autorização da
mão dela e
entregando-a a Madame Pince. — Nós lhe arranjamos outro autógrafo. Lockhart
assina qualquer coisa que fique parada tempo suficiente.
Madame Pince ergueu o papel contra a luz, como se estivesse
decidida a
descobrir uma falsificação, mas a autorização passou no
teste. Ela desapareceu
silenciosamente entre as estantes altas e voltou vários
minutos depois trazendo
um livro grande de aparência mofada. Hermione guardou-o cuidadosamente na
mochila e os três foram embora, procurando não andar
demasiado rápido nem
parecer muito culpados.
Cinco minutos depois, estavam barricados mais uma vez no
banheiro
interditado da Murta Que Geme. Hermione tinha vencido as
objeções de Rony
lembrando que seria o último lugar em que alguém sensato
iria, e com isso
garantiram alguma privacidade.
Murta Que Geme chorava alto no seu boxe, mas eles não lhe
prestavam
atenção nem a fantasma aos garotos.
Hermione abriu o Pociones Muy Potentes com cuidado, e os
três se
debruçaram sobre as páginas manchadas de umidade. Era claro, ao primeiro
olhar, a razão por que o livro pertencia à Seção Reservada.
Algumas das poções
produziam efeitos medonhos demais só de se imaginar, e havia algumas
ilustrações muito impressionantes, que incluíam um homem que
parecia ter virado
do avesso e uma bruxa com vários pares de braço que saíam da
cabeça.
— Aqui — exclamou, excitada, ao encontrar a página
intitulada “A Poção
Polissuco”. Estava decorada com desenhos de pessoas a meio
caminho de se
transformarem em outras. Harry sinceramente desejou que as
expressões de dor
intensa em seus rostos fossem imaginação do artista.
— Esta é a poção mais complicada que já vi — disse Hermione
quando
examinavam a receita. — Hemeróbios, sanguessugas, descutainia
e sanguinária
— murmurou ela, correndo o dedo pela lista de ingredientes.
— Bem, esses são
bem fáceis, estão no armário dos alunos, podemos tirar o que
precisarmos... Ah,
olhem só isso, pó de chifre de bicórnio, não sei onde vamos arranjar isso... Pele
de ararambóia picada, essa vai ser uma fria também... E, é
claro, um pedacinho
da pessoa em quem quisermos nos transformar.
— Dá para repetir isso? — pediu Rony ríspido. — Que é que
você quer
dizer com um pedacinho da pessoa em quem quisermos nos transformar? Não
vou tomar nada que tenha unhas do pé de Crabbe dentro...
Hermione continuou como se não tivesse ouvido o amigo.
— Ainda não temos que nos preocupar com isso, porque os
pedacinhos
só entram no fim...
Rony virou-se, sem fala, para Harry, que tinha outra
preocupação.
— Você percebe quanta coisa vamos ter que roubar, Mione?
Pele de
ararambóia picada, decididamente não está no armário dos
alunos. Que vamos
fazer, assaltar o estoque particular de Snape? Não sei se é
uma boa idéia...
Hermione fechou o livro com força.
— Bem, se vocês dois vão amarelar, ótimo. — Seu rosto se malhara de
vermelho vivo e os olhos cintilavam mais do que o normal. —
Eu não quero
desrespeitar o regulamento, vocês sabem muito bem. Acho que
ameaçar gente
que nasceu trouxa é muito mais sério do que preparar uma poção difícil. Mas
se vocês não querem descobrir se é o Draco, eu vou direto à
Madame Pince
agora mesmo e devolvo o livro, e...
— Eu nunca pensei que veria o dia em que você nos
convenceria a
desrespeitar o regulamento — disse Rony — Muito bem, nós
topamos. Mas unhas
dos pés não, está bem?
— E quanto tempo vai levar para preparar a poção? — perguntou Harry,
de cara feliz, quando Hermione reabriu o livro.
— Bom, uma vez que a descurainia tem que ser colhida na lua
cheia e
os hemeróbios precisam cozinhar durante vinte e um dias... Eu diria que vai
levar mais ou menos um mês para ficar pronta, se
conseguirmos todos os
ingredientes.
— Um mês? — exclamou Rony. — Até lá, Draco poderia atacar metade
dos nascidos trouxas na escola! — Mas os olhos de Hermione
tornaram a
se estreitar perigosamente e ela acrescentou depressa:
— Mas é o melhor plano que temos, portanto, vamos tocar para
frente a
todo vapor!
No entanto, quando Hermione foi verificar se a barra estava
limpa para
eles saírem do banheiro, Rony cochichou para Harry:
— Daria muito menos trabalho se você simplesmente derrubasse
Draco
da vassoura amanhã.
Harry acordou cedo no sábado e continuou deitado por algum
tempo,
pensando na partida de Quadribol que se aproximava. Estava
nervoso,
principalmente quando pensava no que Wood diria se a Grifinória perdesse, mas
também com a idéia de enfrentar um time montado nas
vassouras de corrida mais
velozes que o ouro podia comprar.
Nunca tivera tanta vontade de vencer a Sonserina. Depois de
passar meia
hora deitado ali com as tripas dando nós, ele se levantou,
se vestiu e desceu logo
para tomar café e já encontrou o resto dos jogadores da
Grifinória sentados juntos
à mesa comprida e vazia, todos parecendo nervosos e falando
muito pouco.
Á medida que às onze horas se aproximaram, a escola inteira
começou a
tomar o caminho do estádio de Quadribol.
Fazia um dia mormacento com sinais de trovoada no ar. Rony e
Hermione
vieram correndo desejar a Harry boa sorte quando ele ia
entrando no vestiário. O
time vestiu os uniformes vermelhos da Grifinória e depois se
sentou para ouvir a
preleção que Wood sempre fazia antes do jogo.
— Hoje, Sonserina tem vassouras melhores que nós — começou
ele. —
Não adianta negar. Mas nós temos jogadores melhores nas
nossas vassouras.
Treinamos com maior garra do que eles, estivemos no ar fosse qual fosse o
tempo... ("Quem duvida", murmurou Jorge Weasley. "Não sei o que é estar seco
desde agosto")... E vamos fazer com que eles se
arrependam do dia em que
deixaram aquele trapaceiro do Draco pagar para entrar no
time.
O peito arfando de emoção, Wood virou-se para Harry.
— Vai depender de você, Harry, mostrar a eles que um
apanhador tem
que ter mais do que um pai rico. Chegue ao pomo antes de
Draco ou morra
tentando, porque temos que vencer hoje, é muito simples.
— Por isso nada de pressioná-lo, Harry — disse Fred piscando
o olho.
Quando entraram no campo, foram saudados por um vozerio,
muitos
vivas, porque a Corvinal e a Lufa-Lufa estavam ansiosas para ver a Sonserina
derrotada, mas os alunos da Sonserina nas arquibancadas
vaiaram e assobiaram,
também. Madame Hooch, a professora de Quadribol, mandou
Flint e Wood se
apertarem as mãos, o que eles fizeram, lançando um ao outro
olhares
ameaçadores e pondo mais força no aperto que era necessário.
— Quando eu apitar — disse Madame hooch. -Três... Dois...
Um...
Com um rugido de incentivo das arquibancadas, os catorze
jogadores
subiram em direção ao céu carregado. Harry foi mais alto do
que qualquer outro,
apertando os olhos à procura do pomo.
— Tudo bem aí, ó Cicatriz? — berrou Draco, passando por
baixo dele
como se quisesse mostrar a velocidade de sua vassoura.
Harry não teve tempo de responder. Naquele mesmo instante,
um pesado
balaço negro veio voando a toda em sua direção; ele o evitou
por tão pouco que
sentiu o balaço arrepiar seus cabelos ao passar.
— Esse foi por um triz, Harry! – disse Jorge, emparelhando
com ele de
bastão na mão, pronto para rebater o balaço para os lados de um jogador
da Sonserina. Harry viu Jorge dar uma forte bastonada na
direção de
Adriano Pucey, mas o balaço mudou de rumo em pleno ar e tornou a voar direto
para Harry.
O garoto mergulhou depressa para evitá-lo, e Jorge conseguiu
atingir o
balaço com força na direção de Draco. Mais uma vez, o balaço
voltou como um
bumerangue e disparou contra a cabeça de Harry.
Harry imprimiu velocidade à vassoura e voou para o outro
extremo do
campo. Ouvia o assobio do balaço vindo em seu encalço. Que
estava
acontecendo? Os balaços nunca se concentravam em um único
jogador; sua
função era tentar desmontar o maior número possível de
jogadores...
Fred Weasley aguardava o balaço no outro extremo. Harry se
abaixou
quando Fred rebateu o balaço com toda força, desviando-o de
curso.
— Peguei você! — berrou Fred alegremente, mas estava
enganado; como
se estivesse magneticamente atraído para Harry, o balaço saiu atrás dele outra
vez, e o garoto foi forçado a voar a toda velocidade.
Começara a chover; Harry sentiu grossos pingos de chuva
caírem em seu
rosto, molhando seus óculos. Não tinha a menor idéia do que
estava acontecendo
no jogo até ouvir Lino Jordan, locutor da partida, dizer:
"Sonserina na liderança,
sessenta a zero...”
As vassouras superiores da Sonserina obviamente estavam
dando conta
do recado, enquanto o balaço furioso estava fazendo o
possível para tirar Harry do
ar.
Fred e Jorge agora voavam tão junto dele, um de cada lado,
que Harry
não via nada exceto braços se agitando no ar e não tinha
chance de procurar o
pomo, muito menos de apanhá-lo.
— Alguém... Alterou... Esse... Balaço... — rosnou Fred,
brandindo o
bastão com toda força quando o balaço desfechou um novo
ataque contra Harry.
— Precisamos de tempo — disse Jorge, tentando
simultaneamente fazer
sinal a Wood e impedir o balaço de quebrar o nariz de Harry.
Wood obviamente entendera o sinal. O apito de Madame Hooch soou e
Harry, Fred e Jorge mergulharam até o chão, ainda tentando
evitar o
balaço maluco.
— Que está acontecendo? — perguntou Wood quando o time da
Grifinória
se reuniu à sua volta ao som das vaias da Sonserina.
— Estamos sendo arrasados. Fred, Jorge, onde é que vocês
estavam
quando aquele balaço impediu Angelina de fazer gol?
— Estávamos seis metros acima dela, impedindo outro balaço
de matar
Harry, Olivio — respondeu Jorge aborrecido. — Alguém alterou
aquele balaço, ele
não deixa o Harry em paz. E não tentou pegar mais ninguém o tempo todo. O
pessoal da Sonserina deve ter feito alguma coisa com ele.
— Mas os balaços estiveram trancados na sala de Madame Hooch
desde
o nosso último treino, e não havia nada errado com eles... —
disse Wood, ansioso.
Madame Hooch veio andando em direção ao grupo. Por cima do
ombro
Harry viu o time da Sonserina caçoando e apontando para ele.
— Escutem — disse Harry ao vê-la chegar cada vez mais perto
—, com
vocês dois voando em volta de mim o tempo todo o único jeito
de apanhar
aquele pomo é ele entrar voando na minha manga. Se juntem ao
resto do time e
deixem que eu cuido do balaço errante.
— Não seja burro — disse Fred. — Ele vai arrancar sua
cabeça.
Wood olhava de Harry para os Weasley.
— Olivio, isso é loucura — disse Alicia Spinnet zangada. —
Você não
pode deixar o Harry enfrentar aquela coisa sozinho. Vamos pedir uma
investigação...
— Se pararmos agora, perderemos a partida! — disse Harry. — E não
vamos perder para a Sonserina só por causa de um balaço
maluco! Anda,
Olivio, diz para eles me deixarem em paz!
— Isto é tudo culpa sua — disse Jorge furioso com Wood. —
"Apanhe o
pomo ou morra tentando", que coisa idiota para dizer a
ele...
Madame Hooch se reunira aos jogadores.
— Estão prontos para recomeçar a partida? — perguntou a
Wood.
Wood olhou para a expressão decidida no rosto de Harry.
— Muito bem. Fred, Jorge, vocês ouviram o que Harry disse, deixem-no
em paz e deixem que ele cuide do balaço sozinho.
A chuva caía mais pesada agora. Ao apito de Madame Hooch,
Harry deu
um forte impulso para o alto e ouviu o assobio que indicava que o balaço vinha
atrás dele. Ganhou cada vez mais altura; fez loops e subiu,
espiralou,
ziguezagueou e balançou.
Mesmo ligeiramente tonto, mantinha os olhos bem abertos, a
chuva
molhando seus óculos e entrando por suas narinas quando ele
voava de barriga
para cima, evitando outro mergulho furioso do balaço. Ele
ouvia as risadas do
público; sabia que devia estar parecendo muito idiota, mas o
balaço errante era
pesado e não podia mudar de direção tão rápido quanto Harry;
o garoto começou
a voar pela orla do estádio como se estivesse em uma montanha-russa,
procurando ver as balizas
da Grifinória através da cortina prateada de chuva.
Adrian Pucey tentava ultrapassar Wood...
Um assobio no ouvido de Harry lhe disse que o balaço deixara
de acertá-lo por pouco outra vez; ele imediatamente deu meia-volta e disparou
na direção
oposta.
— Está treinando para fazer balé, Potter? — berrou Draco quando Harry
foi obrigado a dar uma volta ridícula em pleno ar para evitar o balaço e fugir, o
balaço rastreando-o a pouco mais de um metro; e então,
virando-se para olhar
Draco cheio de ódio ele viu... O pomo de ouro. Pairava
poucos centímetros acima
da orelha esquerda de Draco, e o garoto, ocupado em rir-se
de Harry, não o vira.
Por um momento de agonia, Harry imobilizou-se no ar, sem
ousar voar na
direção de Draco, com medo de que ele olhasse para cima e
visse o pomo.
BAM.
Permanecera parado um segundo a mais. O balaço finalmente
atingi-o,
bateu no seu cotovelo e Harry sentiu o braço rachar. Sem
enxergar direito,
atordoado pela terrível dor no braço, escorregou para um lado da vassoura
encharcada, um joelho ainda enganchando-a por baixo, o braço
direito pendurado
inútil — o balaço retornava a toda para um segundo ataque,
desta vez mirando o
seu rosto , Harry desviou-se, uma idéia alojada com firmeza
no cérebro
entorpecido: chegar até Draco.
Através da névoa de chuva e dor, ele mergulhou em direção à
cara
debochada abaixo dele e viu os olhos de Draco se arregalarem de medo. O
garoto achou que Harry ia atacá-lo.
— Que di...— exclamou, inclinando-se para longe de Harry.
Harry tirou a mão boa da vassoura e tentou agarrar o pomo às cegas;
sentiu os dedos se fecharem sobre a bola fria, mas agora só estava preso à
vassoura pelas pernas, e ouviu-se um urro das arquibancadas
quando ele rumou
direto para o chão, tentando por tudo não desmaiar.
Ele bateu no chão, levantando lama, e rolou para o lado para desmontar
da vassoura.
Seu braço estava pendurado num ângulo muito estranho; varado
de
dor, ele ouviu, como se fosse à grande distância, muitos assobios e gritos.
Focalizou o pomo seguro na mão boa.
— Aha — disse vagamente. — Ganhamos.
E desmaiou.
Voltou a si, a chuva batendo no rosto, ainda deitado no
campo, com
alguém debruçado sobre ele. Viu um brilho de dentes.
— Ah, o senhor, não — gemeu.
— Ele não sabe o que está dizendo — falou Lockhart em voz
alta para o
ajuntamento de alunos da Grifinória que cercavam ansiosos os
dois. — Não
se preocupe Harry. Já vou endireitar o seu braço.
— Não! — exclamou Harry. -Vou ficar com ele assim, obrigado...
O garoto tentou se sentar, mas a dor foi terrível. Ele ouviu
um clique
conhecido ali por perto.
— Não quero uma foto deste momento, Colin — disse em voz
alta.
— Deite-se, Harry — mandou Lockhart acalmando-o. — É um
feitiço muito
simples que já usei muitíssimas vezes...
— Por que não posso simplesmente ir para a ala hospitalar? —
disse
Harry com os dentes cerrados.
— Ele devia mesmo, professor
— disse um enlameado Wood, que não
pôde deixar de sorrir mesmo com o seu apanhador machucado. — Grande
captura, Harry, realmente espetacular, a melhor que já fez,
eu diria...
Por entre a floresta de pernas à sua volta, Harry viu Fred e
Jorge Weasley,
lutando para enfiar o balaço errante numa caixa. A bola continuava a resistir
ferozmente.
— Afastem-se — pediu Lockhart, enrolando as mangas de suas
vestes
verde-jade.
— Não... Não faça isso... — disse Harry com a voz fraca, mas Lockhart
agitava a varinha e um segundo depois apontou-a diretamente
para o braço de
Harry.
Uma sensação estranha e desagradável surgiu no ombro de Harry e se
espalhou até a ponta dos dedos da mão. Era como se o braço estivesse se
esvaziando. Ele nem se atreveu a verificar o que estava
acontecendo. Fechara os
olhos, virara o rosto para longe do braço, mas os seus
piores temores se
confirmaram, as pessoas em volta exclamaram e Colin Creevey
começou a
fotografar furiosamente.
Seu braço não doía mais — e nem
de longe se parecia
com um braço.
— Ah — disse Lockhart. — É, às vezes isso pode acontecer.
Mas o
importante é que os ossos não estão mais fraturados. Isto é
o que se precisa ter
em mente. Então, Harry, vá, dê uma chegada na ala
hospitalar, ah, Sr. Weasley,
Srta. Granger, podem acompanhá-lo? E Madame Pomfrey
poderá... Hum... Dar
um jeito nisso.
Quando Harry se levantou, sentiu-se estranhamente inclinado para um
lado. Tomando fôlego, olhou para baixo, para o braço
direito. O que ele viu quase
o fez desmaiar de novo.
Pela manga das vestes saía uma
coisa que lembrava
uma grossa luva de borracha cor de pele. Ele tentou mexer os dedos. Nada
aconteceu. Lockhart
não emendara os ossos de Harry Ele os removera.
Madame Pomfrey não ficou nada satisfeita.
— Você deveria ter vindo me procurar diretamente! — dizia
furiosa,
erguendo a lamentável sobra do que fora, meia hora antes, um braço útil. —
Posso emendar ossos num segundo, mas fazê-los crescer outra
vez...
— A senhora vai conseguir, não é? — perguntou Harry
desesperado.
— Claro que vou, mas vai ser doloroso — disse Madame Pomfrey
sombriamente, atirando um pijama para Harry. — Você vai ter
que passar a
noite...
Hermione esperava do outro lado da cortina que fora fechada
em torno da
cama de Harry, enquanto Rony o ajudava a vestir o pijama.
Levou algum tempo
para enfiar na manga o braço mole e sem ossos.
— Como é que você consegue defender o Lockhart agora,
Hermione,
hein? — Rony perguntou através da cortina enquanto puxava os
dedos inertes de
Harry pelo punho da manga. — Se Harry quisesse ser desossado
ele teria pedido.
— Qualquer um pode se enganar — respondeu Hermione. — E não
está
doendo mais, está Harry?
— Não — disse Harry, entrando na cama. — Mas também não faz
mais
nada.
Quando ele se deitou, o braço balançou molemente.
Hermione e Madame Pomfrey deram a volta à cortina.
Madame Pomfrey vinha segurando um garrafão de alguma coisa
rotulada
Esquelesce.
— Você vai enfrentar uma noite difícil — disse, servindo um
copo grande
de boca larga e fumegante e entregando-o a Harry.
— Fazer ossos crescerem de novo é uma coisa complicada. E
tomar
Esquelesce, também.
O liquido queimou a boca e a garganta de Harry e desceu,
fazendo-o
tossir e cuspir. Ainda lamentando os esportes perigosos e os
professores ineptos,
Madame Pomfrey se retirou, deixando Rony e Hermione ajudarem
Harry a engolir
um pouco de água.
— Mas ganhamos — disse Rony, um grande sorriso se abrindo no
rosto.
— Foi uma captura e tanto a que você fez. A cara do
Malfoy... Ele parecia que ia
matar alguém...
— Eu queria saber como foi que ele alterou aquele balaço — disse
Hermione sombriamente.
— Podemos acrescentar mais esta à lista de perguntas que
vamos fazer a
ele quando tomarmos a Poção Polissuco — disse Harry
deixando-se afundar
nos travesseiros. — Espero que tenha um gosto melhor do que
esta coisa...
— Com pedacinhos de alunos da Sonserina dentro? Você deve
estar
brincando — disse Rony.
A porta do hospital se escancarou naquele momento. Imundos e
encharcados, os demais jogadores da Grifinória chegaram para
ver Harry.
— Incrível aquele vôo, Harry — disse Jorge. — Acabei de ver
Marcos Flint
berrando com Draco. Estava falando alguma coisa sobre ter o
pomo sobre
a cabeça e nem notar. Draco não parecia muito feliz.
Os jogadores tinham trazido bolos, doces e garrafas de suco de abóbora
que arrumaram em volta da cama de Harry e davam início ao
que prometia ser
uma festança, quando Madame Pomfrey apareceu como um tufão,
gritando:
— Esse menino precisa de descanso, precisa fazer crescer
trinta e três
ossos! Fora! FORA!
E Harry foi deixado sozinho, sem nada para distraí-lo da dor
horrível no
braço inerte.
Muitas horas depois, Harry acordou de repente numa escuridão
de breu e
deu um ligeiro ganido de dor: o braço agora parecia cheio de
grandes lascas. Por
um segundo ele pensou que fora isso que o acordara. Então,
com um choque de
terror, percebeu que alguém estava passando uma esponja em
sua testa.
— Fora daqui! — gritou ele alto e em seguida. — Dobby!
Os olhos arregalados, parecendo bolas de tênis, do elfo
doméstico
espiavam Harry na escuridão. Uma lágrima solitária escorria
pelo seu nariz longo
e fino.
— Harry Potter voltou para a escola — murmurou ele infeliz.
— Dobby
avisou e tornou a avisar Harry Potter. Ah, meu senhor, por
que não prestou
atenção em Dobby? Por que Harry Potter não voltou para casa
quando perdeu o
trem?
Harry se ergueu, apoiando-se nos travesseiros e empurrou
para longe a
esponja de Dobby.
— Que é que você está fazendo aqui? — perguntou. — E como
sabe que
perdi o trem?
O lábio de Dobby tremeu, e Harry foi assaltado por uma
repentina
suspeita.
— Foi você! — disse lentamente. — Você impediu a barreira de
nos deixar
passar!
— Com certeza, meu senhor — Dobby confirmou vigorosamente
com a
cabeça, as orelhas abanando. — Dobby se escondeu e esperou Harry Potter e
selou o portão, e Dobby teve que passar as mãos a ferro depois — mostrou a
Harry os dez dedos compridos enfaixados —, mas Dobby não se
importou, meu
senhor, porque pensou que Harry Potter estava seguro, e
Dobby nunca sonhou
que Harry Potter fosse chegar a escola por outro meio!
O elfo se balançava para frente e para trás, sacudindo a
cabeça feia.
— Dobby ficou tão chocado quando soube que Harry Potter
tinha voltado
a Hogwarts que deixou o jantar do seu dono queimar! Dobby nunca foi tão
açoitado, meu senhor...
Harry afundou de volta nos travesseiros.
— Você quase fez com que Rony e eu fôssemos expulsos — disse
furioso. — É melhor desaparecer antes que os meus ossos
voltem, Dobby, ou eu
ainda estrangulo você.
Dobby deu um leve sorriso.
— Dobby está acostumado com ameaças de morte, meu senhor. Em
casa, Dobby as recebe cinco vezes por dia.
O elfo assoou o nariz numa ponta da fronha imunda que usava,
parecendo
tão patético, que Harry sentiu a raiva se esvair contra a
sua vontade.
— Por que você usa isso, Dobby? — perguntou curioso.
— Isso, meu senhor? — disse Dobby, puxando a fronha. — Isto
é a marca
de escravidão do elfo doméstico, meu senhor. Dobby só pode
ser libertado
se seus donos o presentearem com roupas, meu senhorr. A
família toma cuidado
para não passar a Dobby nem mesmo uma meia, meu senhor, se
não ele fica livre
para deixar a casa para sempre.
Dobby enxugou os olhos saltados e disse de repente:
— Harry Potter precisa ir para casa! Dobby achou que o
balaço dele seria
suficiente para fazer..
— O seu balaço? — disse Harry, a raiva tornando a subir-lhe
a cabeça. —
Que é que você quer dizer com o seu balaço? Você fez aquele balaço tentar me
matar?
— Não matar, meu senhor, nunca matá-lo! — disse Dobby,
chocado. —
Dobby quer salvar a vida de Harry Potter! Melhor mandá-lo
para casa, seriamente
machucado, do que ficar aqui, meu senhor! Dobby só queria
que Harry Potter se
machucasse o bastante para ser mandado para casa!
— Só isso? — exclamou Harry furioso. — Suponho que você não
vai me
contar por que queria me mandar para casa aos pedaços?
— Ah, se ao menos Harry Potter soubesse! — gemeu Dobby, mais
lágrimas escorrendo pela fronha esfarrapada. — Se ele
soubesse o que significa
para nós, para os humildes, para os escravizados, para nos
escória do mundo
mágico! Dobby se lembra de como era quando
Ele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado
estava no auge dos seus poderes, meu senhor! Nós, elfos
domésticos, éramos
tratados como vermes, meu senhor! É claro que Dobby ainda é
tratado assim,
meu senhor — admitiu, enxugando o rosto na fronha.
— Mas em geral, meu senhor, a vida melhorou para gente como
eu desde
que o senhor venceu Ele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado. Harry
Potter sobreviveu,
e o poder do Lord das Trevas foi subjugado, e raiou uma nova
alvorada, meu
senhor, e Harry Potter brilhou como um farol de esperança
para todos nós que
achávamos que os dias de trevas nunca terminariam, meu
senhor... E agora, em
Hogwarts, coisas terríveis vão acontecer, talvez já estejam
acontecendo, e Dobby
não pode deixar Harry Potter ficar aqui, agora que a
história vai se repetir, agora
que a Câmara Secreta foi reaberta...
Dobby congelou, tomado de horror, e agarrou a jarra de água de Harry
sobre a mesa de cabeceira e quebrou-a na própria cabeça, desaparecendo de
vista. Um segundo depois, tornou a subir na cama, vesgo,
murmurando:
-Dobby ruim, Dobby muito ruim
— Então há uma Câmara Secreta! — sussurrou Harry. — E...
Você está
me dizendo que ela já foi aberta antes? Me conte, Dobby? Ele
agarrou o elfo pelo
pulso ossudo quando viu a mão dele tornar a se aproximar devagarinho da
jarra
de água. — Mas eu não nasci trouxa, como posso estar
ameaçado pela Câmara?
— Ah, meu senhor, não pergunte mais nada ao pobre Dobby. —
gaguejou
o elfo, os olhos enormes na escuridão. — Feitos tenebrosos
estão
sendo tramados em Hogwarts, mas Harry Potter não deve estar
aqui quando
acontecerem, vá para casa, Harry Potter, vá para casa. Harry
Potter não deve se
meter nisso, meu senhor, é perigoso demais...
— Quem é, Dobby? — perguntou Harry, mantendo o pulso de
Dobby
preso para impedi-lo de bater outra vez na cabeça com o
jarro de água. —
Quem abriu a Câmara? Quem a abriu da outra vez?
— Dobby não pode, meu senhor, Dobby não pode, Dobby não deve
falar!
— guinchou o elfo. — Vá para casa, Harry Potter, vá para
casa!
— Eu não vou a lugar nenhum! — respondeu Harry com
ferocidade. —
Uma das minhas melhores amigas nasceu trouxa; ela será a
primeira da lista se a
Câmara realmente foi aberta...
— Harry Potter arrisca a própria vida pelos amigos! — gemeu
Dobby
numa espécie de êxtase de infelicidade. — Tão nobre! Tão valente! Mas ele
precisa se salvar, deve, Harry Potter, não deve...
Dobby de repente congelou, suas orelhas de morcego estremeceram.
Harry ouviu, também. Havia ruído de passos no corredor.
— Dobby tem que ir! — suspirou o elfo, aterrorizado. Houve
um estalo
alto, e o punho de Harry subitamente não estava segurando
mais nada. Ele tornou
a afundar na cama, os olhos fixos no portal escuro da ala
hospitalar enquanto os
passos se aproximavam.
No momento seguinte, Dumbledore entrou de costas no dormitório,
usando uma longa camisola de lã e uma touca de dormir.
Carregava uma
extremidade de alguma coisa que parecia uma estátua. A
Profª. McGonagall
apareceu um segundo depois, carregando os pés. Juntos, eles depositaram a
carga sobre uma cama.
— Chame Madame Pomfrey — sussurrou Dumbledore, e a Profª.
McGonagall desapareceu rapidamente de vista, passando pelos
pés da cama de
Harry. O garoto ficou deitado muito quieto, fingindo que
dormia. Ouviu vozes
urgentes e então a Profª. McGonagall reapareceu, seguida de
perto por Madame
Pomfrey, que vestia um casaquinho por cima da camisola. Ele ouviu alguém
inspirar com força.
— Que aconteceu? — cochichou Madame Pomfrey para Dumbledore,
debruçando-se sobre a estátua na cama.
— Mais um ataque — respondeu Dumbledore. — Minerva
encontrou-o na
escada.
— Havia um cacho de uvas ao lado dele — disse a professora.
—
Achamos que ele estava tentando chegar aqui escondido para
visitar Potter. O
estômago de Harry deu um tremendo salto. Lenta e
cuidadosamente, ele se
ergueu alguns centímetros para poder ver a estátua na cama. Um raio de luar
iluminava o rosto de expressão fixa.
Era Colin Creevey. Seus olhos estavam arregalados e, as
mãos, erguidas
diante dele, segurando a máquina fotográfica.
— Petrificado? — sussurrou Madame Pomfrey.
— Está — respondeu a Profª. McGonagall. — Mas estremeço de
pensar...
Se Alvo não estivesse descendo para tomar um chocolate
quente... Quem sabe o
que poderia...
Os três contemplaram Colin. Então Dumbledore se curvou e
tirou a
máquina fotográfica das mãos rígidas do menino.
— Você acha que ele conseguiu bater uma foto do atacante? —
perguntou
a professora, ansiosa.
Dumbledore não respondeu. Abriu a máquina.
— Meu Deus! — exclamou Madame Pomfrey.
Um jato de vapor saiu sibilando da máquina. Harry, a três
camas de
distância, sentiu o cheiro acre do plástico queimado.
— Derretidas — disse Madame Pomfrey pensativa. — Todas
derretidas...
— O que significa isto, Alvo? — perguntou pressurosa a
Profª.
McGonagall.
— Significa que de fato a Câmara Secreta foi reaberta.
Madame Pomfrey levou a mão à boca.
McGonagall arregalou os olhos para Dumbledore.
— Mas, Alvo... Com certeza... Quem?
— A pergunta não é quem — disse Dumbledore, com os olhos
postos em
Colin. — A pergunta é, como...
E pelo que Harry pôde ver do rosto sombreado da Profª.
McGonagall, ela
não entendia muito mais que ele.
CAPÍTULO ONZE
O Clube dos Duelos
Harry acordou no domingo de manhã e deparou com o dormitório
iluminado pela luz do sol de inverno e seu braço curado,
embora ainda muito duro.
Sentou-se depressa e olhou para a cama de Colin, mas
tinham-na escondido com
a cortina alta por trás da qual Harry trocara de roupa no
dia anterior. Ao ver que o
paciente acordara, Madame Pomfrey entrou apressada, trazendo
uma bandeja
com o café da manhã e então começou a dobrar e a esticar o
braço e os dedos
dele.
— Tudo em ordem — disse enquanto ele comia mingau,
desajeitado, com
a mão esquerda. — Quando terminar de comer pode ir.
Harry se vestiu o mais rápido que pôde e correu a torre da
Grifinória, doido
para contar a Rony e Hermione o que acontecera com Colin e
Dobby, mas não
os encontrou lá. Saiu de novo a procurá-los, imaginando aonde poderiam ter
precisado ir, e se sentindo um pouco magoado que os amigos
não estivessem
interessados se ele recuperara ou não os ossos.
Quando passou pela porta da biblioteca, Percy Weasley ia
saindo, com a
cara muito mais animada do que na última vez que tinham se
encontrado.
— Ah, alô, Harry. Vôo excelente ontem, realmente excelente.
Grifinória
acabou de assumir a liderança na disputa da Taça das Casas, você marcou
cinqüenta pontos!
— Você não viu o Rony ou a Mione, viu? — perguntou Harry.
— Não — respondeu Percy, o sorriso desaparecendo do rosto.
— Espero que Rony não esteja metido em outro banheiro de
meninas...
Harry forçou uma risada, esperou Percy desaparecer de vista
e em
seguida rumou direto para o banheiro de Murta Que Geme. Não conseguindo
entender por que Rony e Hermione estariam lá de novo e,
depois de se certificar
que nem Filch nem outros monitores andavam por ali, abriu a
porta e ouviu vozes
que vinham de um boxe trancado.
— Sou eu — disse, fechando a porta. Ouviu um estrépito, água
se
espalhando e uma exclamação no interior de um boxe e
vislumbrou os olhos de
Mione espiando pelo buraco da fechadura.
— Harry Você nos deu um baita susto, entre, como está o seu
braço?
— Ótimo — respondeu Harry espremendo-se dentro do boxe.
Havia um
velho caldeirão encarrapitado em cima do vaso e uma série de
estalos informaram
a Harry que os amigos tinham acendido um fogo embaixo. Conjurar fogos
portáteis, à prova de água, era uma especialidade de
Hermione.
— Pretendíamos ir ao seu encontro, mas decidimos começar a
Poção
Polissuco — explicou Rony enquanto Harry, com dificuldade, tornava a trancar o
boxe.
— Decidimos que este era o lugar mais seguro para
escondê-la.
Harry começou a contar aos dois o que acontecera com Colin,
mas
Hermione o interrompeu.
— Já sabemos, ouvimos a Profª. McGonagall contar ao Profº.
Flitwick hoje
de manhã.
Foi por isso que decidimos começar...
— Quanto mais cedo a gente obtiver uma confissão de Draco,
melhor —
rosnou Rony. — Sabem o que é que eu penso? Ele estava tão
furioso depois’do
jogo de Quadribol, que descontou no Colin.
— Mas há outra coisa — disse Harry, observando Hermione
picar feixes
de sanguinárias e jogá-los na poção. — Dobby veio me visitar
no meio da noite.
Rony e Hermione ergueram a cabeça, espantados. Harry contou
tudo que
Dobby dissera — ou deixara de contar a ele.
Os dois escutaram boquiabertos.
— A Câmara Secreta já foi aberta antes? — exclamou Hermione.
— Isso esclarece tudo — disse Rony em tom triunfante. — Lúcio Malfoy
deve ter aberto a Câmara quando esteve aqui na escola e
agora ensinou ao
nosso querido Draco como fazer o mesmo. É óbvio. Mas eu bem
gostaria que
Dobby tivesse lhe dito que tipo de monstro tem lá dentro.
Quero saber como é que
ninguém reparou nele rondando a escola.
— Talvez ele consiga ficar invisível — disse Hermione,
empurrando as
sanguessugas para o fundo do
caldeirão. — Ou talvez possa se disfarçar,
fingir que é uma armadura ou uma coisa qualquer, já li a
respeito de vampiros-camaleôes...
— Você lê demais, Hermione — disse Rony, despejando os
hemeróbios
mortos por cima das sanguessugas.
Amassou o saco vazio e olhou para Harry.
— Então o Dobby impediu a gente de pegar o trem e quebrou o
seu
braço... -Ele abanou a cabeça. — Sabe de uma coisa, Harry?
Se ele não parar de
tentar salvar a sua vida vai acabar matando você.
A noticia de que Colin Creevey fora atacado e agora se
achava deitado
como morto na ala hospitalar espalhou-se pela escola inteira
até a manhã de
domingo. A atmosfera carregou-se de boatos e suspeitas. Os alunos do primeiro
ano agora andavam pelo castelo em grupos unidos, como se tivessem medo de
ser atacados, caso se aventurassem a andar sozinhos.
Gina Weasley, que se sentava ao lado de Colin Creevey na
aula de
Feitiços, parecia atormentada, mas Harry achou que era
porque Fred e Jorge
estavam tentando animá-la do jeito errado. Revezavam-se para
assaltá-la pelas
costas, cheios de pêlos e pústulas. Só pararam quando Percy,
apoplético,
ameaçou escrever a Sra. Weasley e contar que Gina estava
tendo pesadelos.
Nesse meio tempo, escondido dos professores, assolava a
escola um
próspero comércio de talismãs, amuletos e outras mandingas
protetoras.
Neville Longbottom já
comprara um cebolão verde e malcheiroso, um cristal
pontiagudo e púrpura e um rabo podre de lagarto, quando os
outros alunos
da Grifinória lhe lembraram que ele não corria perigo; era
puro sangue e, portanto,
uma vítima pouco provável.
— Eles foram atrás de Filch primeiro — disse Neville, seu
rosto redondo
cheio de medo. — E todo mundo sabe que sou quase uma
aberração.
Na segunda semana de dezembro a Profª. McGonagall veio, como
sempre
fazia, anotar os nomes dos alunos que continuariam na escola
durante as festas
de Natal. Harry, Rony e Hermione assinaram a lista; ouviram
dizer que Draco ia
ficar também, o que acharam muito suspeito. As festas seriam
o momento
perfeito para usar a Poção Polissuco e tentar extrair do
garoto uma confissão.
Infelizmente a poção ainda estava na metade. Precisavam do chifre de
bicórnio e da pele de ararambóia, e o único lugar onde poderiam obtê-los era no
estoque particular de Snape. Pessoalmente Harry achava que
era preferível
encarar o monstro lendário da Sonserina a deixar Snape
apanhá-lo assaltando
sua sala.
— O que precisamos — disse Hermione, eficiente, quando se
aproximava
a aula dupla de Poções na quinta-feira à tarde — é de uma
distração. Então um de
nós pode entrar escondido na sala de Snape e tirar o que for
preciso.
Harry e Rony olharam para ela, nervosos.
— Acho que é melhor eu fazer o roubo propriamente dito — continuou
Hermione num tom trivial. — Vocês dois vão ser expulsos caso
se metam em mais
uma encrenca, mas eu tenho a ficha limpa. Então só o que têm
a fazer é causar
bastante confusão para distrair Snape por uns cinco minutos.
Harry deu um leve sorriso. Provocar confusão na aula de
Poções de
Snape era quase tão seguro quando espetar o olho de um
dragão adormecido.
A aula de Poções era dada em uma das masmorras maiores. A de
quinta-feira à tarde transcorreu como sempre. Vinte caldeirões fumegavam entre
as
carteiras de madeira, sobre as quais havia balanças e
frascos de ingredientes.
Snape andava por entre os vapores, fazendo comentários
mordazes sobre
o trabalho dos alunos da Grifinória, enquanto os da
Sonserina davam risadinhas
de aprovação. Draco Malfoy, que era o aluno favorito de Snape, não parava de
mostrar olhos de peixe baiacu para Rony e Harry, que sabiam
que se revidassem
receberiam uma detenção mais rápido do que conseguiriam
dizer "injustiça".
A Solução para Fazer Inchar que Harry preparou ficou muito
rala, mas ele
tinha coisas mais importantes em que pensar. Estava à espera do sinal de
Hermione, e mal ouviu quando Snape parou para caçoar do
ponto de sua poção.
Quando Snape deu as costas
para implicar com Neville, Hermione olhou para
Harry e fez um aceno com a cabeça.
Harry se abaixou depressa por trás do próprio caldeirão,
tirou do bolso um
dos fogos Filibusteiro de Fred e deu-lhe um leve toque com a
varinha. O fogo
começou a borbulhar e a queimar. Sabendo que só dispunha de
segundos, Harry
se levantou, mirou e atirou o fogo no ar; ele caiu dentro do
caldeirão de Boyle.
A poção de Goyle explodiu, chovendo sobre a classe inteira.
Os alunos
gritaram quando os borrifos da Solução para Fazer Inchar
caiu neles. Draco ficou
com a cara coberta de poção e seu nariz começou a inchar
como um balão; Goyle
saiu esbarrando nas coisas, as mãos cobrindo os olhos, que
tinham inchado até
atingir o tamanho de um prato. Snape tentava restaurar a calma e descobrir o
que estava acontecendo. Na confusão, Harry viu Hermione
entrar discretamente
na sala do professor.
— Silêncio! SILÊNCIO! — rugiu Snape. — Os que receberam
borrifos,
venham aqui tomar uma Poção para Fazer Desinchar, quando eu
descobrir quem
foi o autor disso...
Harry procurou não rir ao ver Draco correr para frente da
sala, a cabeça
pendurada por causa do peso de um nariz do tamanho de um melão. Enquanto
metade da classe se arrastava até a mesa de Snape, alguns sobrecarregados
com braços grossos como bastões, outros com os lábios tão
inchados que não
conseguiam falar, Harry viu Hermione tornar a entrar,
sorrateiramente, na
masmorra, com a frente das vestes estufada.
Depois que todos tomaram uma dose do antídoto e seus
inchaços
murcharam, Snape foi até o caldeirão de Goyle e pescou os
restos retorcidos e
negros do fogo de artifício. Fez-se um silêncio repentino.
— Se eu um dia descobrir quem jogou isso — sussurrou Snape —
vou
garantir que esse aluno seja expulso.
Harry tomou o cuidado de fazer cara de espanto. Snape olhava
diretamente para ele, e a sineta que tocou dez minutos
depois não poderia ter sido
mais bem-vinda.
— Ele sabia que fui eu — disse Harry a Rony e a Hermione
enquanto
corriam para o banheiro da Murta Que Geme. — Eu senti.
Hermione jogou os novos ingredientes no caldeirão e começou
a misturá-los febrilmente.
— Vai ficar pronto daqui a duas semanas — anunciou
alegremente.
— Snape não pode provar que foi você — disse Rony
tranqüilizando
Harry. — Que é que ele pode fazer?
— Conhecendo Snape, uma maldade — disse Harry, enquanto a poção
espumava e borbulhava.
Uma semana mais tarde, Harry, Rony e Hermione iam atravessando o
saguão de entrada quando viram uma pequena aglomeração em
torno do quadro
de avisos, os alunos liam um pergaminho que acabara de ser
afixado. Simas
Finnigan e Dino Thomas fizeram sinal para eles se
aproximarem, com ar excitado.
— Vão reabrir o Clube dos Duelos! — disse Simas. — A
primeira reunião
é hoje à noite! Eu
não me importaria de tomar aulas de duelo; poderiam vir a
calhar um dia desses...
— Quê, você acha que o monstro da Sonserina sabe duelar? —
perguntou
Rony, mas também leu o aviso com interesse.
— Poderia vir a calhar — disse ele a Harry e Hermione quando
entraram
para jantar. — Vamos?
Harry e Hermione foram a favor do clube. Assim, às oito
horas daquela
noite os três voltaram correndo para o Salão Principal. As
longas mesas de jantar
tinham desaparecido e surgira um palco dourado encostado a
uma parede, cuja
iluminação era produzida por milhares de velas que flutuavam no alto. O teto
voltara a ser um veludo negro, e a maior parte da escola
parecia estar reunida sob
ele, as varinhas na mão e as caras animadas.
— Quem será que vai ser o professor? — disse Hermione
enquanto se
reuniam aos alunos que tagarelavam sem parar. — Alguém me
disse que Flitwick
foi campeão de duelos quando era moço, talvez seja ele.
— Desde que não seja... — Harry começou, mas terminou com um
gemido:
Gilderoy Lockhart vinha entrando no palco, resplandecente em
suas
vestes ameixa-escuras, acompanhado por ninguém mais do que Snape, em sua
roupa preta habitual.
Lockhart acenou um braço pedindo silêncio e disse em voz
alta:
— Aproximem-se, aproximem-se! Todos estão me vendo? Todos
estão
me ouvindo? Excelente! O Profº. Dumbledore me deu permissão
para começar um
pequeno clube de duelos, para treiná-los, caso um dia
precisem se defender,
como eu próprio já precisei fazer em inúmeras ocasiões, quem
quiser conhecer os
detalhes, leia os livros que publiquei.
— Deixem-me apresentar a vocês o meu assistente, Profº. Snape —,
disse Lockhart, dando um largo sorriso. — Ele me conta que
sabe alguma coisa
de duelos e desportivamente concordou em me ajudar a fazer uma breve
demonstração antes de começarmos. Agora, não quero que
nenhum de vocês se
preocupe, continuarão a ter o seu professor de Poções mesmo
depois de eu o
derrotar, não precisam ter medo!”
— Não seria bom se os dois acabassem um com o outro? —
cochichou
Rony ao ouvido de Harry.
O lábio superior de Snape crispou-se. Harry ficou imaginando
por que
Lockhart continuava a sorrir; se Snape estivesse olhando para ele daquele
jeito, Harry já estaria correndo o mais depressa que pudesse
na direção oposta.
Lockhart e Snape se viraram um para o outro e se cumprimentaram
com
uma reverência; pelo menos, Lockhart cumprimentou com muitos meneios,
enquanto Snape curvou a cabeça, irritado. Em seguida, os
dois ergueram as
varinhas como se empunhassem espadas.
— Como vocês vêem, estamos segurando nossas varinhas na
posição de
combate normalmente adotada — disse Lockhart aos alunos em
silêncio —
Quando contarmos três, lançaremos os primeiros feitiços.
Nenhum de nós está
pretendendo matar, é claro.
— Eu não teria certeza disso — murmurou Harry, observando Snape
arreganhar os dentes.
— Um... Dois... Três...
Os dois ergueram as varinhas acima da cabeça e as apontaram para o
oponente; Snape exclamou:
— Expelliarmus! —
Viram um lampejo vermelho ofuscante e Lockhart foi
lançado para o alto: voou para os fundos do palco, colidiu
com a parede, foi
escorregando e acabou estatelado no chão.
Draco e outros alunos da Sonserina deram vivas. Hermione dançava nas
pontas dos dedos para ver melhor.
— Vocês acham que ele está bem? — guinchou tampando a boca
com a
mão.
— Quem se importa? — responderam Harry e Rony juntos.
Lockhart foi-se levantando tonto. Seu chapéu caíra e os
cabelos
ondulados estavam em pé.
— Muito bem! — disse, cambaleando de volta ao palco. — Isto
foi um
Feitiço de Desarmamento, como viram, perdi minha varinha, ah, muito obrigado,
Srta. Brown... Sim, foi uma excelente demonstração, Profº.
Snape, mas se não se
importa que eu diga, ficou muito óbvio o que o senhor ia
fazer, se eu tivesse
querido detê-lo teria sido muito fácil, mas achei mais
instrutivo deixá-los ver...
Snape tinha uma expressão assassina no rosto. Lockhart possivelmente
notou porque acrescentou:
— Chega de demonstrações! Vou me reunir a vocês agora e
separá-los
aos pares. Prof.
Snape, se o senhor quiser me ajudar...
Os dois caminharam entre os alunos, formando os pares.
Lockhart juntou Neville com Justino Finch-Fletchley, mas
Snape chegou
até Harry e Rony primeiro.
— Acho que está na hora de separar a equipe dos sonhos —
caçoou. —
Weasley você luta com Finnigan. Potter...
Harry virou-se automaticamente para Hermione.
— Acho que não — disse Snape, sorrindo estranhamente. — Sr.
Malfoy,
venha cá. Vamos ver o
que o senhor faz com o famoso Potter. E a senhorita,
pode fazer par com a Srta. Bulstrode.
Draco se aproximou com arrogância, sorrindo. Atrás dele
caminhava uma
garota da Sonserina, que lembrava a Harry uma foto que vira
em Férias com
Bruxas Malvadas. Era
grande e atarracada, e seu queixo pesado se projetava
para a frente, agressivamente.
Hermione lhe deu um breve sorriso que ela não retribuiu.
— De frente para os seus parceiros! — mandou Lockhart, de
volta ao
tablado. — E façam uma reverência!
Harry e Draco mal inclinaram as cabeças, e não tiraram os
olhos um do
outro.
— Preparar as varinhas! — gritou Lockhart. — Quando eu
contar três,
lancem seus feitiços para desarmar os oponentes, apenas para
desarmá-los, não
queremos acidentes, um... Dois... Três...
Harry ergueu a varinha bem alto, mas Draco começara no
"dois" e seu
feitiço atingiu Harry com tanta força que parecia que ele
levara uma frigideirada
na cabeça. Ele cambaleou, mas tudo parecia estar em ordem,
e, sem perder mais
tempo, Harry apontou a varinha direto para Draco e gritou:
— Rictusempra!
Um jorro de luz prateada atingiu Draco no estômago e ele se
dobrou, com
dificuldade de respirar.
— Eu disse desarmar apenas! — gritou Lockhart assustado por
cima das
cabeças dos combatentes, quando Draco caiu de joelhos; Harry
o golpeara com
o Feitiço das Cócegas, e ele mal conseguia se mexer de tanto rir. Harry recuou,
com a vaga impressão de que seria pouco esportivo enfeitiçar
Draco ainda no
chão, mas isso foi um erro; tomando fôlego, Draco apontou a varinha para os
joelhos de Harry, e disse engasgado:
— Tarantallegra! —, e no segundo seguinte as pernas de Harry
começaram a sacudir descontroladas numa espécie de marcha
rápida.
— Parem! Parem! — berrou Lockhart, mas Snape assumiu o
controle.
— Finite Incantatem! — gritou ele; os pés de Harry pararam de dançar.
Draco parou de rir e eles puderam erguer a cabeça.
Uma névoa de fumaça verde pairava sobre a cena. Neville e
Justino
estavam caídos no chão, ofegantes; Rony estava segurando um
Simas branco
feito papel, pedindo desculpas pelo que sua varinha quebrada
pudesse ter feito;
mas Hermione e Emília Bulstrode ainda lutavam; Emilia dera uma chave de
cabeça em Hermione, que choramingava de dor; as varinhas das duas jaziam
esquecidas no chão.
Harry deu um salto à frente e fez Emilia soltar Hermione.
Foi difícil: a
garota era muito maior do que ele.
— Ai, ai-ai, ai-ai — exclamou Lockhart, passando por entre
os duelistas,
para ver o resultado das lutas. — Levante, Macmillan...
Cuidado, Miss Fawcett...
Aperte com força, vai parar de sangrar em um segundo,
Boot...
— Acho que é melhor ensinar aos senhores como se bloqueia
feitiços
hostis —, disse Lockhart, parando no meio salão. Ele olhou para Snape, cujos
olhos negros brilhavam, e desviou rápido o seu olhar. — Vamos arranjar um par
voluntário, Longbottom e Finch-Fletchley, que tal vocês...
— Uma má idéia, Profº. Lockhart — disse Snape, deslizando
até ele como
um enorme morcego malévolo. — Longbottom causa devastação
até com o
feitiço mais simples. Vamos ter que mandar o que sobrar de
Finch-Fletchley para
a ala hospitalar em uma caixa de fósforos. — O rosto redondo
e rosado de Neviile
ficou ainda mais rosado. — Que tal Malfoy e Potter? —
sugeriu Snape com um
sorriso enviesado.
— Ótima idéia! — disse Lockhart, fazendo um gesto para Harry
e Draco
irem para o meio do salão, enquanto os demais alunos se
afastavam para lhes dar
espaço.
— Agora, Harry — disse Lockhart. — Quando Draco apontar a
varinha
para você, você faz isto.
Ele ergueu a própria varinha, tentou um complicado floreio e
deixou-a cair.
Snape abriu um sorriso quando Lockhart a apanhou depressa,
dizendo:
— Epa, minha varinha está um tanto excitada demais...
Snape aproximou-se de Draco, curvou-se e sussurrou alguma
coisa em
seu ouvido. O garoto riu também. Harry ergueu os olhos,
nervoso, para Lockhart
e disse:
— Professor, podia me mostrar outra vez como se bloqueia?
— Apavorado? — murmurou Draco, falando baixo para Lockhart
não
poder ouvi-lo.
— Querias! — respondeu harry pelo canto da boca.
Lockhart deu uma palmada bem-humorada no ombro de Harry.
— Faça exatamente como fiz, Harry!
— O quê, deixar cair a varinha?
Mas Lockhart não estava mais escutando.
— Três... Dois... Um... Agora! — gritou ele.
Draco ergueu a varinha depressa e berrou:
— Serpensortia!
A ponta de sua varinha explodiu. Harry observou, perplexo,
uma comprida
cobra preta se materializar, cair pesadamente no chão entre
os dois e se
erguer, pronta para atacar.
Os alunos gritaram recuando rapidamente, abrindo
espaço.
— Não se mexa, Potter — disse Snape tranquilamente, sentindo
visível
prazer de ver Harry parado imóvel, cara a cara com a cobra irritada. — Vou dar
um fim nela...
— Permita-me! — gritou Lockhart. E brandiu a varinha para a cobra, ao
que se ouviu um grande baque; a cobra, em lugar de
desaparecer, voou três
metros no ar e tornou a cair no chão com um estrondo.
Enraivecida, sibilando
furiosamente, ela deslizou direto para Justino
Finch-Fletchley e se levantou de
novo, as presas expostas, armada para o bote.
Harry não teve certeza do que o fez agir assim. Nem ao menos
teve
consciência de decidir fazer o que fez. A única coisa que
soube foi que suas
pernas o impeliram para frente como se ele estivesse sobre
rodinhas e que gritou
tolamente para a cobra "Deixe-o em paz!" E
milagrosamente — inexplicavelmente
— a cobra desabou no chão, dócil como uma mangueira grossa e
preta de jardim,
seus olhos agora em Harry. Ele sentiu o medo dissolver-se.
Sabia que a cobra não
atacaria ninguém agora, embora não pudesse explicar como o
sabia.
Harry olhou para Justino, sorrindo, esperando o colega parecer aliviado,
intrigado ou até grato,— mas certamente não zangado nem
apavorado.
— De que é que você acha que está brincando? — gritou, e
antes que
Harry pudesse responder alguma coisa, Justino virou-lhe as
costas e saiu do salão
enfurecido.
Snape se adiantou, acenou a varinha e a cobra desapareceu com uma
pequena baforada de fumaça preta. Snape, também, olhou Harry de
modo inesperado: era um olhar astuto e calculista e Harry não gostou. Teve
também uma vaga consciência dos cochichos sinistros que
percorriam o salão.
Então sentiu alguém puxá-lo pelas vestes.
— Vamos — disse a voz de Rony ao seu ouvido. — Mexa-se,
vamos...
Rony guiou-o para fora do salão, Hermione corria para
acompanhá-los.
Quando atravessaram o portal, as pessoas de cada lado
recuaram como se
tivessem medo de apanhar uma doença. Harry não tinha a menor
idéia do que
estava acontecendo, e nem Rony nem Hermione explicaram nada até terem
arrastado o amigo até a sala comunal da Grifinória, naquele
momento vazia. Então
Rony empurrou Harry para uma poltrona e disse:
— Você é um ofidioglota. Por que não nos contou?
— Eu sou o quê? — perguntou Harry.
— Um ofidioglota! — disse Rony. — Você é capaz de falar com
as cobras!
— Eu sei. Quero dizer, é a segunda vez que faço isso. Uma
vez no
zoológico açulei, por acaso, uma jibóia contra o meu primo
Duda, uma longa
história... Ela estava me contando que nunca tinha estado no
Brasil e eu meio que
a soltei sem querer, isso foi antes de saber que era
bruxo.
— Uma jibóia contou a você que nunca tinha ido ao Brasil? —
repetiu
Rony baixinho.
— E daí? Aposto que um monte de gente aqui pode fazer isso.
— Ah, não. De jeito nenhum. Isto não é um dom muito
comum. Harry,
isto não é legal.
— O que não é legal? — disse Harry começando a ficar com
muita raiva.
— Qual é o problema com todo mundo? Escuta aqui, se eu não
tivesse dito àquela
cobra para não atacar Justino...
— Ah, então foi isso que você disse?
— Que quer dizer com isso? Vocês estavam lá, vocês me
ouviram...
— Ouvi você falar esquisito — disse Rony. — Língua de cobra.
Você
podia ter dito qualquer coisa, não admira que o Justino
tenha entrado em
pânico, parecia que você estava convencendo a cobra a fazer
alguma coisa, deu
arrepios, sabe...
Harry ficou de boca aberta.
— Eu falei uma língua diferente? Mas, eu não percebi, como posso falar
uma língua sem saber que posso falá-la?
Rony sacudiu a cabeça. Tanto ele quanto Hermione faziam cara
de
enterro. Harry não conseguia entender o que havia de tão
horrível.
— Querem me dizer o que há de errado em impedir uma enorme
cobra de
arrancar a cabeça do Justino? Que diferença faz como foi que
eu fiz isso,
desde que o Justino não precise se associar ao clube dos
Caçadores Sem
Cabeça?
— Faz diferença, sim — disse Hermione, falando, afinal, num
tom abafado
—, porque a capacidade de falar com cobras foi o dom que
tornou Salazar
Slytherin famoso. É por isso que o símbolo da Sonserina é
uma serpente.
O queixo de Harry caiu.
— Exatamente — confirmou Rony. — E agora a escola inteira
vai pensar
que você é o tetra-tetra-tetra-tetra-neto ou coisa
parecida...
— Mas eu não sou — disse Harry, sentindo um pânico que não
conseguia
explicar.
— Você vai achar difícil provar isso — falou Hermione. — Ele
viveu há mil
anos; pelo que se sabe, você podia muito bem ser descendente
dele.
Harry ficou horas acordado àquela noite. Por uma fresta no cortinado em
volta da cama de colunas ele observou a neve começar a cair em floquinhos
diante da janela da torre e ficou imaginando...
Imaginando...
Será que podia ser descendente de Salazar Slytherin? Afinal
não sabia
nada sobre a família do seu pai. Os Dursley sempre o proibiram
de fazer
perguntas sobre parentes bruxos. Silenciosamente, Harry
tentou dizer alguma
coisa na língua das cobras. As palavras não saíram. Parecia que tinha de estar
cara a cara com uma cobra para isso.
Mas eu estou na Grifinória, pensou Harry. O Chapéu Seletor
não teria me
posto aqui se eu tivesse sangue de Slytherin...
Ah, disse uma vozinha perversa em seu cérebro, mas o Chapéu Seletor
queria pôr você na Sonserina, não se lembra?
Harry se virou na cama. Encontraria Justino no dia seguinte na aula de
Herbologia, e explicaria que detivera a cobra e não a instigara, o que (pensou
com raiva, socando o travesseiro) qualquer idiota teria
percebido.
Mas na manhã seguinte, a
neve que começara a cair de noite se
transformara numa nevasca tão densa que a última aula de
Herbología do período
letivo foi cancelada.
A Profª. Sprout queria pôr meias e echarpes nas mandrágoras,
uma
operação melindrosa que ela não confiaria a mais ninguém,
agora que era tão
importante as mandrágoras crescerem depressa para
ressuscitar Madame
Nor-r-ra e Colin Creevey.
Harry preocupava-se com isso sentado junto à lareira na sala
comunal da
Grifinória, enquanto Rony e Hermione aproveitavam o tempo
para jogar uma
partida de xadrez de bruxo.
— Pelo amor de Deus, Harry — disse Hermione exasperada,
quando um
bispo de Rony desmontou um cavalo dela e o arrastou para fora do tabuleiro. —
Vá procurar o Justino se isso é tão importante para você.
Então Harry se levantou e saiu pelo buraco do retrato,
imaginando onde
Justino poderia estar.
O castelo estava mais escuro do que normalmente era durante
o dia, por
causa da neve grossa e cinzenta que descia rodopiando pelo
lado de fora das
janelas. Transido de frio, Harry passou por salas onde havia
aulas, captando
vislumbres do que acontecia lá dentro. A Profª. McGonagall gritava com alguém
que, pelo que parecia, tinha transformado o colega em um
texugo. Harry passou
adiante, resistindo ao impulso de espiar para dentro e,
lembrando que Justino
talvez estivesse usando o tempo livre para tirar o
atraso em alguma matéria,
decidiu verificar primeiro na biblioteca.
Vários alunos da Lufa-Lufa que deviam estar na aula de
Herbologia se
achavam de fato sentados no fundo da biblioteca, mas não pareciam estar
trabalhando.
Entre as longas fileiras de estantes, Harry podia ver que
suas cabeças
estavam muito juntas e que aparentemente mantinham uma
conversa absorvente.
Não conseguia ver se Justino estava no grupo. Foi andando em
direção a eles e,
quando começou a ouvir alguma coisa do que diziam, parou
para escutar melhor,
escondido na seção da Invisibilidade.
— Então, em todo o caso — falava um menino forte —, eu disse
ao
Justino para se esconder no nosso dormitório. Quero dizer,
se Potter o escolheu
para sua próxima vítima, é melhor ele ficar pouco visível
por uns tempos.
— É claro que o Justino estava esperando uma coisa dessas
acontecer desde que deixou
escapar para o Potter que vinha de família trouxa.
Justino chegou até a contar que os pais tinham feito reserva
para ele em Eton. Isto
não é o tipo de coisa que se fale assim, com o herdeiro de
Slytherin à solta, não é
mesmo?
— Então decididamente você acha que é o Potter, Ernie? — perguntou,
ansiosa, uma menina loura de marias-chiquinhas.
— Ana — disse o garoto forte, solenemente —, ele é um
ofidioglota. Todo
mundo sabe que isso é a marca do bruxo das trevas. Você já
ouviu falar de um
bruxo decente que soubesse falar com cobras? Chamavam o
próprio Slytherin de
língua de serpente.
Seguiram-se muitos murmúrios depois disso e Ernie continuou:
— Lembram o que estava escrito na parede? Inimigos do herdeiro,
cuidado. Potter teve um problema com o Filch. Logo em
seguida a gata de Filch é
atacada.
Aquele aluno do primeiro ano, o Creevey, estava aborrecendo
Potter no jogo de
Quadribol, tirando fotos dele estirado na lama. Logo em
seguida, Creevey foi
atacado.
— Mas ele sempre pareceu tão gentil — disse Ana em dúvida —,
e foi
quem fez Você-Sabe-Quem desaparecer. Ele não pode ser tão
ruim assim, pode?
Ernie baixou a voz, misterioso, os alunos da Lufa-Lufa se
curvaram mais
para frente, e Harry se aproximou mais para poder captar as
palavras de Ernie.
— Ninguém sabe como foi que ele sobreviveu àquele ataque do Você-Sabe-Quem,
quero dizer, ele era só um bebê quando a
coisa toda aconteceu.
Devia ter explodido em pedacinhos. Só um mago das trevas
realmente poderoso
poderia ter sobrevivido a um ataque daqueles. — E baixando a
voz até quase um
sussurro, continuou: — Vai ver é por isso que Você-Sabe-Quem
queria matá-lo
para começar. Não queria outro bruxo das trevas concorrendo
com ele. Que
outros poderes será que o Potter anda escondendo?
Harry não conseguiu agüentar mais. Pigarreando alto, saiu de
trás das
estantes. Se não estivesse tão zangado, teria achado
engraçada a cena que o
aguardava: cada aluno da Lufa-Lufa parecia ter se
petrificado só devê-lo, e a cor
foi se esvaindo do rosto de Ernie.
— Olá — disse Harry. — Estou procurando o Justino
Finch-Fletchley.
Os receios dos garotos da Lufa-Lufa claramente se confirmaram. Todos
olharam cheios de medo para Ernie.
— Que é que você quer com ele? — perguntou Ernie com a voz
trêmula.
— Eu queria dizer a ele o que realmente aconteceu com aquela
cobra no
Clube dos Duelos.
Ernie mordeu os lábios brancos, tomou fôlego e disse:
— Nós estávamos todos lá. Vimos o que aconteceu.
— Então vocês repararam que depois que falei com a cobra ela
recuou?
— perguntou Harry.
— Só o que eu vi — disse Ernie, insistente, embora tremesse
enquanto
falava — foi você falando em língua de cobra e açulando o
bicho para cima de
Justino.
— Eu não açulei a cobra para cima dele! — protestou Harry a
voz trêmula
de raiva. — A cobra nem encostou nele!
— Por pouco. E caso você esteja tendo novas idéias —
acrescentou
depressa —, é melhor eu informá-lo que pode investigar minha família por nove
gerações de bruxos, e que o meu sangue é tão puro quanto o
de qualquer outro,
portanto...
— Não ligo a mínima para o tipo de sangue que você tem! —
tornou Harry
furioso. — Por que eu iria querer atacar pessoas que
nasceram trouxas?
— Ouvi falar que você detesta os trouxas com quem mora —
disse Ernie
na mesma hora.
— É impossível morar com os Dursley e não detestá-los. Eu
gostaria de
ver você no meu lugar.
E dando meia-volta, saiu furioso da biblioteca, ganhando um olhar de
reprovação de Madame Pince,
que estava lustrando a capa dourada de
um grande livro de feitiços.
Harry saiu pelo corredor às tontas, mal reparando aonde ia,
tal era a sua
fúria. O resultado foi que bateu em alguma coisa muito
grande e sólida, que o
derrubou no chão.
— Ah, olá, Hagrid — disse erguendo a cabeça.
O rosto de Hagrid estava inteiramente oculto pelo gorro de
lã
esbranquiçado de neve, mas não podia ser mais ninguém pois
ele
praticamente ocupava o corredor com aquele seu casacão de
pele de toupeira.
Um galo morto pendia de suas enorme mãos enluvadas.
— Tudo bem, Harry? — perguntou ele, empurrando o gorro para
trás para
poder falar. — Você não está em aula?
— Cancelada — disse Harry, levantando-se. — Que é que você
está
fazendo aqui?
Hagrid ergueu o galo inerte.
— É o segundo que matam neste período letivo — explicou. —
Ou é
raposa ou bicho-papão e preciso permissão do diretor para lançar um feitiço em
volta do galinheiro.
Por debaixo das sobrancelhas grossas e salpicadas de neve,
ele
examinou Harry com mais atenção.
— Você tem certeza de que está bem? Está cheio de calor e
zanga...
Harry não conseguiu se forçar a repetir o que Ernie e o
resto dos garotos
da Lufa-Lufa tinham andado dizendo.
— Não é nada. É melhor eu ir andando, Hagrid, a próxima aula
é
Transformações e tenho que apanhar meus livros.
Ele se afastou, a cabeça inchada com o que Ernie dissera a
seu respeito.
Harry subiu a escada batendo os pés e entrou em outro
corredor que
estava particularmente escuro; os archotes tinham sido
apagados por uma
corrente de ar forte e gelada que entrava por uma vidraça
solta. Estava na metade
do corredor quando caiu estendido em cima de uma coisa que
havia no chão.
Virou-se para ver melhor em cima do que caíra e sentiu o
estômago
derreter.
Justino Finch-Fletchley jazia no chão, duro e frio, uma
expressão de
choque fixa no rosto, os olhos, sem visão, voltados para o
teto. E não era tudo.
Ao lado dele outro vulto, a visão mais estranha que Harry já
encontrara.
Era Nick Quase Sem Cabeça, que agora deixara de ser
branco-pérola e
transparente e se tornara preto e fumegante, e que estava
imóvel na horizontal, a
mais de um metro e meio do chão. Sua cabeça estava quase
inteiramente solta, e
seu rosto tinha uma expressão de choque idêntica à de
Justino.
Harry ficou em pé, a respiração rápida e superficial, o
coração produzindo
uma espécie de rufo de tambor em suas costelas. Fora de si, olhou para um
lado do corredor deserto e para o outro e viu uma fila de
aranhas que se afastava
o mais depressa possível dos corpos. Os únicos sons que
ouvia eram as vozes
abafadas dos professores nas salas de aula de cada lado.
Poderia correr e ninguém saberia que estivera ali. Mas não
podia
simplesmente deixá-los caídos... Tinha que procurar ajuda.
Alguém acreditaria que ele não tivera nada a ver com aquilo?
Enquanto estava parado, cheio de pânico, uma porta se abriu
com uma
batida. Pirraça o poltergeist saiu em disparada.
— Ora, é o Potter Pirado! — zombou ele, entortando os óculos de Harry
ao passar por ele. — Que é que o Potter está aprontando? Por
que é que o Potter
está rondando...
Pirraça parou no meio de uma cambalhota no ar de cabeça para
baixo,
deparou com Justino e Nick Quase Sem Cabeça. Desvirou-se na
mesma hora,
encheu os pulmões de ar e, antes que Harry pudesse
impedi-lo, gritou:
— ATAQUE! ATAQUE! MAIS UM ATAQUE! NEM MORTAL NEM
FANTASMA ESTÃO SEGUROS! SALVEM SUAS VIDAS! ATAAÂAAQUE!
Bam — bam — bam — porta atrás de porta se escancarou ao
longo do
corredor que foi invadido por um mundão de gente. Durante vários minutos, a
cena era de tal confusão que Justino correu o risco de ser
esmagado, e as
pessoas não paravam de passar através de Nick Quase Sem Cabeça. Harry se
viu imprensado contra a parede enquanto os professores
gritavam pedindo calma.
A Profª. McGonagall veio correndo, seguida por seus alunos
em sua cola, um dos
quais ainda tinha os cabelos listrados de preto e branco.
Ela usou a varinha para
produzir um alto estampido e restaurar o silêncio, e mandou
todos de volta para as
salas de aula. Nem bem o corredor se esvaziara um pouco
quando Ernie, o garoto
da Lufa-Lufa chegou, ofegante, à cena.
— Apanhado na cena do crime! — berrou Ernie, o rosto lívido,
apontando
dramaticamente para Harry.
— Agora já chega, Macmillan! — disse a professora ríspida.
Pirraça subia
e descia no ar, e agora sorria malvadamente observando a
cena; adorava o caos.
Enquanto os professores se curvavam sobre Justino e Nick
Quase Sem
Cabeça, examinando-os, Pirraça começou a cantar:
— Ah, Potter, podre, veja o que você fez. Matar alunos não é nada
cortês...
— Já chega, Pirraça! — vociferou a Profª. McGonagall e Pirraça saiu
voando de costas e estirando a língua para Harry.
Justino foi levado para a ala hospitalar pelo Profº.
Flitwick e o Profº.
Sinistra, do departamento de astronomia, mas ninguém sabia o
que fazer com
Nick Quase Sem Cabeça. Por fim, a Profª. McGonagall conjurou
um grande leque
de ar, e entregou-o a Ernie com instruções para abanar Nick
Quase Sem Cabeça
até o andar de cima.
Ernie obedeceu e abanou Nick como se fosse um aerofólio
silencioso.
Assim Harry e a professora ficaram a sós.
— Por aqui, Potter — falou ela.
— Professora — disse Harry depressa —, eu juro que não...
— Isto não está mais em minhas mãos, Potter — interrompeu
ela
secamente.
Os dois caminharam em silêncio, viraram um canto e ela parou
diante de
uma gárgula de pedra feíssima.
— Gota de limão! — disse. Era evidentemente uma senha,
porque a
gárgula logo ganhou vida e afastou-se para o lado, ao mesmo
tempo que a parede
atrás dela se abria em dois. Mesmo temendo o que o
aguardava, Harry não pôde
deixar de se admirar. Atrás da parede havia uma escada em caracol que subia
suavemente, como uma escada rolante. Nem bem ele e a Profª.
McGonagall
pisaram nela, Harry ouviu a parede fazer um barulho seco e
se fechar às costas
dos dois. Subiram em círculos, cada vez mais altos, até que por
fim, ligeiramente
tonto, Harry viu uma porta de carvalho reluzindo à sua
frente, com uma aldrava em
forma de grifo.
Soube então aonde tinha sido levado. Ali devia ser a residência de
Dumbledore.
CAPÍTULO DOZE
A Poção Polissuco
No alto da escada eles desceram, a Profª. McGonagall bateu a
uma porta
que se abriu silenciosamente, e eles entraram. A professora
disse a Harry que
esperasse e o deixou ali, sozinho.
Harry olhou à volta. Uma coisa era certa: de todas as salas
de professores
que visitara até aquele dia, a de Dumbledore era de longe a
mais interessante.
Se não estivesse apavorado com a iminência de ser expulso da
escola,
ele teria ficado muito feliz com a oportunidade de
examiná-la.
Era uma sala bonita e circular, cheia de ruídos engraçados.
Havia vários
instrumentos de prata curiosos sobre mesas de pernas finas,
que giravam e
soltavam pequenas baforadas de fumaça. As paredes estavam
cobertas de
retratos de antigos diretores e diretoras, todos eles
cochilavam tranqüilamente em
suas molduras. Havia também uma enorme escrivaninha de pés
de garra, e,
pousado sobre uma prateleira atrás dela, um chapéu de bruxo
surrado e roto — o
Chapéu Seletor.
Harry hesitou. Lançou um olhar desconfiado às bruxas e
bruxos que
dormiam nas paredes. Certamente não faria mal se ele
apanhasse o chapéu e o
experimentasse outra vez? Só para ver.. Só para se
certificar de que ele o pusera
na casa certa...
Sem fazer barulho, deu a volta à escrivaninha, tirou o
chapéu da prateleira
e colocou-o devagarinho na cabeça. Era largo demais e lhe
cobriu os olhos,
exatamente como acontecera da primeira vez em que o
experimentara. Harry ficou
olhando a escuridão dentro do chapéu, à espera. Então uma
vozinha disse em seu
ouvido "Caraminholas na cabeça, Harry Potter?”
— Ah, é — murmurou Harry. — Ah, desculpe incomodá-lo, eu
queria
perguntar...
— Você anda se perguntando se o coloquei na casa certa —
disse o
chapéu inteligente. — Sei... Você foi particularmente
difícil de classificar. Mas
mantenho o que disse antes — o coração de Harry deu um salto
—, você teria se
dado bem na Sonserina...
O estômago de Harry afundou. Agarrou a ponta do chapéu e o tirou. Ele
pendeu inerte em sua mão, encardido e desbotado. Harry o
devolveu à
prateleira, sentindo-se mal.
— Você está enganado — disse em voz alta para o chapéu
imóvel e
silencioso que não se mexeu. Harry recuou, observando-o. Então, um
ruído estranho e sufocado atrás dele o fez virar.
Afinal não estava sozinho. Encarapitado em um poleiro
dourado, atrás da
porta, achava-se um pássaro de aparência decrépita que
lembrava um peru meio
depenado.
Harry o encarou, e o pássaro sustentou funestamente o seu
olhar,
tornando a fazer o mesmo ruído sufocado. Harry achou que ele
parecia muito
doente. Seus olhos estavam opacos e, mesmo enquanto Harry o
observava,
caíram mais algumas penas de sua cauda.
Harry estava pensando que só o que lhe faltava era o pássaro
de
estimação de Dumbledore morrer, enquanto estavam sozinhos
ali na sala, quando
o pássaro pegou fogo.
Harry gritou chocado e se afastou da mesa. Olhou ansioso em
volta para
ver se encontrava um copo de água em algum lugar, mas não
viu nenhum; o
pássaro, entrementes, transformara-se numa bola de fogo; o
pássaro deu um grito
alto e no segundo seguinte não restava nada dele, exceto um
monte de cinzas
fumegantes no chão.
A porta da sala se abriu. Dumbledore entrou com o ar muito
grave.
— Professor — ofegou Harry. — Seu pássaro, eu não pude fazer
nada,
ele simplesmente pegou fogo...
Para surpresa de Harry, Dumbledore sorriu.
— Já não era sem tempo. Ele tem andado com uma aparência
medonha
há dias; e venho dizendo a ele para se apressar.
E deu uma risadinha ao ver a cara de espanto de Harry.
— Fawkes é uma fênix, Harry. As fênix pegam fogo quando chega a
hora de morrer e tornar a renascer das cinzas. Olhe ele...
Harry olhou em tempo de ver um pássaro minúsculo,
amarrotado, recém-nascido botar a cabeça para fora das cinzas. Era tão feio
quanto o anterior.
— É uma pena que você a tenha visto no dia em que queimou —
disse Dumbledore, sentando-se na escrivaninha. — Na
realidade ela é muito
bonita quase o tempo todo, tem uma plumagem vermelha e dourada.
Criaturas
fascinantes, as fênix.
São capazes de sustentar cargas
pesadíssimas, suas
lágrimas têm poderes curativos e são animais de estimação
muitíssimo fiéis.
No choque de ver Fawkes pegando fogo, Harry se esquecera por
que
estava ali, mas tudo voltou à lembrança quando Dumbledore se
acomodou no
cadeirão à mesa e o encarou com aqueles seus olhos
azul-claros e penetrantes.
Mas antes que Dumbledore pudesse dizer outra palavra, a
porta da sala
se escancarou com estrondo, e Hagrid entrou, um olhar
selvagem nos olhos, o
gorro encarrapitado no alto da cabeça desgrenhada e o galo
morto ainda
balançando em uma das mãos.
— Não foi Harry Profº. Dumbledore! — disse Hagrid pressuroso. — Eu
estava falando com ele segundos antes daquele garoto ser
encontrado, ele
nunca teria tido tempo, meu senhor..
Dumbledore tentou dizer alguma coisa, mas Hagrid continuou
falando,
sacudindo o galo, agitado, fazendo voar penas para todo o
lado.
— ... Não pode ter sido ele, eu juro até na frente do Ministro da Magia
se precisar..
— Hagrid, eu...
— ... O senhor pegou o garoto errado, meu senhor, eu sei que
Harry
jamais...
— Hagrid. — disse Dumbledore em voz alta. — Eu não acho que
Harry
tenha atacado essas pessoas.
— Ah — acalmou-se Hagrid, o galo pendurado imóvel a um lado.
— Certo.
Então vou esperar lá fora, diretor.
E saiu num repelão, parecendo constrangido.
— O senhor não acha que fui eu, professor? — repetiu Harry
esperançoso
enquanto Dumbledore espanava as penas de galo de cima de sua
escrivaninha.
— Não, Harry, não acho. — seu rosto novamente grave. — Mas
ainda
assim quero falar com você.
Harry esperou nervoso enquanto Dumbledore o estudava, as
pontas dos
seus longos dedos juntas.
— Preciso lhe perguntar, Harry, se tem alguma coisa que você
gostaria de
me perguntar — disse gentilmente. — Qualquer coisa.
Harry não soube o que dizer. Pensou em Draco gritando:
"Vocês vão ser os primeiros, seus sangues-ruins!"
e na Poção de
Polissuco que estava cozinhando no banheiro da Murta Que
Geme. Depois
pensou na voz sem corpo que ouvira duas vezes e se lembrou
do que Rony
comentara: "Ouvir vozes que ninguém mais ouve não é bom
sinal, nem mesmo no
mundo dos bruxos." Pensou ainda no que todos andavam dizendo dele, e seu
pavor crescente era que estivesse de alguma forma ligado a
Salazar Slytherin...
— Não — disse Harry. — Não tem nada, não, professor..
O ataque duplo a Justino e a Nick Quase Sem Cabeça
transformou o que
até ali fora nervosismo em verdadeiro pânico. Curiosamente,
era o destino do
fantasma que mais parecia preocupar as pessoas. O que
poderia fazer aquilo a
um fantasma? Elas perguntavam umas às outras; que poder
terrível poderia fazer
mal a alguém que já estava morto? Houve quase uma corrida
para reservar
lugares no Expresso de Hogwarts que iria levar os alunos
para casa no Natal.
— Nesse ritmo, seremos os únicos a ficar para trás — disse
Rony a Harry
e Hermione. — Nós, Draco, Crabbe e Goyle. Que beleza de
férias vamos ter!
Crabbe e Goyle, que sempre acompanhavam o que Draco fazia,
tinham se
inscrito para permanecer na escola durante as férias também. Mas Harry ficou
contente de que a maioria das pessoas estivesse partindo.
Estava cansado de ser
evitado nos corredores, como se achassem que lhe fossem
crescer presas e
pudesse cuspir veneno a qualquer momento; cansado de ser
comentado, de ser
apontado, de levar vaias ao passar. Fred
e Jorge, porém, achavam muita graça
em tudo. Saiam do caminho para andar à frente de Harry nos
corredores, gritando:
"Abram caminho para o herdeiro de Slytherin, um bruxo
realmente maligno vai
passar...”
Percy desaprovava inteiramente esse comportamento.
— Não é motivo para graças — disse friamente.
— Ah, sai do caminho, Percy. Harry está com pressa.
— E, ele está indo para a Câmara Secreta tomar uma xícara de
chá com
seu criado de caninos afiados — disse Jorge, dando uma
risadinha debochada.
Gina também não achou graça nenhuma.
— Ah, não façam isso — choramingava todas as vezes que Fred
perguntava a Harry em voz alta quem ele pretendia atacar a
seguir, ou quando
Jorge, ao encontrar Harry fingia afugentá-lo com um grande
dente de alho.
Harry não se importava; sentia-se melhor que ao menos Fred e
Jorge
achassem a idéia de ele ser herdeiro de Slytherin muito
ridícula. Mas as
brincadeiras dos gêmeos pareciam estar irritando Draco, que amarrava cada vez
mais a cara sempre que os via aprontando.
— É porque está morrendo de vontade de dizer que o herdeiro é ele —
disse Rony com ar de quem sabe das coisas. — Vocês sabem que
Draco detesta
quando alguém o supera em alguma coisa, e você está
recebendo todo o crédito
pelo trabalho sujo que ele fez.
— Não será por muito tempo — anunciou Hermione com um tom de
satisfação. — A Poção Polissuco está quase pronta. Vamos extrair a verdade
dele a qualquer momento.
Enfim o período letivo terminou, e um silêncio profundo como
a neve
desceu sobre o castelo. Harry achou que o lugar ficara tranqüilo, em vez de
sombrio, e gostou do fato de que ele, Hermione e os Weasley
tivessem a Torre da
Grifinória só para eles, assim podiam brincar de snap explosivo à vontade sem
incomodar ninguém e praticar duelos sozinhos. Fred, Jorge e
Gina tinham
preferido ficar na escola à visitar Gui no Egito com o Sr. e
a Sra. Weasley. Percy,
que desaprovava o que chamava de comportamento infantil dos
gêmeos, não
passava muito tempo na sala comunal da Grifinória. Tinha
declarado
pomposamente que ele só ficara para o Natal porque era seu
dever, como
monitor, ajudar os professores em tempos tão tempestuosos.
A manhã de Natal despontou fria e branca. Harry e Rony, os
únicos que
tinham restado no dormitório, foram acordados muito cedo por
Hermione, que
entrou de repente, completamente vestida, trazendo presentes
para os dois.
— Acordem — disse em voz alta, afastando as cortinas da
janela.
— Mione, você não podia estar aqui... — disse Rony,
protegendo os olhos
da claridade.
— Feliz Natal para você também — disse a garota lhe atirando
um
presente. — Estou de pé há quase uma hora, acrescentando
hemeróbios à poção.
Está pronta.
Harry se sentou, de repente muito acordado.
— Tem certeza?
— Positivo — disse Hermione, empurrando Perebas, o rato,
para poder se
sentar na beirada da cama
de Rony. — Se vamos usá-la, eu diria que deve ser
hoje à noite.
Naquele momento, Edwiges entrou voando no quarto, trazendo
um
pequeno pacote no bico.
— Olá — disse Harry alegremente quando a coruja pousou na
cama dele.
— Você voltou a falar comigo?
Edwiges deu umas bicadinhas carinhosas na orelha dele, o que
foi um
presente muito melhor do que o que lhe trouxera, e que ele
descobriu ser uma
encomenda dos Dursley. Eles tinham enviado a Harry um palito
e um bilhete
pedindo a ele que verificasse se não poderia ficar em Hogwarts durante as férias
de verão também.
Os outros presentes que ganhara de Natal foram bem melhores.
Hagrid lhe mandou uma grande lata de bolinhos de chocolate, que Harry
decidiu deixar amolecer junto à lareira antes de comer; Rony
lhe deu um livro
chamado Voando com os Campeões, um livro de fatos
interessantes sobre o seu
time, de Quadribol favorito, e Hermione lhe comprou uma
caneta de luxo de pena
de águia. Harry abriu o último presente e encontrou um
suéter tricotado pela Sra.
Weasley e um grande bolo de Natal. Leu o cartão dela com uma nova onda de
remorsos, pensando no carro do Sr. Weasley (que não era
visto desde a colisão
com o Salgueiro Lutador), e a nova série de indisciplinas
que ele e Rony estavam
planejando.
Ninguém, nem mesmo alguém morto de medo de tomar a Poção
Polissuco, dali a pouco, poderia deixar de se alegrar com o
almoço de Natal em
Hogwarts.
O Salão Principal estava magnífico. Não só tinha uma dúzia
de árvores de
Natal cobertas de cristais de gelo e largas guirlandas de
visco e azevinho que
cruzavam o teto, como também caía uma neve encantada, morna
e seca.
Dumbledore puxou o coro de algumas de suas músicas de Natal
preferidas.
Hagrid cantava cada vez mais alto a cada taça de gemada de
vinho
quente que consumia. Percy, que não reparou que Fred havia
enfeitiçado o seu
distintivo de monitor — agora com os dizeres "Cabeça de
Alfinete" —, não parava
de perguntar aos garotos por que ficavam dando risadinhas.
Harry nem ligou que Draco Malfoy, sentado à mesa da Sonserina,
estivesse fazendo comentários altos e debochados sobre seu novo suéter. Com
um pouco de sorte, ele receberia o troco dentro de algumas
horas.
Harry e Rony mal tinham acabado de comer o terceiro prato de
pudim de
Natal quando Hermione os levou para fora do Salão para
finalizar os planos para
aquela noite.
— Ainda precisamos de uns pedacinhos das pessoas em que queremos
nos transformar — disse Hermione num tom trivial, como se
estivesse mandando
os garotos ao supermercado comprar detergente. — E é claro
que será melhor se
pudermos conseguir alguma coisa de Crabbe e Goyle; eles são os melhores
amigos de Malfoy, que contará aos dois qualquer coisa. E
também temos que
garantir que os verdadeiros Goyle e Crabbe não apareçam de repente enquanto
interrogamos Draco.
— Já tenho tudo resolvido —, continuou ela calmamente, não
dando
atenção às caras espantadas de Harry e Rony. E mostrou dois pedaços de bolo
de chocolate. — Recheei estes dois com uma simples Poção do
Sono. Vocês só
precisam se certificar de que Crabbe e Goyle encontrem os
bolos. Sabem como
são esganados, com certeza vão querer comê-los. Depois que caírem no sono,
arranquem uns fios de cabelo deles e escondam os dois num
armário de
vassouras.
Harry e Rony se entreolharam, incrédulos.
— Mione, acho que isso não...
— Poderia dar tudo errado...
Mas Hermione tinha um brilho de aço nos olhos, muito
semelhante ao que
a Profª. McGonagall às vezes exibia.
— A poção será inútil sem os fios de cabelo de Crabbe e
Goyle — disse a
garota com severidade. — Vocês querem investigar Malfoy, não
é?
— Ah, está bem, está bem — disse Harry. — Mas, e você? Vai
arrancar o
cabelo de quem?
— Já tenho o meu! — disse Hermione, animada, tirando um
frasquinho do
bolso e mostrando aos dois um único fio de cabelo dentro. —
Lembram que a
Emilia Bulstrode lutou comigo no Clube do Duelo? Ela deixou
o fio de cabelo nas
minhas vestes quando estava tentando me estrangular! E como
foi passar o Natal
em casa... Então só preciso dizer ao pessoal da Sonserina
que resolvi voltar.
Quando Hermione saiu apressada para verificar outra vez a
Poção
Polissuco, Rony se virou para Harry com uma expressão de fim de mundo
no rosto.
— Você já ouviu falar de um plano em que tantas coisas
pudessem dar
errado?
Mas para completa surpresa de Harry e Rony, a primeira etapa
da
operação transcorreu suavemente, conforme Hermione previra.
Eles ficaram
rondando o saguão deserto depois do chá de Natal, esperando
Crabbe e Goyle
que tinham sido deixados sozinhos à mesa da Sonserina,
devorando o quarto
prato de pão-de-ló com calda de vinho.
Harry equilibrara os bolos de chocolate na ponta do
corrimão. Quando
viram Crabbe e Goyle saindo do Salão Principal, ele e Rony
se esconderam
depressa atrás de uma armadura próxima à porta de entrada.
— Como se pode ser tão tapado? — Rony cochichou em êxtase
quando Crabbe apontou alegremente os bolos para Goyle e os pegou. Sorrindo,
idiotamente, enfiaram os bolos inteiros nas bocas enormes.
Por um momento, os
dois mastigaram vorazes,
com expressões de triunfo no
rosto. Depois, sem a
menor mudança de expressão, desmontaram de costas no chão.
De longe, a parte mais difícil foi escondê-los no armário do
outro lado do
saguão.
Quando estavam guardados em segurança entre baldes e
esfregões,
Harry arrancou uns fios do cabelo curto e duro que cobria a testa de Goyle, e
Rony arrancou vários fios do cabelo de Crabbe. Roubaram também os sapatos,
porque os seus eram, em comparação, demasiado pequenos.
Depois, ainda
aturdidos com o que tinham acabado de fazer, correram escada
acima para o
banheiro da Murta Que Geme.
Mal conseguiam enxergar devido à fumaça que saia do boxe em que
Hermione mexia o caldeirão. Puxando as vestes para proteger
o rosto, Harry e
Rony bateram de leve na porta.
— Mione?
Ouviram um barulho de chave e Hermione apareceu, o rosto
brilhando,
cheia de ansiedade. Atrás dela ouvia-se o glube-glube da
poção viscosa que
borbulhava.
Havia três cálices preparados sobre a tampa do vaso
sanitário.
— Vocês conseguiram? — perguntou Hermione sem fôlego. Harry
mostrou os fios de cabelo de Goyle.
— Ótimo. E eu tirei escondido estas vestes da lavanderia —
disse
Hermione, mostrando um pequeno saco. — Vocês precisarão de
números maiores
porque vão ser Crabbe e Goyle.
Os três espiaram dentro do caldeirão. De perto, a poção
parecia uma lama
escura e espessa que borbulhava devagar.
— Tenho certeza de que fiz tudo direito — disse Hermione,
nervosa,
relendo a página manchada de Pociones Muy Potentes. — Parece
que o livro diz
que deve... Depois que bebermos a poção, teremos exatamente
uma hora antes
de voltarmos a ser nós mesmos.
— E agora? — sussurrou Rony.
— Separamos a poção nos três cálices e acrescentamos os
cabelos.
Hermione serviu grandes conchas da poção em cada cálice.
Depois, com a mão trêmula, sacudiu o fio de cabelo de Emilia
Bulstrode
do frasco para dentro do primeiro cálice.
A poção assobiou alto como uma chaleira fervendo e espumou
feito louca.
Um segundo depois, mudou de cor para um amarelo doentio.
— Grrr, essência de Emilia Bulstrode — disse Rony, olhando-a
com nojo.
— Aposto que tem um gosto horrível.
— Ponha os fios na sua, então — disse Hermione.
Harry deixou cair os fios de cabelo de Goyle no cálice do
meio, e Rony
pôs os de Crabbe no último. Os dois cálices assobiaram e
espumaram: o de Goyle
mudou para um cáqui cor de piolho, e o de Crabbe para um
castanho encardido e
escuro.
— Calma aí — disse Harry quando Rony e Hermione estenderam a
mão
para os cálices. — É melhor não bebermos tudo aqui.. Quando
nos
transformarmos em Crabbe e Goyle não vamos caber no boxe. E
Emilia Bulstrode
não é nenhuma fadinha.
— Bem pensado — disse Rony, destrancando a porta. —
Ficaremos em
boxes separados.
Tomando cuidado para não derramar nem uma gota de Poção
Polissuco,
Harry entrou no boxe do meio.
— Pronto? — perguntou.
— Pronto — responderam as vozes de Rony e Mione.
— Um... Dois... três...
Apertando o nariz, Harry bebeu a poção em dois grandes goles. Tinha
gosto de repolho passado do ponto de cozimento.
Imediatamente seu estômago começou a revirar como se ele tivesse
acabado de engolir duas cobras — dobrado ao meio, ele se perguntou se ia
enjoar-, depois uma sensação de queimação se espalhou
rapidamente da barriga
até as pontinhas dos dedos dos pés e das mãos — em seguida,
ele caiu de
quatro, sem ar e teve a sensação de que estava se
derretendo, quando a pele de
todo o seu corpo borbulhou como cera quente — e, antes que
seus olhos e mãos
começassem a crescer, os dedos engrossaram, as unhas
alargaram, os nós dos
dedos se estufaram como parafusos de cabeça de lentilha — os ombros se
esticaram dolorosamente e um formigamento na testa lhe
informou que seus
cabelos estavam crescendo em direção às sobrancelhas — as
vestes se rasgaram
quando o peito se alargou como uma barrica rompendo os aros
— os pés se
tornaram um suplicio dentro dos sapatos quatro números
menor...
Tão de repente quanto começara, tudo cessou. Harry estava
deitado de
borco no piso frio como pedra, ouvindo Murta gargarejar mal-humorada no boxe
da ponta.
Com dificuldade, sacudiu fora os sapatos e ficou em pé.
Então era assim
que a pessoa se sentia, na pele de Goyle. Com a mão enorme
tremendo, ele
despiu as vestes antigas, que estavam agora no meio das
canelas, vestiu as
novas e amarrou os sapatos abotinados de Goyle. Ergueu a mão
para afastar os
cabelos dos olhos e só encontrou fios duros e curtos, que
vinham até o meio da
testa. Então percebeu que os óculos estavam anuviando sua visão porque Goyle
obviamente não precisava deles, tirou-os e perguntou:
— Vocês dois estão bem? — a voz baixa e irritante de Goyle
saiu de sua
boca.
— Estou — veio o rosnado profundo de Crabbe da sua direita.
Harry
destrancou a porta e foi até o espelho rachado.
Goyle o encarou com aqueles olhos opacos e fundos. Harry
coçou a
orelha. Goyle também.
A porta de Rony se abriu. Eles se entreolharam. Exceto que
parecia pálido
e chocado, Rony era indistinguível de Crabbe, do corte de
cabelo em cuia até os
braços compridos de gorila.
— Isso é incrível — disse Rony, aproximando-se do espelho e
cutucando
o nariz chato de Crabbe. — Incrível.
— É melhor irmos andando — disse Harry, afrouxando o relógio
que
ficara apertadíssimo no pulso grosso de Goyle. — Ainda temos que descobrir
onde fica a sala comunal da Sonserina. Só espero que a gente encontre alguém
para seguir...
Rony, que estivera observando Harry, disse:
— Você não sabe como é esquisito ver o Goyle pensando. —
Bateu então
na porta de Hermione. — Vamos, precisamos ir...
Uma voz aguda respondeu.
— Eu... Eu acho que afinal não vou. Vão indo sem mim.
— Mione, nós sabemos que a Emilia Bulstrode é feia, ninguém
vai saber
que é você...
— Não... Verdade... Acho que não vou. Vocês andem de pressa,
estão
perdendo tempo...
Harry olhou para Rony intrigado.
— Assim você está mais parecido com o Goyle. É assim que ele
fica toda
vez que um professor faz uma pergunta.
— Mione, você está bem? — perguntou Harry através da porta.
— Muito bem... Muito bem... Vão andando...
Harry consultou o relógio. Cinco dos preciosos sessenta
minutos já se
tinham passado.
— Na volta nos encontramos aqui, está bem? — falou ele.
Os dois garotos abriram a porta do banheiro com cautela,
verificaram se a
barra estava limpa e saíram.
— Não balance os braços desse jeito — murmurou Harry para o
amigo.
— Hein?
— Crabbe mantém os braços meio duros...
— Que tal assim?
— É, assim está melhor...
Os dois desceram a escada de mármore. Só precisavam agora
que
aparecesse um aluno da Sonserina para o seguirem até o salão
comunal da casa,
mas não havia ninguém por perto.
— Alguma idéia? — murmurou Harry.
— Os alunos da Sonserina sempre vêm daquela direção para
tomar café
da manhã — disse Rony indicando com a cabeça a entrada para
as masmorras.
Mal as palavras saíram de sua boca e uma menina de cabelos
longos e crespos
saiu pela entrada.
— Desculpe — disse Rony, correndo para ela. — Esquecemos qual é o
caminho para o nosso salão comunal.
— Como? — perguntou a garota empertigada. — Nosso salão
comunal?
Eu sou da Corvinal.
E se afastou olhando desconfiada para os dois.
Harry e Rony desceram os degraus de pedra mergulhando na
escuridão,
seus passos ecoando particularmente altos a medida que os
enormes pés de
Crabbe e Goyle batiam no chão, sentindo que a coisa não ia ser tão fácil quanto
tinham esperanças que fosse.
Os corredores que lembravam labirintos estavam desertos.
Eles foram se
internando cada vez mais fundo por baixo da escola,
verificando constantemente
os relógios para ver quanto tempo ainda lhes sobrava.
Passados quinze minutos,
quando iam começando a se desesperar, ouviram um movimento
repentino no
alto.
— Arre! — gritou Rony excitado. — Aí vem um deles agora!
O vulto vinha saindo de um aposento lateral. Ao se
aproximarem, porém,
sentiram um aperto no coração. Não era um aluno da
Sonserina, era Percy.
— Que é que você está fazendo aqui em baixo? — perguntou Rony
surpreso.
Percy fez cara de afrontado.
— Isto — disse se empertigando — não é da sua conta. É o
Crabbe, não
é?
— Que, ah, sim — disse Rony.
— Muito bem, já para os seus dormitórios — disse Percy com
severidade.
— Não é seguro ficar andando por corredores escuros hoje em
dia.
— Mas como é que você está andando? — lembrou Rony.
— Eu — disse Percy empertigando-se — sou monitor nada vai me
atacar.
De repente ecoou uma voz atrás de Harry e Rony. Draco Malfoy
vinha em
direção ao grupo e, pela primeira vez na vida, Harry teve
prazer em vê-lo.
— Aí, até que enfim — disse ele com voz arrastada, olhando
para os dois.
-Estiveram se empapuçando no Salão Principal esse tempo
todo? Andei
procurando vocês; quero que vejam uma coisa realmente
engraçada.
Malfoy lançou um olhar mortífero a Percy.
— E o que é que você está fazendo aqui em baixo, Weasley? —
perguntou com desdém.
Percy parecia indignado.
— Vocês precisam mostrar um pouco mais de respeito por um
monitor da
escola! — disse. — Não gosto de sua atitude!
Malfoy riu debochado e fez sinal para Harry e Rony o
seguirem.
Harry quase pediu desculpas a Percy, mas se conteve bem em
tempo. Ele
e Rony correram atrás de Draco, que disse assim que viraram
o corredor:
— Esse Peter Weasley...
— Percy — Rony corrigiu-o automaticamente.
— O que seja. Tenho visto ele rondando por aqui um bocado
ultimamente.
E aposto como sei o que está aprontando. Acha que vai pegar
o herdeiro de
Slytherin sozinho.
Draco deu uma risada curta e debochada. Harry e Rony se
entreolharam
animados.
O garoto parou junto a um trecho da parede de pedra, liso e
úmido.
— Como é mesmo a senha? — perguntou a Harry. — Ah... — hesitou
Harry.
— Ah, já sei... Puro-sangue! — disse Draco, sem parar para
ouvir, e uma
porta de pedra escondida na parede deslizou. Draco entrou e
Harry e Rony o
seguiram.
A sala comunal da Sonserina era um aposento comprido e subterrâneo
com paredes de pedra rústica, de cujo teto pendiam correntes
com luzes redondas
e esverdeadas.
Um fogo ardia na lareira encimada por um console de madeira
esculpida e
ao seu redor viam-se as silhuetas de vários alunos da
Sonserina em cadeiras de
espaldar alto.
— Esperem aqui — disse Draco a Harry e Rony, indicando duas
cadeiras
vazias mais afastadas da lareira. — Vou buscar, meu pai
acabou de me mandar...
Imaginando o que Draco iria lhes mostrar, Harry e Rony se
sentaram,
fazendo o possível para parecer à vontade.
Draco voltou um minuto depois trazendo um papel que parecia
ser um
recorte de jornal. Enfiou-o na cara de Rony.
— Isso vai fazer vocês darem uma boa gargalhada.
Harry viu os olhos de Rony se arregalarem de choque. Ele leu
o recorte
depressa, deu uma risada forçada e o entregou a Harry. A
notícia fora recortada
do Profeta Diário e dizia:
INQUÉRITO NO MINISTÉRIO DA MAGIA
Arthur Weasley,
Chefe da Seção de Mau Uso dos
Artefatos dos Trouxas foi multado hoje em cinqüenta galeões,
por
enfeitiçar um carro dos trouxas.
O Sr. Lúcio Malfoy, membro da diretoria da Escola de
Magia e Bruxaria de Hogwarts, onde o carro enfeitiçado bateu
no
início deste ano, pediu hoje a demissão do Sr. Weasley.
"Weasley desmoralizou o Ministério" — declarou o
Sr.
Malfoy ao nosso repórter. "Ficou claro que ele não está
qualificado
para legislar, e o seu projeto de lei para proteger os trouxas
deveria ser
imediatamente esquecido.”
O Sr. Weasley não foi encontrado para comentar essas
declarações, embora sua mulher tenha dito aos repórteres
para se
afastarem da casa e ameaçado mandar o vampiro da família
atacá-los.
— E aí? — perguntou Draco impaciente quando Harry devolveu o
recorte.
— Vocês não acham engraçado?
— Ah, ah, ah, ah — riu Harry desanimado.
— Arthur Weasley gosta tanto de trouxas que devia partir a
varinha e ir se
juntar a eles — disse Draco desdenhoso. — Pela maneira como se comportam,
nem dá para dizer que os Weasley são puros-sangues.
A cara de Rony — ou melhor, de Crabbe se contorceu de fúria
— Qual é o
problema, Crabbe? — perguntou Draco com rispidez.
— Dor de estômago — grunhiu Rony.
— Então vá para a ala hospitalar e dê um chute naqueles sangues-ruins
por mim — disse Draco sufocando o riso. — Sabe, estou
admirado que o Profeta
Diário ainda não tenha noticiado todos esses ataques – continuou, pensativo. —
Suponho que Dumbledore esteja tentando abafar o caso. Ele
vai ser despedido se
isso não parar logo.
Meu pai diz que Dumbledore foi a
pior coisa que já
aconteceu a Hogwarts.
Ele adora trouxas. Um diretor decente nunca deixaria
escória como o Creevey entrar.
Draco começou a tirar fotografias com uma máquina imaginária
e fez uma
imitação cruel, mas exata de Colin:
— Potter, posso bater uma foto sua, Potter! Pode me dar o
seu autógrafo?
Posso lamber os seus sapatos, por favor, Potter?
Ele deixou cair as mãos e olhou para Harry e Rony.
— Que é que há com vocês dois?
Em atraso, Harry e Rony forçaram uma risada, mas Draco
pareceu
satisfeito; talvez Crabbe e Goyle sempre fossem lentos para
entender as coisas.
— São Potter, o amigo dos sangues ruins — disse Draco
lentamente. —
Ele é outro que não tem espírito de bruxo, ou não andaria por aí com
aquela Granger sangue-ruim metida a besta. E tem gente que
acha que ele é o
herdeiro de Slytherin!
Harry e Rony esperaram com a respiração suspensa: Draco
estava
certamente a segundos de contar que era ele, mas então...
— Eu bem gostaria de saber quem é — disse com petulância. — Até
poderia ajudar.
O queixo de Rony caiu de um jeito que Crabbe pareceu ainda
mais tapado
do que de costume. Felizmente, Draco não reparou e Harry, pensando rápido,
disse:
— Você deve ter uma idéia de quem está por trás disso
tudo...
— Você sabe que não tenho, Goyle. Quantas vezes preciso lhe
dizer isso?
— retrucou Draco com maus modos. — E meu pai não quer me contar nada
sobre a última vez que a Câmara foi aberta, tampouco. E
claro, foi há cinqüenta
anos, antes do tempo dele, mas ele sabe tudo que aconteceu e
diz que o caso foi
abafado e que vai levantar suspeitas se eu souber de muita
coisa. Mas uma coisa
eu sei, a última vez que a Câmara Secreta foi aberta, um
sangue-ruim morreu.
Então aposto que é uma questão de tempo até um deles ser
morto... Espero que
seja a Granger — disse com prazer.
Rony crispava os punhos enormes de Crabbe. Harry, sentindo
que o
amigo poderia se denunciar se avançasse em Draco, lançou a
Rony um olhar de
alerta e disse:
— Você sabe se a pessoa que abriu a Câmara na última vez foi
apanhada?
— Ah, é claro... Seja lá o que for foi expulso — disse Draco. — Com
certeza ainda está em Azkaban.
— Azkaban? — perguntou Harry intrigado.
— Azkaban, a prisão de bruxos, Goyle — disse Draco, olhando
para ele
incrédulo. — Sinceramente, se você fosse mais devagar,
andaria para trás.
Mexeu-se inquieto na cadeira e continuou:
— Meu pai diz para eu ficar na minha e deixar o herdeiro de Slytherin
fazer o trabalho. Diz que a escola precisa se livrar de toda
a sujeira dos sangues-ruins, mas para eu não me meter. É claro que ele está com
as mãos cheias nesse
momento. Sabem que o Ministério da Magia revistou a nossa propriedade
na semana passada?
Harry tentou botar na cara de Goyle unia expressão de
preocupação.
— É... — disse Draco. — Felizmente não encontraram muita
coisa. Papai
tem um material para Artes das Trevas muito valioso. Mas felizmente, temos
a nossa câmara secreta embaixo da sala de visitas...
— Ho! — exclamou Rony.
Draco olhou. O mesmo fez Harry. Rony corou. Até seus cabelos
começavam a ficar vermelhos. O nariz também estava crescendo — o tempo
deles se esgotara e Rony começava a voltar ao normal e, pelo
olhar de horror que
de repente lançou a Harry, devia estar acontecendo o mesmo
com o amigo.
Os dois se levantaram depressa.
— O remédio para o meu estômago — rosnou Rony e, sem mais
demora,
atravessou correndo toda a extensão do salão da Sonserina,
atirou-se à parede
de pedra e saiu pelo corredor na esperança de que Draco não
tivesse notado
nada. Harry sentiu os pés derraparem nos enormes sapatos de
Goyle e teve que
levantar as vestes à medida que iam encolhendo; os dois se
precipitaram pelas
escadas que levavam ao saguão de entrada, onde se ouviam as
batidas abafadas
que vinham do armário em que haviam trancado Crabbe e Goyle.
Deixando os
sapatos ao lado da porta eles subiram de meias e a toda
velocidade a escada de
mármore em direção ao banheiro da Murta Que Geme.
— Bom, não foi uma perda total de tempo — ofegou Rony,
fechando a
porta do banheiro ao passarem. — Sei que não descobrimos
quem é o atacante,
mas vou escrever a papai amanhã e dizer para ele revistar
embaixo da sala de
visitas de Malfoy.
Harry contemplou seu rosto no espelho rachado. Voltara ao
normal.
Colocou os óculos enquanto Rony socava a porta do boxe de
Hermtone.
— Mione, saia daí, temos um monte de coisas para lhe
contar...
— Vão embora! — disse Hermione esganiçada.
Harry e Rony se entreolharam.
— Qual é o problema? — perguntou Rony. — Você já deve ter
voltado ao
normal agora, nós...
Mas a Murta Que Geme atravessou de repente a porta do boxe. Harry
nunca a vira com a cara tão feliz.
— Aaaaaah, esperem até ver. Que horrível...
Eles ouviram o trinco se abrir e Hermione saiu, soluçando, as vestes
cobrindo a cabeça.
— Que foi que houve? — perguntou Rony inseguro. — Você
continua com
o nariz da Emilia ou coisa assim?
Hermione deixou as vestes caírem e Rony recuou contra a pia.
O rosto da garota estava coberto de pêlos negros. Os olhos
tinham virado
amarelos e orelhas compridas e pontudas espetavam para fora
dos cabelos.
— Era um pêlo de gato! Emilia Bulstrode deve ter um gato! E
a poção não
deve ser usada para transformar animais!
— Uau! — exclamou Rony.
— Vão caçoar de você horrores — exclamou Murta, feliz.
— Tudo bem, Mione — disse Harry depressa. — Levamos você
para a ala
hospitalar. Madame
Pomfrey nunca faz muitas perguntas...
Levou muito tempo para persuadirem Hermione a deixar o
banheiro. Murta
Que Geme despediu-se dos garotos com uma risada gaiata.
— Espere até todo mundo descobrir que você tem rabo!
CAPÍTULO TREZE
O Diário Secretíssimo
Hermione permaneceu na ala hospitalar várias semanas. Houve
uma
boataria sobre o seu sumiço quando o resto da escola voltou
das férias de Natal,
porque naturalmente todos pensaram que ela fora atacada.
Foram tantos os
alunos que passaram pela ala hospitalar tentando dar uma
olhada nela que
Madame Pomfrey pegou outra vez as cortinas e pendurou-as em
torno da cama
da garota, para lhe poupar a vergonha de ser vista com a
cara peluda.
Harry e Rony iam visitá-la toda tarde. Quando o novo período
letivo
começou, eles lhe levavam os deveres de casa do dia.
— Se tivessem crescido bigodes de gato em mim, eu teria
tirado umas
férias dos deveres — disse Rony, certa noite, despejando uma
pilha de livros
na mesa-de-cabeceira de Mione.
— Pare de ser bobo, Rony, tenho que me manter em dia — disse
Mione
decidida, seu estado de ânimo melhorara muito desde que
todos os pêlos
desapareceram do seu rosto, e os olhos estavam voltando
lentamente à cor
castanha. — Suponho que não encontraram nenhuma pista nova?
— acrescentou
aos sussurros, de modo que Madame Pomfrey não a escutasse.
— Nada — respondeu Harry, desanimado.
— Eu tinha tanta certeza de que era Draco — disse Rony, pela
centésima
vez.
— Que é isso? — perguntou Harry, apontando para alguma coisa
dourada
que aparecia por baixo do travesseiro de Mione.
— É só um cartão desejando que eu fique boa logo — disse Mione
depressa, tentando escondê-lo, mas Rony foi mais rápido.
Puxou o cartão, abriu-o
e leu em voz alta:
A senhorita Granger desejo uma rápida convalescença,
seu professor preocupado Gilderoy Lockhart Ordem de Merlin,
Terceira Classe, Membro Honorário da Liga de Defesa contra
as
Forças das Trevas, cinco vezes vencedor do Prêmio do
Sorriso Mais Simpático do Mundo do Semanário dos Bruxos.
Rony olhou para Mione, enojado.
— Você dorme com isso debaixo do travesseiro?
Mas Mione não precisou responder por que Madame Pomfrey
apareceu
para lhe dar a medicação noturna.
— O Lockhart é o cara mais populista que você já conheceu ou
o quê? —
perguntou Rony a Harry ao saírem da enfermaria e começarem a
subir a escada
que levava à Torre da Grifinória. Snape passara tanto dever de casa, que
Harry
achou que provavelmente estaria na sexta série quando
terminasse tudo. Rony
estava acabando de comentar que gostaria de ter perguntado a
Mione quantos
rabos de rato devia usar na Poção de Arrepiar Cabelos quando
um vozerio no
andar de cima chegou aos ouvidos dos dois.
— É o Filch — murmurou Harry enquanto subiam depressa a escada e
paravam, escondidos, apurando os ouvidos.
— Você acha que mais alguém foi atacado? — perguntou Rony
tenso.
Os dois ficaram quietos, as cabeças inclinadas na direção da
voz de Filch,
que parecia um tanto histérica.
— ... Sempre mais trabalho para mim! Enxugando o chão a
noite inteira,
como se já não tivesse o suficiente para fazer! Não, isto é
a última gota, vou
procurar o Dumbledore...
Os passos dele cessaram e os meninos ouviram uma porta bater
à
distância.
Os garotos esticaram as cabeças para espiar mais além do canto. Filch,
pelo que viam, estivera em seu posto de vigia habitual:
estavam mais uma vez no
local em que Madame Nor-r-ra fora atacada. Viram
imediatamente a razão dos
gritos de Filch.
Uma grande inundação se espalhava por metade do corredor e
aparentemente a água ainda não parara de correr por baixo da
porta do banheiro
da Murta Que Geme. Quando Filch parou de gritar, eles puderam ouvir os
lamentos da Murta ecoando pelas paredes do banheiro.
— Agora o que será que ela tem? — exclamou Rony.
— Vamos até lá ver — disse Harry e, levantando as vestes bem
acima dos
tornozelos, os dois atravessaram aquela agüeira até a porta com o letreiro
INTERDITADO, não lhe deram atenção, como sempre, e entraram.
Murta Que Geme chorava, se é que isso era possível, cada vez
mais alto
e com mais vontade do que nunca. Parecia ter-se escondido no
seu boxe habitual.
Estava escuro no banheiro porque as velas haviam se apagado
com a grande
inundação que deixara as paredes e o piso encharcados.
— Que foi Murta?— perguntou Harry.
— Quem é? — engrolou Murta, infeliz. — Vêm jogar mais alguma
coisa
em mim?
Harry meteu os pés na água até o boxe dela.
— Por que eu iria jogar alguma coisa em você?
— É a mim que você pergunta! — gritou Murta, surgindo em
meio a mais
uma onda líquida, que se espalhou pelo chão já molhado. —
Estou aqui cuidando
da minha vida e alguém acha que é engraçado jogar um livro
em mim...
— Mas não deve machucar se alguém joga um livro em você —
argumentou Harry. — Quero dizer, ele atravessa você, não é
mesmo?
Disse a coisa errada. Murta se estufou e gritou com voz
aguda:
— Vamos todos jogar livros na Murta, porque ela não é capaz
de sentir!
Dez pontos se você fizer o livro atravessar a barriga dela!
Muito bem, ha, ha, ha!
Que ótimo jogo, eu não acho!
— Mas afinal quem jogou o livro em você? — perguntou Harry.
— Eu não sei... Eu estava sentada na curva do corredor,
pensando na
morte, e o livro atravessou a minha cabeça — disse Murta
olhando feio para os
garotos. — Está lá, foi levado pela água...
Harry e Rony espiaram embaixo da pia para onde Murta
apontava. Havia
um livro pequeno e fino caído ali. Tinha uma capa preta e
gasta e estava molhado
como tudo o mais naquele banheiro. Harry adiantou-se para
apanhá-lo, mas Rony
de repente esticou o braço para impedi-lo.
— Que foi?
— Você está maluco — disse Rony. — Pode ser perigoso.
— Perigoso? — perguntou Harry rindo. — Deixe disso, de que
jeito
poderia ser perigoso?
— Você ficaria surpreso — disse Rony, olhando apreensivo
para o livro. —
Os livros que o Ministério da Magia tem confiscado, papai me
contou, tinha um
que queimava os olhos da pessoa. E todo mundo que leu
Sonetos de um Bruxo
passou a falar em rima para o resto da vida. E uma velha
bruxa em Bath tinha um
livro que a pessoa não conseguia parar de ler. Passava a
andar com a cara no
livro, tentando fazer tudo com uma mão só. E...
— Está bem, já entendi.
O livrinho continuava no chão, empapado e indefinível.
— Bem, não vamos descobrir se não dermos uma olhada — falou
Harry.
Abaixou-se para se desvencilhar de Rony e apanhou o livro do
chão.
Harry viu num instante que era um diário, e o ano meio
desbotado na capa
lhe informou que tinha cinqüenta anos de idade.
Abriu-o ansioso. Na primeira pagina, mal e mal, conseguiu
ler o nome "T.
S. Riddle", em tinta borrada.
— Calma aí — disse Rony, que se aproximara cautelosamente e
espiava
por cima do ombro do amigo. — Conheço esse nome... T. S.
Riddle recebeu um
prêmio por serviços especiais prestados à escola há cinqüenta
anos.
— Como é que você sabe? — perguntou Harry admirado.
— Porque Filch me fez polir o escudo desse homem umas
cinqüenta
vezes durante a minha detenção — disse Rony com raiva. —
Daquela vez que
arrotei lesmas para todo o lado. Se você tivesse tirado
lesmas de um nome
durante uma hora, você também se lembraria.
Harry separou as páginas molhadas. Estavam completamente em
branco.
Não havia o menor vestígio de escrita em nenhuma delas, nem
mesmo
Aniversário de tia Magda ou dentista as três e meia.
— Não entendo por que alguém quis se descartar dele —
comentou Rony,
curioso.
Harry virou as costas do livro e viu impresso o nome de uma
papelaria na
Rua Vauxhall, em Londres.
— O dono deve ter nascido trouxa — disse Harry pensativo.
— Para ter comprado um diário na Rua Vauxhall...
— Bom, não vai servir para você — disse Rony. E baixando a
voz: —
Cinqüenta pontos se você conseguir fazer ele atravessar o
nariz da Murta.
Harry, porém, meteu o diário no bolso.
Hermione deixou a ala hospitalar, sem bigodes, sem rabo, sem
pêlos, no
início de fevereiro.
Na primeira noite de volta à Torre da Grifinória, Harry lhe
mostrou o diário
de T. S. Riddle e lhe contou como o tinham encontrado.
— Aaah, talvez tenha poderes secretos — disse a garota,
entusiasmada,
apanhando o diário e examinando-o com atenção.
— Se tiver, deve estar escondendo esses poderes muito bem —
disse
Rony. — Vai ver é tímido. Não sei por que você não joga esse
diário fora, Harry.
— Eu queria saber por que alguém tentou jogá-lo fora. E
também gostaria
de saber por que foi que Riddle recebeu um prêmio por
serviços especiais
prestados a Hogwarts.
— Pode ter sido por qualquer coisa — disse Rony. — Talvez
tenha ganho
trinta corujas ou salvou um professor dos tentáculos de uma lula gigante. Talvez
tenha assassinado a Murta; isso teria sido um favor para
todo mundo...
Mas Harry podia dizer pela expressão parada no rosto de
Mione que ela
estava pensando o que ele estava pensando.
— Que foi? — perguntou Rony olhando de um para outro.
— Bom, a Câmara Secreta foi aberta há cinqüenta anos, não
foi? Foi o
que Draco disse.
— E... — disse Rony lentamente.
— E este diário tem cinqüenta anos — disse Hermione, tamborilando os
dedos nele, agitada.
— E daí?
— Ah, Rony, vê se acorda — retrucou a garota. — Sabemos que
quem
abriu a Câmara da última vez foi expulso há cinqüenta anos.
Sabemos que T. S.
Riddle recebeu um prêmio por serviços especiais prestados à
escola há cinqüenta
anos. Muito bem, e se Riddle recebeu o prêmio por ter pego o herdeiro de
Slytherin?
O diário dele provavelmente nos contaria tudo, onde fica a
Câmara, como
abri-la, que tipo de criatura mora lá, e a pessoa que está
por trás desses ataques
desta vez não gostaria de ver o diário rolando por aí, não
é?
— É uma teoria brilhante, Mione — disse Rony —, só tem um
furinho
pequenininho. Não tem nada escrito no diário.
Mas Hermione estava tirando a varinha de dentro da mochila.
— Talvez a tinta seja invisível! — sussurrou.
A garota deu três toques no diário e disse: Aparedum!
Nada aconteceu. Sem desanimar, Mione meteu outra vez a mão
na
mochila e tirou uma coisa que parecia uma borracha
vermelho-berrante.
— É um revelador que comprei no Beco Diagonal — explicou.
Ela esfregou a borracha com força em primeiro de janeiro.
Nada aconteceu.
— Estou dizendo que não tem nada aí para se achar — falou Rony. —
Riddle simplesmente ganhou um diário de Natal e não se deu o
trabalho de usá-lo.
Harry não conseguiu explicar, nem para si mesmo, por que
simplesmente
não jogou fora o diário de Riddle. O fato era que, mesmo
sabendo que o diário
estava em branco, não parava de pegá-lo distraidamente e de
folheá-lo, como se
fosse uma história que ele quisesse terminar. E embora
tivesse certeza de que
nunca ouvira falar em T. S. Riddle antes, ainda assim o nome
parecia significar
alguma coisa para ele, quase como se Riddle fosse um amigo
que tivera quando
era muito pequeno, e meio que esquecera. Mas isto era
absurdo. Nunca tivera
amigos antes de Hogwarts. Duda cuidara disso.
Ainda assim, Harry estava decidido a descobrir mais sobre
Riddle. Por
isso, próximo ao amanhecer, rumou para a sala de troféus
para examinar o prêmio
especial de
Riddle, acompanhado por uma Mione
interessada e um Rony
completamente descrente, que disse aos dois que já vira a
sala de troféus
o suficiente para uma vida inteira.
O escudo dourado de Riddle estava guardado em um armário de canto.
Não continha detalhes sobre as razões por que fora concedido
("Ainda bem,
porque seria maior e eu ainda estaria polindo essa coisa", disse Rony.) Mas eles
encontraram o nome de Riddle em uma velha medalha de Mérito
em Magia e em
uma lista de antigos monitores-chefes.
— Ele até parece o Percy — disse Rony, torcendo o nariz
enojado. —
Monitor, monitor-chefe... Provavelmente o primeiro aluno em
todas as classes...
— Você fala isso como se fosse uma coisa ruim — disse
Hermione num
tom ligeiramente magoado.
O sol agora voltara a brilhar palidamente sobre Hogwarts. No
interior do
castelo, as pessoas se sentiam mais esperançosas. Não
houvera mais ataques
desde os de Justino e Nick Sem Cabeça, e Madame Pomfrey tinha o prazer de
informar que as mandrágoras estavam ficando imprevisíveis e
cheias de
segredinhos, o que significava que iam deixando depressa a
infância.
— Quando desaparecer a acne delas, estarão prontas para serem
reenvasadas — Harry ouviu-a dizer gentilmente ao Filch uma
certa tarde. — E
depois disso, iremos cortá-las e cozinhá-las. Num instante
você terá a sua
Madame
Nor-r-ra de volta.
Talvez o herdeiro de Slytherin tenha perdido a coragem, pensou Harry.
Devia estar-se tornando cada vez mais arriscado abrir a
Câmara Secreta, com a
escola tão atenta e desconfiada. Talvez o monstro, fosse o que fosse, estivesse
neste mesmo momento se aninhando para hibernar outros
cinqüenta anos...
Ernie Mcmillan da Lufa-Lufa não concordava com essa visão
otimista.
Continuava convencido de que Harry era o culpado, que ele
"se denunciara" no
Clube dos Duelos. Pirraça não estava ajudando nada; a toda hora aparecia nos
corredores cheios de alunos, cantando: "Ah, Potter podre...", agora com um
número de dança para acompanhar.
Gilderoy Lockhart parecia pensar que, sozinho, fizera os
ataques pararem.
Harry ouviu-o dizer isso à Profª. McGonagall quando os
alunos da Grifinória
faziam fila para ir à aula de Transformações.
— Acho que não vai haver mais problemas, Minerva — disse ele
dando
um tapinha no nariz e uma piscadela com ar de quem sabe das
coisas. — Acho
que a Câmara foi fechada para sempre desta vez. O culpado
deve ter sentido que
era apenas uma questão de tempo até nós o pegarmos. Achou
mais sensato parar
agora, antes que eu o liquidasse. Sabe, o que a escola precisa agora é de uma
injeção no moral. Esquecer as lembranças do período passado!
Não vou dizer
mais nada por ora, mas acho que sei exatamente o que...
E dando outra pancadinha no nariz se afastou decidido.
A idéia que Lockhart fazia de uma injeção no moral tornou-se
clara no café
da manhã de catorze de fevereiro. Harry não dormira o
suficiente por causa de um
treino de Quadribol até tarde, na véspera, e correu para o
Salão Principal, um
pouco atrasado. Pensou, por um momento, que tivesse entrado
na porta errada.
As paredes estavam cobertas com grandes flores
rosa-berrante. E pior
ainda, de um teto azul-celeste caía confete em feitio de
coração. Harry dirigiu-se
à mesa da Grifinória, onde Rony estava sentado com cara de enjôo, e Hermione
parecia não conseguir parar de rir.
— Que é que está acontecendo? — perguntou Harry aos dois,
sentando-se e limpando o confete do bacon.
Rony apontou para a mesa dos professores, aparentemente
nauseado
demais para falar.
Lockhart, usando vestes rosa-berrante, para combinar com a
decoração, gesticulava pedindo silêncio. Os professores, de cada lado dele,
estavam impassíveis. De onde se sentara, Harry podia ver um
músculo tremendo
na bochecha da Profª. McGonagall. Snape parecia que tinha
acabado de tomar
um grande copo de Esquelecresce.
— Feliz Dia dos Namorados! — exclamou Lockhart. — E será que
posso
agradecer às quarenta e seis pessoas que me mandaram cartões
até o momento?
Claro, tomei a liberdade de fazer esta surpresinha para
vocês, e ela não acaba
aqui!
Lockhart bateu palmas e, pela porta que abria para o saguão
de entrada,
entraram onze anões de cara amarrada. Mas não eram uns anões
quaisquer.
Lockhart mandara-os usar asas douradas e trazer harpas.
— Os meus cupidos, entregadores de cartões! — sorriu
Lockhart. — Eles
vão circular pela escola durante o dia de hoje entregando os cartões dos
namorados. E a brincadeira não termina aí! Tenho certeza de
que os meus
colegas vão querer entrar no espírito festivo da data! Por
que não pedir ao Profº.
Snape para lhes
ensinar a preparar uma Poção de Amor! E por falar nisso, o
Profº. Flitwick conhece mais Feitiços de Fascinação do que
qualquer outro mago
que eu conheça, o santinho!
O Profº. Flitwick escondeu o rosto nas mãos. Snape fez cara
de que
obrigaria a beber veneno o primeiro aluno que lhe pedisse
uma Poção de Amor.
— Por favor, Mione, me diga que você não foi uma das
quarenta e seis —
disse Rony ao deixarem o Salão Principal para assistir à
primeira aula. A garota de
repente ficou muito interessada em procurar na mochila o seu
horário e não
respondeu.
O dia inteiro, os anões não pararam de invadir as salas de
aula e entregar
cartões, para irritação dos professores e, no fim daquela
tarde, quando os alunos
da Grifinória iam subindo para a aula de Feitiços, um dos
anões alcançou Harry.
— Oi, você! "Arry” Potter! — gritou um anão
particularmente mal-encarado, que abria caminho às cotoveladas para chegar até
Harry.
Cheio de calores só de pensar em receber um cartão do dia
dos
namorados na frente de uma
fileira de alunos de primeiro ano, que por acaso
incluía
Gina Weasley.
Harry
tentou escapar. O anão, porém, meteu-se por entre a garotada
chutando as canelas de todos e o alcançou antes que o garoto
pudesse se afastar
dois passos.
— Tenho um cartão musical para entregar a "Arry"
Potter em pessoa —
disse, empunhando a harpa de um jeito meio assustador.
— Aqui não — sibilou Harry, tentando escapar.
— Fique parado! — grunhiu o anão, agarrando a mochila de
Harry e
puxando-o de volta.
— Me solta! — rosnou o garoto, puxando. Com um barulho de pano
rasgado, a mochila se rompeu ao meio. Os livros, a varinha,
o pergaminho e a
pena se espalharam pelo chão, e o vidro de tinta se derramou
por cima de tudo.
Harry virou-se para todos os lados, tentando reunir tudo
antes que o anão
começasse a cantar, causando um certo engarrafamento no
corredor.
— Que é que está acontecendo aqui? — ouviu-se a voz fria e
arrastada de
Draco Malfoy. Harry começou a enfiar tudo febrilmente na
mochila
rasgada, desesperado para sair dali antes que Draco pudesse
ouvir o cartão
musical.
— Que confusão é essa? — perguntou outra voz conhecida. Era Percy
Weasley que se aproximava.
Perdendo a cabeça, Harry tentou correr, mas o anão o agarrou
pelos
joelhos e o derrubou com estrondo no chão.
— Muito bem — disse ele, sentando-se em cima dos calcanhares
de
Harry. -Vamos ao seu cartão cantado:
“Teus olhos são verdes como sapinhos cozidos, teus
cabelos, negros como um quadro de aula. Queria que tu fosses
meu, garoto divino, Herói que venceu o malvado Lord das
Trevas.”
Harry teria dado todo o ouro de Gringotes para se evaporar
na hora.
Fazendo um grande esforço para rir com os colegas, ele se
levantou, os pés
dormentes com o peso do anão, enquanto Percy Weasley fazia o
possível para
dispersar os alunos, alguns chorando de tanto rir.
— Vão andando, vão andando, a sineta tocou há cinco minutos,
já para a
aula — disse o monitor, espantando os alunos mais novos. — E
você, Malfoy...
Harry, erguendo a cabeça, viu Draco se abaixar e apanhar
alguma coisa.
Mostrou-a, debochando, a Crabbe e Goyle, e Harry percebeu
que ele se apossara
do diário de Riddle.
— Devolva isso aqui — disse Harry controlado.
— Que será que Potter andou escrevendo nisso? — disse Draco,
que
obviamente não reparara na data impressa na capa e pensava
que era o diário de
Harry.
Fez-se silêncio entre os presentes. Gina olhava do diário
para Harry, com
cara de terror.
— Devolva, Malfoy — disse Percy com severidade.
— Depois que eu olhar — disse Draco, agitando o diário no ar
para
enraivecer Harry.
Percy falou:
— Como monitor... — mas Harry perdera a paciência. Puxou a
varinha e
gritou:
—
"Expelliarmus!" — e do mesmo jeito que Snape desarmara
Lockhart,
Draco viu o diário sair voando de sua mão. Rony, com um
grande sorriso,
apanhou-o.
— Harry! — disse Percy em voz alta. — Nada de mágica nos
corredores.
Vou ter que reportar isso, sabe!
Mas Harry não se importou, ganhara uma vez de Draco e isso
valia cinco
pontos da Grifinória em qualquer dia. Draco ficou furioso e,
quando Gina passou
por ele para entrar na sala de aula, gritou despeitado:
— Acho que Potter não gostou muito do seu cartão!
Gina cobriu o rosto com as mãos e correu para dentro da
sala. Rosnando,
Rony puxou a varinha também, mas Harry agarrou-o para
afastá-lo. O amigo não
precisava passar a aula de Feitiços inteira arrotando
lesmas.
Somente quando chegaram à sala de aula do Profº. Flitwick
foi que Harry
notou uma coisa muito estranha no diário de Riddle. Todos os
seus livros
estavam ensopados de tinta vermelha. O diário, porém,
continuava tão limpo como
antes do tinteiro quebrar em cima dele. Tentou dizer isto a Rony, que estava
enfrentando novos problemas com a varinha; grandes bolhas
saiam da ponta, e
ele não estava muito interessado em nada mais.
Harry se recolheu ao dormitório antes dos colegas àquela
noite. Em parte
era porque achava que não
ia conseguir agüentar Fred e Jorge cantando "Teus
olhos são verdes como sapinhos cozidos" mais uma vez, e
em parte porque queria
examinar o diário de Riddle e sabia que Rony achava que era uma
perda de
tempo.
Harry sentou-se na cama de colunas e folheou as páginas em
branco,
nenhuma das quais tinha sequer vestígio de tinta vermelha.
Então tirou um tinteiro
novo do armário ao lado da cama, molhou a pena e deixou cair um pingo na
primeira página do diário.
A tinta brilhou intensamente no papel durante um segundo e,
em seguida,
como se estivesse sendo chupada pela página, desapareceu.
Excitado, Harry
tornou a molhar a pena uma segunda vez e escreveu: "Meu
nome é Harry Potter.”
As palavras brilharam momentaneamente na página e também
desapareceram sem deixar vestígios. Então, finalmente,
aconteceu uma coisa.
Filtrando-se de volta à página, com a própria tinta de Harry, surgiram
palavras que ele nunca escrevera.
"Olá, Harry Potter! Meu nome é Tom Riddle. Como foi que
você encontrou
o meu diário?”
Essas palavras também se dissolveram, mas não antes de Harry
recomeçar a escrever.
"Alguém tentou se desfazer dele no vaso sanitário.”
Ele esperou, ansioso, pela resposta de Riddle.
"Que sorte que registrei minhas memórias em algo mais
durável que a
tinta. Mas sempre soube que haveria gente que não ia querer
que este diário
fosse lido.”
"Que quer dizer com isso?", escreveu Harry.
Borrando a página de tanta
excitação.
"Quero dizer que este diário guarda memórias de coisas
terríveis. Coisas
que foram abafadas. Coisas que aconteceram na Escola de
Magia e Bruxaria
de Hogwarts.”
"É onde eu estou agora", respondeu Harry depressa.
"Estou em Hogwarts
e coisas terríveis estão acontecendo. Sabe alguma coisa sobre a Câmara
Secreta?”
Seu coração batia forte. A resposta de Riddle veio depressa, a caligrafia
mais desleixada, como se estivesse correndo para contar tudo
o que sabia.
"Claro que sei alguma coisa sobre a Câmara Secreta. No
meu tempo,
disseram à gente que era uma lenda, que não existia. Mas era
uma mentira. No
meu quinto ano, a Câmara foi aberta e o monstro atacou vários alunos e
finalmente matou um. Peguei a pessoa que tinha aberto a
Câmara e ela foi
expulsa. Mas o diretor, Profº. Dippet, constrangido porque
uma coisa dessas
acontecera em Hogwarts, proibiu-me de contar a verdade. A
história que foi
divulgada é que a menina morrera em um acidente
imprevisível. Eles me deram
um troféu bonito, reluzente e gravado, pelo meu trabalho, e
me avisaram para ficar
de boca fechada. O monstro continuou vivo, e aquele que
tinha o poder de libertá-lo não foi preso.”
Harry quase derrubou o tinteiro na pressa de responder.
"Está acontecendo outra vez agora. Houve três ataques,
e ninguém
parece saber quem está por trás deles. Quem foi da última
vez?”
"Posso lhe mostrar, se você’ quiser". Veio a
resposta de Riddle. "Você não
precisa acreditar no que digo. Posso levá-lo à minha
lembrança da noite em que o
peguei.”
Harry hesitou, a pena suspensa sobre o diário. Que é que Riddle queria
dizer? Como é que ele podia ser levado para dentro da
lembrança de outra
pessoa? Olhou nervoso, para a porta do dormitório que estava
ficando escuro.
Quando tornou a olhar para o diário, viu novas palavras se
formando.
"Deixe eu lhe mostrar”
Harry parou por uma fração de segundo e em seguida escreveu
duas
letras:
"OK.”
As páginas do diário começaram a virar como se tivessem sido
apanhadas
por um vendaval e pararam na metade do mês de junho.
Boquiaberto, Harry viu
que o quadradinho correspondente ao dia treze de junho parecia ter-se
transformado numa telinha de televisão. Com as mãos ligeiramente tremulas, ele
ergueu o livro para encostar o olho na janelinha e antes que entendesse o que
estava acontecendo, viu-se inclinando para frente; a janela foi se alargando, ele
sentiu o corpo abandonar a cama e mergulhar de cabeça na
abertura da página,
num rodamoinho de cores e sombras.
Depois, sentiu o pé bater em chão firme e ficou parado,
trêmulo, e as
formas borradas à sua volta entraram de repente em foco.
Soube imediatamente onde se achava. Essa sala circular com
os retratos
que cochilavam era o escritório de Dumbledore, mas não era
Dumbledore quem
se sentava à escrivaninha. Um bruxo mirrado e frágil,
careca, exceto por alguns
fiapos de cabelos brancos, lia uma carta à luz da vela.
Harry nunca vira esse
homem antes.
— Sinto muito — disse, trêmulo —, não tive intenção de
entrar assim...
Mas o bruxo não ergueu a cabeça. Continuou a ler, franzindo
ligeiramente
a testa.
Harry se aproximou mais da escrivaninha e gaguejou:
— Hum... Vou me retirar, posso?
O bruxo continuou a não lhe dar atenção. Nem parecia tê-lo
ouvido.
Achando que o bruxo talvez fosse surdo, Harry falou mais
alto.
— Sinto muito se o incomodei. Vou-me embora agora — falou
quase
gritando.
O bruxo dobrou a carta com um suspiro, levantou-se, passou
por Harry
sem olhá-lo e foi abrir as cortinas da janela.
O céu lá fora estava cor de rubi; parecia ser o pôr-do-sol.
O bruxo voltou
à escrivaninha, sentou-se e ficou girando os polegares, de
olho na porta.
Harry correu o olhar pela sala. Não havia Fawkes, a fênix —
nem
mecanismos barulhentos de prata. Era a Hogwarts que Riddle
conhecera, o
que significava que este bruxo desconhecido era o diretor em
vez de Durnbledore,
e que ele, Harry, era pouco mais do que um fantasma,
completamente invisível às
pessoas de cinqüenta anos atrás.
Alguém bateu à porta da sala.
— Entre — disse o velho bruxo com a voz fraca.
Um menino de uns dezesseis anos entrou tirando o chapéu cônico. Um
distintivo de monitor brilhava em seu peito. Ele era mais
alto do que Harry, mas
seus cabelos também eram muito negros.
— Ah, Riddle — exclamou o diretor.
— O senhor queria me ver, Profº. Dippet — disse o garoto, que parecia
nervoso.
— Sente-se — convidou Dippet. — Acabei de ler a carta que
você me
mandou.
— Ah — disse Riddle, e se sentou apertando as mãos com
força.
— Meu caro rapaz — disse Dippet bondosamente. — Não posso
deixá-lo
permanecer na escola durante o verão. Com certeza você quer
ir para a casa
passar as férias?
— Não — respondeu Riddle na mesma hora. — Preferia continuar
em Hogwarts do que voltar para aquele... Aquele...
— Você mora num orfanato de trouxas nas férias, não é? —
perguntou Dippet, curioso.
— Moro, sim, senhor — respondeu Riddle, corando
ligeiramente.
— Você nasceu trouxa?
— Mestiço. Pai trouxa e mãe bruxa.
— E seus pais...
— Minha mãe morreu logo depois que eu nasci. Me disseram no
orfanato
que ela só viveu o tempo suficiente para me dar um nome...
Tom, em homenagem
ao meu pai, Servolo, ou meu avo.
Dippet deu um muxoxo de simpatia.
— O problema é, Tom — suspirou ele —, que talvez pudéssemos
tomar
providências para acomodá-lo, mas nas atuais circunstâncias.
— O senhor se refere aos ataques? — perguntou Riddle, e o
coração de
Harry deu um salto, ao que ele se aproximou mais, com medo
de perder alguma
palavra.
— Precisamente — disse o diretor. — Meu rapaz, você deve
entender que
seria muito insensato de minha parte permitir que você
permaneça no castelo
quando terminar o ano letivo. Principalmente à luz da
recente tragédia... A morte
daquela pobre menininha... Você estará muito mais seguro no
seu orfanato. Aliás,
o Ministério da Magia está neste momento falando em fechar a
escola, Não
estamos nem perto de identificar a... Hum... Fonte de todos
esses contratempos...
Os olhos de Riddle se arregalaram.
— Diretor, se a pessoa fosse apanhada, se tudo isso
acabasse...
— Que quer dizer? — perguntou Dippet esganiçando a voz e
aprumando-se na cadeira. — Riddle, você está me dizendo que sabe alguma coisa
sobre
esses ataques?
— Não, senhor — respondeu Riddle depressa.
Mas Harry teve certeza de que era o mesmo tipo de "não”
que ele próprio
dissera a Dumbledore.
Dippet se recostou parecendo ligeiramente desapontado.
— Pode ir, Tom...
Riddle se levantou escorregando para fora da cadeira e saiu
acabrunhado
da sala.
Harry acompanhou-o.
Eles desceram pela escada em caracol e saíram ao lado da gárgula no
corredor que escurecia. Riddle parou, e Harry fez o mesmo,
observando-o. Era
visível que Riddle estava pensando em coisas serias. Mordia
o lábio e franzia a
testa.
Então, como se tivesse repentinamente chegado a uma decisão,
afastou-se depressa, e Harry deslizou silenciosamente atrás dele. Não viram
mais
ninguém até chegarem ao saguão de entrada, onde um bruxo
alto, com barba e
longos cabelos acajus que cascateavam pelos seus ombros, chamou Riddle da
escadaria de mármore.
— Que é que você está fazendo, andando por ai tão tarde,
Tom?
Harry boquiabriu-se ao ver o bruxo. Não era outro se não Dumbledore,
cinqüenta anos mais novo.
— Tive que ir ver o diretor.
— Então vá logo para a cama — disse Dumbledore, fixando em
Riddle
exatamente o tipo de olhar penetrante que Harry conhecia tão bem. — É melhor
não perambular pelos corredores hoje em dia. Não desde
que...
Ele soltou um pesado suspiro, desejou boa noite a Riddle e
foi-se embora.
Riddle observou-o desaparecer de vista e então, andando
depressa, rumou
direto para a escada de pedra que levava às masmorras, com Harry nos seus
calcanhares.
Mas para desapontamento de Harry, Riddle não o levou nem a
um
corredor oculto nem a um túnel secreto, mas a
mesmíssima masmorra em que
Harry tinha aula de Poções com Snape. Os archotes não tinham
sido acesos e,
quando Riddle empurrou a porta quase fechada, Harry só
conseguiu distinguir que
ele parara imóvel à porta, vigiando o corredor.
Pareceu a Harry que ficaram ali no mínimo uma hora. Só o que
ele via era
o vulto de Riddle à porta, espiando pela fresta, esperando
como uma estátua. E
quando Harry esqueceu a ansiedade e a tensão e começou a desejar voltar ao
presente, ouviu alguma coisa do lado de fora da porta.
Alguém estava andando sorrateiramente pelo corredor.
Ouviu esse alguém passar pela masmorra em que ele e Riddle
estavam
escondidos. Riddle, silencioso como uma sombra, esgueirou-se pela porta e
seguiu a pessoa, Harry acompanhou-o nas pontas dos pés,
esquecido de
que ninguém podia ouvi-lo.
Por uns cinco minutos, talvez, os dois seguiram as pegadas,
até que
Riddle parou subitamente, a cabeça inclinada, atento a novos
ruídos. Harry ouviu
uma porta se abrir com um rangido, e alguém falar num
sussurro rouco.
— Vamos... Preciso sair daqui... Vamos logo... Para a
caixa...
Havia alguma coisa familiar naquela voz...
De um salto Riddle contornou um canto. Harry foi atrás. Via a
silhueta escura de um garoto enorme, agachado diante de uma
porta aberta, com
uma grande caixa ao lado.
— Noite, Rubeo — disse Riddle rispidamente.
O garoto bateu a porta e se levantou.
— Que é que você está fazendo aqui em baixo, Tom?
Riddle se aproximou.
— Acabou — disse. — Vou ter que entregá-lo, Rúbeo. Estão
falando em
fechar Hogwarts se os ataques não pararem.
— Que é que...
— Acho que você não teve intenção de matar ninguém. Mas
monstros não
são bichinhos de estimação. Imagino que você o tenha soltado
para fazer
exercício e...
— Ele nunca mataria ninguém! — disse o garotão, recuando
contra a
porta fechada.
Atrás dele, Harry podia ouvir uns rumores e uns cliques
esquisitos.
— Vamos, Rúbeo — falou Riddle, aproximando-se ainda mais.
— Os pais da garota morta estarão aqui amanhã. O mínimo que
Hogwarts
pode fazer é garantir que a coisa que matou a filha deles
seja abatida...
— Não foi ele! — rugiu o garoto, a voz ecoando no corredor
escuro. — Ele
não faria isso! Nunca!
— Afaste-se — disse Riddle, puxando a varinha.
Seu feitiço iluminou repentinamente o corredor com uma luz
flamejante. A
porta atrás do garotão se escancarou com tal força que o
empurrou contra a
parede oposta. E pelo vão saiu uma coisa que fez Harry
soltar um grito comprido e
penetrante que ninguém ouviu...
Um corpanzil baixo e peludo e um emaranhado de pernas pretas; um
brilho de muitos olhos e um par de pinças afiadíssimas —
Riddle tornou a erguer a
varinha, mas demorou demais. A coisa derrubou-o e fugiu, desembestou pelo
corredor e desapareceu de vista. Riddle levantou-se
correndo, procurando a coisa;
ergueu a varinha, mas o garotão pulou em cinta dele, tirou-lhe a varinha e o
derrubou de novo no chão gritando:
— NAAAAÂÂÃO!
A cena girou, a escuridão foi total; Harry sentiu-se caindo e, com um
baque, aterrissou de braços e pernas abertas em sua cama de
colunas no
dormitório da Grifinória, com o diário de Riddle aberto
sobre a barriga.
Antes que tivesse tempo de recuperar o fôlego, a porta do
dormitório se
abriu e Rony entrou.
— Ah, é aqui que você está! — disse.
Harry se sentou. Estava suado e trêmulo.
— Que aconteceu? — perguntou Rony, olhando-o preocupado.
— Foi Hagrid, Rony. Hagrid abriu a porta da Câmara Secreta
há cinqüenta
anos.
CAPÍTULO CATORZE
Cornélio Fudge
Harry, Rony e Mione sempre souberam que Hagrid tinha uma
lamentável
queda por criaturas grandes e monstruosas. Durante o
primeiro ano em Hogwarts,
ele tentara criar um dragão
em sua casinha de madeira, e levaria muito tempo
para os garotos esquecerem o gigantesco cachorro de três
cabeças a que ele
dera o nome de "Fofo". E se, quando era criança,
Hagrid tivesse ouvido falar que
havia um monstro escondido em algum lugar do castelo, Harry
tinha certeza de
que ele teria feito o possível para dar uma espiada. E
provavelmente pensaria que
era uma vergonha o monstro ficar preso tanto tempo e que
merecia uma
oportunidade de esticar as pernas; Harry bem podia imaginar
o Hagrid de treze
anos tentando pôr uma coleira e uma guia no bicho, mas tinha
igualmente certeza
de que Hagrid jamais quisera matar alguém.
Chegou a desejar que não tivesse descoberto como trabalhar
com o diário
de Riddle.
Rony e Mione o fizeram repetir várias vezes o que vira, até
ele ficar cheio
de contar e cheio das conversas compridas e tortuosas que se
seguiam à sua
historia.
— Riddle pode ter apanhado a pessoa errada — disse Mione. —
Talvez
fosse outro o monstro que estava atacando as pessoas..
— Quantos monstros vocês acham que cabem aqui no castelo? —
perguntou Rony abobado.
-Sempre soubemos que Hagrid foi expulso — disse Harry,
infeliz. — E os
ataques devem ter parado depois que o mandaram embora. Do
contrário, Riddle não teria ganho um prêmio.
Rony tentou um ângulo diferente.
— Riddle se parece com o Percy, afinal quem pediu a ele para
dedurar
o Hagríd?
— Mas o monstro tinha matado alguém, Rony — lembrou Mione.
— E Riddle ia voltar para um orfanato de trouxas se
fechassem Hogwarts
— disse Harry. — Não posso culpá-lo por querer ficar aqui...
— Você encontrou o Hagrid na Travessa do Tranco, não foi,
Harry?
— Ele estava comprando um repelente para lesmas carnívoras —
respondeu Harry depressa.
Os três se calaram. Passado muito tempo Mione deu voz à
pergunta mais
cabeluda num tom hesitante.
— Vocês acham que devemos perguntar ao Hagrid o que
aconteceu?
— Ia ser uma visita animada — disse Rony. — Olá, Hagrid.
Conte para a
gente, você andou soltando alguma coisa selvagem e peluda no
castelo, ultimamente?
Por fim, eles resolveram não dizer nada a Hagrid a não ser que
houvesse
outro ataque e, como muitos e muitos dias se passaram sem
sequer um sussurro
da voz invisível, começaram a alimentar esperanças de que
nunca precisariam
perguntar a ele os motivos de sua expulsão. Fazia agora
quase quatro meses
desde que Justino e Nick Quase Sem Cabeça tinham sido
petrificados, e quase
todo mundo parecia pensar que o atacante, fosse quem fosse,
tinha se retirado
para sempre. Pirraça finalmente se cansara do seu refrão
"Ah, Potter podre", Ernie
Macmillan pediu certo dia a Harry, com muita educação, para
lhe passar um balde
de sapos saltitantes na aula de Herbologia, e em março
várias mandrágoras
deram uma festa de arromba na estufa três, o que deixou a
Profª Sprout muito
feliz.
— Na hora em que começarem a tentar se mudar para os vasos
umas das
outras então saberemos que estão completamente adultas —
explicou ela a Harry.
— Então poderemos ressuscitar aqueles pobrezinhos na ala
hospitalar.
Os alunos do segundo ano receberam algo novo em que pensar durante
os feriados de Páscoa. Chegara à hora de escolher as
matérias para o terceiro
ano, um assunto que pelo menos Mione levou muito a sério.
— Pode afetar todo o nosso futuro — disse a Harry e Rony
enquanto
examinavam as listas das novas matérias, marcando-as com
tiques.
— Eu só quero desistir de Poções — falou Harry .
— Não podemos — contrapôs Rony desanimado. — Continuamos com
todas as matérias antigas ou eu teria descartado Defesa contra as Artes das
trevas.
Mas essa é muito importante! — exclamou Mione chocada.
— Não do jeito que o Lockhart ensina — disse Rony. — Eu não aprendi
nada com ele a não ser que é perigoso deixar diabretes
soltos.
Neville Longbottom recebera cartas de todos os bruxos e
bruxas da
família, cada um deles lhe dando um conselho diferente sobre
o que escolher.
Confuso e preocupado, ele se sentou para ler as listas de
matérias, com a língua
de fora, perguntando às pessoas se achavam que Aritmancia
parecia mais difícil
do que o estudo das Runas Antigas. Dino Thomas que, como Harry, crescera
entre trouxas, por fim fechou os olhos e ia apontando a varinha para a lista e
escolhendo as matérias em que ela tocava. Mione não pediu
conselho de
ninguém, matriculou-se em todas.
Harry sorriu constrangido em pensar o que o tio Válter e a
tia Petúnia
diriam se ele tentasse discutir sua carreira de bruxo com os
dois. Não que ele
não recebesse nenhuma orientação:
Percy Weasley estava ansioso para partilhar com ele a
experiência que
tinha.
— Depende aonde você quer chegar Harry — disse. — Nunca é
cedo
demais para pensar no futuro, por isso eu recomendo Adivinhação. As pessoas
dizem que Estudo dos Trouxas é moleza, e pessoalmente acho
que os bruxos
deviam ter uma compreensão total da comunidade não-mágica,
particularmente se
estão pensando em trabalhar em contato com eles, olhe só o
meu pai, tem que
tratar de assuntos dos trouxas o tempo todo.
Meu irmão Carlinhos sempre foi
uma pessoa que gostou do ar livre, por isso se especializou na Criação de
Criaturas Mágicas. Favoreça suas inclinações, Harry.
Mas a única coisa em que Harry se achava muito bom era no Quadribol.
Por fim ele acabou escolhendo as mesmas matérias novas que
Rony, achando
que se fosse mal, pelo menos teria um amigo para ajudá-lo.
O próximo jogo da Grifinória seria contra a Lufa-Lufa. Wood
insistia em
fazer treinos todas as noites depois do jantar, de modo que
Harry mal tinha tempo
para mais nada, exceto o Quadribol e os deveres de casa. Entretanto, os treinos
estavam mais amenos, ou pelo menos estavam mais secos e, na
véspera do jogo
de sábado, ele foi ao dormitório guardar a vassoura,
sentindo que as chances da
Grifinória para a taça de Quadribol nunca tinham sido
maiores.
Mas sua animação não durou muito. No alto da escada para o
dormitório,
ele encontrou Neville Longbottom, que parecia transtornado.
— Harry, não sei quem fez aquilo, acabei de encontrar...
Olhando para Harry amedrontado, Neville abriu a porta.
O conteúdo do malão de Harry estava espalhado por todos os
lados. Sua
capa estava rasgada no chão. As roupas de cama tinham sido
arrancadas, e a
gaveta puxada do armário ao lado da cama, e seu conteúdo espalhado em cima
do colchão.
Harry aproximou-se da cama, boquiaberto, pisando em cima de umas
páginas soltas de Viagens com trasgos. Enquanto ele e Neville rearrumavam a
cama, Rony, Dino e Simas entraram. Dino disse um palavrão em
voz alta.
— Que aconteceu, Harry?
— Não faço idéia — disse Harry. Mas Rony examinava as vestes
de
Harry. Todos os bolsos tinham sido revirados.
— Alguém andou procurando alguma coisa — disse Rony. — Tem
alguma
coisa faltando?
Harry começou a apanhar as coisas e a atirá-las para dentro do malão.
Somente quando ele atirou o último livro de Lockhart foi que
se deu conta do que
estava faltando.
— O diário de Riddle desapareceu — disse em voz baixa a
Rony.
Harry indicou com a cabeça a porta do dormitório, e Rony o
seguiu para
fora. Juntos desceram correndo até a sala comunal da
Grifinória, quase vazia
àquela hora, e se reuniram a Mione, que estava sentada
sozinha, lendo um livro
chamado Runas Antigas sem Mistérios.
Mione ficou perplexa com as notícias.
— Mas... Só outro aluno da Grifinória poderia ter roubado,
ninguém mais
sabe a senha...
— Exatamente — disse Harry.
Eles acordaram na manhã seguinte com um sol radioso e uma
brisa leve e
fresca.
— Condições perfeitas para o
Quadriboll — exclamou Wood,
entusiasmado, à mesa da Grifinória, enchendo os pratos dos
jogadores com ovos
mexidos. -Harry, mexa-se, você precisa de um café da manhã
decente.
Harry estivera observando a mesa da Grifinória, cheia de
alunos,
imaginando se o novo dono do diário de Riddlle estaria ali,
bem diante dos seus
olhos.
Mione andou insistindo que ele comunicasse o roubo, mas
Harry não
gostou da idéia. Teria que contar a um professor tudo que
sabia sobre o diário, e
quantas pessoas sabiam por que Hagrid fora expulso há cinqüenta anos? Não
queria ser a pessoa a trazer tudo à tona de novo.
Quando saiu do Salão Principal com Rony e Mione para ir
apanhar o
equipamento de Quadribol, mais uma preocupação muito séria
se somou à sua
lista crescente.
Tinha acabado de pôr o pé na escadaria de mármore quando
ouviu outra
vez...
"Matar desta vez... deixe-me cortar.. Estraçalhar..”
Ele deu um grito alto e Rony e Mione saltaram para longe
assustados.
— A voz! — disse Harry, espiando por cima do ombro. — Acabei
de ouvi-la de novo, vocês não ouviram?
Rony sacudiu a cabeça, os olhos arregalados. Mione, porém, deu uma
palmada na testa.
— Harry, acho que acabei de entender uma coisa! Tenho de ir até a
biblioteca!
E, deixando os amigos, subiu as escadas correndo.
— Que é que ela entendeu? — perguntou Harry distraído, ainda
olhando à
volta, tentando descobrir de onde vinha a voz.
— Muito mais do que eu — disse Rony, sacudindo a cabeça.
— Mas por que ela tem de ir à biblioteca?
— Porque é isso que Mione faz — disse Rony sacudindo os
ombros. —
Quando tiver uma dúvida, vá à biblioteca.
Harry ficou parado, indeciso, tentando ouvir a voz
novamente, mas os
alunos agora vinham saindo do Salão Principal as suas
costas, falando alto,
dirigindo-se à porta da frente a caminho do campo de
Quadribol.
— É melhor você ir andando — disse Rony. — São quase onze
horas, o
jogo...
Harry correu até a Torre da Grifinória, apanhou sua Nimbus
2000 e se
juntou à multidão que atravessava os jardins, mas sua cabeça
continuava no
castelo com a voz invisível e, enquanto vestia o uniforme
vermelho no vestiário,
seu único consolo era que todo mundo estava lá fora para
assistir ao jogo.
Os times entraram em campo sob aplausos estrondosos. Olivio Wood
decolou para um vôo de aquecimento em volta das balizas;
Madame Hooch
lançou as bolas. Os jogadores da Lufa-Lufa, que jogavam de
amarelo-canário,
estavam amontoados num bolinho, discutindo táticas de última
hora.
Harry ia montar a vassoura quando viu a Profª. McGonagall
vir decidida
em sua direção, quase correndo, com um enorme megafone
púrpura na mão.
O coração de Harry sofreu um baque violento.
— O jogo foi cancelado — a Profª. McGonagall anunciou pelo
megafone,
dirigindo-se ao estádio. Ouviram-se vaias e gritos.
Olívio Wood, arrasado, pousou e correu para a professora sem
desmontar
da vassoura.
— Mas, professora! — gritou. — Temos que jogar, a taça,
Grifinória...
McGonagall não lhe deu atenção e continuou a falar pelo
megafone:
— Todos os alunos devem se dirigir às salas comunais de suas casas,
onde os diretores das casas darão maiores informações. O
mais rápido
que puderem, por favor!
Então, baixou o megafone e chamou Harry.
— Potter, acho que é melhor você vir comigo...
Imaginando como é que ela poderia suspeitar dele desta vez,
Harry viu
Rony se separar da multidão que reclamava; correu para os
dois que já iam a
caminho do castelo. Para surpresa de Harry, a professora não
fez objeção.
— É, talvez seja melhor você vir também, Weasley...
Alguns alunos que caminhavam perto deles reclamavam do
cancelamento
do jogo; outros pareciam preocupados. Harry e Rony
acompanharam a Profª.
McGonagall de volta à escola e subiram a escadaria de
mármore. Mas não foram
levados à sala de ninguém desta vez.
— Vai ser um pouco chocante para vocês — disse a Profª.
McGonagall,
num tom surpreendentemente gentil quando se aproximavam da
enfermaria. —
Houve mais um ataque... Mais um ataque duplo.
As entranhas de Harry deram uma terrível cambalhota. A
professora abriu
aporta e ele e Rony entraram.
Madame Pomfrey estava curvada sobre uma menina do quinto
ano, de
cabelos longos e crespos. Harry reconheceu a aluna da
Corvinal a quem por
acaso perguntaram onde ficava a sala da Sonserina. E na cama
ao lado achava-se...
— Mione! — gemeu Rony.
Mione estava deitada absolutamente imóvel, os olhos abertos
e vidrados.
— Elas foram encontradas perto da biblioteca — disse a Profª.
McGonagall. — Suponho que nenhum dos dois tenha uma explicação para isto.
Estava no chão ao lado delas...
Segurava um pequeno espelho circular.
Harry e Rony balançaram a cabeça, com os olhos fixos em
Mione.
— Vou acompanhá-los de volta à Torre da Grifinoria —
continuou a
professora deprimida. — Tenho mesmo que falar com os alunos.
— Todos os alunos devem voltar à sala comunal de suas casas
até as
seis horas da tarde.
Nenhum aluno deve sair dos dormitórios depois dessa hora.
Um professor os acompanhará a cada aula. Nenhum aluno deve
usar o banheiro a
não ser escoltado por um professor. Todos os treinos e jogos
de Quadribol estão
adiados. Não haverá mais atividades noturnas.
Os alunos da Grifinória aglomerados na sala comunal ouviram
a
professora em silêncio. Ela enrolou o pergaminho que acabara
de ler e disse com
a voz um tanto embargada:
— Não preciso acrescentar que raramente me senti tão aflita.
É provável
que fechem a escola a não ser que o autor desses ataques
seja apanhado. Eu
pediria a quem achar que talvez saiba alguma coisa que me
procure.
Foi ela sair um tanto
desajeitada pelo buraco do
retrato e os alunos
começarem a falar imediatamente.
— São dois alunos da Grifinória atacados, sem contar o nosso
fantasma,
um aluno da Corvinal e um da Lufa-Lufa — disse o amigo dos gêmeos Weasley,
Lino Jordan, contando nos dedos. — Será que nenhum professor
reparou que os
alunos da Sonserina não foram tocados? Não é óbvio que essa
coisa toda está
vindo da Sonserina? O herdeiro de Slytherin, o monstro da
Sonserina, por que é
que eles não mandam embora todo o pessoal da Sonserina? —
vociferou ele, em
meio a acenos de concordância e aplausos.
Percy Weasley estava sentado em uma poltrona atrás de Lino,
mas desta
vez não parecia ansioso para dizer o que pensava. Parecia
pálido e atordoado.
— Percy ficou em estado de choque — disse Jorge a Harry,
baixinho. —
Aquela menina da Corvinal, Penelope Clearwater, é monitora.
Acho que ele não
pensou que o monstro se atrevesse a atacar um monitor.
Mas Harry só estava ouvindo com metade da atenção. Não
estava
conseguindo se livrar da visão de Mione deitada na cama de hospital como se
tivesse sido talhada em pedra. E se o culpado não fosse
apanhado logo, o que o
aguardava era uma vida com os Dursley. Tom Riddle entregara
Hagrid
porque teria que enfrentar um orfanato de trouxas se a
escola fechasse.
Harry agora sabia exatamente o que ele sentira.
— Que é que vamos fazer? — perguntou Rony baixinho ao ouvido
de
Harry. — Você acha que eles suspeitam de Hagrid?
— Precisamos ir falar com ele — disse Harry decidindo-se. —
Não posso
acreditar que desta vez ele seja o culpado, mas se soltou o
monstro da última vez
saberá como entrar na Câmara Secreta, e isto é um começo.
— Mas McGonagall disse para ficarmos em nossa torre a não
ser na hora
das aulas...
— Acho — disse Harry, mais baixinho ainda — que está na hora
de tirar
outra vez da mala a velha capa do meu pai.
Harry herdara somente uma coisa do pai: uma longa capa de
invisibilidade
prateada. Era a única chance que tinham de sair escondidos
da escola para visitar
Hagrid, sem ninguém ficar sabendo. Assim, foram se deitar na hora de costume,
esperaram até Neville, Dino e Simas pararem de discutir
sobre a Câmara Secreta
e irem finalmente dormir, então se levantaram, vestiram-se
outra vez e jogaram a
capa por cima dos dois.
A viagem pelos corredores escuros e desertos do castelo não foi um
prazer. Harry, que perambulara pelo castelo à noite várias
vezes antes, nunca os
vira tão cheios depois do pôr-do-sol. Professores, monitores
e fantasmas andavam
pelos corredores aos pares, olhando tudo atentamente, à
procura de alguma
atividade incomum.
A capa da invisibilidade não os impedia de fazer barulho, e
houve um
momento particularmente tenso em que Rony deu uma topada a poucos metros
do lugar onde Snape estava montando guarda. Felizmente,
Snape espirrou quase
ao mesmo tempo que Rony xingou. Foi com alivio que chegaram
às portas de
entrada e as abriram devagarinho.
Fazia uma noite clara e estrelada. Eles correram em direção
às janelas
iluminadas da casa de Hagrid e despiram a capa somente
quando estavam à sua
porta de entrada.
Segundos depois de terem batido, Hagrid escancarou a porta.
Eles deram de cara com um arco que o amigo apontava. Canino,
o cão de
caçar javalis, o acompanhava dando fortes latidos.
— Ah — exclamou ele, baixando a arma e encarando os meninos.
— Que
é que vocês estão fazendo aqui?
— Para que é isso? — perguntou Harry, ao entrarem, apontando
para o
arco.
— Nada... Nada... — murmurou Hagrid. — Estava esperando...
Não faz
mal... Sentem... Vou preparar um chá...
Ele parecia não saber muito bem o que estava fazendo. Quase
apagou a
lareira ao derramar água da chaleira e em seguida amassou o
bule com um
movimento nervoso da mão enorme.
— Você está bem, Hagrid? — perguntou Harry. — Soube do que
aconteceu com a Mione?
— Ah, soube, soube, sim — respondeu Hagrid, com a voz ligeiramente
falha.
Ele não parava de olhar nervoso para as janelas. Serviu aos
meninos dois
canecôes de água fervendo (esquecera-se de pôr chá na
chaleira) e ia servindo
uma fatia de bolo de frutas num prato quando ouviram uma
forte batida na porta.
Hagrid deixou cair o bolo de frutas. Harry e Rony se
entreolharam
em pânico, mas logo se cobriram com a capa e se retiraram
para um canto. Hagrid
se certificou de que os garotos estavam escondidos, apanhou
o arco e escancarou
mais uma vez a porta.
— Boa-noite, Hagrid.
Era Dumbledore. Ele entrou, parecendo mortalmente sério e
vinha
acompanhado por um homem de aspecto muito esquisito.
O estranho tinha os cabelos grisalhos despenteados, uma expressão
ansiosa e usava uma estranha combinação de roupas: terno de
risca de giz,
gravata vermelha, uma longa capa preta e botas roxas de bico fino. Sob o braço
carregava um chapéu-coco cor de limão.
— É o chefe do papai! — cochichou Rony. — Cornélio Fudge,
Ministro da
Magia!
Harry deu uma forte cotovelada em Rony para fazê-lo
calar-se.
Hagrid empalidecera e suava. Deixou-se cair em uma cadeira e
olhava de
Dumbledore para Cornélio Fudge.
— Problema sério, Hagrid — disse Fudge em tom seco. —
Problema
muito sério. Tive que vir. Quatro ataques em alunos nascidos trouxas. As coisas
foram longe demais. O Ministério teve que agir.
— Eu nunca — disse Hagrid, olhando suplicante para
Dumbledore. — O
senhor sabe que eu nunca, Profº. Dumbledore...
— Quero que fique entendido, Cornélio, que Hagrid goza de
minha
inteira confiança — disse Dumbledore fechando a cara para
Fudge.
— Olhe, Alvo — respondeu Fudge, constrangido. — A ficha de
Hagrid
depõe contra ele. O Ministério teve que fazer alguma coisa, o conselho
diretor da escola entrou em contato...
— Contudo, Cornélio, continuo a afirmar que levar Hagrid não
vai resolver
nada — disse Dumbledore. Seus olhos azuis tinham uma
intensidade que Harry
nunca vira antes.
— Procure entender o meu ponto de vista — disse Fudge,
manuseando o
chapéu coco. — Estou sofrendo muita pressão. Precisam ver
que estou fazendo
alguma coisa. Se descobrirmos que não foi Hagrid, ele
voltará e não se fala mais
no assunto. Mas tenho que levá-lo. Tenho. Não estaria
cumprindo o meu dever...
— Me levar? — perguntou Hagrid, começando a tremer. — Me levar
aonde?
— Só por um tempo — disse Fudge sem encarar Hagrid nos
olhos. — Não
é um castigo, Hagrid, é mais uma precaução. Se outra pessoa for apanhada,
você será solto com as nossas desculpas...
— Não para Azkaban? — lamentou Hagrid, rouco.
Antes que Fudge pudesse responder, ouviram outra batida
forte na porta.
Dumbledore atendeu-a. Foi a vez de Harry levar uma cotovelada
nas
costelas; deixara escapar uma exclamação audível.
O Sr. Lúcio Malfoy entrou decidido na cabana de Hagrid,
envolto em uma
longa capa de viagem, com um sorriso frio e satisfeito.
Canino começou a rosnar.
— Já está aqui, fudge — disse em tom de aprovação. — Muito
bem...
— Que é que o senhor está fazendo aqui? — perguntou Hagrid
furioso. —
Saia da minha casa!
— Meu caro, por favor acredite em mim, não me dá nenhum
prazer estar
no seu... Hum... Você chama isso de casa?— disse Lúcio
Malfoy,
desdenhoso, correndo os olhos pela pequena cabana. —
Simplesmente vim à
escola e me disseram que o diretor se encontrava aqui.
— E o que era exatamente que você queria comigo, Lúcio? —
perguntou
Dumbledore. Falou com cortesia, mas a intensidade ainda
encandecia os
seus olhos azuis.
— É Lamentável, Dumbledore — disse Malfoy sem pressa, puxando um
rolo de pergaminho —, mas os conselheiros acham que está na
hora de você
se retirar. Tenho aqui uma Ordem de Suspensão, com as doze
assinaturas.
Receio que o Conselho pense que você está perdendo o jeito.
Quantos ataques
houve até agora? Mais dois hoje à tarde, não foi? Nesse
ritmo, não sobrarão
alunos nascidos trouxas em Hogwarts, e todos sabemos que perda horrível isto
seria para a escola. PARA LER TODAS AS PARTES CLIQUE AQUI
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