LUA NOVA
(NEW MOON)
STEPHENIE
MEYER
Segundo livro da série ‘Crepúsculo’.
PREFÁCIO
Eu me sentia como se estivesse presa em um
daqueles terríveis pesadelos, um onde você
precisa correr, correr até seus pulmões
estourarem, mas você não pode fazer seu corpo
se mover rápido o suficiente. Minhas pernas
se moviam devagar e mais devagar
enquanto eu me esforçava para abrir caminho
pela indiferente multidão, mas os
ponteiros na enorme torre do relógio não
reduziram a velocidade. Com implacável,
insensível força, eles decididamente iam em
direção ao fim – o fim de tudo.
Mas isso não era sonho, e, ao contrário do
pesadelo, eu não estava correndo pela minha
vida; Eu estava correndo para salvar algo
infinitamente mais precioso. Minha própria
vida já não importava tanto.
Alice tinha dito que havia uma boa chance de
morrermos aqui. Talvez o resultado fosse
diferente se ela não fosse apanhada pela
ofuscante luz do sol, só eu podia correr por essa
iluminada, aglomerada praça.
E eu não podia correr rápido o suficiente.
Então não me importava que nós estivéssemos
cercados de nossos inimigos
extraordinariamente poderosos. Assim que o
relógio começou a soar a hora, vibrando
abaixo das solas de meus lentos pés, eu soube
que estava muito atrasada – e eu me
alegrei que alguma coisa sanguinária
estivesse me esperando pelos arredores. Se isto
desse errado, eu perderia qualquer vontade de
viver.
O relógio soou de novo, e o sol se pôs bem no
meio do céu.
CAPÍTULO 1 – FESTA
Eu estava 99% certa de que estava sonhando.
As razões para eu estar tão certa disso eram
que, em primeiro lugar, eu estava em pé em
um brilhante raio de luz solar – o tipo de
sol intenso e ofuscante que nunca brilhava em
minha atual chuvosa cidade natal em Forks,
Washington – e segundo, eu estava olhando
para minha avó Marie. Vovó tinha morrido seis
anos atrás, então essa foi minha
evidência concreta que comprovou a teoria do
sonho.
Vovó não tinha mudado muito, seu rosto
parecia o mesmo que eu lembrava. A pele era
macia e tinha um aspecto murcho, se dobrava
em mil rugas finas debaixo das quais se
agarrava suavemente o osso. Como um pêssego
seco, mas aureolada por um espesso
bolo de cabelos brancos de fisionomia similar
a uma nuvem.
Nossos lábios – os dela franzidos em uma
grande quantidade de rugas – estendidos num
mesmo meio sorriso de surpresa ao mesmo
tempo. Aparentemente, ela não esperava me
ver também.
Eu estava a ponto de fazer uma pergunta; Eu
tinha tantas – O que ela estava fazendo
aqui em meu sonho? Aonde ela esteve nos
últimos seis anos? Vovô estava bem? Eles
haviam se encontrado onde quer que eles
estivessem? – mas ela abriu a boca no mesmo
tempo que eu, então eu parei para deixá-la
falar primeiro. Ela parou também, e então
ambas sorrimos um pouco sem jeito.
- Bella?
Não foi ela quem havia dito meu nome, por
isso nós duas nos viramos para ver quem
havia se juntado a nossa pequena reunião. Na
verdade, eu não precisava olhar para
saber. Era uma voz que eu teria reconhecido
em qualquer lugar, e à qual eu também
havia respondido, para saber se estava
dormindo ou acordada...ou até mesmo morta, eu
tinha quase certeza. A voz que atravessava o
fogo – ou, com menos dramatismo, andava
na lama diariamente pelo frio e a incessante
chuva.
Edward.
Embora eu sempre fosse louca para vê-lo –
consciente ou não – e estava quase certa de
que se tratava de um sonho, entrei em pânico
à medida que Edward se aproximava de
nós, caminhando abaixo da deslumbrante luz do
sol.
Me apavorei porque vovó não sabia que eu
estava apaixonada por um vampiro –
ninguém sabia – e de que forma eu iria explicar
os brilhantes raios de sol quebrando-se
sobre sua pele em milhares de pedacinhos de
arco-íris, como se ele fosse feito de cristal
ou diamante?
Bem, vovó, só para o caso de você ter notado
que meu namorado brilha. É só algo que
ele faz quando está no sol. Mas não se
preocupe com isso...
O que ele estava fazendo? A única razão para
que viva em Forks, é que é o lugar mais
chuvoso do mundo, ele podia sair à luz do dia
sem expor o segredo de sua família.
Mesmo assim, ele estava vindo na minha
direção com seu andar bem gracioso e
despreocupado - com o mais bonito sorriso em
seu rosto angelical – como se eu
estivesse sozinha.
Nesse momento, desejei não ser a exceção de
seu misterioso dom. Em geral, agradeceria
ser a única cujos pensamentos ele não podia
ouvir com a mesma clareza como se eles
fossem falados em voz alta. Mas agora eu
desejei que ele pudesse me ouvir também,
então assim ele poderia escutar o aviso que
eu estava gritando em minha cabeça.
Lancei um olhar apavorado para vovó, e
percebi que já era muito tarde.
Nesse instante, ela apenas se virou para me
olhar de volta e seus olhos tão alarmados
quanto os meus.
Edward – ainda sorrindo daquela forma tão
arrebatadora que fazia com que meu
coração acelerasse e parecesse a ponto de
estourar no meu peito – passou seu braço em
volta de meu ombro e virou seu rosto para
minha avó.
A expressão de vovó me surpreendeu. Em vez de
horrorizada, ela me olhava
timidamente, como se esperando por uma
repreensão. E ela estava parada numa posição
bem estranha – um braço se separou
desajeitadamente do corpo, ela o esticou e o
enrolou em volta do ar. Como se estivesse
abraçando alguém que eu não podia ver,
alguém invisível...
Só então, quando olhei com mais atenção,
notei a enorme armação dourada que rodeava
a figura da minha avó. Sem entender nada,
ergui a mão que não estava em volta da
cintura de Edward e a aproximei para tocar
minha avó. Ela repetiu exatamente o mesmo
movimento, como em um espelho. Mas onde
nossos dedos deveriam ter se encontrado,
não existia nada além do vidro frio...
Com uma vertiginosa sacudida, o sonho
abruptamente se transformou em um pesadelo.
Não havia nenhuma avó.
Aquela era eu.
Era minha imagem refletida em um espelho. Era
eu, velha, enrugada e
acabada.
Edward continuava ao meu lado sem se refletir
no espelho, insuportavelmente
encantador em seus eternos dezessete anos.
Ele apertou seus lábios frios e perfeitos
contra minha decrépita bochecha.
- Feliz aniversário. - ele sussurrou.
Acordei assustada – meus olhos a ponto de
ficarem fora de órbita – e ofegante. Uma
escura luz cinza, a familiar luz de uma manhã
nublada, tomou o lugar do ofuscante sol
de meu sonho.
Só um sonho, eu disse a mim mesma. Foi só um
sonho. Tomei ar e saltei da cama assim
que me recuperei do susto. O pequeno
calendário no canto do relógio me informou que
hoje era treze de Setembro.
Só um sonho, mas profético, sem dúvida, ao
menos em um sentido. Era o dia de meu
aniversário. Acabava de fazer dezoito anos
oficialmente.
Eu temi esse dia durante meses.
Durante o perfeito verão – o verão mas feliz
que já tive, o mais feliz que ninguém
em
lugar nenhum poderia ter, e o verão mais chuvoso da história da Península
Olympic –
este infeliz dia se espreitava de tocaia,
preparado para pular.
E agora que por fim havia chegado era até
pior do que eu temia que seria. Eu podia
sentir: estava mais velha. Cada dia eu
envelhecia um pouco mais, porém isso era
diferente e notavelmente pior. Eu tinha
dezoito anos.
E Edward nunca teria.
Quando fui escovar os dentes, quase me
surpreendeu que o rosto do espelho não tivesse
mudado. Olhei para mim mesma à procura de
algum sinal iminente de rugas na minha
pele. Contudo, não havia outras rugas além
das em minha testa, e soube que seu
relaxasse, elas desapareceriam. Eu não podia.
Minhas sobrancelhas haviam se franzido
formando uma linha de preocupação acima dos
meus ansiosos olhos castanhos.
Foi só um sonho, lembrei a mim mais uma vez. Só um sonho, e também o meu pior
pesadelo.
Eu dispensei o café da manhã, querendo sair
de casa o mais rápido possível. Não me
encontrava com ânimo de enfrentar meu pai e
ter que passar uns minutos fingindo estar
feliz. Eu honestamente tentava ficar
entusiasmada com os presentes que pedi para ele
não me dar, mas sentia que estava a ponto de chorar a cada vez que deveria
sorrir.
Fiz um esforço para me distrair enquanto
dirigia para a escola. A visão de vovó – eu não
deveria pensar nela como se fosse eu –era
difícil de tirar da cabeça. Eu não podia sentir
nada além de desespero quando entrei no
familiar estacionamento que se estendia por
detrás do colégio secundário de Forks e
encontrei Edward imóvel, recostado em seu
lustrado Volvo prateado como um monumento de
mármore dedicado a algum esquecido
deus pagão da beleza. O sonho não fazia
sentido. E ele estava esperando por mim, igual
a qualquer outro dia.
O desespero desapareceu momentaneamente e a
maravilha tomou seu lugar. Mesmo
depois de ter passado quase a metade do ano
com ele, não podia crer que merecia tanta
sorte.
Sua irmã Alice estava ao seu lado, me
esperando também.
É claro que Edward e Alice não eram parentes
de verdade (Em Forks, a história que
ocorria era que todos os irmãos Cullen haviam
sido adotados pelo doutor Carlisle e sua
esposa Esme, já que ambos tinham uma
aparência claramente bem jovem para terem
filhos adolescentes), mas suas peles tinham o
mesmo tom de palidez, seus olhos na
mesma estranha tonalidade de dourado, com as
mesmas olheiras arroxeadas, ressaltadas
abaixo deles. O rosto de Alice, igual ao de
Edward, era surpreendentemente bonito. Aos
olhos de alguém – alguém como eu – estas
semelhanças revelavam o que eles eram.
A visão de Alice me esperando ali – seus
olhos de cor amarelo escuro brilhavam de
excitação, e uma pequena caixa quadrada
embrulhada em papel prateado em suas mãos
– me fez franzir as sobrancelhas. Eu havia
lhe dito que não queria nada, nada, nem
presentes e nem nenhum outro tipo de atenção
para o meu aniversário. Evidentemente,
meus pedidos foram ignorados.
Bati a porta de minha caminhonete Chevrolet
53 – uma chuva de respingos de ferrugem
voaram até a parte externa do pneu preto.
Depois caminhei lentamente para onde eles
me aguardavam. Alice veio ao meu encontro;
seu rosto travesso resplandecia abaixo do
pontiagudo cabelo negro.
- Feliz aniversário, Bella!
- Shhh! – eu sibilei enquanto olhava ao redor
para ter certeza de que ninguém tivesse
ouvido. A última coisa que eu queria era
qualquer tipo de comemoração do triste
evento.
Ela me ignorou.
- Quando quer abrir seu presente? Agora ou
mais tarde? – ela me perguntou
entusiasmada enquanto caminhávamos para onde
Edward nos esperava.
- Sem presentes. – protestei em um murmúrio.
Ela finalmente pareceu ser dar contar de qual
era meu estado de ânimo.
- Certo...mais tarde, então. Gostou do álbum
de fotografias que sua mãe lhe mandou? E
a câmera fotográfica de Charlie?
Eu suspirei. É claro que ela saberia quais
seriam os meus presentes. Edward não era o
único membro da sua família com habilidades
fora do comum. Alice "veria" o que meus
pais tivessem planejado assim que eles
tivessem decidido.
"É. Eles são ótimos".
"Eu acho que essa é uma boa idéia. Só se vive o último ano escolar uma
vez. Seria bom
documentar a experiência".
"Quantas vezes você cursou o último ano?"
"Isso é diferente".
Nós nos aproximamos de Edward nessa hora, e
ele levantou sua mão pra mim. Eu a
segurei ansiosamente, esquecendo, por um
momento, meu mal-humor. A pele dele
estava, como sempre, macia, dura, e muito
fria. Ele apertou meus dedos gentilmente. Eu
olhei nos seus olhos de topázio liquido, e
meu coração se apertou de forma não tão
gentil. Escutando as batidas do meu coração,
ele sorriu de novo.
Ele levantou sua mão livre e traçou a ponta
de um dedo gelado nos meus lábios
enquanto falava. "Então, como foi
discutido, eu não estou autorizado a te desejar feliz
aniversário, está correto?"
"Sim. Está correto." Eu não podia
imitar a fluência da sua articulação perfeita e formal.
Era uma coisa que só podia ter saído do
início do século.
"Só checando". Ele passou a mão
pelo seu cabelo bagunçado cor de bronze. "Você
podia ter
mudado de idéia. A maioria das pessoas costuma gostar de coisas como
aniversários e presentes".
Alice sorriu, o som era todo prateado, como
um carrilhão passando no vento.
"É claro que você vai gostar. Todo mundo
deve ser legal com você e fazer tudo do seu
jeito, Bella. O que poderia dar tão
errado?"
A pergunta era retórica.
"Ficar mais velha". Eu respondi do
mesmo jeito, e minha voz não era tão uniforme
quanto eu havia planejado.
Ao meu lado, o sorriso de Edward se
transformou numa linha dura.
"Dezoito não é muito velha." Alice
disse. "As mulheres não costumam esperar até os
trinta e nove até ficarem tristes com os
aniversários?"
"É mais que Edward".
Ele suspirou.
"Tecnicamente", ela disse, mantendo
o tom suave. "Porém, é só um aninho".
E eu acho... que se eu tivesse certeza do futuro que eu
queria, certeza que eu passaria a
eternidade com Edward, e Alice, e com o resto
dos Cullen (preferivelmente não sendo
uma velhinha enrugada)... Então um ano ou
dois não faria muita diferença pra mim.
Mas Edward era mortalmente contra qualquer
futuro em que eu fosse transformada.
Qualquer futuro que me fizesse como ele - que
me deixasse imortal também.
Um impasse, era assim que ele chamava.
Pra ser honesta, eu não entendia o ponto de
vista de Edward.
O que é tão maravilhoso na mortalidade? Ser
vampira não parecia uma coisa tão
horrível - não do jeito como os Cullen
diziam, de qualquer forma.
"A que hora você vai estar lá em
casa?", Alice continuou, mudando de assunto. Pela
expressão dela, ela estava planejando fazer
exatamente o tipo de coisa que eu estava
tentando evitar.
"Eu não sabia que tinha planos para ir
lá".
"Oh, seja boazinha, Bella", ela
reclamou. "Você não vai estragar toda a nossa diversão
desse jeito, vai?"
"Eu achei que o meu aniversário era
sobre o que eu quisesse".
"Eu pegar ela com Charlie logo depois da
escola", Edward disse me ignorando
completamente.
"Eu tenho que trabalhar", eu
protestei.
"Na verdade, não", Alice me disse
presumidamente. "Eu já falei com a Sra. Newton
sobre isso, ela vai trocar o seu horário. Ela
me pediu pra dizer 'Feliz aniversário'".
"Eu- eu não posso aparecer", eu
gaguejei, me atrapalhando pra encontrar uma desculpa.
"Eu, bem, eu ainda não assisti Romeu e
Julieta para a aula de Inglês".
Alice bufou. "Você tem Romeu e Julieta
decorado".
"Mas o Sr. Berty disse que temos que ver
a atuação pra realmente apreciarmos - foi
assim que Shakespeare tencionava
apresentá-lo".
Edward rolou os olhos.
"Você já assistiu o filme", Alice
acusou.
"Mas não na versa dos anos sessenta. O
Sr. Berty disse que é a melhor".
Finalmente Alice perdeu o sorriso presumido e
me encarou.
"Isso pode ser fácil, ou pode ser
difícil, Bella, mas de um jeito ou de outro - "
Edward interrompeu a ameaça dela.
"Relaxe, Alice. Se Bella quer assistir o filme, então
ela pode. É o aniversário dela".
"Isso aí", eu acrescentei.
"Eu vou levar ela por volta de
sete", ele continuou. "Isso vai dar mais tempo pra você
arrumar tudo".
A risada de Alice reapareceu. "Parece
bom. Te vejo de noite, Bella. Vai ser divertido,
você vai ver". Ela sorriu largamente - o
grande sorriso exibiu todos os dentes brilhantes,
perfeitos - então ela me deu um beijinho na
bochecha e foi dançando até a sua primeira
aula antes que eu pudesse responder alguma
coisa.
"Edward, por favor -", eu comecei a
implorar, mas ele pressionou um dedo frio nos
meus lábios.
"Vamos discutir isso mais tarde. Nós
vamos nos atrasar para a aula".
Ninguém se incomodou em olhar pra nós
enquanto sentávamos nos nossos lugares de
sempre no fundo da sala (nós tínhamos quase
todas as aulas juntos agora - é incrível os
favores que Edward pode conseguir com a
administração feminina da escola). Edward e
eu já estamos juntos a bastante tempo pra não
sermos mais motivo de fofoca. Nem Mike
Newton se incomoda em continuar me dando
aqueles olhares mal-humorados que me
faziam sentir um pouco culpada. Ele sorria
agora, e eu estava feliz por ele finalmente
parecer estar percebendo que nós só
poderíamos ser amigos.
Mike havia mudado durante o verão - o rosto
dele estava menos arredondado, fazendo
as maçãs do seu rosto mais proeminentes, e
ele estava usando o seu cabelo loiro de
outro jeito; ao invés de arrepiado, ele
estava mais longo e com gel pra causar um efeito
casualmente bagunçado. Era fácil ver de onde
a inspiração tinha saído - mas o estilo de
Edward não era uma coisa que podia alcançada
através de uma imitação.
Enquanto o dia progredia, eu considerei as
possibilidades de escapar do que quer que os
Cullen estivessem planejando na casa deles
hoje á noite. Já era ruim o suficiente ter que
celebrar com um humor tão ruim.
Mas, o pior, isso com certeza ia envolver
atenção e presentes.
Atenção nunca é uma coisa boa, qualquer outra
pessoa propensa a acidentes concordaria
comigo. Ninguém quer um canhão de luz na sua
direção quando você está prestes a cair
de cara.
Eu muito sugestivamente pedí - bem, na
verdade eu ordenei - que ninguém me desse
presentes esse ano. Parece que Renée e
Charlie não foram os únicos que decidiram
ignorar isso.
Eu nunca tive muito dinheiro, e isso nunca me
incomodou. Renée me criou com o
salário de uma professora de jardim de
infância. Charlie também não estava ficando rico
com o seu trabalho - ele era o chefe de
policia dessa pequenina cidade de Forks. O meu
próprio fundo pessoal vinha dos três dias por
semana que eu trabalhava numa
lojinha de suplementos esportivos da cidade.
Numa cidade tão pequena, eu tinha sorte
por ainda ter um emprego. Cada centavo que eu
ganhava ia direto para os meus
microscópicos fundos pra faculdade. (A
faculdade era só o plano B. Eu ainda tinha
esperanças no plano A, mas Edward ainda era muito
teimoso em relação a me deixar
humana).
Edward tinha muito dinheiro - eu nem queria pensar no quanto.
Dinheiro significava quase nada para Edward e
o restante dos Cullen.
Era só uma coisa que acabava se acumulando
quando você tem tempo ilimitado nas
mãos e uma irmã que tem uma misteriosa forma
de prever as mudanças da bolsa de
valores. Edward não parecia entender a minha
objeção para que ele não gastasse tanto
dinheiro comigo - porque eu não me sentia
confortável quando ele me levava pra um
restaurente caro em Seattle, ou porque ele
não podia me comprar um carro que
alcançasse uma velocidade acima de cinqueta e
cinco milhas por hora, ou porque ele
não podia pagar a minha faculdade (ele estava
riculamente entusiasmado com o plano
B). Edward achava que eu estava sendo
desnecessáriamente difícil.
Mas como eu podia deixar que ele me desse
tantas coisas quando eu não tinha nada em
troca?
Ele, por alguma razão insondável, queria
estar comigo.
Qualquer coisa que ele me desse além disso,
só nos deixaria ainda menos balanceados.
Enquanto o dia passava, nem Edward nem Alice
falou sobre o meu aniversário de novo,
e eu comecei a relaxar um pouco.
Nós sentamos na nossa mesa de almoço de
costume.
Um estranho tipo de trégua existia naquela
mesa. Nós três - Edward, Alice e eu - nos
sentavamos no cantinho no sul da mesa. Agora
que os mais velhos e "assustadores" (no
caso de Emmett certamente) irmãos Cullen
terem se formado, Alice e Edward não
pareciam tão intimidantes, e não nos
sentávamos mais sozinhos.
Meus outros amigos, Mike e Jéssica (que
estavam passando pela estranha fase póstérmino
de namoro na amizade), Angela e Ben (cujo
relacionamento sobreviveu ao
verão), Eric, Conner,
Tyler e Lauren
(apesar dessa última não contar na categoria
da amizade) todos nos sentávamos na
mesma mesa, no outro lado da linha invisível.
Essa linha se dissolvia nos dias de sol,
quando Edward e Alice sempre faltavam a
escola, e aí a conversa se estendia sem muito
esforço pra me incluir também.
Edward e Alice não achavam esse pequeno
ostracismo estranho ou ferino, como eu teria
achado. Eles praticamente nem reparavam.
As pessoas sempre se sentiam estranhamente
doentes de tão á vontade que ficavam
perto dos Cullen, quase com medo por alguma
razão que ele não podiam explicar.
Eu era rara excessão a essa regra. Ás vezes
Edward se incomodava por eu me sentir tão
confortável ao lado dele. Ele achava que era
um risco á minha saúde - uma opinião que
eu rejeitava veementemente toda vez que ele
tocava nela.
A tarde passou rapidamente. A aula acabou e
Edward me acompanhou até a minha
caminhonete como sempre fazia. Mas dessa vez,
ele segurou a porta do passageiro
aberta pra mim. Alice deve ter levado o carro
dele pra casa pra que eles pudessem me
impedir de fugir.
Eu cruzei meus braços e não me movi pra sair
da chuva. "É meu aniversário, eu não
posso dirigir?"
"Eu estou fingindo que não é seu
aniversário, assim como você deseja".
"Se não é meu aniversário, então eu não
preciso ir á sua casa hoje á noite..."
"Tudo bem". Ele fechou a porta do
passageiro e passou por mim para ir para o lado do
motorista. "Feliz aniversário".
"Shh", eu calei ele sem muita
vontade. Eu entrei pela porta aberta, esperando que ele
tivesse aceitado o outro pedido.
Edward mexia no rádio enquanto eu dirigia,
balançando a cabeça em desaprovação.
"Seu rádio tem uma recepção
horrível".
Eu fiz uma careta. Eu odiava quando ele mexia
com a minha caminhonete.
A caminhonete era ótima- tinha personalidade.
"Você quer um som legal? Dirija o seu
prórpio carro". Eu já estava nervosa com os
planos de Alice, com o meu humor negro ainda
por cima, que as palavras saíram mais
afiadas do que eu planejei. Eu mal conseguia
ter um mal temperamento perto de
Edward, e as minhas palavras fizeram ele
apertar os lábios pra não sorrir.
Quando eu parei na frente da casa de Charlie,
ele se inclinou pra pegar meu rosto com
as duas mãos. Ele me segurou muito
cuidadosamente, pressionando só a ponta dos
dedos levemente nas minhas têmporas, nas
maçãs do meu rosto, minha mandíbula.
Como se eu estivesse especialmente quebrável.
Que era exatamente o caso - comparado
com ele, pelo menos.
"Você deveria estar de vom humor, hoje
entre todos os outros dias", ele sussurrou. O
doce hálito dele varreu o meu rosto.
"E se eu não quiser estar de bom
humor?", eu perguntei, minha respiração desigual.
Seus olhos dourados queimaram. "Que
pena".
Minha cabeça já estava girando quando ele
chegou mais pra perto e pressionou seus
lábios gelados nos meus.
Como ele pretendia, sem dúvida, eu esquecí
das minhas preocupações, e me concentrei
em lembrar de inalar e exalar.
A boca dele permaneceu na minha, fria e suave
e gentil, até que eu joguei meus braços
no pescoço dele e me joguei no beijo com um
pouco de entusiasmo demais. Eu podia
sentir os seus lábios se curvando pra cima
enquanto ele soltava meu rosto e se inclinava
pra trás pra se livrar do meu abraço.
Edward havia desenhado muitas linhas
cuidadosas para o nosso relacionamento físico,
com a intenção de me manter viva.
Apesar de eu respeitar a necessidade de
manter uma distância segura entre minha pele e
seus dentes afiados como navalha e cheios de
veneno, eu sempre me esquecia de coisas
sem importância como essas quando ele me
beijava.
"Seja boazinha, por favor", ele
respirou na minha bochecha.
Ele pressionou seus lábios gentilmente nos
meus mais uma vez e então se afastou,
cruzando meus braços no meu estômago.
Meu pulso estava estrondando nos meus
ouvidos. Eu coloquei uma mão no meu
coração. Ele batia hiperativamente na minha
palma.
"Você acha que um dia eu vou melhorar
nisso?", eu imaginei, mais pra mim mesma.
"Será que um dia meu coração vai parar
de querer sair do meu peito toda vez que você
me toca?"
"Eu realmente espero que não", ele
disse, um pouco presumido.
Eu rolei meus olhos. "Vamos assistir os
Capuleto e os Montague acabando uns com os
outros, certo?"
"Seu pedido, minha ordem".
Edward se espalhou no sofá enquanto eu
começava o filme, avançando nos créditos
iniciais.
Quando eu me sentei no canto do sofá na
frente dele, ele passou os braços pela minha
cintura e me puxou pro peito dele. Não era
exatamente confortável como um sofá, já
que o peito dele era frio e duro - e perfeito
- como uma escultura de gelo, mas era
definitivamente preferível. Ele puxou a velha
manta do encosto do sofá e jogou por
cima de mim pra que eu não congelasse ao lado
do corpo dele.
"Sabe, eu nunca tive muita paciência com
Romeu", ele comentou enquanto o filme
começava.
"Qual é o problema com Romeu?", eu
perguntei, um pouco ofendida. Romeu era um
dos meus personagens de ficção favoritos.
Antes de conhecer Edward eu meio que tinha
uma quedinha por ele.
"Bem, pra começar, ele está apaixonado
por essa tal de Rosaline- você não acha que
isso o torna um pouco inconstante? E depois,
alguns minutos depois do casamento, ele
mata o primo de Julieta. Isso não é muito
inteligente. Erro depois de erro.
Será que ele poderia ter acabado com a sua
felicidade mais completamente?"
Eu suspirei. "Você quer que eu assista
isso sozinha?"
"Não, na maior parte do tempo eu vou
estar olhando você, de qualquer jeito". Os dedos
dele traçaram linhas no meus braço, me
deixando arrepiada. "Você vai chorar?"
"Provavelmente", eu admití.
"Se eu estiver prestando atenção".
"Então eu não vou te distrair". Mas
eu sentí os lábios dele no meu cabelo, muito
distrativo.
O filme finalmente capturou meu interesse, em
grande parte isso se deveu ao fato de
Edward estar citando as falas de Romeu no meu
ouvido - a sua voz irresistível e
aveludada fez a voz do ator parecer fraca e
rouca em comparação. E eu chorei, pra
diversão dele, quando Julieta acordou e viu
seu novo marido morto.
"Eu admito, eu meio que invejo ele nessa
parte". Edward disse, enxugando as minhas
lágrimas com uma mecha de cabelo.
"Ela é muito bonita".
Ele fez um som de nojo. "Não é garota dele que eu invejo - é só a facilidade do
suicídio", ele esclareceu num tom de
zombaria.
"Vocês humanos morrem tão fácil! Tudo o
que vocês têm que fazer é só engolir um
extrato de planta..."
"Como é?", eu ofeguei.
"Foi uma coisa na qual eu tive que
pensar uma vez, e eu sabia pela experiência de
Carlisle que não seria fácil. Eu nem tenho
certeza de quantas vezes Carlisle tentou se
matar no início... depois que ele viu no que
tinha se transformado...". A voz dele que
havia ficado séria, ficou suave de novo.
"E ele claramente ainda está em perfeita saúde".
Eu me virei pra poder ler o rosto dele.
"Do que é que você pensa que está falando?", eu
quis saber. "O que é que você quer dizer
com, isso é uma coisa na qual eu tive que
pensar uma vez?"
"Primavera passada, quando você foi...
quase morta..." Ele parou pra respirar fundo,
lutando pra voltar ao seu tom de zombaria.
"É claro que eu estava focado em te
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encontrar viva, mas parte da minha mente
estava fazendo planos contingentes. Como eu
disse, não é tão fácil pra mim quanto é pra
um humano".
Por um segundo, a memória da minha viagem á
Phoenix passou pela minha cabeça e me
deixou tonta. Eu podia ver tudo tão
claramente - o sol que me deixava cega, as ondas de
calor que saiam do concreto enquanto eu
corria enlouquecidamente pra encontra o
vampiro sádico que queria me torturar até a
morte. James na sala dos espelhos com a
minha mãe como refem - ou pelo menos eu
pensava. Eu não sabia que era tudo uma
armação. Assim como James não sabia que
Edward estava correndo pra me salvar;
Edward chegou a tempo, mas foi por bem pouco.
Sem pensar, eu passei o dedo na
grande cicatriz na minha mão que estava
sempre um pouco mais fria que o resto da
minha pele.
Eu balancei minha cabeça- como se isso
pudesse levar pra longe todas as memórias
ruins - e tentei entender o que Edward estava
dizendo. Meu estômago revirou
desconfortávelmente. "Planos
contingentes?", eu repetí.
"Bem, eu não ia continuar vivendo sem
você". Ele rolou os olhos como se o fato fosse
infantilmente óbvio. "Mas eu não tinha
certeza de como poderia fazer isso - eu sabia
que Emmett e Jasper nunca iam me ajudar...
então eu pensei que poderia ir para a Itália
e fazer alguma coisa pra provocar os
Volturi".
Eu não queria acreditar que ele estava
falando sério, mas seus olhos dourados estavam
distantes, focados em algum lugar longínguo
como se ele estivesse contemplando o fim
da sua vida. De repente eu estava furiosa.
"O que é Volturi?", eu quis saber.
"Os Volturi são uma família", ele
explicou, seus olhos ainda distantes. "Uma família
muito velha e muito poderosa, da nossa
espécie. Eles são a coisa mais próxima no nosso
mundo da família real, eu acho. Carlisle
viveu brevemente com eles nos seus anos mais
jovens, na Itália, antes de se ascentar na
América- você lembra da história?"
"É claro que eu lembro".
Eu jamais esqueceria a primeira vez que fui a
casa dele, a enorme mansão branca no
meio da floresta ao lado do rio, ou da sala
onde Carlisle - Pai de Edward em muitas
formas reais - mantinha uma parede com
pinturas que ilustravam a sua história pessoal.
A tela mais vívida, com as cores mais vivas
de lá, a maior, era dos tempos de Carlisle na
Itália. É claro que eu me lembreva do calmo
quarteto de homens, cada um com seu
estranho rosto de serafim, pintados no balcão
mais alto tirando a atenção do restante das
cores.
Apesar da pintura ser antiga, Carlisle - o
anjo loiro - permanecia igual. E eu me
lembreva dos outros, as antigas companhias de
Carlisle. Edward nunca usou o nome
Volturi para
o lindo trio, dois de cabelos pretos e um branco-neve. Ele os havia
chamado de Aro, Caius e Marcus, os patronos
noturnos das artes.
"De qualquer forma, você não deve
irritar os Volturi", Edward continuou,
interrompendo meu revival. "Não a não
ser que você queira morrer - ou o que quer que
seja o que nós fazemos". A voz dele estava
tão calma, que ele quase parecia entediado
com o pensamento.
Minha raiva se transformou em horror. Eu
peguei seu rosto de mármore entre minhas
mãos e segurei com muita força.
"Você não deve mais pensar nisso nunca,
nunca, nunca mais!" eu disse. "Não importa o
que possa acontecer comigo, você não tem permissão pra se machucar!"
"Eu nunca vou te colocar em risco de
novo, então isso é inútil"
"Me colocar em risco! Eu pensei que já
tínhamos estabelecido que a má sorte é minha
culpa!", eu estava ficando com mais
raiva.
"Como é que você ousa pensar em uma
coisa dessas?" a idéia de Edward deixando de
existir, mesmo eu estando morta, era
impossivelmente dolorosa.
"O que você faria se a situação fosse
contrária?", ele perguntou.
"Não é a mesma coisa".
Ele não pareceu ver a diferença. Ele
gargalhou.
"E se alguma coisa acontecesse com
você?" eu embranquecí com o pensamento. "Você
ia querer que eu me matasse?"
Um traço de dor tocou seu rosto perfeito.
"Eu acho que entendo seu ponto de
vista... um pouco", ele admitiu.
"Mas o que é que eu faria sem
você?"
"O que quer que você fazia antes de eu
aparecer e complicar a sua existância".
Ele suspirou. "Você faz parecer tão
fácil".
"Devia ser. Eu não sou assim tão
interessante".
Ele estava quase discutindo, mas então eu
soltei o rosto dele. "Isso é inútil", ele me
lembrou. De repente ele se sentou ficando
numa postura mais formal, me colocando de
lado até que não estávamos mais nos tocando.
"Charlie?", eu adivinhei.
Edward sorriu. Depois de um momento, eu ouví
o som da viatura policial entrando na
garagem. Eu me inclinei e segurei a mão dele
firmemente. Meu pai podia aguentar isso.
Charlie entrou com uma caixa de pizza nas
mãos.
"Oi, crianças", ele sorriu pra mim.
"Eu achei que você gostaria de uma folga da cozinha
e dos pratos e pelo seu aniversário. Com
fome?"
"Claro. Obrigada, Pai".
Charlie não comentou a aparente falta de
apetite de Edward. Ele já estava acostumado
em ver Edward pulando o jantar.
"Você se incomoda se eu pegar Bella
emprestada hoje á noite?", Edward perguntou
quando Charlie e eu havíamos terminado.
Eu olhei pra Charlie esperançosamente. Talvez
ele tivesse algum conceito sobre
aniversários em casa, coisas de família- esse
era o meu primeiro aniversário com ele,
meu primeiro aniversário desde que minha mãe,
Renée, casou de novo e foi pra Flórida,
por isso eu não sabia o que esperar.
"Tudo bem - os Mariners vão jogar com os
Sox hoje". Charlie explicou e minha
esperança desapareceu. "Então eu não vou
ser uma boa companhia... Aqui". Ele
levantou a câmera que me deu por sugestão de
Renée (porque eu precisaria de fotos pra
encher meu livro de recordações), e jogou pra
mim.
Ele já devia saber- eu sempre tive problemas
de coordenação. A câmera escorregou da
ponta dos meus dedos, e foi caindo no chão.
Edward a agarrou antes que ela se espatifasse
na madeira.
"Bela pegada", Charlie reparou.
"Se eles vão fazer alguma coisa divertida essa noite na
casa dos Cullen, Bella, você devia
fotografar.
Você sabe como sua mãe fica - ela vai querer
ver as fotos antes que você possa tirá-las".
"Boa idéia, Charlie", Edward disse,
me passando a câmera.
Eu virei a câmera pra Edward, e tirei a
primeira foto. "Funciona".
"Que bom. Ei, diga olá pra Alice por
mim. Já faz algum tempo que ela não vem aqui" A
boca de Charlie caiu de um dos lados.
"São só três dias, pai", eu lembrei
ele. Charlie estava louco por Alice. Ele se apegou na
primavera passada quando ela me ajudou na
minha estranha convalescência; Charlie
seria sempre grato a ela por salvá-lo do
horror de uma filha quase adulta precisando
tomar banho.
"Eu digo a ela".
"OK. Divirtam-se crianças".
Obviamente estávamos sendo dispensados.
Charlie já estava indo em direção á sala e á
TV.
Edward sorriu, triumfante, e pegou minha mão,
me puxando pra fora da cozinha.
Quando chegamos na caminhonete, ele abriu a
porta do passageiro pra mim de novo, e
dessa vez eu não discutí. Ainda era difícil
encontrar o estranho retorno para a casa dele
no escuro.
Edward dirigiu por Forks indo para o Norte,
visivelmente vigiando o limite de
velocidade imposto pela minha Chevrolet
pré-histórica.
O motor roncou ainda mais alto quando ele
tentou andar a mais de cinquenta milhas.
"Vai com calma", eu avisei ele.
"Sabe o que você adoraria? Um pequeno
Audi coupé. Bem quieto, muita força..."
"Não há nada de errado com a minha
caminhonete. E falando de coisas caras e sem
importância, se você sabe o que é bom pra
você, você não gastou dinheiro com
presentes de aniversário".
"Nem um centavo", ele disse
virtuosamente.
"Bom".
"Você pode me fazer um favor?"
"Depende do que é".
Ele suspirou. Seu adorável rosto estava
sério. "Bella, o último aniversário de verdade
que um de nós teve foi Emmett em 1935.
Poupe-nos um pouco, e não seja tão difícil
essa noite. Eles estão todos muito
excitados".
Sempre me surpreendia quando ele falava dessas
coisas. "Tá certo, eu vou me
comportar".
"Eu provavelmente devo te
avisar..."
"Por favor avise".
"Quando eu digo que estão todos
excitados... eu quero dizer todos eles".
"Todo mundo?", eu asfixiei.
"Eu pensei que Emmett e Rosalie estivessem na Africa". O
resto de Forks achava que os Cullen mais
velhos haviam ido para a faculdade, em
Dartmouth, mas eu sabia a verdade.
"Emmett queria estar aqui".
"Mas... Rosalie?"
"Eu sei, Bella. Mas não se preocupe, ela
vai se comportar bem".
Eu não respondi. Como se eu não fosse me preocupar, assim tão fácil.
Diferente de
Alice, a outra irmã "adotiva" de
Edward, a loira e notável Rosalie, não gostava muito de
mim. Na verdade, o sentimento era um pouco
mais forte que isso. Quando se tratava de
Rosalie, eu era uma intrusa que sabia o
segredo da família.
Eu me sentia horrivelmente culpada pela
presente situação, achando que a ausência de
Emmet e Rosalie fosse por minha culpa, mesmo
não gostando muito de ver ela, de
Emmett, o irmão urso de Edward, eu sentia falta. Ele era de muitas formas, o irmão
mais velho que eu sempre quis ter... só que
era muito, muito mais aterrorizante.
Edward decidiu mudar de assunto. "Então,
se você não quer me deixar te comprar um
Audi, tem alguma coisa que você queira de
aniversário?"
As palavras saíram num sopro. "Eu sei o
que eu quero".
Uma profunda carranca fez linhas na testa
dele. Ele obviamente preferia ter ficado no
assunto de Rosalie.
Eu sentia que havíamos tido muito essa
discussão hoje.
"Hoje não, Bella, por favor".
"Bem, talvez Alice me dê o que eu
quero".
Edward rosnou - um som profundo de ameaça.
"Esse não vai ser o seu último
aniversário, Bella", ele prometeu.
"Isso não é justo!"
Eu achei ter ouvido seus dentes se cerrando.
Nós estávamos parando na frente da casa dele
agora. Luzes claras brilhavam de todas as
janelas nos dois primeiros andares. Uma longa
fila de lanternas Japonesas estava
pendurada nos arcos do portal da entrada,
refletindo um leve brilho que vinha das
enormes árvores que cercavam a casa. Grandes
vasos de flores - rosas cor de rosa -
enchiam a larga escadaria que levava até a
porta.
Eu gemí.
Edward respirou fundo algumas vezes pra se
acalmar também.
"Isso é uma festa", ele me lembrou.
"Tente se divertir".
"Claro", eu murmurei.
Ele deu a volta para abrir minha porta, e me
ofereceu sua mão.
"Eu tenho uma pergunta".
Ele esperou cautelosamente.
"Se eu revelar esse filme", eu
disse, brincando com a câmera nas mãos, "Você vai
aparecer nas fotos?"
Edward começou a rir. Ele me ajudou a sair do
carro, me levou pelas escadas, e ainda
estava rindo quando abriu a porta pra mim.
Eles estavam todos esperando na enorme sala
de estar branca; quando eu entrei pela
porta eles me receberam com um enorme coro de
"Feliz aniversário, Bella!", enquanto
eu corava e olhava pra baixo. Alice, eu acho,
tinha cobrido todas as superfícies planas
com velas cor de rosa e dezenas de vasos de
cristal com centenas de rosas. Havia uma
mesa coberta com uma toalha branca ao lado do
grande piano de Edward, haviam um
grande bolo cor de rosa sobre ela, mais
rosas, uma pilha de pratos de vidro, e uma
pequena pilha de presentes cobertos com papel
prateado.
Era cem vezes pior do que eu havia imaginado.
Edward, sentindo meu estresse, passou uma
braço encorajador pela minha cintura e deu
um beijo no topo da minha cabeça.
Os pais de Edward, Carlisle e Esme -
impossívelmente jovens e amáveis como sempre -
eram os mais próximos da porta. Esme me
abraçou cuidadosamente, seu cabelo macio,
cor de caramelo alisando minha bochecha
quando ela deu um beijo na minha testa, e
então Carlisle colocou seu braço ao redor dos
meus ombros.
"Desculpe por isso, Bella", ele
meio que sussurrou. "Nós não pudemos deter Alice".
Rosalie e Emmett estavam atrás deles. Rosalie
não sorriu, mas pelo menos não me
encarou. O rosto de Emmett estava envolvido num
enorme sorriso. Já faziam meses que
eu não os via; eu tinha esquecido do quanto
Rosalie era bonita - quase doía olhar pra
ela. E Emmett sempre foi tão... grande?
"Você não mudou nada" Emmett disse
com falso desapontamento.
"Eu esperava ver uma diferença notável,
mas aqui está você, com o rosto vermelho
como sempre".
"Muito obrigada, Emmett", eu disse,
ficando mais vermelha ainda.
Ele sorriu. "Eu tenho que sair
rapidinho" - ele piscou eminentemente pra Alice- "Não
faça nada engraçado até eu voltar".
"Eu vou tentar".
Alice soltou a mão de Jasper e se aproximou..
todos os seus dentes brilhando na luz
clara. Jasper sorria também, mas continuou
distante. Ele se encostou, alto e loiro, no
pilar no início da escadas.
Durante os dias que havíamos passado juntos em
Phoenix, eu achava que ele havia
lidado com a sua aversão á mim. Mas ele
voltou a ser como sempre - me evitando o
máximo possível - no exato momento que se
livrou da obrigação temporária de me
proteger.
Eu sabia que não era pessoal, só precaução, e
eu tentei não ser sensível demais em
relação á isso. Jasper que tinha mais
problemas na convivência com os Cullen por causa
da dieta do que do que os outros; o cheiro do
sangue humano era muito mais difícil pra
ele resistir do que pros outros - ele não
estava tentando a tanto tempo.
"Hora de abrir os presentes", Alice
declarou. Ela colocou sua mão gelada no meu
cotovelo e me guiou até a mesa com o bolo e
os pacotes brilhantes.
Eu fiz minha melhor cara de mártir.
"Alice, eu sei que te disse que não queria nada-"
"Mas eu não te ouví", ela me
interrompeu, presumida. "Abra". Ela pegou a câmera das
minhas mãos e a trocou por uma caixa enorme e
prateada.
A caixa estava tão leve que parecia vazia. A
etiqueta em cima dizia que era de Emmett,
Rosalie e Jasper. Envergonhada, eu rasguei o
papel e olhei pra ver o que a caixa
escondia.
Era algo elétrico, com um monte de números no
nome. Eu abrí a caixa, esperando por
uma iluminação maior. Mas a caixa estava vazia.
"Um... Obrigada".
Rosalie realmente sorriu. Jasper gargalhou. "É
um som para a sua caminhonete", ele
explicou. "Emmett está instalando agora
mesmo pra que você não possa devolver".
Alice como sempre estava um passo á minha
frente.
"Obrigada, Jasper, Rosalie", eu
disse sorrindo, enquanto lembrava das reclamações de
Edward sobre o meu rádio esta tarde - tudo
armação, aparentemente. "Obrigada,
Emmett!", eu disse mais alto.
Eu ouví a risada expansíva dele na minha
caminhonete, e não pude evitar de rir também.
"Agora abra o meu e o de Edward",
Alice disse, ela estava tão excitada que sua voz era
só um ruído alto de alegria. Ela segurou um
quadrado achatado nas mãos.
Eu me virei pra encarar Edward. "Você
prometeu".
Antes que ele pudesse responder, Emmett
entrou por adentro. "Bem na hora!" ele disse
alegremente. Ele se empurrou atrás de Jasper,
que também tinha chegado mais perto que
de costume pra dar uma boa olhada.
"Eu não gastei um centavo", Edward
me assegurou. Ele tirou uma mecha de cabelo do
meu rosto, deixando minha pele com cócegas
pelo seu toque.
Eu inalei profundamente e olhei pra Alice.
"Dê pra mim". Eu suspirei.
Emmett gargalhou deliciado.
Eu peguei o pequeno pacote, rolando meus
olhos pra Edward enquanto colocava meu
dedo na boda do papel e o puxava por baixo da
fita.
"Droga", eu murmurei quando o papel
cortou meu dedo; eu o puxei pra examinar o
estrago. Uma pequena gota de sangue saia do
pequeno corte.
Depois disso tudo aconteceu muito rápido.
"Não!", Edward rugiu.
Ele se jogou por cima de mim, me jogando por
cima da mesa. Ela caiu, assim como eu,
derrubando o bolo, os presentes, as flores e
os pratos. Tudo caiu numa bagunça de
cristais quebrados.
Jasper se chocou contra Edward, e o som
pareceu com o de um deslizamento de pedras.
Houve outro barulho, um terrível rosnado que
parecia ter saído de dentro do peito de
Jasper.
Jasper tentou passar por Edward, mostrando
seus dentes a apenas alguns centímetros do
rosto de Edward.
Emmett pegou Jasper por trás no outro
segundo, prendendo ele no seu volumoso aperto
de aço, mas Jasper lutou com ele, seus olhos,
selvagens, vazios, só se focavam em mim.
Depois do choque só ficou a dor. Eu caí no
chão ao lado do piano, com meus braços
jogados pra trás instintivamente pra aparar a
minha queda, jogando-os nos cacos de
vidro quebrado.
Só agora eu sentia a dor queimando, pulsante,
que corria desde o meu pulso até a dobra
do meu cotovelo.
Confusa e desorientada, eu olhei pra cima por
causa do sangue pulsante que saía do meu
braço - e olhei para os olhos de seis
vampiros repentinamente vorazes.
2. Pontos
Celisle foi o único que permaneceu calmo.
Séculos de experiência nas salas de
emrgência ficavam evidentes na sua voz calma,
autoritária.
"Emmett, Rose, tirem Jasper daqui".
Sem sorrir pela primeira vez, Emmett balançou
a cabeça. "Vamos lá, Jasper".
Jasper lutou contra o aperto inquebrável de
Emmett, se remexendo, avançando na
direção do irmão com os dentes á amostra, os
olhos ainda estavam sem razão.
O rosto de Edward estava mais branco que
papel quando ele se arrastou pra se curvar
sobre mim, numa postura claramente defensiva.
Um rugido baixo de aviso escapou por entre
seus dentes trincados.
Eu podia perceber que ele não estava
respirando.
Rosalie, se divino rosto estranhamente
presumido, ficou na frente de Jasper- mantendo
uma cuidadosa distância dos seus dentes - e
ajudou Emmett a levar ele pra fora pela
porta de vidro que Esme segurou aberta, com
uma mão tapando a boca e o nariz.
O rosto com formato de coração de Esme estava
envergonhado. "Eu sinto muito, Bella",
ela lamentou enquanto seguia os outros até o
jardim.
"Me deixe passar, Edward", Carlisle
murmurou.
Um segundo se passou, e então Edward balançou
a cabeça lentamente e relaxou de sua
posição.
Carlisle se ajoelhou á meu lado, se
inclinando mais pra perto pra examinar meu braço.
Eu podia sentir o choque congelado no meu
rosto e tentei me recompor.
"Aqui, Carlisle", Alice disse o
entregando uma toalha.
Ele balançou a cabeça. "Tem muito vidro
na ferida". Ele se aproximou e arrancou uma
tira longa e fina da toalha que cobria a
mesa. Ele torceu a tira no meu braço logo acima
do cotovelo como um torniquete. O cheiro do
sangue estava me deixando tonta. Meus
ouvidos zumbiam.
"Bella", Carlisle disse levemente.
"Você quer que eu te leve até o hospital, ou você
prefere que eu cuide disso aqui".
"Aqui, por favor", eu sussurrei. Se
ele me levasse pra o hospital, não ia ter jeito de
esconder de Charlie.
"Eu vou pegar sua maleta", Alice
disse.
"Vamos levá-la para a mesa da
cozinha", Carlisle disse pra Edward.
Edward me levantou sem esforço enquanto,
Carlisle mantinha a pressão firme no meu
braço.
"Como você está, Bella?", Carlisle
me perguntou.
"Eu estou bem", minha voz estava
razoavelmente firme, o que me deixou contente.
O rosto de Edward parecia pedra.
Alice estava lá. A maleta de Carlisle já
estava sobre a mesa, uma mesa pequena mas
brilhante com uma luz plugada na parede.
Edward me sentou gentilmente na cadeira, e
Carlisle puxou outra. Ele começou a trabalhar
imediatamente.
Edward ficou ao meu lado, ainda me
protegendo, ainda sem respirar.
"Vai, Edward", eu suspirei.
"Eu aguento", ele insistiu. Mas a
mandíbula dele estava rígida; seus olhos queimavam
com a intencidade da sede que ele sentia que
ele lutava, que era muito pior pra ele que
para os outros.
"Você não precisa ser um herói", eu
disse. "Carlisle pode cuidar de mim sem sua ajuda.
Vá tomar um ar fresco".
Eu gemí quando Carlisle fez alguma coisa no
meu braço que doeu como uma picada.
"Eu fico", ele disse.
"Porque você é tão masoquista?" eu
murmurei.
Carlisle decidiu interceder. "Edward,
você deve encontrar Jasper antes que ele vá longe
demais, e eu duvido que ele vá ouvir alguém
que não seja você agora".
"Sim", eu disse ansiosamente.
"Vá encontrar Jasper".
"Você deve fazer alguma coisa
útil", Alice acrescentou.
Os olhos de Edward se estreitaram enquanto
nós o atacávamos em grupo, mas,
finalmente, ele balançou a cabeça uma vez e
saiu suavemente pela porta de trás da
cozinha. Eu tinha certeza de que ele não
havia respirado desde o momento que eu cortei
o dedo.
Uma sensação entorpecida, morta, estava se
espalhando pelo meu braço.
Apesar disso acabar com a dor, me lembrou do
corte, e eu observei cuidadosamente o
rosto de Carlisle pra me distrair do que ele
estava fazendo no meu braço. O seu cabelo
irradiava dourado na luz brilhante enquanto
ele se inclinava sobre o meu braço. Eu
podia sentir as leves sensações de incomodo,
mas eu estava determinada a não deixar as
minhas fraquezas tomarem conte de mim.
Não havia dor agora, só uns puxõezinhos, que
eu estava tentando ignorar. Não era
motivo pra ficar enjoada como um bebê.
Se ela não estivesse na minha linha de visão,
eu nem teria visto Alice desistir e sair da
cozinha. Com um pequeno sorriso que pedia
desculpas nos lábios, ela desapareceu pela
porta da cozinha.
"Bom, já foram todos", eu suspirei.
"Eu posso limpar uma sala, pelo menos".
"Não é culpa sua" Carlisle me
confortou com uma risada. "Poderia acontecer com
qualquer um".
"Poderia", eu repetí. "Mas geralmente só acontece comigo".
Ele riu de novo.
Sua calma relaxada era ainda mais incrível em
contraste com a reação dos outros. Eu
não conseguí achar nem um traço de ansiedade
nos olhos dele. Ele trabalhava com
movimentos rápidos, certeiros.
O único som além das nossas respirações
calmas era o som do plink, plink enquanto os
pequenos fragmentos de vidro caíam um a um na
mesa.
"Como é que você consegue fazer
isso?", eu quis saber. "Até Alice e Esme..." eu parei,
balançando minha cabeça em dúvida. Apesar do
resto da família também ter desistido
da tradicional dieta dos vampiros tão
absolutamente quanto Carlisle, ele era o único que
podia sentir o cheiro de sangue sem sofrer
com a intensa tentação.
Claramente, isso era muito mais difícil do
que ele queria fazer parecer.
"Anos e anos de prática", ele me
disse. "Eu quase não sinto mais o cheiro".
"Você acha que seria mais difícil se
você tirasse umas longas férias do hospital, e não
houvesse nenhum sangue por perto?"
"Talvez", ele levantou os ombros,
mas suas mãos continuaram firmes.
"Eu nunca sentí necessidade de longas
férias". Ele mostrou um grande sorriso brilhante
na minha direção. "Eu gosto muito do meu
trabalho".
Plink, plink, plink.. Eu estava surpresa de ver quanto vidro parecia ter no meu braço.
Eu
estava tentada em olhar para a pilha
crescendo, só pra checar o tamanho, mas eu sabia
que a idéia não seria de grande ajuda para a
minha estratégia de não vomitar.
"Do que é que você gosta?" eu
imaginei.
Pra mim não fazia sentido - os anos de luta e
negação que ele deve ter passado até
alcansar o ponto que ele conseguria lidar com
isso tão facilmente. Além do mais, eu
queria manter ele falando; a conversa mantinha
minha cabeça longe da sensação de
enjôo do meu estômago.
Seus olhos escuros estavam calmos e
pensativos enquanto ele falava.
"Hmm. O que eu gosto mais é quando
minhas... habilidades adquiridas me deixam
salvar uma pessoa que poderia estar perdida.
É bom saber que, graças ao que eu faço, a
vida de algumas pessoas é melhoer porque eu
existo. Até o cheiro do sangue é uma
ferramenta que me ajuda as vezes". Um
dos lados da boca dele se levantou num meio
sorriso.
Eu pensei nisso enquanto ele me cutucava, pra
ter certeza que todos os cacos do meu
braço haviam saído. Então ele procurou na sua
maleta por outras ferramentas, e eu tentei
não reparar na agulha e na linha.
"Você dá muito duro pra tentar se
redimir de uma coisa que nunca foi culpa sua", eu
sugerí enquanto outro tipo de picada começou
a puxar os cantos da minha pele. "O que
eu quero dizer é, você não pediu por isso.
Você não escolheu esse tipo de vida, e mesmo
assim você tem que trabalhar tão duro pra ser bom".
"Eu não acho que esteja me redimindo por
nada", ele discordou suavemente. "Como
tudo na vida, eu só tive que escolher o que
fazer com o que me foi dado".
"Isso faz tudo parecer fácil".
Ele examinou meu braço de novo.
"Aí", ele disse, cortando a linha.
"Tudo pronto". Ele pegou uma gaze
grande, molhando-a com uma espécie de xarope
colorido, e a colocou ao redor da saturação.
O cheiro era estranho; fez minha cabeça
rodar. O xarope queimou minha pele.
"No começo, porém" eu pressionei
enquanto ele amarrava outro pedaço de gaze
seguramente no lugar, lacrando ela no meu
braço. "Porque é que você sequer pensou em
viver de outra maneira que nãpo da maneira
mais óbvia?"
Seus lábios se ergueram num sorriso privado.
"Edward já não te contou essa história?"
"Sim. Mas eu estou tentando entender o
que você estava pensando..."
Seu rosto estava repentinamente sério de
novo, e eu me perguntei se os pensamentos
dele teriam ido para o mesmo lugar que os
meus. Imaginando em que eu estaria
pensando quando - eu me recusava a pensar em
um se - fosse
eu.
"Você sabe que meu api era um
clérigo". ele meditou enquanto limpava cuidadosamente
a mesa, esfregando tudo com uma gaze molhada,
e depois fazendo tudo de novo. O
cheiro de alcool queimou no meu nariz.
"Ele tinha uma visão muito dura do mundo, que
eu já estava começando a questionar quando eu
fui mudado". Carlisle pôs a gaze suja e
os pedaços de vidro dentro de um vaso de
cristal vazio.
Eu não entendí o que ele estava fazendo,
mesmo quando ele acendou o fósforo. Então
ele o jogou nas fibras encharcadas de álcool,
e a explosão me fez pular.
"Desculpe", ele se desculpou.
"Isso vai dar conta... Então eu não concordava com o
ponto de visto do meu pai sobre fé
particularmente. Mas nunca, nesses quase
quatrocentos anos desde que eu nascí , eu ví
alguma coisa que me fizesse duvidar da
existência de Deus, de uma forma ou de outra.
Nem mesmo a reflexão do espelho".
Eu fingí examinar o curativo no meu braço pra
esconder a minha surpresa com o curso
que a nossa conversa havia tomado. Religião
era a única coisa que eu não esperava, de
todas as coisas que eu considerei. Minha
própria vida era muito destituída de crenças.
Charlie se considerava um Luterano, porque os
seus pais haviam sido, mas durante os
Domingos ele só rezava se fosse na beira do
rio com uma vara de pesca na mão. Renée
havia tentad a igreja de ver em quando, mas,
assim como os seus casos com o Tênis, as
aulas de cerâmica, Ioga e de Francês, ela
resolvia desistir quando ficava sabendo de
outra novidade.
"Eu sei que tudo isso parece bizarro,
especialmente vindo de um vampiro". Ele sorria,
sabendo que o uso da palavra sempre acabava
me chocando. "Mas eu espero que haja
um sentido nessa vida, mesmo pra nós. É um
longo período, eu admito," ele continuou
num tom desinteressado. "De todas as
formas, estamos decididamente amaldiçoados.
Mas eu espero, talvez inutilmente, que nós
ganhemos alguma espécie de crédito por
tentar".
"Eu não acho que isso é inútil", eu
murmurei. Eu não conseguia imaginar, todo mundo
incluído, alguém que não ficasse
impressionado com Carlisle. Além do mais, o único
tipo de paraíso que eu iria apreciar tinha que incluir Edward.
"Eu não acho que as outras
pessoas achariam também".
"Na verdade, você é a primeira a
concordar comigo".
"Os outros não acham o mesmo?", eu
perguntei, surpresa, pensando em uma pessoa em
particular.
Carlisle adivinhou a direção dos meus
pensamentos de novo.
"Edward concorda comigo me um ponto.
Deus e o paraíso existem... e o inferno
também. Mas ele não acredita em uma outra
vida pra o nosso tipo". Carlisle falava com
uma voz muito suave; ele olhava pela grande
janela em cima da pia, olhando para a
escuridão. "Entenda, ele acha que somos
almas perdidas".
Imediatamente eu pensei nas palavras de
Edward nessa tarde: a não ser que você queira
morrer - ou o que quer que seja que nós
fazemos. Uma pequena lâmpada estalou na
minha cabeça.
"Esse é o problema real, não é?" eu
adivinhei. "É por isso que ele está sendo tão difícil
em relação a mim".
Carlisle falou vagarosamente. "Eu olho
para o meu... filho.
Sua força, sua bondade, seu brilho que
esplandece por fora dele - e isso só enche aquela
esperança, aquela fé, mais do que nunca. Como
poderia não haver algo mais para
alguém como Edward?"
Eu afirmei com a cabeça, concordando
fervorosamente.
"Mas se eu acreditasse no que ele
acredita...", ele olhou pra baixo pra mim com olhos
insondáveis. "Se você acreditasse no que
ele acredita. Você poderia tirar a alma dele?"
O jeito como ele colocou a frase obstruíu
minha resposta.
Se ele tivesse me perguntado se eu arriscaria
minha alma por Edward, a resposta seria
óbvia. Mas será que eu poderia arriscar a
alma de Edward? Eu torcí meus lábios infeliz.
Isso não era muito justo.
"Você vê o problema".
Eu balancei minha cabeça, consciente da
posição teimosa do meu queixo.
Carlisle suspirou.
"É minha escolha", eu insistí.
"E dele também". Ele levantou a mão
quando viu que eu estava disposta a discutir. "Ele
será responsável por fazer isso com
você".
"Ele não é o único que pode fazer
isso", eu olhei pra Carlisle sugestivamente.
Ele riu, abruptamente suavizando o humor.
"Oh, não! Você vai ter que acertar isso com
ele" Mas
então ele suspirou. "É dessa parte que eu nunca tenho certeza. Eu acho, na
maioria das maneiras, que eu fiz o melhor com
o que eu tinha. Mas será que foi certo
impor os outros a esse tipo de vida? Eu não
consigo decidir".
Eu naõ respondí. Eu iamginei como minha vida
seria se Carlisle tivesse resistido a
tentação de viver um vida menos solitária...
e tremí.
"Foi a mãe de Edward que fez minha
cabeça".
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A voz de Carlisle era quase um suspiro. Ele
olhou pelas janelas escuras sem ver nada.
"A mãe dele?" Toda vez que eu
tentava falar com Edward sobre os seus pais, ele só
dizia que eles haviam morrido há muito tempo
e que as lembranças dele eram vagas. Eu
me dei conta de que as memórias de Carlisle,
apesar da brevidade do contato deles,
seriam perfeitamente claras.
"Sim. O nome dela era Elizabeth.
Elizabeth Masen. O pai dele, Edward pai, nunca
recobrou a consciência no hospital. Ele
morreu no primeiro ataque da Gripe. Mas
Elizabeth estava alerta até quase o final.
Edward se parece muito com ela - o mesmo
estranho tom de bronze do cabelo, e os olhos
eram exatamente do mesmo tom de
verde".
"Os olhos dele eram verdes?", eu
murmurei, tentando imaginar.
"Sim..." Os olhos escuros de
Carlisle estavam a cem anos de distância agora. "Elizabeth
estava obscessivamente preocupada com o
filho. Ela acabou com as próprias chances
que tinha de viver por ter ficado como
enfermeira dele no leito. Eu esperava que ele
morresse primeiro, ele estava muito pior do
que ela. Quando o fim chegou pra ela, foi
muito rápido. Foi logo depois do pôr do sol,
e eu cheguei pra aliviar os médicos que
haviam trabalhado o dia inteiro.
Essa era uma péssima hora pra fingir- havia
tanto trabalho pra ser feito, e eu não
precisava de mais nada. Como eu odiava voltar
pra minha casa, me esconder no escuro
e fingir que estava dormindo quando haviam
tantas pessoas pessoas morrendo.
"Eu fui checar Elizabeth e seu filho
primeiro. Eu acabei me apegando- sempre uma
coisa perigosa a se fazer levando em conta a
natureza frágil dos humanos. Eu podia ver
que ela havia piorado. A febre estava fora de
controle, e o seu corpo estava fraco demais
pra continuar lutando.
"Porém, ela não parecia fraca quando
olhou pra mim na sua maca.
"'Salve ele!' ela me comandou com uma
voz rouca que era tudo o que a garganta dela
conseguia.
"'Eu farei tudo em meu poder', eu
prometí, pegando a mão dela. A febre dela estava tão
alta que eu acho que ela nem podia sentir o
quanto a minha era sobrenaturalmente fria.
Tudo era muito frio para a pele dela.
"Você precisa", ela insistiu,
apertando minha mão com tanta força que eu até cheguei a
imaginar se ela não superaria a crise no
final. Os olhos dela estavam duros, como
pedras, como esmeraldas. 'Você deve fazer
qualquer coisa sobre o seupoder. O que os
outros não podem fazer, é isso que você deve
fazer pelo meu Edward".
"Isso me assustou. Ela me olhou com
aqueles olhos penetrantes, e, por um instante, eu
tive certeza de que ela sabia o meu segredo.
E então a febre tomou conta dela, e ela
nunca mais recobrou a consciência. Ela morreu
uma hora depois de fazer o seu pedido.
"Eu havia passado décadas consciderando
a idéia de criar alguma companhia pra mim.
Só uma outra criatura que me conhecesse de
verdade, pra que eu não precisasse fingir
ser o que não era. Mas eu não podia
justificar isso pra mim mesmo- fazer com alguém o
que havia sido feito comigo.
"Lá estava Edward, morrendo. Era claro
que ele só tinha mais algumas horas. Ao lado
dele, a mão dele, seu rosto de certa forma ainda
não estava em paz, nem na morte".
Carlisle via tudo de novo, sua memória
enterrada no século que intervia.
Eu podia ver claramente também, enquanto ele
falava- o desespero no hospital, a
atmosfera dominante de morte. Edward
queimando de febre, sua vida se esvaíndo a
cada tique do relógio... eu tremí de novo, e
forcei a idéia a sair da minha mente.
"As palavras de Elizabeth ecoavam na
minha mente. Como ela podia ter adivinhado o
que eu fazia? Será que alguém realmente
poderia querer isso pra um filho?
"Eu olhei pra Edward. Doente como
estava, ele ainda era lindo. Havia algo puro e bom
em seu rosto. O tipo de rosto que eu queria
que meu filho tivesse.
"Depois de todos aqueles anos de
indecisão, eu simplesmente agí num impulso. Eu levei
a sua mãe para o necrotério antes, e depois
voltei para pegá-lo. Ninguém percebeu que
ele ainda estava respirando. Não haviam mãos
suficientes, olhos suficientes, pra dar
conta de metade do que os paciêntes
precisavam. O necrotério estava vazio- de vivos,
pelo menos. Eu robei ele pela porta traseira,
e o carreguei pelos telhados até a minha
casa.
"Eu não tinha certeza do que precisava
ser feito. Eu me preparei pra recriar as mesmas
feridas que eu mesmo havia recebido, tantos
séculos atrás em Londres. Eu me sentí mal
por isso depois. Foi mas doloroso e mais
demorado do que precisava ter sido.
"Eu não estava arrependido, todavia. Eu
nunca lementei ter salvado Edward". Ele
balançou a cabeça, voltando ao presente. Ele
sorriu pra mim. "Eu acho que devia te
levar pra casa agora".
"Eu faço isso", Edward disse. Ele
veio pela sla de jantar escura, caminhando muito
devagar pra ele. O rosto dele estava suave,
ilegível, mas havia algo errado com os olhos
dele- algo que ele estava dando muito duro
pra esconder. Eu sentí um espasmo de
incômodo no estômago.
"Carlisle pode me levar", eu disse.
Eu olhei pra baixo pra minha camiseta; o algodão
azul estava encharcado e manchada com meu
sangue. Meu ombro direito estava coberto
com uma cor rosada que estava grudada.
"Eu estou bem", a voz de Edward não
passava emoção. "Você vai precisar se trocar, de
qualquer jeito.
Você vai fazer Charlie ter um ataque do
coração desse jeito. Eu vou pedir pra Alice te
dar alguma coisa". Ele saiu pela porta
da cozinha de novo.
Ei olhei pra Carlisle ansiosamente. "Ele
está muito chateado".
"Sim", Carlisle concordou.
"Essa noite era exatamente o tipo de coisa que ele mais
temia. Você ser colocada em risco, por causa
do que é".
"Isso não é culpa dele".
"E nem sua".
Eu olhei pra longe de seus olhos lindos,
sábios. Eu não podia concordar com isso.
Carlisle me ofereceu a mão e me ajudou a
descer da mesa. Eu o acompanhei até a sala
principal. Esme havia voltado; Ela estava
limpando o chão onde eu havia caído- com
desinfetante puro, pelo cheiro.
"Esme, me deixe fazer isso". Eu podia
sentir que meu rosto estava de um vermelho
brilhante de novo.
"Eu já terminei". Ela sorriu pra
mim. "Como você se sente?"
"Eu estou bem", eu assegurei.
"Carlisle costura mais rápido do que qualquer outro
médico que eu já conhecí".
Os dois gargalharam.
Alice e Edward entraram pela porta traseira.
Alice correu para o meu lado, mas Edward
ficou pra trás, seu rosto indecifrável.
"Vamos", Alice disse. "Eu vou
arranjar algo menos macabro pra você usar".
Ela encontrou uma blusa de Esme que era de
uma cor parecida com a minha. Charlie
não ia reparar, eu tinha certeza. O grande
curativo no meu braço já não parecia mais ser
tão sério agora que não estava mais coberto
de sangue. Charlie nunca ficava surpreso ao
me ver com um curativo.
"Alice", eu sussurrei enquanto ela
voltava para a porta.
"Sim?", ela manteve a voz baixa
também, e olhou pra mim curiosamente, com a cabeça
caída para o lado.
"É muito ruim?", eu não sabia se os
meus sussurros eram um sacrifício inútil. Mesmo
estando aqui em cima, com a porta fechada,
talvez ele pudesse me ouvir.
O rosto dela ficou tenso. "Eu ainda não
tenho certeza".
"Como está Jasper?"
Ela suspirou. "Ele está muito
descontente consigo mesmo. Ainda é um grande desafio
pra ele, e ele odeia se sentir fraco".
"Não é culpa dele. Você vai dizer que eu
não estou com raiva dele, nem um pouco, não
vai?"
"É claro".
Edward estava me esperando na porta da
frente. Quando eu cheguei no pé das escadas
ele a segurou aberta sem nenhuma palavra.
"Pegue as suas coisas!", Alice
pediu enquanto eu andava cautelosamente na direção de
Edward. Ela segurou os dois pacotes, um meio
aberto, e minha câmera que estava em
baixo do piano, e colocou tudo no meu braço
bom. "Você me agradece depois quando
os tiver aberto".
Esme e Carlisle deram um boa noite baixinho.
Eu podia vê-los dando olhadas furtivas
para o seu filho impassível, assim como eu.
Eu fiquei aliviada em estar do lado de fora;
eu me apressei pra passar pelas lanternas e
pelas rosas, elas não eram boas memórias.
Edward acompanhou meu passo silenciosamente.
Ele abriu a porta do passageiro pra
mim, e eu entrei sem reclamar.
No painél havia um grande laço de fita, preso
ao som novo. Eu o arranquei, jogando no
chão. Enquanto Edward entrava pelo outro
lado, eu chutei o laço pra debaixo do banco.
Ele não olhou pra mim ou para o som. Nenhum
de nós o ligou, e de alguma forma o
silêncio se intensificou com o estrondo do
motor. Ele dirigiu rápido demais pela escura
estrada em formato de serpente.
O silêncio estava me deixando louca.
"Diga alguma coisa", eu finalmente implorei
enquanto ele entrava na auto estrada.
"O que você quer que eu diga?", ele
me perguntou com uma voz desinteressada.
Eu bajulei a imparcialidade dele. "Diga
que me perdoa".
Isso trouxe uma pontada de vida para o rosto
dele- uma pontada de raiva. "Perdoar
você? Pelo
que?"
"Se eu tivesse sido mais cuidadosa, nada
disso teria acontecido".
"Bella, você se cortou com papel- eu
duvido que isso mereça uma pena de morte".
"Ainda assim é minha culpa".
Minhas palavras abriram a comporta.
"Sua culpa? Se você tivesse se cortado
na casa de Mike Newton, com Jéssica e Angela e
os seus outros amigos normais, o que poderia
ter acontecido de tão horrível? Talvez eles
não tivessem encontrado um curativo? Se você
tivesse tropeçado e esbarrado numa
pilha de pratos de vidro - sem que alguém
tivesse te jogado em cima deles - mesmo
assim, o que seria tão ruim? Você derramar
sangue no banco do carro enquanto eles te
levavam pra o pronto socorro? Mike Newton
poderia ter segurado a sua mão enquanto
eles te davam os pontos- e ele não precisaria
lutar contra a ânsia de te matar enquanto
estivesse lá dentro. Não tente jogar isso pra
cima de você, Bella. Isso só vai me deixar
ainda mais enojado comigo mesmo".
"Como diabos Mike Newton veio parar
nessa conversa?", eu quis saber.
"Mike Newton veio parar nessa conversa
porque seria muito mais saudável pra você
estar com Mike Newton", ele rosnou.
"Eu prefiria morrer do que ficar com
Mike Newton", eu protestei.
"Eu prefiro morrer do que ficar com uma
pessoa que não seja você".
"Não seja melodramática, por
favor".
"Tudo bem então, não seja
ridículo".
Ele não respondeu. Seus olhos olhavam pelo
para brisa, sua expressão estava obscura.
Eu fucei no meu cérebro pra encontrar uma
forma de salvar a noite. Quando ele parou
na frente da minha casa, eu ainda não tinha
pensado em nada.
Ele desligou o motor, mas suas mãos
continuaram fechadas no volante.
"Você vai ficar essa noite?", eu
perguntei.
"Eu devia ir pra casa".
A última coisa que eu queria era que ele
fosse embora sentindo remorso.
"Pelo meu aniversário", eu
pressionei.
"Você não pode ter as duas coisas - ou
você quer que as pessoas ignorem seu
aniversário ou não. Um ou outro".
A voz dele estava dura, mas não tão séria
quanto antes. Eu dei um leve suspiro de
alívio.
"Tudo bem, eu decidí que não quero que
você ignore meu aniversário. Te vejo lá em
cima".
Eu saí, e me inclinei pra dentro de novo pra
pegar meus presentes. Ele fez uma careta.
"Você não tem que pegar isso".
"Eu quero eles", eu respondí
automaticamente, e depois imaginei se ele estaria usando
psicologia reversa.
"Não quer não. Carlisle e Esme gastaram
dinheiro com você."
"Eu vou sobreviver". Eu enfiei os
presentes de forma estranha embaixo do meu braço
bom e batí a porta atrás de mim. Ele estava
fora da caminhonete e atrás de mim em
menos de um segundo.
"Me deixe carregá-los, pelo menos",
ele disse enquanto os tirava de mim. "Eu estarei no
seu quarto".
Eu sorrí. "Obrigada".
"Feliz aniversário", ele disse, e
se inclinou pra tocar seus lábios nos meus.
Eu me inclinei na pontas dos pés pra fazer o
beijo durar mais quando ele se afastou. Ele
deu meu sorriso torto favorito, e então
desapareceu na escuridão.
O jogo ainda estava sendo transmitido; assim
que eu entrei eu pude ouvir os anúncios
das jogadas em meio aos gritos da torcida.
"Bell?", Charlie chamou.
"Oi, pai", eu disse enquanto
aparecia no corredor. Eu segurei meu braço bem do meu
lado. A leve pressão queimou e eu torcí meu
nariz. Aparentemente o anestésico estava
perdendo o efeito.
"Como foi?" Charlie se espreguiçou
no sofá com seus pés descalsos num dos braços. O
que ainda sobrava do seu cabelo marrom
cacheado estava grudado em um dos lados.
"Alice enlouqueceu. Flores, bolo, velas,
presentes - A coisa toda".
"O que eles te deram?"
"Um som para o meu carro". E vários
não conhecidos.
"Uau".
"É", eu concordei. "Bem, por
hoje chega".
"Te vejo amanhã de manhã".
Eu acenei. "A gente se vê".
"O que aconteceu com seu braço?"
Eu corei e xinguei baixinho. "Eu caí.
Não é nada".
"Bella", ele suspirou, balançando a
cabeça.
"Boa noite, pai".
Eu subí correndo pra o banheiro, onde eu
mantinha o meu pijama para noites como essa.
Eu entrei na camiseta combinando com a calça
de algodão que eu comprei pra repor as
antigas que eu usava na cama, gemendo com o
movimento que puxou os pontos.
Eu lavei meu rosto com uma mão, escovei os
dentes, e estão me mandei pro meu quarto.
Ele estava sentado no centro da minha cama,
brincando á toa com uma das caixas
prateadas.
"Oi", ele disse. Ele disse. Sua voz
estava triste. Ele estava se remexendo.
Eu fui para a cama, puxei os presentes das
mãos dele, e me arrastei para o colo dele.
"Oi", eu ronronei no seu peito de
pedra. "Posso abrir meus presentes agora?"
"De onde foi que veio todo esse
entusiasmo?", ele se perguntou.
"Você me deixou curiosa".
Eu peguei o grande retângulo achatado que
devia ser o presente de Carlisle e Esme.
"Me permita", ele sugeriu. Ele
pegou o pacote da minha mão e arrancou o papel
prateado com um único movimento fluido. Ele
devolveu a cxaixa retangular branca pra
mim.
"Você tem certeza que eu vou conseguir
levantar a tampa?", eu murmurei, mas ele me
ignorou.
Dentro da cixa havia um longo papel grosso
com um monte de palavras impressas. Me
levou um minuto pra entender as informações
que elas passavam.
"Nós vamos pra Jacksonville?", e eu
estava excitada, a despeito de mim mesma. Era um
comprovante de passagens de avião, pra mim e
pra Edward.
"Essa é a idéia".
"Eu não posso acreditar. Renée vai
enlouquecer! Contudo, você não se importa, não é?
Lá faz sol, você terá que ficar em casa o dia
inteiro".
"Eu acho que posso aguentar", ele
disse, e então fez uma careta.
"Se eu soubesse que você responderia tão
apropriadamente ao presente, eu teria feito
você abrir na frente de Esme e Carlisle. Eu
pensei que você fosse reclamar".
"Bem, é claro que isso é demais. Mas eu
vou levar você comigo!"
Ele gargalhou. "Agora eu queria ter
gasto mais dinheiro no seu presente. Eu não sabia
que você era capaz de ser razoável".
Eu coloquei as passagens de lado e me
inclinei pra pegar o presente dele, minha
curiosidade redobrou. Ele o tomou de mim e
arrancou o papel que nem o primeiro.
Ele me devolveu uma caixa de Cd transparente,
com só um Cd prateado dentro.
"O que é?", eu perguntei, perplexa.
Ele não disse nada; ele pegou o CD e se
curvou por trás de mim pra colocá-lo no Cd
player na mesa do lado da minha cama. Ele
apertou Play, e nós esperamos em silêncio.
E então a música começou.
Eu escutei, sem palavras, com os olhos
esbugalhados. Eu sabia que ele estava esperando
pela minha reação, mas eu não conseguí falar
nada.
As lágrimas começaram a aparecer, e eu tentei
limpá-las antes que elas começassem a
rolar.
"Seu braço está doendo?", ele
perguntou ansiosamente.
"Não, não é o meu braço. É lindo,
Edward. Você não poderia ter me dado uma coisa que
eu amasse mais. Eu não consigo acreditar".
Eu calei a boca pra poder ouvir.
Era a música dele, suas composições. A
primeira faixa do Cd era a minha canção de
ninar.
"Eu não achei que você me deixaria
comprar um piano pra tocar pra você aqui", ele
explicou.
"Você está certo".
"Como está o seu braço".
"Está ótimo". Na verdade, ele
estava começando a queimar em baixo do curativo. Eu
queria gelo. Eu teria colocado a mão dele,
mas isso teria me entregado.
"Eu vou pegar um Tylenol pra você".
"Eu não preciso de nada", eu
protestei, mas ele me tirou do colo dele e começou a andar
na direção da porta.
"Charlie", eu assobiei. Charlie não
estava necessariamente consciente de que Edward
ficava aqui com certa frequencia. Na verdade,
ele teria um enfarto se isso chegasse aos
ouvidos dele. Mas eu não me sentia muito
culpada por estar enganado ele. Não era
como se eu estivesse fazendo algo que ele não
gostaria que eu fizesse. Edward e suas
regras...
"Ele não vai me pegar", Edward
prometeu enquanto desaparecia silenciosamente pela
porta... e voltava, segurando a porta antes
que ela se fechasse. Ele estava segurando um
copo e a caixa de remédio em uma das mãos.
Eu peguei os remédios que ele me ofereceu sem
reclamar- eu sabia que sairia perdendo
da discussão, e meu braço realmente estava
começando a me incomodar.
Minha canção de ninar continuou, num adorável
fundo musical.
"Está tarde", Edward notou. Ele me
levantou da cama com um braço, e colocou o lençol
de volta com a outra. Ele me colocou com a
cabeça no travesseiro e jogou a colcha por
cima de mim. Ele se deitou perto de mim- em
cima das cobertas pra que eu não ficasse
com frio- e colocou o braço por cima de mim.
Eu encostei minha cabeça no ombro dele e
suspirei alegremente.
"Obrigada de novo", eu sussurrei.
"De nada".
Eu fiquei quieta por algum tempo enquanto
esperava minha canção de ninar acabar.
Outra música começou. Eu reconhecí a favorita
de Esme.
"No que você está pensando?", eu
imaginei num sussurro.
Ele hesitou por um longo segundo antes de me
dizer. "Na verdade, eu estava pensando
no certo e errado".
Eu sentí um arrepio percorrer minha espinha.
"Lembra de quando eu decidi que queria
que você não ignorasse
meu aniversário?", eu
perguntei rapidamente, esperando que não
ficasse claro demais que eu que eu estava
tentando distraí-lo.
"Sim", ele concordou, cautelosamente.
"Bem, eu estava pensando, que já que é
meu aniversário, você poderia me beijar de
novo".
"Você está muito gananciosa hoje".
"Sim, eu estou- mas por favor, não faça
nada que você não quiser fazer".
Ele sorriu e então suspirou. "Que os
céus não permitam que eu tenha que fazer algo que
não quero fazer", ele disse num tom
estranhamente desesperado enquanto colocava a
mão dele embaixo do meu queixo e puxava o meu
rosto pra o dele.
O beijo começou como sempre- Edward estava
tão cuisadoso como sempre, e meu
coração começou e responder como sempre. E
então alguma coisa pareceu mudar. De
repente seu lábios ficaram muito mais
urgentes, as mãos dele foram para o meu cabelo e
ele segou meu rosto seguramente no seu.
E, apesar de minhas mãos estarem no cabelo
dele também, e apesar de eu estar
claramente começando a cruzar as linhas de
segurança, pela primeira vez ele não me
parou. O corpo dele stava frio através da
colcha, mas eu me apaertei contra ele
ansiosamente.
Quando ele parou foi abrupto; ele me afastou
com mãos gentís, firmes.
Eu caí no meu travesseiro, ofegando, minha
cabeça rodando. Alguma coisa estalou na
minha memória, evasivamente, só nas beiradas.
"Desculpe", ele disse, sem fôlego
também. "Isso passou dos limites".
"Eu não me importo", eu garantí.
Ele fez uma careta pra mim no escuro.
"Tente dormir, Bella".
"Não, eu quero que você me beije de
novo".
"Você está superestimando meu
auto-controle".
"O que é mais tentador pra você, meu
sangue ou meu corpo?", eu desafiei.
"É apertado" Ele deu um breve
sorriso, a despeito de sí mesmo. "Agora, porque é que
você não para de testar sua sorte e vai
dormir?"
"Tá", eu concordei, chegando mais
pra perto dele. Eu realmente me sentia exausta. Foi
um dia longo de várias maneiras, e mesmo
assim eu não me sentia aliviada por ele estar
acabando. Eu quase sentia que algo pior
estava vindo amanhã. Era uma premonição
boba- o que podia ser pior do que hoje? Só o
choque tomando conta de mim, sem
dúvida.
Tentando ser singela, eu enconstei meu braço
ferido no ombro dele, para que o seu bralo
gelado o fizesse parar de queimar. Eu me
sentí melhor na hora.
Eu já estava meio caminho do sono, talvez
mais, quando eu me dei conta do que aquele
beijo me lembrava: primavera passada, quando
ele teve que se separar de mim pra tirar
James da minha cola, Edward me deu um beijo
de despedida, sem saber quando- ou senós
nos veríamos de novo. Esse beijo tinha quase
a mesma pontada de dor por alguma
razão que eu não conseguia imaginar. Eu tremí
já inconsciente, como se estivesse tendo
um pesadelo.
3. O Fim
Eu me sentia absolutamente péssima de manhã.
Eu não tinha dormido bem, meu braço
queimava, e minha cabeça doía. Não ajudou
muito ver que o rosto de Edward estava
suave e remoto enquanto ele beijava a minha
testa rapidamente e saía pela minha janela.
Eu estava com medo do tempo que fiquei
inconsciente, com medo de que ele estivesse
pensando sobre o certo e o errado de novo
enquanto me via dormindo. A ansiosidade
pareceu aumentar ainda mais a intensidade da
dor na minha cabeça.
Edward estava esperando por mim na escola,
como sempre, mas ainda havia algo errado
no seu rosto. Ainda havia alguma coisa
enterrado nos seus olhos da qual eu não tinha
certeza - e isso me assustava.
Eu não quis falar no assunto na noite
passada, mas eu não tinha certeza se evitar falar no
assunto seria pior.
Ele abriu minha porta pra mim.
"Como você se sente?"
"Perfeita", eu mentí, sentindo dor
quando o som da porta batendo ecoou na minha
cabeça.
Nós andamos em silêncio, ele diminuiu seu
passo pra alcançar a velocidade do meu.
Haviam tantes perguntas que eu queria fazer,
mas maioria das perguntas teria que
esperar, porque elas eram pra Alice: Como
estava Jasper essa manhã? O que eles
disseram quando eu fui embora?
O que Rosalie disse?
E o mais importante, O que ela podia ver
acontecendo nas suas estranhas e imperfeitas
visões do futuro? Ela poderia adivinhar o que
Edward estava pensando, porque ele
estava tão estranho?
Qual era a razão dessa sensação tenaz,
instintiva de medo que eu sentia, e que
aparentemente não conseguia esquecer?
A manhã se passou devagar. Eu estava
impaciente pra ver Alice, apesar de não poder
realmente falar com ela se Edward estivesse
lá.
Edward permaneceu indiferente.
Ocasionalmente ele me perguntava sobre o meu
braço, e eu mentia.
Alice geralmente nos encontrava no almoço;
ela não andava feito um bicho-preguiça
como eu. Mas ela não estava na mesa,
esperando com uma bandeja de comida que ela
não ia comer.
Edward não disse nada sobre a ausência dela.
Eu perguntei a mim mesma se a aula dela teria
acabado mais tarde- até que eu ví Conner
e Ben, que tinham aula de Francês no quarto
horário com ela.
"Onde está Alice?", eu perguntei
ansiosamente pra Edward.
Ele olhou para a barra de granola que estava
lentamente pulverizando entre os dedos
enquanto respondia. "Ela está com
Jasper".
"Ele está bem?"
"Ele vai ficar fora por algum
tempo".
"O que? Onde?"
Edward levantou os ombros. "Nenhum lugar
em particular".
"E Alice também". Eu disse
baixinho, desesperada. É claro que, se Jasper precisava, ela
iria com ele.
"Sim. Ela vai ficar fora por algum
tempo. Ela está convencendo ele a ir á Denali".
Denali era onde o outro bando de vampiros
únicos - bons como os Cullen - vivia. Tanya
e sua família. Eu ouvia falar neles de vez em
quando. Edward foi ficar com eles no
inverno passado quando a minha chegada deixou
Forks difícil pra ele. Laurent, o
membro mais civilizado do bando de James,
preferiu ficar lá do que ajudar James a lutar
contra os Cullen. Tinha sentido Alice
encorajar Jasper a ir pra lá.
Eu engoli, tentando fazer o súbito nó na
minha garganta desaparecer.
A culpa fez minha cabeça se curvar e meus
ombros caírem. Eu fiz eles fugirem de casa,
assim como Rosalie e Emmett. Eu era uma
praga.
"Seu braço está te incomodando?",
ele perguntou solicitamente.
"Quem liga pro meu braço estúpido?",
meu murmurei em desgosto.
Ele não respondeu e eu coloquei a minha
cabeça na mesa.
No fim do dia, o silêncio já estava ficando
ridículo. Eu não queria ser a pessoa a quebrálo,
mas aparentemente essa era a minha única
escolha se eu queria que ele falasse
comigo de novo.
"Você vai aparecer hoje á noite?"
Eu perguntei enquanto ele me acompanhavasilenciosamente-
até a minha caminhonete. Ele sempre aparecia
á noite.
"Mais tarde?"
Me agradou que ele tenha parecido surpreso.
"Eu tenho que trabalhar. Eu troquei meu
horário com a Sra Newton por ter faltado
ontem".
"Oh", ele murmurou.
"Mas você vai vir mais tarde quando eu
estiver em casa, certo?"
Eu odiava de repente não ter mais tanta
certeza disso.
"Se você quer que eu vá".
"Eu sempre quero", eu lembrei ele,
com talvez um pouco mais de intensidade do que a
conversa requeria.
Eu esperei que ele fosse rir, ou sorrir, ou
reagir de alguma forma ás minhas palavras.
"Tudo bem, então", ele disse
indiferente.
Ele beijou minha testa de novo antes de
fechar a porta pra mim. Então ele me deu as
costas e foi andando graciosamente até o seu
carro.
Eu conseguí sair do estacionamento antes do
pânico realmente bater, mas eu já estava
hiperventilando quando cheguei nos Newton.
Ele só precisava de tempo, eu disse pra mim
mesma. Ele ia lidar com isso. Mas talvez
ele estivesse tão triste porque a família
dele estava desaparecendo. Mas Alice e Jasper
voltariam logo, e Rosalie e Emmett também. Se
isso ajudasse, eu ficaria longe da
grande casa branca perto do rio - eu nunca
pisaria lá de novo. Não me importava.
Eu ainda iria ver Alice na escola. E ela ia
pra minha casa o tempo todo de novo. Ela não
ia querer machucar os sentimentos de Charlie
ficando longe.
Sem dúvida eu sempre iria esbarrar com
Carlisle também - no pronto socorro.
Afinal, o que aconteceu ontem não foi nada.
Nada aconteceu. Então eu me sentí mal - era a história da minha vida. Comparado
com
o que aconteceu primavera passada, isso
parecia especialmente sem importância. James
me deixou quebrada e praticamente morta por
perda de sangue - e ainda assim, Edward
aguentou comigo as interminaveis semanas de
hospital muito melhor
que isso.
Será que era porque dessa vez não era de um
inimigo que ele precisava me proteger?
Porque era o irmão dele?
Talvez fosse melhor se ele me levasse embora,
ao invés da família dele se separar. Eu
fui ficando um pouco menos deprimida enquanto
considerava tudo isso sem
interrupções durante algum tempo.
Se ele fosse capaz de esperar até o término
do ano escolar, Charlie não seria capaz de se
opor. Nós iriamos embora para a faculdade, ou
fingir que era isso que estávamos
fazendo, como Rosalie e Emmett.
Edward certamente podia esperar um ano. O que
era um ano para um imortal? Isso não
parecia muito nem pra mim.
Eu consegui me compor o suficiente pra sair
da caminhonete e andar até a loja.
Eu ia substituir Mike Newton hoje, ele sorriu
e acenou pra mim quando eu entrei. Eu
peguei meu uniforme, balançando a cabeça
vagamente na direção dele. Eu ainda estava
imaginando os cenários prazerosos que
consistiam em fugir com Edward para
localidades exóticas.
Mike interrompeu minha fantasia. "Como
foi seu aniversário?"
"Ugh", eu rosnei. "Eu estou
feliz que acabou".
Mike olhou pra mim pelo canto dos olhos como
se eu estivesse louca.
O trabalho foi uma droga. Eu queria ver
Edward de novo, rezando pra que ele tivesse
superado o pior, o que quer que isso fosse,
até a hora que eu o encontraase.
Não é nada, eu disse pra mim mesma de novo e
de novo. Tudo vai voltar ao normal.
O alivio que eu sentí quando virei na minha rua
e ví o carro prateado de Edward
enconstado na frente da minha casa, foi uma
coisa dominante, precipitada. E me
encomodou muito que eu tivesse que me sentir
dessa forma.
Eu corri pra dentro, gritando antes que
estivesse completamente dentro de casa.
"Pai? Edward?"
Enquanto eu falava, eu podia ouvir o distinto
tema musical do ESPN
SportCenter vindo da sala de estar.
"Aqui", Charlie chamou.
Eu pendurei meu casaco no prendedor e corrí
pelo corredor.
Edward estava na cadeira, meu pai no sofá.
Ambos estavam com os olhos grudados na
televisão. O foco era normal para o meu pai.
Não muito pra Edward.
"Oi", eu disse fracamente.
"Oi, Bella", meu pai respondeu,
seus olhos nem se mexeram. "Nós acabamos de comer
pizza fria. Eu acho que ainda está na
mesa".
"Ok".
Eu esperei na porta. Finalmente, Edward olhou
pra mim com um sorriso educado. "Eu
vou logo depois de você", ele prometeu.
Seus olhos voltaram para a televisão.
Eu esperei por outro minuto, chocada. Nenhum
dos dois pareceu reparar. Eu podia
sentir alguma coisa, pânico talvez, crescendo
no meu peito.
Eu escapei para a cozinha.
A pizza não me deixou nem um pouco
interessada. Eu sentei na minha cadeira, levantei
_________________________________3
meus joelhos, e passei meus braços ao redor
deles.
Alguma coisa estava muito errada, talvez mais
do que eu pensava.
As vozes de papo e de brincadeira de homens
continuavam vindo da televisão.
Eu tentei me controlar, ser razoável.
Qual é a pior coisa que pode acontecer?. Eu vacilei. Essa era definitivamente a
pergunta errada pra fazer. Eu estava tendo
dificuldade pra respirar direito.
Ok eu pensei
de novo, Qual é pior coisa que eu posso viver? Eu também não gostei
muito dessa pergunta.
Mas eu pensei nas possibilidades que havia
considerado hoje.
Ficar longe da família de Edward. É claro,
ele não esperaria que Alice se envolvesse
nisso. Mas é claro, se Jasper estava fora dos
limites, isso iria diminuir o tempo que eu
teria com ela. Eu afirmei com a cabeça pra
mim mesma- eu podia viver com isso.
Ou ir embora. Talvez ele não quisesse esperar
até eu acabar o ano escolar, talvez tivesse
que ser agora.
Na minha frente, os presentes que eu tinha
ganhado de Charlie e Renée estavam onde eu
os havia deixado, A camera que eu não tive a
oportunidade de usar na casa dos Cullen
estava ao lado do album.
Eu toquei na capa bonita do livro de
recordações que minha mãe tinha me dado, e
suspirei, pensando em Renée. De alguma forma,
morar longe dela durante tanto tempo
quanto eu morei, ainda não fazia a idéia de
separação permanente ser mais fácil. E
Charlie ficaria sozinho aqui, abandonado.
Ambos ficariam tão magoados.
Mas nós iriamos voltar, certo? Nós iriamos
visitá-los, é claro, não iriamos?
Eu não podia ter certeza dessa resposta.
Eu encostei minha bochecha no meu joelho,
olhando para as provas físicas do amor dos
meus pais. Eu sabia que esse caminho que eu
escolhí seria difícil. E, afinal, eu estava
pensando na cena do pior que poderia
acontecer- a pior coisa que eu poderia viver.
Eu toquei o livro de recordações de novo,
abrindo a capa.
Pequenas placas de metal já estavam no lugar
pra segurar a primeira foto. Não era uma
idéia completamente ruim, colocar algumas
recordações da minha vida aqui. De repente
eu sentí uma estranha necessidade de começar.
Talvez eu não tivesse mais muito tempo
em Forks.
Eu brinquei com a correia de segurança da
câmera, pensando na primeira foto que havia
no filme. Seria possível que ela ficasse um
pouco parecida com o original? Eu duvidava.
Mas ele não pareceu ficar preocupado com a
foto ficar manchada. Eu sorri comigo
mesma, pensando na cargalhada livre que ele
deu na noite passada. Meu sorriso morreu.
Tantas coisas haviam mudado, e tão
rapidamente.
Isso me deixou um pouco tonta, Como se eu
estivesse numa corda bamba, em algum
precipício alto demais.
Eu não queria mais pensar nisso. Eu peguei
minha câmera e subí as escadas.
Meu quarto não havia mudado muito desde os
dezessete anos em que minha mãe esteve
aqui. As paredes ainda eram azul claras, as
mesmas cortinas amarelas com lacinhos
balançavam na janela. Havia uma cama no lugar
de um berço, mas ela reconheceria a
colcha amassada em cima dela - ela tinha sido
um presente da minha avó.
Sem prestar atenção, eu batí uma foto do meu
quarto. Não havia muito mais que eu
pudesse fazer essa noite - estava escuro
demais lá fora - e o sentimento estava ficando
mais forte, era quase uma compulsão agora. Eu
documentaria tudo em Forks antes de ter
que ir embora.
A mudança estava se aproximando. Eu podia
sentí-la. E não era uma coisa muito boa,
não quando a vida estava perfeita do jeito
como estava.
Eu usei algum tempo descendo as escadas, a
câmera na mão, tentando ignorar as
borboletas no meu estômago como se elas
fossem a estranha distância que eu não queria
ver nos olhos de Edward. Ele ia superar isso.
Provavelmente ele estava com medo de
que eu ficasse chateada quando ele me pedisse
pra ir embora. Eu deixaria ele pensar
nisso sem atrapalhá-lo. E eu estaria
preparada quando ele me pedisse.
Eu já estava com a câmera preparada quando
virei quando virei no canto da parede,
tentando pregar um susto. Eu tinha certeza de
que não tinha chance de pegar Edward de
surpresa, mas ele não olhou pra cima. Eu
senti um breve arrepio frio como gelo fazer
meu estômago revirar; eu ignorei isso e tirei
a foto.
Os dois olharam pra mim nessa hora. Charlie
fez uma careta. O rosto de Edward estava
vazio, sem expressão.
"O que você está fazendo, Bella?",
Charlie reclamou.
"Oh, vamos lá", eu fingí sorrir
enquanto me sentava no chão na frente do sofá onde
Charlie estava. "Você sabe que a mamãe
vai ligar em breve pra saber se eu estou usando
os presentes. Eu tenho que começar a
trabalhar antes que ela fique magoada comigo".
"Mas porque você está tirando fotos de
mim?", ele reclamou.
"Porque você é muito lindo", eu
respondí, continuando calma. "E porque, já que você
me comprou a câmera, você tem a obrigação de
estar no filme".
Ele murmurou alguma coisa que eu não entendí.
"Ei, Edward", eu disse com uma
indiferença admirável. "Tire uma de mim e do meu pai
juntos".
Eu joguei a câmera na direção dele,
cautelosamente evitando seus olhos, e me ajoelhei
ao lado do braço do sofá, onde a cabeça de
Charlie estava. Charlie suspirou.
"Você precisa sorri, Bella", Edward
murmurou.
Eu fiz o meu melhor, e o flash disparou.
"Me deixe tirar uma de vocês
crianças", Charlie sugeriu. Eu sabia que ele só estava
tentando sair da mira da câmera.
Edward se levantou e suavemente o passou a
câmera.
Eu fui ficar ao lado de Edward, e a posição
pareceu formal e estranho pra mim. Ele
colocou uma mão levemente no meu ombro, e eu
coloquei meu braço seguramente ao
redor da cintura dele. Eu queria olhar para o
rosto dele, mas estava com medo.
"Sorria, Bella", Charlie me lembrou
de novo.
Eu respirei fundo e sorri. O flash me cegou.
"Chega de fotos por hoje", Charlie
declarou, jogando a câmera embaixo de uma das
almofadas do sofá e se deitando sobre ela.
"Você não tem que usar o filme inteiro
agora".
A mão de Edward caiu do meu ombro e passou
casualmente pelo meu braço. Ele se
sentou de novo na cadeira.
Eu hesitei, e então fui me sentar na frente
do sofá de novo. De repente eu estava tão
assustada que minhas mãos estavam tremendo.
Eu as pressionei no meu estômago pra
escondê-las, coloquei meu queixo nos joelhos
e olhei para a tela de TV na minha frente,
sem ver nada.
Quando o programa acabou, eu ainda não tinha
me movido nem um centímetro. Pelo
canto dos meus olhos, eu ví Edward se
levantar.
"É melhor eu ir pra casa", ele
disse.
Charlie nem desgrudou os olhos do comercial.
"A gente se vê".
Eu me levantei de um jeito estranho - eu
estava rígida por ter me sentado ereta - e seguí
Edward até a porta da frente. Ele foi direto
pra o carro.
"Você vai ficar?", eu perguntei,
sem esperança na voz.
Eu esperei sua resposta, assim não doeu
tanto.
"Não essa noite".
Eu não perguntei a razão.
Ele entrou no seu carro e foi embora enquanto
eu ficava lá em pé, sem me mexer. Eu
mal reparei que estava chovendo. Eu esperei,
sem saber o que estava esperando, até que
a porta se abriu atrás de mim.
"Bella, o que você está fazendo?",
Charlie perguntou, surpreso por me ver lá sozinha e
pingando.
"Nada", eu me virei e caminhei pra
dentro de casa.
Foi uma longa noite, sem muitas esperanças de
descanso.
Eu me levantei assim que ví uma luzinha fraca
pela minha janela. Eu me vestí para a
escola mecanicamente, esperando as nuvens se
clarearem. Quando eu terminei de comer
uma tigela de cereal, eu decidí que já havia
luz suficiente pra tirar umas fotos. Eu tirei
uma da minha caminhonete, e então uma da
frente da casa. Eu fiz a volta e tirei algumas
da floresta perto da casa de Charlie.
Engraçado que ela não era mais tão sinistra quanto
costumava ser.
Eu me dei conta de que realmente sentiria
falta de tudo isso- o verde, o tempo que
parecia estar parado, o mistério dos bosques.
Tudo.
Eu coloquei a câmera na minha mochila da
escola antes de ir embora.
Eu tentei me concetrar mais no meu novo
projeto do que no fato de que Edward parecia
ainda não ter superado os seus problemas
durante a noite.
Além do medo, eu comecei a sentir impaciêcia.
Quanto tempo isso ia durar?
Só durou a manhã. Ele caminhou silenciosamente
ao meu lado, nunca parecendo
realmente olhar pra mim. Eu tentei me
concentrar nas minhas aulas, mas nem mesmo a
aula de Inglês conseguiu captar minha
atenção. O Sr. Berty teve que repetir sua
pergunta sobre a Sra. Capuleto duas vezes
antes que eu me desse conta de que ele estava
falando comigo. Edward sussurrou a resposta
certa pra mim por baixo do fôlego, e
então voltou a ignorar minha presença.
No almoço, o silêncio continuou. Eu sentia
que ia começar a gritar a qualquer momento,
então, pra me destrair, eu me inclinei por
cima da linha invisível da mesa e falei com
Jéssica.
"Ei, Jess?"
"Que foi, Bella?"
"Você pode me fazer um favor?", eu
perguntei, pegando minha mochila.
"Minha mãe quer que eu tire umas fotos
dos meus amigos pra o meu livro de
recordações. Então, tire algumas fotos de
todo mundo, tá certo?"
Eu passei a câmera pra ela.
"Claro", ela disse dando um sorriso
largo, e se virou pra tirar uma foto de Mike no
flagra com a boca cheia.
Uma foto previsível já havia sido tirada. Eu
observei eles passando a câmera pela mesa,
sorrindo e paquerando, e reclamando por
estarem no filme. Isso me pareceu
estranhamente infantil. Talvez eu não
estivesse com o humor de uma humana normal
hoje.
"Uh-oh", Jessica disse como se
estivesse se desculpando enquanto me devolvia a
câmera. "Eu acho que usamos o filme
inteiro".
"Tudo bem. Eu acho que já tirei fotos de
tudo que precisava".
Depois das aulas, Edward andou comigo até o
estacionamento em silêncio. Eu tinha que
trabalhar de novo, e pela primeira vez, eu
estava feliz.
Passar o tempo comigo obviamente não estava
ajudando as coisas. Talvez passar algum
tempo sozinho fosse melhor.
Eu deixei o filme na Thriftway á caminho dos
Newton, e então peguei as fotos já
reveladas depois do trabalho.
Em casa, eu dei um breve oi pra Charlie,
peguei uma barra de granola na cozinha, e subí
correndo pro meu quarto com o envelope de
fotos embaixo do braço.
Eu sentei no meio da minha cama e abri o
envelope com cautelosa curiosidade.
Ridiculamente, eu ainda esperava que as fotos
saíssem manchadas.
Quando eu puxei a foto, eu suspirei alto.
Edward estava tão lindo quanto era na vida
real, olhando pra mim na foto com os olhos
cálidos dos quais eu sentí tanta falta nos
dias que se passaram. Era quase um mistério
que ele fosse tao... tão... acima de qualquer
discrição.
Nem um milhão de palavras poderia se igualar
a aquela foto.
Eu fui passando a pilhas de fotos rapidamente
uma vez, e então separei três delas em
cima da minha cama lado a lado.
A primeira era a foto de Edward na cozinha,
seus olhos cálidos tocados por um breve ar
divertido. A segunda era Edward e Charlie
assistindo ESPN. A diferença na expressão
de Edward era severa.
Aqui seus olhos estavam cautelosos,
reservados. Ainda lindo de tirar o fôlego, mas seu
rosto estava mais frio, mais como uma
escultura, menos vivo.
A última foto era a de Edward e eu
estranhamente lado a lado. O rosto de Edward estava
como na última, frio e como o de uma estátua.
Mas essa não era a parte mais perturbadora
dessa fotografia.
O contraste entre nós dois era quase
doloroso. Ele parecia um deus. Eu parecia muito
comum, mesmo para uma humana, quase
embaraçosamente normal. Eu coloquei a foto
virada pra baixo, sentindo desgosto.
Ao invés de fazer meu dever de casa, eu
fiquei colocando minhas fotos no meu album.
Com uma caneta eu fiz legendas embaixo das
fotos, os nomes e as datas. E peguei a foto
de Edward e eu, e, sem olhar muito pra ela,
eu a dobrei no meio e a enfiei no aparador
de metal, com o lado de Edward pra cima.
Quando eu tinha terminado, eu peguei o
restante das fotos, coloquei num envelope novo
e as mandei para Renée com uma grande carta
de agradecimento.
Edward ainda não tinha aparecido. Eu não
queria admitir que ele era minha razão pra ir
dormir tão tarde, mas é claro que era.
Eu tentei me lembrar da última vez que
ficamos longe assim, sem uma desculpa, um
telefonema... Ele nunca havia feito isso.
De novo, eu não dormí bem.
Na escola se seguiu o mesmo padrão
silencioso, frustrante e aterrorizante dos outros
dois dias. Eu me sentia aliviada quando via
Edward esperando por mim no
estacionamento, mas o alívio ia embora
rapidamente. Ele não estava diferente, A não ser
talvez, um pouco mais remoto.
Era difícil até lembrar o motivo de toda essa
bagunça. Meu aniversário já parecia um
passado tão distante. Se ao menos Alice
voltasse. Logo. Antes que isso saísse ainda
mais de controle.
Mas eu não podia contar com isso. Eu decidí
que se eu não pudesse falar com ele hoje,
falar de verdade, então eu ia ver Carlisle
amanhã. Eu tinha que fazer alguma coisa.
Depois da escola, eu ia falar sobre isso, eu
prometí pra mim mesma.
Eu não ia eceitar desculpas.
Ele me acompanhou até a caminhonete e eu me
virei pra fazer minhas perguntas.
"Você se importa se eu aparecer hoje á
noite?", ele perguntou antes de chagarmos na
caminhonete, me deixando sem fôlego.
"É claro que não".
"Agora?", ele perguntou de novo,
abrindo a porta pra mim.
"Claro", eu mantive minha voz
uniforme, apesar de não gostar do tom de urgência na
voz dele. "Eu só ia deixar uma carta no
correio pra Renée no caminho. Eu te encontro
lá".
Ele olhou para o envelope gordo no meu banco
do passageiro. De repente, ele se
inclinou por cima de mim pra pegá-lo.
"Eu vou fazer isso", ele disse
baixinho. "E ainda vou chegar lá mais rápido que você".
Ele sorriu o meu sorriso favorito, mas ele
estava errado. Ele não tocou seus olhos.
"Ok", eu concordei, incapaz de
sorrir. Ele fechou a porta, e caminhou até seu carro.
Ele chegou em casa antes de mim. Ele estava
estacionado na vaga de Charlie quando eu
parei na frente de casa. Isso era um mal
sinal.
Ele não pretendia ficar, então.
Eu balancei minha cabeça e respirei fundo,
tentando acumular um pouco de coragem.
Ele saiu do carro quando eu saí da
caminhonete, e veio me encontrar.
Ele se inclinou pra pegar meu livro e minha
mochila de mim. Isso era normal. Mas ele
jogou tudo de volta no banco. Isso não era
normal.
"Venha caminhar comigo", ele
sugeriu numa voz sem emoção, pegando minha mão.
Eu não respondí. Eu não pude pensar em uma
forma de protestar, mas eu
instantaneamente sabia que era isso que eu
queria. Eu não gostava disso.
Isso é ruim, isso é muito ruim, a voz na minha cabeça repetia de novo e de novo.
Mas ele não esperou uma resposta. Ele me
levou pelo lado oeste do quintal, onde a
floresta começava. Eu seguí sem querer, tentando
apensar apesar do pânico. Era isso
que eu queria, eu lembrei pra mim mesma. A
chance de falar sobre isso. Então porque o
pânico estava tomando conta de mim?
Nós havíamos apenas entrado alguns passos
dentro das árvores quando ele parou. Nós
mal haviamos chegado na trilha- eu ainda
conseguia ver a casa.
Que caminhada.
Edward se inclinou em uma das árvores,
olhando pra mim, sua expressão estava
ilegível.
"Tudo bem, vamos conversar", eu
disse. Isso soou mais corajoso do que eu me sentia.
Ele respirou fundo.
"Bella, nós estamos indo embora".
Eu respirei fundo também. Essa era uma opção
aceitável. Eu pensei que estivesse
preparada. Mas eu ainda tinha que perguntar.
"Porque agora? Outro ano-"
"Bella, está na hora. Quanto tempo mais
poderíamos ficar em Forks, afinal? Carlisle
mal pode fingir que tem trinta anos, a agora
ele já está dizendo que tem trinta e três. Nós
vamos ter que recomeçar tudo de novo em breve
de qualquer jeito".
A resposta dele me confundiu. Eu pensei que o
ponto de ir embora era deixar a família
dele em paz. Porque nós tínhamos que ir se
eles estavam indo embora? Eu encarei ele,
tentando entender o que ele estava dizendo.
Ele encarou de volta friamente.
Com uma onde de náusea, eu percebí que não
havia compreendido.
"Quando você diz nós-", eu sussurrei.
"Eu estou falando de minha família e de
mim mesmo" Cada palavra era seperada e
distinta.
Eu balancei minha cabeça pra frente e pra
trás mecanicamente, tentando clareá-la. Ele
esperou sem nenhum sinal de impaciêcia.
Levaram alguns minutos até que eu conseguisse
responder.
"Tudo bem", eu disse. "Eu vou
com vocês".
"Você não pode, Bella. O lugar pra onde
estamos indo... não é o lugar certo pra você".
"Onde você estiver é o lugar certo pra
mim".
"Eu não sou bom pra você, Bella".
"Não seja ridículo", eu queria
parecer com raiva, mas só pareceu que eu estava
implorando. "Você é a melhor parte da
minha vida".
"Meu mundo não é pra você", ele
disse severamente.
"O que aconteceu com Jasper - aquilo não
foi nada, Edward! Nada!"
"Você está certa", ele concordou.
"Foi exatamente como o esperado".
"Você prometeu! Em Phoenix, você
prometeu que ia ficar-"
"Enquanto isso fosse o melhor pra
você", ele interrompeu pra me corrigir.
"Não! Isso é por causa da minha alma, não é?", eu gritei, furiosa,
as palavras explodindo
em mim - de alguma forma, isso pareceu uma
súplica. "Carlisle me falou sobre isso, e
eu não ligo, Edward. Eu não ligo! Você pode
ficar com minha alma. Eu não quero ela
sem você - ela já é sua!"
Ele respirou fundo e encarou, sem ver nada, o
chão por um momento. A boca dele se
contorceu só um pouquinho. Quando ele
finalmente olhou pra cima, seus olhos estavam
diferentes, mais duros - como se o ouro
líquido tivesse virado sólido.
"Bella, eu não quero que você venha
comigo". Ele falou as palavras lentamente e
precisamente, seus olhos frios no meu rosto,
observando enquanto eu absorvia o que ele
realmente queria dizer.
Houve uma pausa enquanto eu repetia as
palavras na minha cabeça algumas vezes,
analisando elas pra saber seu verdadeiro
significado.
"Você... não... me quer?" Eu tentei
as palavras, confusa pela forma como elas soavam,
colocadas em ordem.
"Não".
Eu olhei, sem compreender, dentro dos olhos
dele. Ele encarou de volta sem se
arrepender.
Seus olhos eram como topázio - duros e claros
e muito profundos. Eu sentí como se
pudesse ver por dentro deles por milhas e
milhas, e mesmo assim, ainda não conseguia
alcançar o lugar onde encontraria a
contradição de suas palavras.
"Bem, as coisas mudam". Eu fiquei
surpresa por como a minha voz soava calma e
razoável. Devia ser porque eu estava tão
entorpecida.
Eu não conseguia me dar conta do que ele
estava me dizendo. Ainda não fazia nenhum
sentido.
Ele olhou para longe para as árvores enquanto
falou de novo.
"É claro que eu sempre amarei você... de
certa forma. Mas o que aconteceu na noite
passada me fez perceber que estava na hora de
uma mudança. Porque eu estou...
cansado de
fingir ser uma pessoa que eu não sou, Bella. Eu não sou humano". Ele olhou
de volta, e as formas geladas do seu rosto
perfeito eram muito não humanas.
"Eu deixei
isso ir longe demais, eu lamento por
isso".
"Não lamente", minha voz era só um
sussurro agora; a consciencia estava começando a
correr com ácido pelas minhas veias.
"Não faça isso".
Ele só olhou pra mim, e pude ver pelos seus
olhos que minhas palavras estavam
atrasadas demais. Ele já tinha feito.
"Você não é boa pra mim, Bella",
ele contornou sua palavras anteriores, então eu não
tinha como argumentar. Eu sabia muito bem que
não era boa pra ele.
Eu abri minha boca pra dizer alguma coisa, e
então a fechei de novo.
Ele esperou pacientemente, seu rosto
totalmente limpo de emoção. Eu tentei de novo.
"Se... isso é o que você quer".
Ele acenou com a cabeça uma vez.
Meu corpo inteiro ficou entorpecido. Eu não
conseguia sentir nada abaixo do pescoço.
"Eu gostaria de te pedir um favor,
porém, se não for pedir demais", ele disse.
Eu imagino o que ele viu no meu rosto, porque
alguma coisa passou pelo rosto dele em
resposta. Mas antes que eu conseguisse
identificar o que era, ele recompôs o rosto na
mesma máscara serena de antes.
"Qualquer coisa", eu prometí, minha
voz estava levemente mais forte.
Enquanto eu observava, seus olhos congelados
se derreteram.
O dourado ficou líquido de novo, derretido,
queimando os meus com uma intensidade
dominante.
"Não faça nada perigoso ou
estúpido", ele ordenou, não mais imparcial. "Você entendeu
o que eu disse?"
Eu balancei a cabeça sem saída.
Seus olhos se esfriaram, a distância
retornou. "Eu estou pensando em Charlie, é claro.
Ele precisa de você. Tome conta de sí mesma -
por ele".
Eu afirmei com a cabeça de novo. "Eu
vou", eu sussurrei.
Ele pareceu relaxar só um pouco.
"E eu te farei uma promessa em
retorno", ele disse. "Eu prometo que essa será a última
vez que você vai me ver. Eu não vou voltar.
Eu não vou te envolver em nada assim
novamente. Você pode seguir a sua vida sem
mais nenhuma interferência da minha
parte. Será como se eu nem existisse".
Meus joelhos devem ter começado a tremer,
porque de repente as árvores estavam
crescendo. Eu podia ouvir o sangue pulsando
mais rápido que o normal atrás das minhas
orelhas. A voz dele soou muito distante.
Ele sorriu gentilmente. "Não se
preocupe. Você é humana - sua memória é como uma
peneira. O tempo curas as feridas para as
pessoas da sua espécie".
"E as suas memórias?", eu
perguntei. Parecia que havia algo enfiado na minha garganta,
como se eu estivesse sufocando.
"Bem" - ele hesitou por um breve
segundo - "Eu não vou esquecer. Mas a minha
espécie... nós nos distraímos muito
facilmente".
Ele sorriu; o sorriso era tranquilo e não
tocou seus olhos.
Ele deu um passo se distanciando de mim.
"Isso é tudo, eu suponho. Nós não vamos te
incomodar de novo".
O plural me chamou a atenção. Isso me
surpreendeu; eu pensei que era incapaz de me
dar conta de alguma coisa.
"Alice não vai voltar", eu me dei
conta. Eu não sei como ele me ouvir - as palavras não
fizeram nenhum som - mas ele pareceu
entender.
Ele balançou a cabeça lentamente, sempre
olhando pro meu rosto.
"Não. Eles já foram todos embora. Eu
fiquei pra trás pra te dizer adeus".
"Alice foi embora?" Minha voz
estava vazia de descrença.
"Ela queria dizer adeus, mas eu convencí
ela de que uma despedida limpa seria o
melhor pra você".
Eu estava tonta; era difícil me concentrar.
As palavras dele giravam na minha cabeça, e
eu podia opuvir o médico que me atendeu em
Phoenix, na primavera passada, enquanto
ele me mostrava os exames de Raio-X Você pode ver aqui que é uma fratura clara os
dedos deles percorriam a figura do meu osso
fraturado.
Isso é bom. Significa que vai sarar mais facilmente,
mais rapidamente.
Eu tentei respirar normalmente. Eu tentei me
concentrar, pra encontrar uma forma de
sair desse pesadelo.
"Adeus, Bella", ele disse na mesma
voz calma, pacífica.
"Espere", eu sufoquei depois das
palavras, me inclinando pra ele, esperando que minhas
pernas mortas pudessem me levar em frente.
Eu pensei que ele estava se inclinando pra
mim também. Mas as mãos geladas dele
agarraram minha cintura e se colaram nos meus
lados. Ele se abaixou, e colou seus
lábios muito rapidamente na minha testa pelo
mais breve segundo.
Meus olhos se fecharam.
"Cuide-se", ele respirou, frio
contra a minha pele.
Houve uma leve brisa sobrenatural. Meus olhos
se abriram. As folhas das árvores
menores tremiam com o vento gentil da sua
passagem.
Ele havia ido embora.
Com as pernas tremendo, ignorando o fato de
que minhas ações era inúteis, eu o seguí
pela floresta. As evidências dos seus passos
desapareceram instantaneamente.
Não haviam pegadas, as folhas estavam paradas
de novo, mas eu seguí em frente sem
pensar. Eu não conseguia pensar em mais nada.
Se eu parasse de procurar por ele,
estaria acabado.
Amor, vida, sentido... acabados.
Eu caminhei e caminhei. O tempo não fazia
sentido enquanto eu me empurrava pelo
solo grosso. Eram horas passando, mas também
só segundos. Talvez parecesse que o
tempo havia parado porque não importava o
quanto eu continuasse seguindo em frente a
floresta sempre parecia igual. Eu comecei a
me preocupar em estar viajando em
círculos, um círculo bem pequeno na
verdade,mas eu continuava em frente.
Eu tropeçava muito, e, enquanto ia ficando
mais e mais escuro, eu comecei a cair
frequentemente também.
Finalmente, eu tropecei me alguma coisa -
estava escuro agora, eu não tinha idéia do
que segurou meu pé - e eu fiquei no chão. Eu
rolei de lado, pra poder respirar, e me
curvei no solo molhado.
Enquanto eu ficava lá, eu tinha aimpressão de
que havia se passado mais tempo do que
eu podia imaginar. Eu nem podia lembrar a
quanto tempo a noite havia caído. Era
sempre assim tão escuro aqui durante a noite?
Certamente, como era a regra, alguns
raios de lua atravessavam as nuvens, através
das rachaduras nas copas das árvores, e
vinha encontrar o chão.
Essa noite não. O céu estava completamente
escuro. Talvez não houvesse luz da lau
hoje - um eclipse lunar, uma lua nova.
Uma lua nova. Eu tremí, apesar de não estar
frio.
Estava escuro durante muito tempo antes de eu
os ouvir me chamando.
Alguém estava gritando meu nome. Eu estava
muda, afundada no chão molhado ao meu
redor, mas era definitivamente o meu nome. Eu
não reconhecia a voz. Eu pensei em
responder, mas eu estava confusa, e eu levei
um longo tempo até chegar a conclusão de
que eu devia responder. Até aí, os gritos já haviam parado.
Algum tempo depois, a chuva me acordou. Eu
não acho que realmente tenha caído no
sono; eu só estava perdida num torpor sem
pensar, me agarrando com todas as minhas
forças na minha torpência que me mantinha sem
ver aquilo que eu não queria saber.
A chuva me incomodou um pouco. Estava frio.
Eu soltei meus braços das minhas
pernas e os coloquei na frente do meu rosto.
Foi aí que eu ouví os chamados de novo.
Estava mais longe dessa vez, e as vezes
parecia que várias vozes estavam me chamando
de uma só vez. Eu tentei respirar fundo.
Eu me lembrei que tinha que responder, mas eu
não achava que eles seriam capazes de
me ouvir.
Será que eu seria capaz de gritar alto o
suficiente?
De repente houve outro som,
surpreendentemente perto. Um tipo de rosnado, um som
animal. Parecia grande. Eu me perguntei se
deveria estar com medo.
Eu não estava com medo - só entorpecida. Eu
não me importava. O rosnado foi embora.
A chuva continuou, e eu podia sentir a água
se acumulando contra a minha bochecha.
Eu estava tentando reunir as minhas forças
pra mover a minha cabeça, quando ví a luz.
Primeiro era só um brilho fraco se refletindo
nos arbustos á distância. Foi ficando mais
e mais brilhante, iluminando um grande
espaço, diferente de uma lanterna normal ou de
um ponto de luz. A luz apareceu pelos
arbustos mais próximos, e eu pude ver que era
uma lanterna propana, mas isso foi tudo que
eu conseguí ver- a claridade me cegou por
um momento.
"Bella"
A voz era profunda e não era familiar, mas
cheia de reconhecimento.
Ele não estava me perguntando se era eu, ele
estava testando o fato de que havia me
_________________________________3
encontrado.
Eu olhei pra cima - me pareceu
impossivelmente alto - para o rosto escuro que agora eu
podia ver em cima de mim. Eu estava vagamente
cosciente de que o estranho só parecia
ser tão alto porque minha cabeça ainda estava
no chão.
"Você está ferida?"
Eu sabia que as palavras queriam dizer alguma
coisa, mas eu só encarei, desnorteada.
Como é que um significado poderia ter alguma
importância agora?
"Bella, meu nome é Sam Uley".
O nome não me parecia familiar.
"Charlie me mandou pra procurar por
você".
Charlie? Uma corda se partiu, e eu tentei
prestar mais atenção ao que ele estava
dizendo. Charlie me importava, já que nada
mais importava.
Ele me estendeu uma mão. Eu olhei pra ela,
sem ter muita certeza do que deveria fazer.
Seus olhos pretos me analisaram por um
segundo, e então ele levantou os ombros. Num
movimento rápido e flexível, ele me levantou
do chão e me colocou nos braços.
Eu fiquei lá, flácida, enquanto ele se movia
rapidamente pela floresta molhada. Alguma
parte de mim sabia que isso devia me aborrecer
- ser carregada por um estranho. Mas
não havia mais um motivo pra eu me aborrecer.
Não pareceu que muito tempo havia passado
antes das luzes e da profundidade das
vozes masculinas me chamando.
Sam Uley foi parando enquanto se aproximava
da comoção.
"Eu estou com ela!", ele falou numa
voz estrondosa.
Os ruídos pararam, e então recomeçaram com
ainda mais intensidade. Um confuso
redemoinho de rostos se movia sobre mim. A
voz de Sam era a única que fazia sentido
no meio do caos, talvez porque meu ouvido
estava no peito dele.
"Não, eu não acho que ela esteja
machucada", ele disse pra alguém.
"Ela fica repetindo 'Ele foi
embora'".
Eu estava dizendo isso alto? Eu mordí meu
lábio.
"Bella, querida, você está bem?"
Essa era um voz que eu reconheceria em qualquer
lugar - mesmo desnorteada, como eu
estava agora, de preocupação.
"Charlie?", minha voz soou estranha
e pequena.
"Eu estou aqui, meu bem".
Houve uma pequena passagem em baixo de mim,
seguida pelo cheiro da jaqueta de
couro de policial do meu pai. Charlie
cambaleou com meu peso.
"Talvez eu devesse segurar ela",
Sam Uley sugeriu.
"Eu aguento ela", Charlie disse, um
pouco sem fôlego.
Ele caminhou devagar, lutando. Eu queria
poder dizê-lo pra me colocar no chão e me
deixar caminhar,mas eu não conseguia encontrar
minha voz.
Haviam lanternas em todos os lugares,
seguradas pela multidão ao nosso redor. Parecia
que eu estava num desfile. Ou uma processão
de funeral. Eu fechei meus olhos.
"Já estamos quase em casa agora,
querida", Charlie murmurava de vez em quando.
Eu abrí meus olhos de novo quando ouví a
porta sendo destrancada. Nós estávamos na
varanda da casa, e o homem alto e escuro
chamado Sam estava segurando a porta pra
Charlie, um dos braços estendido em nossa
direção, como se ele estivesse preparado pra
me pegar quando os braços de Charlie
falhassem.
Mas Charlie conseguiu me passar pela porta e
me colocar no sofá da sala de estar.
"Pai, eu tô toda molhada", eu
reclamei febriamente.
"Isso não importa" a voz dele
estava áspera. E então ele começou a falar com outra
pessoa. "Os lençóis estão no armário no
topo das escadas".
"Bella?", uma nova voz chamou.
Eu olhei para o homem de cabelo cinza, e o
reconhecimento só veio depois de alguns
segundos.
"Dr. Gerandy?", eu murmurei.
"É isso mesmo, querida", ele disse.
"Você está machucada, Bella?"
Eu levei algum tempo pra pensar nisso. Eu
estava confusa pela memória da pergunta
parecida que Sam Uley havia me feito na
floresta. Só que Sam Uley perguntou outra
coisa: Você foi
ferida? ele havia dito. A diferença parecia mais
significante agora.
O Dr. Gerandy estava esperando. Uma
sobrancelha grisalha erguida, e as pregas da testa
dele ficaram mais profundas.
"Eu não estou machucada", eu mentí.
As palavras eram verdadeiras o suficiente para o
que ele havia perguntado.
A mão quentinha dele tocou minha testa, e os
dedos dele pressionaram a parte de dentro
do meu pulso. Eu observei os lábios dele
enquanto ele contava pra sí mesmo, os olhos
no relógio.
"O que aconteceu com você?", ele
perguntou casualmente.
Eu congelei embaixo da mão dele, sentindo o
gosto do pânico no fundo da minha
garganta.
"Você se perdeu na floresta?", ele
tentou. Eu estava consciente de que várias pessoas
estavam ouvindo. Três homens altos com rostos
escuros - de La Push, da reserva
indígena de Quileute que fica na costa, eu
imaginei - Sam Uley entre eles, estavam
muito próximos uns dos outros e olhando pra
mim. O Sr. Newton estava lá com Mike e
o Sr. Weber, o pai de Angela; eles estavam
todos me olhando com mais suspeitas do
que os estranhos. Outras estranhas vozes
profundas vinham da cozinha e do lado de fora
da porta. A metade da cidade devia estar lá
olhando pra mim.
Charlie era o que estava mais próximo. Ele se
inclinou pra ouvir minha resposta.
"Sim", eu sussurrei. "Eu me
perdí".
O médico afirmou com a cabeça, pensativo,
seus dedos apertando gentilmente as
glândulas embaixo da minha mandíbula. O rosto
de Charlie endureceu.
"Você se sente cansada?" Dr.
Gerandy perguntou.
Eu afirmei com a cabeça e fechei meus olhos
obedientemente.
"Eu não acho que haja nada errado com
ela", eu ouví o doutor dizer pra Charlie depois
de um momento.
"Só exaustão. Deixe ela dormir, e eu vou
vir checar ela amanhã". ele pausou. Ele deve
ter olhado para o relógio, porque depois ele
acrescentou, "Bem, mais tarde, hoje, na
verdade".
Houve um som de que alguma coisa estava se
quebrando enquanto os dois se
levantavam do lado do sofá e ficavam de pé.
"É verdade?", Charlie murmurou. As
vozes deles estavam longe agora. Eu me esforcei
para ouvir. "Eles foram embora?"
"O Dr. Cullen nos pediu pra não dizer
nada", Dr. Gerandy respondeu.
"A oferta foi muito repentina; eles
tiveram que escolher imediatamente. Carlisle não
queria que sua partida se transformasse numa
grande produção".
"Um pequeno aviso teria sido bom",
Charlie grunhiu.
O Dr. Gerandy pareceu desconfortável quando
respondeu. "Sim, bem , nessa situação
algum aviso podia ter sido de
serventia".
Eu não queria mais ouvir. Eu agarrei a borda
de uma colcha que alguém havia jogado
por cima de mim e a coloquei por cima do meu
ouvido.
Eu me joguei na correnteza e saí de alerta.
Eu ouví Charlie sussurrar um obrigado para
os volutários enquanto, um por um, eles iam
embora.
Eu sentí os dedos dele na minha testa, e
então, o peso de outro lençol. O telefone tocou
algumas vezes, e ele corria pra atendê-lo
antes que ele me acordasse. Ele murmurava
palavras tranquilizadoras numa voz baixa pra
os que ligavam.
"É, nós a encontramos. Ela está bem. Ela
se perdeu. Ela está bem agora", ele dizia de
novo e de novo.
Eu ouvia o barulho da cadeira quando ele se
sentava nela pra passar a noite.
Alguns minutos depois, o telefone tocou de
novo.
Charlie gemeu enquanto lutava pra ficar de
pé, e então correu, tropeçando, até a
cozinha. Eu coloquei minha cabeça ainda mais
fundo nas cobertas, sem querer ouvir a
mesma conversa de novo.
"Sim", Charlie disse e bocejou.
A voz dele mudou, ela estava muito mais
alerta quando ele falou de novo. "Onde?"
Houve uma pausa. "Você tem certeza que
foi fora da reserva?" Outra breve pausa. "Mas
o que poderia estar queimando lá?" Ele parecia tanto preocupado quanto
confuso.
"Olha, eu vou ligar pra lá e vou checar
isso".
Eu ouví com mais interesse enquanto ele
discava o número.
"Ei, Billy, é Charlie - me desculpe por
estar ligando tão cedo... não, ela está bem. Ela
está dormindo... obrigado, mas não foi por
isso que eu liguei. Eu acabei de receber uma
ligação da Sra. Stanley, e ela disse que da
janela do segundo andar ela vê fogo perto dos
penhascos na praia, mas eu não... Oh" De
repente havia uma ponta na sua vozirritação...
ou raiva. "E porque eles estão fazendo
isso? Uh huh. Mesmo?" Ele disse
sarcasticamente.
"Bem, não se desculpe comigo. É, é. Só se certifique de que as chamas não
se
espalhem... Eu sei, eu sei, eu estou surpreso
que eles tenham conseguido acendê-las com
esse clima".
Charlie hesitou, e então acrescentou
rancoroso.
"Obrigado por ter mandado Sam e os
outros rapazes. Você estava certo - eles conheciam
a floresta melhor que nós. Foi Sam que a
encontrou, então eu te devo uma... É, eu vou
falar com você depois", ele concordou, ainda
azedo, antes de desligar.
Charlie murmurou alguma coisa incompreensível
enquanto voltava para a sala.
"O que há de errado?", eu
perguntei.
Ele correu pro meu lado.
"Me desculpe se eu te acordei,
querida".
"Tem alguma coisa queimando?"
"Não é nada", ele me assegurou.
"Só algumas fogueiras nos penhascos".
"Fogueiras?" eu perguntei. Minha
voz não soou curiosa. Ela parecia morta.
Charlie fez uma careta. "Algumas
crianças da reserva fazendo desordem", ele explicou.
"Porque?"
Dava pra notar que ele não queria responder.
Ele olhou pra o chão embaixo dos joelhos
dele. "Eles estão celebrando as
novidades". O tom dele estava amargo.
Só havia uma novidade na qual eu podia
pensar, mesmo tentando não o fazer. E as
peças se encaixaram. "Porque os Cullen
foram embora", eu sussurrei. "Eles não gostam
dos Cullen em La Push - eu tinha esquecido
disso".
Os Quileute tinham suas superstições sobre
"Os frios", os bebedores de sangue que
eram inimigos da tribo deles, assim como eles
tinham as lendas do grande dilúvio e a
dos homens-lobos.
A maioria delas eram só histórias, folclore.
E então haviam os poucos que acreditavam.
O bom amigo de Charlie, Billy Black
acreditava nelas, apesar de até Jacob, seu único
filho, achar que ele era cheio de
superstições bobas. Billy havia me avisado pra ficar
longe dos Cullen...
O nome causava alguma coisa dentro de mim,
alguma coisa que começou a cavar seu
caminho de volta para a superfície, alguma
coisa que eu sabia que não queria encarar.
"Isso é ridículo", Charlie falou.
Nós sentamos em silêncio por algum tempo. O
céu já não estava mais escuro lá fora.
Em algum lugar por trás da chuva, o sol
estava começando a nascer.
"Bella?", Charlie perguntou.
Eu olhei pra ele intranquila.
"Ele te deixou sozinha na
floresta?" Charlie adivinhou.
Eu ignorei a pergunta dele. "Como você
sabia onde me encontrar?" minha mente criou
um escudo contra a inevitável consciência que
já estava se aproximando, vindo rápida
agora.
"O seu bilhete", Charlie respondeu,
surpreso. Ele procurou no bolso de trás de sua calça
e puxou um papel muito amassado. Ele estava
sujo e úmido, com múltiplas dobras por
ter sido aberto e redobrado muitas vezes. Ele
o desdobrou de novo, e o segurou como
prova. A escrita bagunçada era incrivelmente
parecida com a minha.
Saíndo numa caminhada com Edward, lá na
trilha,ele dizia.
Volto logo, B.
"Quando você não voltou, eu liguei para
os Cullen, e ninguém atendeu", Charlie disse
numa voz baixa. "Então eu liguei para o
hospital, e o Dr. Gerandy me disse que Carlisle
havia ido embora".
"Pra onde eles foram?", eu
murmurei.
Ele me encarou. "Edward não te
disse?"
Eu balancei minha cabeça, recuando. O som do
nome dele libertou a coisa que estava
me rasgando por dentro - uma dor que me
deixou sem fôlego, me deixando aturdida
com a sua força.
Charlie me olhou duvidosamente enquanto
respondia.
"Carlisle aceitou um emprego num grande
hospital em Los Angeles. Eu acho que eles o
ofereceram um monte de dinheiro".
A ensolarada Los Angeles. O último lugar pra
onde eles realmente iriam.
Eu me lembrei do pesadelo com o espelho... o
brilho do sol cintilando na pele dele -
A agonia se apertou a mim junto ás memórias
do rosto dele.
"Eu quero saber se Edward te deixou lá
sozinha no meio da floresta".
Charlie insistiu.
O nome dele mandou outra onda de tortura pelo
meu corpo. Eu balancei minha cabeça,
freneticamente, desesperada pra escapar da
dor. "Foi culpa minha. Ele me deixou bem
aqui na trilha, na frente de casa... mas eu
tentei seguir ele".
Charlie começou a dizer alguma coisa;
infantilmente, eu cobri meus ouvidos. "Eu não
quero mais falar nisso, pai. Eu quero ir pro
meu quarto."
Antes que ele pudesse responder, eu me
levantei desajeitadamente do sofá e me lancei
escada acima.
Alguém havia estado em casa pra deixar o
bilhete pra Charlie, um bilhete que o ajudaria
a me encontrar. No momento que eu me dei
conta disso, uma terrível suspeita começou
a crescer na minha cabeça. Eu corrí para o
meu quarto, batendo e trancando a porta atrás
de mim antes de correr para o Cd Player ao
lado da minha cama.
Tudo parecia exatamente igual ao que eu havia
deixado. Eu pressionei o topo do Cd
Player. O trinco se desprendeu, e a tampa foi
se abrindo lentamente.
Estava vazio.
O album que Renée havia me dado estava no
chão ao lado da cama, exatamente onde eu
o havia colocado da última vez. Eu levantei a
capa com uma mão tremendo.
Eu não tive que ir além da primeira página. O
pequeno gancho de metal ja não prendia
mais nenhuma foto. A página estava vazia, a
não ser pela minha própria escrita
rabiscada embaixo:Edward Cullen, Cozinha de Charlie, 13 de Setembro.
Eu parei aí. Eu tinha certeza de que ele
havia sido bastante competente.
Será como se eu nunca tivesse existido.
Eu sentí o chão de madeira suave embaixo dos
meus joelhos, e então as palmas das
minhas mãos, e então ele estava pressionado
na pele da minha bochecha. Eu esperava
estar desmaiando, mas, pro meu
desapontamento, eu não perdí a consciência.
As ondas de dor que até agora só haviam
tocado em mim agora ficavam mais altas e
passavam pela minha cabeça, me afogando.
Eu não emergí.
Outubro
____________________________________________________________________
Novembro
____________________________________________________________________
Dezembro
____________________________________________________________________
Janeiro
____________________________________________________________________
4. Acordando
O tempo passa. Mesmo quando isso parece
impossível. Mesmo quando cada tique do
relógio faz sua cabeça doer como se fosse um
fluxo de sangue passando por uma ferida.
Ele passa desigual, em estranhos solavancos e
levando a calmaria embora, mas ele
passa. Mesmo pra mim.
O pulso de Charlie bateu na mesa.
"É isso, Bella! Eu vou te mandar pra
casa".
Eu olhei pra cima desviando meus olhos do
cereal, que eu estava mais cutucando do que
comendo, e olhei pra Charlie chocada.
Eu não estava acompanhando a conversa - na
verdade eu nem tinha reparado que
eestávamos tendo uma conversa - e eu não
tinha certeza do que ele queria dizer.
"Eu estou
em casa", eu murmurei, confusa.
"Eu vou te mandar pra Renée, pra
Jacksonville", ele esclareceu.
Charlie observou exasperado enquanto eu
lentamente me dava conta do sentido das suas
palavras.
"O que foi que eu fiz?", eu sentí
meu rosto se amassar. Isso era tão injusto. Meu
comportamento esteve acima de qualquer
reprimenda nesses últimos quatro meses.
Depois daquela primeira semana, que nenhum de
nós mencionou, eu não perdí nem um
dia de aula ou de trabalho. Minhas notas
estavam perfeitas. Eu nunca desrespeitei o
toque de recolher - eu nunca ia pra lugar
nenhum pra quebrar o toque de recolher em
primeiro lugar. Eu muito raramente servia
sobras.
Charlie fez uma carranca.
"Você não fez nada. Esse é o problema. Você nunca faz
nada".
"Você quer que eu me envolva em
problemas?" Eu me perguntei, minhas sobrancelhas
ficando juntas de mistificação. Eu fiz um
esforço pra prestar atenção. Não era fácil. Eu
estava tão acostumada a desligar as coisas,
meus ouvidos estavam desacostumados.
"Problema seria melhor do que isso...
essa amorfinação o tempo inteiro!"
Isso me deixou com um pouco de remorso. Eu
fui tão cuidadosa pra evitar de todas as
formas parecer sombria, morfinação incluído.
"Eu não estou amorfinada".
"Palavra errada", ele concedeu mal
humorado. "Amorfinação seria melhor - isso seria
fazer alguma
coisa. Você só está... sem vida, Bella".
"Eu acho que essa é a palavra que eu
quero".
Essa acusação fez a ficha cair. Eu suspirei e
tentei colocar alguma animação na minha
resposta.
"Me desculpe, pai" Minhas desculpas
pareceram um pouco vazias, até pra mim. Eu
pensei que estivesse enganando ele. Manter
Charlie longe do sofrimento era o único
motivo pra todo esse esforço. Que deprimente
pensar que todo o esforço foi em vão.
"Eu não quero que você se
desculpe".
Eu suspirei. "Então me diga o que você
quer que eu faça".
"Bella", ele hesitou, observando a
minha reação ás suas próximas palavras. "Querida,
você não é a primeira pessoa que passa por
esse tipo de coisa, sabe".
"Eu sei disso" A careta que se
seguiu as minhas palavras foi flácida e sem impressão.
"Escute, querida. Eu acho que - talvez
você precise de ajuda"
"Ajuda?"
Ele pausou, procurando pelas palavras de
novo. "Quando sua mãe foi embora", ele
começou, fazendo uma careta, "e levou
você com ela". Ele inalou profundamente,
"Bem, foi um momento muito ruim pra
mim".
"Eu sei, pai", eu murmurei.
"Mas eu lidei com isso", ele
apontou. "Querida, você não está lidando com isso. Eu
esperei, eu tinha esperanças de que você
fosse melhorar". Ele olhou pra mim e eu olhei
pra baixo rapidamente. "Eu acho que nós
dois sabemos que isso não está melhorando".
"Eu estou bem".
Ele me ignorou. "Talvez, bem, se você
falasse com alguém sobre isso. Um
profissional".
"Você quer que eu veja um
terapeuta?" Minha voz ficou mais afiada enquanto eu me
dava conta de onde ele estava querendo
chegar.
"Talvez isso ajudasse".
"E talvez isso não ajudasse nem um
pouquinho."
Eu não sabia muito sobre psicoanálises, mas
eu sabia que não iria funcionar a menos
que o assunto fosse relativamente honesto.
Claro, eu podia contar a verdade- se quisesse
passar o resto da minha vida numa cela
acolchoada.
Ele examinou minha expressão obstinada, e
mudou para outra linha de ataque.
"Isso está além de mim, Bella. Talvez
sua mãe -"
"Olha", eu disse com uma voz plana.
"Eu vou sair essa noite, se você quer. Eu ligo pra
Jess ou pra Angela".
"Não é isso que eu quero", ele
discutiu, frustrado. "Eu não acho que conseguirei vendo
você tentar ainda mais. Doi só de olhar".
Eu fingí ser densa, olhando pra baixo pra
mesa.
"Eu não entendo, pai. Primeiro você fica
bravo porque eu não estou fazendo nada, e
então você diz que não quer que eu
saia".
"Eu só quero que você seja feliz - não,
nem isso tudo. Eu só não quero que você esteja
triste. Eu acho que você terá uma chance
melhor se sair de Forks".
Meus olhos se lançaram pra cima com uma
pequena centelha de sentimento que eu não
teria muito tempo pra pensar.
"Eu não vou embora", eu disse.
"Porque não?", ele quis saber.
"Eu estou no último semestre da escola -
isso ia estragar tudo".
"Você é uma boa aluna - você dá um
jeito".
"Eu não quero aglomerar mamãe e
Phil"
"Sua mãe está morrendo pra você
voltar".
"A Flórida é quente demais".
O punho dele bateu na mesa de novo. "Nós
dois sabemos o que está acontecendo aqui,
Bella, e isso não é bom pra você". Ele
respirou fundo. "Já se passaram meses. Nada de
ligações, nada de cartas, nenhum contato.
Você não pode continuar esperando por ele".
Eu olhei pra ele. O calor quase, mas não
completamente, alcançou meu rosto. Já fazia
muito tempo que eu não corava com nenhuma
emoção.
Esse assunto todo era completamente proibido,
e ele sabia muito bem.
"Eu não estou esperando nada. Eu não
espero nada". Eu disse num tom baixo e
uniforme.
"Bella -", Charlie começou, com a
voz grossa.
"Eu tenho que ir para a escola", eu
interrompí, me levantando e puxando o meu café da
manhã intocado da mesa. Eu joguei minha
tigela na pia sem parar pra lavá-la. Eu não
podia mais lidar com essa conversa.
"Eu farei planos com Jéssica", eu
falei por cima do ombro enquanto pegava minha
mochila da escola, sem olhar pros olhos dele.
"Talvez eu não volte pra casa pra o jantar.
Nós iremos pra Port Angeles e assistiremos um
filme".
Eu já tinha saído pela porta da frente antes
que ele pudesse reagir.
Na minha pressa de fugir de Charlie, eu
acabei sendo uma das primeirar a chegar na
escola. O lado bom disso é que eu encontrei
uma vaga muito boa no estacionamento. O
lado ruim era que eu tinha muito tempo livre
nas mãos, e eu tentava evitar ter tempo
livre a qualquer custo.
Rapidamente, antes que eu pudesse pensar nas
acusações de Charlie, eu puxei meu livro
de Calculo. Eu o abrí na seção que deveríamos
estar começando hoje, e tentei entender
alguma coisa. Ler matemática era ainda pior
do que ouvir, mas eu estava ficando melhor
nisso. Nós últimos meses, eu gastei dez vezes
mais tempo com Cálculo do que eu já
havia gastado com Matemática em toda a minha
vida. Como resultado, eu estava
conseguindo manter um alto 10. Eu sabia que o
Sr. Varner sentia que a minha melhora
provinha dos seus métodos superiores de
ensino. E se isso fazia ele se sentir feliz, eu
não ia estourar a bola dele.
Eu continuei entretida nisso até que o
estacionamento já estava lotado, e eu acabei tendo
que me apressar para a aula de Inglês. Nós
estávamos trabalhando com Animais de
fazenda,
um assunto muito fácil. Eu não me importava com o comunismo; e foi uma
mudança bem vinda de todos aqueles romances
exautivos que ficavam bem no
currículo. Eu sentei no meu lugar, feliz pela
distração do Sr. Berty em sua dissertação.
O tempo se movia facilmente quando eu estava
na escola. O sino sempre tocava cedo
demais. Eu comecei a arrumar minha bolsa.
"Bella?", eu reconhecí a voz de
Mike, e já sabia quais seriam as suas palavras antes que
ele as disesse.
"Você vai trabalhar amanhã?"
Eu olhei pra cima. Ele estava se inclinando
na fila de cadeiras com uma expressão
ansiosa. Toda sexta feira ele me fazia a
mesma pergunta. Não importava que eu nunca
tivesse tirado um dia de folga. Bem, com uma
excessão, há meses atrás. Mas ele não
tinha nenhum motivo pra olhar pra mim com
tanta preocupação. Eu era uma empregada
modelo.
"Amanhã é Sábado, não é?", eu
disse.
Tendo acabado de ser apontada por Charlie por
causa disso, eu me dei conta do quanto a
minha voz realmente parecia sem vida.
"É, é sim", ele concordou. "Te
vejo na aula de Espanhol". Ele acenou uma vez antes de
virar as costas. Ele não se incomodava mais
em me acompanhar ás aulas.
Eu agarrei o livro de Cálculo com uma
expressão severa. Essa era a aula em que eu me
sentava perto de Jéssica.
Já faziam semanas, talvez meses, desde que
Jéssica seguer me cumprimentou no
corredor. Eu sabia que havia a ofendido com o
meu comportamento antisocial, e ela
estava amuada. Não ia ser fácil falar com ela
agora - especialmente pedir pra ela me
fazer um favor.
Eu pesei minhas opções cuidadosamente
enquanto eu vadiava saindo da sala, me
demorando.
Eu não ia enfrentar Charlie de novo sem algum
tipo de relatório interativo da minha
vida social. Eu sabia que não podia mentir,
apesar do pensamento de ir e voltar de Port
Angeles dirigindo sozinha - só pra ter
certeza que o hodômetro refletia a minha
milhagem no caso de ele checar - era muito
tentador. A mãe de Jéssica era a maior
fofoqueira da cidade, e Charlie era capaz de
correr até a Sra. Stanley mais cedo ou mais
tarde. Mentir não era uma opção.
Com um suspiro, eu abrí a porta.
O Sr. Varner me deu um olhar negro - ele já
havia começado a aula. Eu corrí pro meu
lugar. Jéssica não olhou pra cima quando eu
sentei ao lado dela. Eu estava feliz por ter
cinquenta minutos pra me preparar
mentalmente.
Essa aula voou ainda mais rápido que Inglês.
Uma pequena parte dessa velocidade se
devia a minha ótima preparação essa manhã na
caminhonete - mas a maior parte se
devia ao fato de que o tempo sempre corria
mais rápido pra mim quando ia acontecer
alguma coisa ruim.
Eu fiz uma careta quando o Sr. Varner
dispensou a classe cinco minutos antes. Ele
sorriu como se estivesse sendo bonzinho.
"Jess?", meu nariz se torceu
enquanto eu bajulava, esperando que ela se virasse pra
mim.
Ela se virou na cadeira pra me encarar, me
olhando incrédulamente.
"Você está falando comigo, Bella?"
"É claro", eu abri meus olhos pra
sugerir inocência.
"O que? Você precisa de ajuda com
Cálculo?" O tom dela era um pouco ácido.
"Não", eu balancei minha cabeça.
"Na verdade, eu queria saber se você... poderia vir ao
cinema comigo hoje á noite? Eu preciso muito
de uma noite só pra garotas". As palavras
pareceram rígidas, como frases mal feitas,
ela pareceu suspeitar.
"Porque você está pedindo pra mim?" Ela perguntou, ainda não amigável.
"Você é a primeira pessoa em quem eu
penso quando eu quero um momento de
garotas". Eu sorrí. Eu esperava que o
sorriso parecesse genuíno. Isso provavelmente era
verdade. Pelo menos ela foi a primeira pessoa
em quem eu pensei quando quis evitar
Charlie. Isso era a mesma coisa.
Ela pareceu amolecer. "Bem, eu não
sei".
"Você tem planos?"
"Não... eu acho que posso ir com você. O
que você quer assistir?"
"Eu não tenho certeza do que está
passando", eu cerquei. Essa era a pegadinha. Eu
procurei no meu cérebro por uma idéia - eu
não tinha ouvido alguém falar de um filme
recentemente? Visto um cartaz? "Que tal
aquele da presidenta?"
Ela me olhou estranha. "Bella, esse já
saiu do cinema há um tempão"
"Oh", eu fiz uma carranca.
"Tem alguma coisa que você gostaria de ver?"
A tagarelice natural de Jéssica começou a
vazar a despeito de sí mesma enquanto ela
falava em voz alta.
"Bem, tem essa nova comédia romântica
que está recebendo ótimas críticas. Eu quero
ver esse. E o meu pai viu Dead End e gostou muito".
Eu fiquei sem fôlego pelo título promissor.
"Sobre o que esse fala?"
"Zumbís ou alguma coisa assim". Eu
prefería lidar com zumbís de verdade a ter que
assistir um romance.
"Ok", ela pareceu surpresa pela
minha resposta. Eu tentei me lembrar se gostava de
filmes de terror, mas eu não tinha certeza.
"Você quer que eu vá te pegar depois da
escola?", ela se ofereceu.
"Claro".
Jéssica sorriu pra mim tentadoramente
amigável antes de ir embora.
Meu sorriso de resposta foi um pouco
atrasado, mas eu acho que ela viu.
O resto do dia passou rapidamente, meus
pensamentos estavam focados nos planos pra
hoje á noite. Eu sabia por experiência que
assim que eu conseguisse fazer Jéssica
começar a falar, eu seria capaz de escapar
com umas respostas murmuradas nos
momentos apropriados. Somente a mínima reação
seria requerida.
A grossa neblina que tomava conta dos meus
dias agora me deixava confusa ás vezes.
Eu me surpreendí ao me ver em meu quarto, sem
me lembrar claramente da viagem pra
casa da escola ou de abrir a porta da frente.
Mas isso não importava. Perder a noção do
tempo era o máximo que eu podia pedir da
vida.
Eu não lutei contra a neblina quando me virei
pra o meu armário. O entorpecimento era
mais ecenssial em uns lugares do que em
outros. Eu mal registrava o que estava
procurando enquanto eu deslizei a porta para
o lado para revelar a pilha de lixo do outro
lado do meu armário, embaixo das roupas que
eu nunca usava.
Meus olhos não se aproximaram do saco de lixo
preto onde eu guardava os meus
presentes do último aniversário, não viram o
formato do som onde ele ficava ao lado da
sacola preta; eu não quis pensar na bagunça
que minhas unhas haviam ficado quando eu
terminei de arrancá-lo do painél do carro.
Eu arranquei a bolsa que eu raramente usava
do cabide onde ela ficava pendurada, e
fechei a porta.
Nessa hora eu ouví a buzina. Eu rapidamente
troquei a carteira da bolsa da escola para a
bolsa. Eu estava com pressa, como se a pressa
fosse de alguma forma fazer a noite
passar mais rápido.
Eu olhei pra mim mesma no espelho do corredor
antes de abrir a porta, arranjando meu
rosto cuidadosamente com um sorriso e
tentando segurar ele lá.
"Obrigada por vir comigo essa
noite", eu disse á Jees quando escorreguei no banco do
passageiro, tentando infundir meu tom de
gratidão. Já fazia algum tempo que eu não
pensava no que dizer a alguem que não fosse
Charlie. Jess era mais difícil. Eu não tinha
certeza de quais emoções fingir.
"Claro. Então, o que causou isso?",
Jess quis saber enquanto dirigia na minha rua.
"Causou o que?"
"O que de repente fez você decidir...
sair?" Parecia que ela tinha mudado a pergunta
bem no meio.
Eu levantei os ombros. "Eu só precisava
de uma mudança".
Eu reconhecí a música no rádio, e rápidamente
alcancei o botão pra mudá-la. "Você se
importa?", eu perguntei.
"Não, vá em frente".
Eu procurei pelas estações até encontrar uma
que não oferecia perigo. Eu dei uma
espiada na expressão de Jess enquanto a
música enchia o carro.
Os olhos dela se esbugalharam. "Desde
quando você escuta rap?"
"Eu não sei", eu disse. "Tem
um tempo".
"Você gosta disso?", ela perguntou
duvidosamente.
"Claro".
Ia ser muito mais difícil interagir com
Jéssica se eu tivesse que trabalhar com os tons
das músicas também. Eu balancei a cabeça,
esperando que estivesse de acordo com o
ritmo da música.
_________________________________4
"Ok...", ela olhou pelo parabrisa
com olhos esbugalhados.
"Então o que é que tá acontecendo entre
você e Mike esses dias?" eu perguntei
rapidamente.
"Você vê ele mais do que eu".
Essa pergunta não a fez começar a falar como
eu esperava.
"É difícil conversar no trabalho"
eu murmurei, e então tentei de novo. "Você tem saído
com alguém ultimamente?"
"Na verdade não. Eu saio com Conner de
vez em quando. Eu saí com Eric a duas
semanas atrás", ela revirou os olhos, e
eu pressentí uma longa história. Eu me agarrei á
oportunidade.
"Eric Yorkie?"
"Quem convidou quem?"
Ela gemeu, ficando mais animada. "Foi
ele, é claro! Eu não pensei numa maneira gentil
de dizer não".
"Onde ele te levou?" eu quis saber,
sabendo que ela ia interpretar a minha ansiosidade
como interesse. "Me conte tudo"
Ela se lançou na história, e eu me arrumei no
meu banco, mais confortável agora. Eu
prestei muita atenção, murmurando com
simpatia e ofegando de horror quando a
situação pedia. Quando ela acabou com a
história de Eric, ela continuou fazendo uma
comparação de com Conner sem nenhum pudor.
O filme havia começado mais cedo, então Jess
achou que sairíamos perto do crepúsculo
e podíamos comer depois.
Eu estava feliz de me juntar a qualquer coisa
que ela quisesse; afinal, eu estava
conseguindo tudo o que eu queria - tirar
Charlie da minha cola.
Eu mantive Jess falando nos trailers, assim
eu pude ignorar eles mais facilmente. Mas
eu fiquei nervosa quando o filme começou. Um
jovem casal estava andando na praia,
balançando as mãos e discutindo sua afeção
mutual numa falsidade boba. Eu resistí a
vontade de cobrir meus ouvidos e começar a
cantarolar. Eu não tinha pedido romance.
"Eu achei que tínhamos ecolhido o filme
de zumbí", eu assobiei pra Jéssica.
"Esse é o filme de zumbí".
"Então porque é que ninguém está sendo
comido?", eu perguntei desesperadamente.
Ela olhou pra mim com olhos arregalados que
eram quase alarmados.
"Eu tenho certeza de que essa parte vai
chegar", ela sussurrou.
"Eu vou comprar pi8poca. Você
quer?"
"Não, obrigada".
Alguém pediu silêncio atrás de nós.
Eu usei meu tempo esperando no balcão,
observando o relógio e debatendo qual a
porcentagem dos noventa minutos do filme
podia ser de partes românticas. Eu decidí
que dez minutos era mais que o suficiente,
mas eu parei bem na porta da entrada, só pra
ter certeza.
Eu podia ouvir gritos horrorizados ressoando
dos autofalantes, então eu soube que tinha
esperado tempo suficiente.
"Você perdeu tudo", Jess murmurou
quando eu escorreguei de volta no meu lugar.
"Quase todo mundo já é zumbí
agora".
"Fila grande". Eu oferecí a pipoca
pra ela. Ela pegou uma mão cheia
O resto do filme incluía horriveis ataques
zumbís, e gritos ianacabaveis das pessoa que
eram deixadas vivas, o número delas diminuia
rapidamente. Eu teria pensado que não
havia nada pra me incomodar. Mas eu me sentí
incomodada, e a princípio não sabia
porque.
Não foi até quase o final, enquanto eu
observava o zumbí camabaleando atrás do último
sobrevivente, que eu me dei conta de qual era
o problema. A cena ficava sendo cortada
entre o rosto horrorizado da heroína, e o do
rosto morto, sem expressão do perseguidor
dela, e pra frente e pra trás enquanto a
distância diminuia.
E aí eu me dei conta de qual dos dois me
assemelhava mais.
Eu fiquei de pé.
"Onde você tá indo? Ainda faltam, tipo,
dois minutos", Jess assobiou.
"Eu preciso de uma bebida", eu
murmurei enquanto corria para a saída.
Eu me sentei no banco no lado de fora do
cinema e tentei muito não pensar na ironia.
Mas era irônico, considerando tudo, que, no
final, eu tinha me tornado um zumbí. Eu
não tinha pensado nisso.
Não que eu já não tenha sonhado em me tornar
uma criatura mística - só nunca uma
grotesca, um cadáver animado. Eu balancei
minha cabeça pra tirar minha cabeça
daquela trilha de pensamento, me sentindo um
pouco em pânico. Eu não podia me dar
ao luxo de pensar no que eu havia sonhado um
dia.
Era deprimente pensar que eu não era mais a
heroína, que minha história havia acabado.
Jéssica saiu pela porta do cinema e hesitou,
provavelmente se perguntando onde seria o
melhor lugar pra procurar por mim. Quando ela
me viu, ela pareceu aliviada, mas só por
um momento. Depois ela pareceu irritada.
"O filme era assustador demais pra
você?" Ela se perguntou.
"É", eu concordei. "Eu acho
que sou só uma covarde".
"Isso é engraçado", ela fez uma
carranca. "Eu não pensei que você estivesse
assustada -
eu estava gritando o tempo inteiro, mas não
ouví você gritar nenhuma vez. Então eu não
sei porque você saiu".
Eu levantei os ombros. "Só medo".
Ela relaxou um pouco. "Eu acho que esse
foi o filme mais assustador que eu já assistí.
Eu aposto que nós teremos pesadelos hoje á
noite".
"Sem dúvidas quanto a isso" eu
disse, tentando manter minha voz normal. Era
inevitável que eu tivesse pesadelos, mas eles
não seriam sobre zumbís. Os olhos dela
olharam pro meu rosto e se desviaram. Talvez
eu não tivesse tido sucesso com a minha
voz normal.
"Onde você quer comer?", Jess
perguntou.
"Eu não ligo".
"Ok".
Jess começou a falar sobre o ator principal
do filme enquanto andávamos. Eu acenava
com a cabeça enquanto ela tagarelava sobre a
gostosura dele, incapaz de me lembrar de
algum homem que não fosse zumbí.
Eu não ví pra onde Jéssica estava me levando.
Eu apenas estava vagamente consciente
de que estava mais escuro e mais quieto
agora. Eu demorei mais do que devia pra
perceber porque estava quieto. Jéssica tinha
parado de tagarelar. Eu olhei pra ela
lamentosamente, esperando não ter magoado
seus sentimentos. Jéssica não estava
olhando pra mim. O rosto dela estava tenso;
ela olhava diretamente pra frente e andava
mais rápido. Enquanto eu observava, os olhos
dela se dirigiram rapidamente pra direita,
através da rua, e voltaram de novo.
Eu mesma olhei ao redor pela primeira vez.
Nós estávamos numa curta extensão da calçada
sem iluminação. As pequenas lojas
alinhadas na rua estavam todas fechadas para
a noite, as janelas estavam negras. Meio
quarteirão á frente, as luzes da rua
começavam de novo, e eu podia ver, mais á frente, os
brilhantes arcos dourados do McDonald's pra
onde ela estava seguindo.
Do outro lado da rua havia um lugar aberto.
As janelas estavam cobertas pelo lado de
dentro e haviam letreiros de néon,
propagandas para diferentes tipos de cerveja,
brilhando na frente deles. O maior letreiro,
num verde brilhante, era o nome do bar -
Pete de Um Olho. Eu me perguntei se havia
alguma espécie de tema pirata que não era
visível pelo lado de fora. As portas de metal
estavam abertas; estava fracamente
iluminado lá dentro, e o baixo murmúrio de
muitas vozes e o som de gelo batendo em
copos de vidro flutuava através da rua. Se
inclinando na parede do lado da porta haviam
quatro homens.
Eu olhei de volta pra Jéssica. Os olhos dela
estavam fixos no caminho em frente e ela se
movia bruscamente. Ela não parecia assustada
- só cautelosa, tentando não atrair a
atenção pra sí mesma.
Eu parei sem pensar, olhando de volta pra os
quatro homens com um forte senso de déjá
vu. Essa era uma rua diferente, uma noite
diferente, mas a cena era muito parecida. Um
deles era até baixinho e meio escuro.
Enquanto eu parava e me virava na direção deles,
esse ai olhou pra mim interessado.
"Bella?" Jess sussurrou.
"O que é que você tá fazendo?"
Eu balancei a cabeça, sem ter certeza.
"Eu acho que eu conheço eles...", eu murmurei.
O que era que eu estava fazendo? Eu devia
estar correndo dessa memória o mais rápido
que podia, bloqueando a imagens daqueles
quatro homens na minha mente, me
protegendo com a entorpecência sem a qual eu
não podia mais viver. Porque eu estava
pisando, confusa, na rua?
Me pareceu conhecidência demais que eu
estivesse em Port Angeles com Jéssica, e até
mesmo numa rua escura. Meus olhos estavam
focados no baixinho, tentando juntar as
imagens com as minhas memórias do homem que
havia me ameaçado naquela noite a
quase um ano atrás. Eu imaginei se havia
algum jeito de reconhecer aquele homem, se
aquele era realmente ele. Aquela parte em
particular daquela noite em particular era só
um borrão. Meu corpo se lembrava daquilo
melhor que minha mente; a tensão nas
minhas pernas enquanto eu decidia se era
melhor correr ou ficar no lugar, a minha
garganta seca enquanto eu tentava construir
um grito decente, a pele repuxada dos meus
dedos quando eu fechei minhas mãos nos
pulsos, os arrepios no péscoço quando o
homem de cabelo escuro me chamou de
"docinho"...
Havia um tipo de ameaça indefinito,
insinuante nesses homens que não tinha nada a ver
com aquela noite. Ela crescia pelo fato deles
serem estranhos, e estava escuro aqui, e
eles estavam num número maior que nós - nada
mais específico que isso.
Mas isso foi o suficiente para a voz de
Jéssica demonstrar pânico quando ela me
chamou.
"Bella, vamos logo!"
Eu ignorei ela, andando vagarosamente em
frente sem nem sequer tomar uma decisão
consciente de mexer meus pés. Eu não entendia
porque, mas a ameaça nebulosa que
aqueles homens representavam me arrastava pra
eles. Era um impulso sem sentido, mas
eu não havia sentido nenhum tipo de impulso por tanto tempo... que eu
resolvi segui-lo.
Alguma coisa familiar pulsou nas minhas
veias.
Adranalina, eu me dei conta, que há muito
estava ausente do meu sistema, fazendo o
meu pulso bater mais rápido, e lutando contra
a falta de sensações. Isso era estranho -
porque a adrenalina quando não havia nenhum
medo por perto? Era quase como um eco
da última vez que eu estive assim, numa rua
escura em Port Angeles com estranhos.
Eu não via motivos pra ter medo. Eu não podia
imaginar mais nada no mundo de que eu
pudesse ter medo, nada físico, pelo menos.
Uma das poucas vantagens de perder tudo.
Eu já estava no meio da rua quando Jess me
alcançou e agarrou meu braço.
"Bella, você pode entrar num bar!",
ela assobiou.
"Eu não vou entrar", eu disse
ausentemente, tirando a mão dela de mim. "Eu só quero
ver uma coisa..."
"Você está louca?" ela sussurrou.
"Você é uma suicida?"
Essa pergunta me chamou a atenção, e meus
olhos se focaram nela.
"Não, eu não sou", minha voz
pareceu defensiva, mas tudo era verdade. Eu não era uma
suicida. Nem no começo, quando
inquestionavelmente a morte seria um alívio, eu
considerei isso. Eu devia muito á Charlie. Eu
me sentia responsável por Renée. Eu tinha
que pensar neles.
E eu havia feito uma promessa de não fazer
nada estúpido ou sem pensar. Por todas
essas razões, eu ainda estava respirando.
Me lembrando dessa promessa, eu sentí uma
pontada de culpa.
Mas isso que eu estava fazendo agora não
contava de verdade. Não era como se eu
estivesse passando uma navalha nos pulsos.
Os olhos de Jess olharam em volta, a boca
dela ficou escancarada. A pergunta dela
sobre suicídio era retórica, eu percebi tarde
demais.
"Vá comer", eu a encorajei,
acenando na direção do fast food. Eu não gostei do jeito que
ela olhou pra mim. "Eu vou atrás em um
minuto".
Eu me virei de costas pra ela, de volta pra
os homens que estavam olhando pra nós com
olhos divertidos, curiosos.
"Bella, pare com isso agora!"
Meus musculos se travaram, me congelando onde
eu estava. Porque não era a voz de
Jéssica que me repreendia agora.
Era uma voz furiosa, uma voz familiar, uma
voz linda - macia como veludo mesmos
estando irritada.
Era a voz dele
- eu era exepcionalmente cuidadosa pra não
pensar no nome dele - e eu
estava surpresa de ver que o som dela não fez
meus joelhos fraquejarem, me derrubando
no pavimento com a tortura da perda.
Mas não havia dor, nenhum pouco.
No instante que eu ouví a voz dele, tudo
ficou muito claro. Como se minha cabeça
tivesse emergido de alguma piscina escura. Eu
estava mais consciente de tudo - a visão,
os sons, a sensação do vento frio que eu não
havia percebido que estava soprando no
meu rosto, os cheiros vindos da porta aberta
do bar.
Eu olhei ao redor chocada.
"Volte pra Jéssica", a amável voz
ordenou, ainda com raiva. "Você prometeu- nada
estúpido".
Eu estava sozinha. Jéssica estava á alguns
metros de distância de mim me olhando com
olhos assustados. Contra a parede, os
estranhos observavam, confusos, imaginando o
que eu estava fazendo, ficando em pé sem me
mexer no meio da rua.
Eu balancei minha cabeça, tentando entender.
Eu sabia que ele não estava lá, e mesmo
assim, eu o sentia improvavelmente perto,
perto pela primeira vez desde... desde o fim.
A raiva na voz dele era de preocupação, a
mesma raiva que uma vez já me foi muito
famíliar - uma coisa que eu já não ouvia pelo
que pareceu ser uma vida inteira.
"Mantenha sua promessa". A voz
estava desaparecendo, como se eu estivesse baixando
o volume de um rádio.
Eu comecei a suspeitar que estava tendo algum
tipo de alucinação. desencadeada, sem
dúvida, pela memória - o deja vu, a estranha
familiaridade da situação.
Eu corrí as possibilidades rapidamente na
minha cabeça.
Opção um: eu estava louca. Esse era um termo
apropriado pra pessoas que costumam
ouvir vozes em sua cabeças.
Possível.
Opção dois: minha mente subconsciente estava
me dando o que ela achava que queria.
Esse era o desejo de cumprimento - um alívio
momentâneo da dor que abraçava a idéia
incorreta de que ele se importava se eu estava viva ou morta.
Eu estava projetando o que ele diria se A)
ele estivesse aqui, e B) se ele estivesse de
alguma forma se incomodando com o que pudesse
acontecer comigo.
Provável.
Eu não podia ver uma terceira opção, então eu
esperava que fosse a segunda opção e
que isso fosse só o meu subconsciente ficando
furioso, do que alguam coisa que
acabasse me levando pro hospital.
A minha reação não foi muito sã, contudo - eu
fiquei agradecida. O
som da voz dele era
uma coisa que eu temia estar perdendo, então,
mais do que qualquer coisa, eu senti uma
gratidão dominante porque o meu subconsciente
havia guardado esse som melhor do
que a minha mente consciente.
Eu não tinha permissão pra pensar nele. Isso
era uma coisa com a qual eu tentava ser
bem restrita. É claro que as vezes eu
escorregava; eu sou só humana. Mas eu estava
melhorando, e então agora a dor era uma coisa
da qual eu podia me afastar por dias.
O custo era uma entorpecência que não acabava
nunca. Entre a dor e o nada, eu escolhi
o nada.
Eu esperei pela dor agora. Eu não estava
entorpecida - meus sentidos estavam
estranhamente intensos depois de tanto tempo
na neblina - mas a dor normal não
apareceu. A única dor foi o desapontamento
porque a voz estava desaparecendo.
Havia uma segunda escolha.
A coisa inteligente a fazer seria correr
desses pensamentos potencialmente - e
certamente mentalmente instáveis -
destrutivos. Seria burrice encorajar essas
alucinações.
Mas a voz estava desaparecendo.
Eu dei outro passo em frente, testando.
"Bella, vire-se", ele rosnou.
Eu suspirei aliviada. A raiva era o que eu
queria ouvir - uma evidência falsa, fabricada,
de que ele se importava, um presente duvidoso
do meu subconsciente.
Muitos poucos segundos se passaram enquanto
eu resolvia tudo isso. Minha pequena
platéia assistia, curiosa. Talvez parecesse
que eu estava me decidindo se eu ia ou não
me aproximar deles. Como é que eles podiam
adivinhar que eu estava em pá
aproveitando um inesperado momento de
insanidade?
"Oi", um dos homens chamou, seu tom
era confiante e um pouco sarcástico. Ele era
gordinho e cabeludo, e tinha uma postura que
quem se achava realmente muito bonito.
Eu não podia dizer se ele era ou não. Eu
estava lesada.
A voz na minha cabeça respondeu com um
rosnado notável. Eu sorrí, e o homem
confiante achou que eu o estava encorajando.
"Eu posso te ajudar com alguma coisa?
Você parece perdida". Ele sorriu e piscou.
Eu pisei cuidadosamente na sarjeta, a água
corrente era preta na escuridão.
"Não. Eu não estou perdida".
Agora que eu estava mais próxima - e meus
olhos se focaram estranhamente - eu
analisei o homem baixinho, escuro. Ele não
era familiar de jeito nenhum. Eu sofrí uma
curiosa sensação de decepção porque aquele
não era o terrível homem que tentou me
machucar quase um ano atrás.
A voz na minha cabeça estava quieta agora.
O homem baixinho reparou no meu olhar.
"Eu posso te comprar uma bebida?", ele
ofereceu, nervoso, parecendo lisonjeado por
eu ter escolhido olhar pra ele.
"Eu sou jovem demais", eu respondí
automaticamente.
Ele estava confuso - imaginando porque eu
tinha me aproximado deles.
Eu me sentí compelída a explicar.
"Do outro lado da rua, você me pareceu
alguém que eu conhecia. Desculpe, erro meu".
A ameaça que havia me empurrado pela rua
havia evaporado. Esses não eram os
homens perigosos dos quais eu me lembrava.
Eles provavelmente eram caras legais.
Salva. Eu perdí o interesse.
"Tudo bem", o loiro confiante
disse. "Fique e se divirta conosco".
"Obrigada, mas eu não posso"
Jéssica estava hesitando no meio da rua, seus olhos
estavam arregalados de ultraje e traição.
"Oh, só alguns minutos".
Eu balancei minha cabeça, e me virei pra me
juntar á Jéssica.
"Vamos comer", eu sugerí, mal
olhando pra ela.
Apesar de eu parecer estar, no momento, livre
da abstração zumbí, eu ainda estava
distante. Minha mente estava preocupada. A
entorpecência segura, morta, não voltou, e
eu fui ficando mais ansiosa a cada minuto que
se passava sem que ela voltasse.
"O que era que você estava
pensando?" Jéssica disparou. "Você não conhecia eles - eles
podiam ser psicopátas!"
Eu levantei os ombros, esperando que ela
deixasse pra lá. "Eu só pensei que conhecia
um dos caras".
"Você é tão estranha, Bella Swan. Eu
sinto como se não soubesse quem você é".
"Desculpa", eu não pensei em mais
nada pra dizer.
Nós caminhamos para o McDonald's em silêncio.
Eu aposto que ela estava pensando
que seria melhor termos vindo de carro do que
andando na pequena distância do o
cinema, assim ela poderia ter usado o
drive-thru. Agora ela estava tão ansiosa pra essa
noite acabar quanto eu tinha estado desde o
início.
Eu tentei começar uma conversa algumas vezes
enquanto comíamos, mas Jéssica não
estava cooperando. Eu realmente devo ter
ofendido ela.
Quando nós voltamos para o carro, ela colocou
o rádio na estação favorita dela de novo
e aumentou o volume demais pra ser possível
conversar.
Eu não tive que lutar como sempre pra ignorar
a música. Mesmo a minha mente não
estando, pela primeira vez, cuidadosamente
entorpecida e vazia, eu tinha coisas demais
pra pensar pra ouvir as letras.
Eu esperei a entorpecência voltar, ou a dor.
Porque a dor devia estar vindo. Eu quebrei
minhas próprias regras. Ao invés de me
esconder das memórias, eu andei em frente e as
cumprimentei. Eu tinha ouvido a voz dele, tão
claramente, na minha cabeça. Isso ia me
custar caro, eu tinha certeza. Especialmente
se eu não podia convocar a neblina pra me
proteger. Eu me sentí muito alerta, e isso me
assustou.
Mas o alívio ainda era a sensação mais forte
no meu corpo - alívio que aquilo tenha
vindo do íntimo do meu ser.
Mesmo eu lutando pra não pensar nele, eu não
lutava pra esquecê-lo.
Eu tive medo que -
tarde da noite, quando a exautão pela falta
de sono quebrasse minhas defesas - que eu
acabasse me
dando por vencida. Eu tive medo que minha mente fosse como uma
peneira, e que algum dia eu não lembrasse
mais a cor exata dos seus olhos, a sensação
do toque da pele fria dele, ou da textura da
voz dele.
Eu podia não
pensar nisso, mas eu precisava me lembrar disso.
Porque só havia uma coisa na qual eu
precisava acreditar pra ser capaz de viver - eu
precisava saber que ele existia. Isso era
tudo.
Tudo mais podia ser suportado. Contanto que
ele existisse.
Era por isso que eu estava mais amarrada á
Forks do que nunca, por isso eu lutei com
Charlie quando ele sugeriu uma mudança.
Honestamente, isso não devia importar;
nenhum deles ia voltar pra cá.
Mas se eu fosse pra Jacksonville, ou qualquer
outro lugar claro e familiar, como é que
eu podia ter certeza de que ele era real? Num
lugar onde eu jamais poderia imaginá-lo, a
convicção ia acabar desaparecendo... e isso
eu não poderia suportar.
Proibida de pensar, morrendo de medo de
esquecer; era uma linha difícil de seguir.
Eu fiquei surpresa quando Jéssica parou o
carro na frente da minha casa. A viagem não
foi longa, mas, mesmo curta do jeito que
pareceu, eu não pensei que Jéssica pudesse
ficar tanto tempo sem falar nada.
"Obrigada por ter saído comigo,
Jess", eu disse enquanto abria a porta. "Foi...
divertido". Eu esperava que divertido fosse uma palavra
apropriada.
"Claro", ela murmurou.
"Eu lamento por... depois do
filme".
"Tanto faz, Bella" Ela olhou pelo
parabrisa ao invés de olhar pra mim. Ela parecia mais
estar ficando com raiva do que esquecendo.
"Te vejo Segunda?"
"É. Tchau".
Eu desistí e fechei a porta. Ela foi embora,
ainda sem falar comigo.
Eu esquecí ela assim que cheguei em casa.
Charlie estava esperando por mim no meio do
corredor, os braços cruzados com força
no peito com as mãos apertadas nos punhos.
"Oi, pai", eu disse ausentemente me
desviando de Charlie, pra chegar nas escadas. Eu
estive pensando nele por tempo demais e eu queria estar lá em cima
antes que a ficha
caísse.
"Onde você esteve?" Charlie quis
saber.
Eu olhei pro meu pai, surpresa. "Eu fui
no cinema em Port Angeles com Jéssica. Como
eu te disse essa manhã".
"Humph", ele grunhiu.
"Está tudo bem?"
Ele estudou meu rosto, os olhos se
arregalados como se ele tivesse visto alguma coisa
inesperada. "É, tá tudo bem. Você se
divertiu?"
"Claro", eu disse. "Nós
assistimos um filme de zumbís que comiam pessoas. Foi ótimo".
Seus olhos se estreitaram.
"Boa noite, pai"
Ele me deixou passar. Eu corrí pro meu
quarto.
Eu me deitei na minha cama alguns minutos
depois, resignada como se a dor finalmente
tivesse aparecido.
Era uma coisa assustadora, essa sensação de
que um buraco havia sido construído no
meu peito, fazendo meus órgãos vitais pararem
de funcionar e deixando- os em trapos,
com cortes não curados nas beiradas que
continuavam doendo e sangrando mesmo com
a passagem do tempo. Racionalmente, eu sabia
que meus pulmões deviam estar
intactos, mas mesmo assim eu lutava por ar e
minha cabeça rodava como se os meus
esforços não me levassem a nada. Meu coração
devia estar batendo também, mas eu não
conseguia ouvir o barulho da pulsação nos
meus ouvidos; minhas mãos pareciam azuis
de frio. Eu me curvei, abraçando minhas
costelas pra me manter junta. Eu procurei pela
minha torpência, minha negação, mas elas
tinham me abandonado.
E mesmo assim, eu achava que podia
sobreviver. Eu estava alerta, eu sentia a dor - a dor
da perda que irradiava do meu peito, mandando
ondas de dor pelos meus órgãos e
minha cabeça - mas era suportável.
Eu podia sobreviver. Eu não sentí que a dor
tinha diminuído com o tempo, mas eu tinha
ficado forte o suficiente pra suportá-la.
O que quer que tenha acontecido essa noite -
fossem os zumbís, a adrenalina, ou as
alunações os responsáveis - isso me acordou.
Pela primeira vez em muito tempo, eu não
sabia o que esperar pela manhã.
5. Traidor
"Bella, porque você não tira uma
folga", Mike sugeriu, seus olhos focados pra o lado,
sem olhar pra mim de verdade. Eu me perguntei
a quanto tempo isso estava
acontecendo sem que eu me desse conta.
O movimento estava lento na Newton's. No
momento só haviam dois clientes na loja,
pelo tom da conversa eles eram mochileiros
dedicados. Mike passou a última hora
falando sobre os prós e os contras das
mochilas mais leves com eles. Eles haviam tirado
uma folga da sua séria conversa sobre preços
pra tentar trocarem conversas sobre os
últimos contos das trilhas. A distração deles
deu a Mike uma chance de escapar.
"Eu não me importo de ficar", eu
disse. Eu ainda não tinha conseguido voltar pra a
minha concha protetora de entorpecência, e
tudo parecia estranhamente perto e alto
hoje, como se eu tivesse tirado algodão dos
meus ouvidos. Eu tentei desligar a risada
alta dos mochileiros sem sucesso.
"Eu estou te dizendo", disse o
homem atarracado com a barba alaranjada que não
combinava com o seu cabelo marrom. "Eu
já ví ursos pardos bem de perto em
Yellowstone, e eles não tinham nada a ver com
essa criatura". O cabelo dele estava
emaranhado, e as roupas dele pareciam estar
sendo usadas há alguns dias. Fresca como
as montanhas.
"Sem chance. Ursos pretos não ficam tão
grandes. Os pardos que você viu devem ter
sido filhotes". O segundo homem era alto
e esguio, o rosto dele era bronzeado e ele
tinha um impressionante chicote de couro.
"Sério, Bella, assim que esses dois
desistirem, eu vou fechar o lugar", Mike murmurou.
"Se você quer que eu vá...", eu
levantei os ombros.
"Um dos quatro era maior que você",
o barbudo insistiu enquanto eu juntava as minhas
coisas. "Grande como uma casa e preto
como piche. Eu vou denunciar ao guarda
florestal daqui. As pessoas têm que ser
informadas- isso não era no alto da montanha,
sabe - isso foi apenas há alguns metros de
onde a trilha começava".
O outro cara riu e revirou os olhos.
"Me deixe adivinhar - você estava
entrando? Não comeu comida que preste e dormiu no
chão por mais de uma semana, certo?"
"Ei, uh, Mike, certo?", o barbudo
chamou, olhando na nossa direção.
"Te vejo segunda", eu murmurei.
"Sim, senhor", Mike respondeu, se
virando.
"Diga, houveram avisos recentes por aqui
- sobre ursos negros?"
"Não, senhor. Mas é sempre melhor manter
a distância e guardar a sua comida
apropriadamente. Você já viu as novas latas á
prova de ursos? Elas só pesam dois
quilos..."
As portas se abriram pra me deixar sair na
chuva. Eu estava espremida por dentro do
meu casaco enquanto corria pra o meu carro.
A chuva batendo no meu capuz parecia
estranhamente alta também, mas o som do
ronco do motor era mais alto que qualquer
coisa.
Eu não queria voltar para a casa vazia de
Charlie. A noite passada havia sido
particularmente brutal, e eu não tinha
nenhuma intenção de revistar a cena do
sofrimento. Mesmo quando a dor diminuiu o
suficiente pra me deixar dormir, ela não
foi embora. Como eu disse a Jéssica depois do
filme, eu não tinha dúvidas de que teria
pesadelos.
Eu sempre tinha pesadelos agora, toda noite.
Não pesadelos, na verdade, não no plural,
porque era sempre o mesmo pesadelo.
Você acharia que eu tinha ficado entediado
depois de todos esses meses, que havia
ficado imune a isso. Mas meus sonhos nunca
falhavam em me deixar assustada, e eles
só acabavam quando eu me acordava gritando.
Charlie já não vinha mais pra ver o que
havia de errado, pra ter certeza de que não
havia nenhum estranho me estrangulando ou
algo assim - agora ele já estava acostumado.
Meu pesadelo provavelmente nem assustaria
outra pessoa. Nada pulava e gritava
"Boo!". Não haviam zumbís, ou
fantasmas, ou psicopatas. Não havia nada, na verdade.
Só o nada. Só o labirinto sem fim de árvores
cobertas de musgos, tão quietas que o
silêncio batia quase insuportavelmente nos
meus ouvidos. Estava escuro, como neblina
ou um dia nublado, com luz suficiente apenas
pra que eu visse que não havia mais nada
lá pra ver.
Eu me apressava na escuridão sem um caminho,
sempre procurando, procurando,
procurando, ficando mais frenética enquanto o
tempo passava, tentando me mover mais
rápido, apesar da velocidade me deixar mais
desajeitada... Então chegava aquele ponto
no sonho - e eu podia sentí-lo chegando
agora, mas eu não parecia ser capaz de me
acordar antes dele chegar - quando eu não
conseguia me lembrar o que eu estava
procurando.
Então eu me dava conta de que não havia nada pra procurar, e nada pra encontrar. Eu
me dava conta de que nunca houve nada além
dessa floresta vazia, melancólica, e nunca
houve nada além disso pra mim... nada além de
nada...
Essa era geralmente a hora que eu me acordava
gritando.
Eu não estava prestando atenção de pra onde
estava dirigindo - só vagando pelas
estradas vazias, molhadas enquanto evitava o
caminho que me levaria pra casa - porque
eu não tinha mais pra onde ir.
Eu desejei poder estar entorpecida de novo,
mas eu não conseguia me lembrar de como
fazia isso antes.
O pesadelo estava cavalgando na minha cabeça e
me fazendo pensar nas coisas que me
causavam dor. Eu não queria me lembrar da
floresta. Mesmo quando eu me afastava das
imagens, eu sentia meus olhos se enchendo de
lágrimas, e a dor começava a passar perto
do buraco no meu peito. Eu tirei uma mão do
volante e usei-a pra agarrar meu tórax e
segurá-lo em um só pedaço.
Será como se eu nunca tivesse existido. As palavras corriam pela minha cabeça, mas
faltava nelas a perfeita claridade das
alucinações que eu tive ontem á noite. Eles eram só
palavras, sem som, como uma imagem numa
página. Só palavras, mas elas abriram o
buraco no meu peito, e eu pisei bruscamente
no freio, sabendo que não devia dirigir
estando incapacitada desse jeito.
Eu me curvei, pressionando meu rosto no
volante e tentando respirar sem os pulmões.
Eu me perguntei quanto tempo isso podia
durar. Talvez algum dia, anos mais tarde - se
a dor diminuisse de forma que eu pudesse
aguentar - eu poderia olhar de volta para
aqueles meses que foram os melhores da minha
vida. E, se fosse possível que a dor
diminuísse aponto de me permitir fazer isso,
eu tinha certeza que me sentiria agradecida
pelo tempo que ele me deu. Mais do que eu
pedí, mais do que eu merecia. Talvez algum
dia eu fosse capaz de ver as coisas desse
jeito.
Mas e se o buraco nunca ficasse melhor? E se
as beiras em carne viva nunca sarassem?
E se o dano fosse permanente e irreversível?
Eu me segurei com força. Como se ele nunca tivesse existido, eu pensei desesperada.
Que promessa estúpida e impossível pra se
fazer! Ele podia roubar minhas fotos e pegar
seus presentes de volta, mas isso não fazia
as coisas voltarem a ser como eram antes de
eu conhecê-lo. A evidência física era a parte
mais insigificante de equação. Eu estava
mudada, por dentro eu estava mudada ao ponto
de ser difícil me reconhecer.
Mesmo por fora eu parecia diferente - meu
rosto pálido, exceto com os círculos que os
pesadelos haviam deixado embaixo dos meus
olhos. Meus olhos estavam escuros o
sufíciente na minha pele pálida que - se eu
fosse linda, vista á distância - eu podia me
passar por uma vampira agora. Mas eu não era
linda, e provavelmente estava mais
próxima de um zumbí.
Como se ele nunca tivesse existido? Isso era
loucura. Era uma promessa que ele nunca
poderia manter, uma promessa que já estava
quebrada quando ele a fez.
Eu batí minha cabeça no volante, tentando me
distrair da dor mais aguda.
Isso fez eu me sentir boba por estar lutando
pra manter a minha promessa.
Havia lógica
em tentar manter uma acordo que já havia sido
quebrado por um dos lados? Quem se
importava se eu fosse estúpida e pouco
cuidadosa? Não haviam motivos pra evitar a
falta de cuidado, não haviam motivos pra eu
não ser estúpida.
Eu rí sem humor pra mim mesma, ainda
sufocando por ar.
Sem cuidado em Forks - não havia uma proposta
mais sem esperança.
O humor negro me distraiu, e a distração
aliviou a dor. Minha respiração ficou mais
fácil, e eu fui capaz de me inclinar no
banco.
Apesar de estar frio hoje, minha testa estava
molhada de suor.
Eu me concentrei na proposta sem esperança
pra evitar escorregar de volta para as
memórias dolorosas. Não não ser cuidadosa em
Forks você precisaria ter muita
criatividade - talvez mais do que eu tinha.
Mas eu desejei poder encontrar algum jeito...
Eu podia me sentir melhor se não estivesse
segurando apertado, completamente sozinha,
um pacto quebrado. Se eu fosse uma quebradora
de pactos também. Mas como eu ia
trair o meu lado do acordo, aqui nessa cidade
tranquila? É claro, Forks não foi sempre
assim tão tranquila, mas agora era exatamente
o que ela aparentava ser. Era chata, era
_________________________________5
segura.
Eu olhei pra fora pelo parabrisa por um longo
momento, meus pensamentos se movendo
lentamente - eu não parecia ser capaz de
fazer esse pensamentos irem pra lugar nenhum.
Eu desliguei o motor, que estava roncando de
um jeito piedoso depois de ficar parado
por tanto tempo, e saí nos chuviscos.
A chuva fria pingava nos meus cabelos e então
fazia cócegas pelas minhas bochechas
como lágrimas de água fresca. Isso ajudou a
limpar minha cabeça. Eu pisquei pra tirar a
água dos meus olhos, olhando pra o nada na
estrada.
Depois de alguns minutos olhando, eu
reconhecí onde eu estava. Eu estacionei no meio
da Avenida Russel ao norte. Eu estava de pé
na frente da casa dos Cheney - minha
caminhonete estava bloqueando a entrada para
a garagem deles - e do outro lado da rua
moravam os Markeses. Eu sabia que precisava
tirar a minha caminhonete, e que eu
precisava voltar pra casa. Era errado ficar
perambulando do jeito que eu estava,
distraída e prejudicada, uma ameaça nas
avenidas de Forks. Além do mais, alguém ia
reparar em mim em breve, e me denunciar pra
Charlie.
Enquanto eu respirava fundo me preparando pra
me mover, uma placa no quintal dos
Markeses chamou minha atenção - era só um
pedaço grande de cartolina encostado na
caixa de correio deles, com letras pretas
rabiscadas.
As vezes, o inesperado acontece.
Conhecidência? Ou será que era pra ser? Eu
não sabia, mas parecia meio bobo pensar
que de alguma forma isso estava escrito, que
a placa Á VENDA, COMO SÃO escrito á
mão para as delapidades motocicletas no
quintal dos Markeses estava lá por algum
propósito maior, bem alí onde eu precisava
que elas estivessem.
Então talvez isso não fosse o inesperado.
Talvez houvessem outras maneiras de não ser
cuidadosa, e eu apenas não tivesse aberto os
olhos pra elas.
Despreocupada e estúpida. Aquelas eram as
palavras favoritas de Charlie ao se referir á
motocicletas.
O trabalho de Charlie não oferecia muita ação
considerado aos tiras de cidades maiores,
mas ele era chamado em acidentes de trânsito.
Com as longas e molhadas extensões da pista
virando e contornando ao redor da
floresta, ponto cego depois de ponto cego,
não haviam poucos tipos de ação como essa.
Mas mesmo com os enormes barrís colocados nas
curvas, a maioria das pessoas saia da
pista.
As excessões pra essa regra eram geralmente
os motociclistas, e Charlie havia visto
muitas vítimas, quase sempre crianças,
jogadas na pista.
Ele me fez prometer antes que eu tivesse dez
anos que eu nunca aceitaria uma carona
numa moto.
Mesmo com essa idade, eu não precisei pensar
duas vezes antes de prometer. Quem ia
querer andar de moto aqui? Seria como uma banho a sessenta quilômetros
por hora.
Tantas promessas que eu cumpri...
Tudo se juntou pra mim nessa hora. Eu queria
ser estúpida e irresponsável, e eu queria
quebrar promessas. Porque fazer um só?
Foi só até aí que eu pensei. Eu caminhei na
rua até a porta da frente dos Markeses e
toquei a campainha.
Um dos garotos Marks veio abrir a porta, o
mais novo, o novato. Eu não conseguia
lembrar o nome dele.
O cabelo cor de areia dele só alcançava o meu
ombro.
Ele não teve problemas pra lembrar meu nome:
"Bella Swan?", ele perguntou surpreso.
"Quanto você quer pela moto?" eu
perguntei, apontando a palca de venda com o meu
polegar por cima do ombro.
"Você tá falando sério?", ele quis
saber.
"É claro que estou".
"Elas não funcionam".
Eu suspirei impacientemente- isso eu já tinha
deduzido pela placa.
"Quanto?"
"Se você realmente quer uma, pode pegar.
Minha mãe fez o meu pai colocá-las lá pra
que elas fossem recolhidas com o lixo".
Eu olhei para as motos de novo e ví que elas
estavam numa pilha de sacos no quintal
junto com uma pilha de galhos. "Você tem
certeza disso?"
"Claro, você quer perguntar pra
ela?"
Provavelmente fosse melhor não envolver
adultos que podiam acabar comentando isso
com Charlie.
"Não, eu acredito em você".
"Você quer que eu te ajude?", ele
se ofereceu. "Elas não são leves".
"Tudo bem, obrigada. Mas eu só preciso
de uma".
"Pode levar as duas", o garoto
disse. "Talvez você consiga reutilizar algumas partes".
Ele me seguiu no aguaceiro e me ajudou a
carregar as duas motos pesadas e colocá-las
na traseira da minha caminhonete.
Ele parecia estar ansioso pra se livra delas,
então eu não discutí.
"O que você vai fazer com elas,
afinal?" ele perguntou. "Elas não funcionam a anos".
"Eu meio que adivinhei isso", eu
disse, levantando os ombros. O meu momento de
inspiração não tinha vindo com um plano
intacto. "Talvez eu as leve ao Dowling's".
Ele bufou. "Dowling vai cobras pra
concertá-las mais do que elas valem".
Eu não discutí com isso. Jonh Dowling havia
ganhado uma reputação por seus preços;
ninguém ia até ele a não ser que fosse uma
emergência. A maioria das pessoas preferia
dirigir até Port Angeles, se o carro fosse
capaz disso. Eu tive sorte nesse aspecto -eu me
preocupei quando Charlie me deu minha
caminhonete ansiã que eu não tivesse como
pagar pra mantê-la rodando. Mas eu nunca tive
um problema sequer, a não ser o barulho
do motor e o limite de cinqüenta e cinco por
hora.
Jacob Black a manteve em ótima forma quando
ela pertenceu a seu pai, Billy...
A inspiração bateu como um trovão - o que não
deixava de ser razoável, levando em
consideração a tempestade. "Quer saber?
Está tudo bem. Eu conheço alguém que
constrói carros".
"Oh. Isso é bom". Ele disse
aliviado.
Ele acenou enquanto ia embora, ainda
sorrindo. Garoto amigável.
Eu dirigí rápido, e agora com um propósito,
na pressa de chegar em casa antes que
Charlie tivesse a chance de aparecer, mesmo
num evento altamente improvável de que
ele saísse mais cedo. Eu corrí em casa até o
telefone, as chaves ainda na mão.
"Chefe Swan, por favor", eu disse
quando o encarregado atendeu. "Aqui é Bella".
"Oh, oi, Bella", o encarregado
Steve disse amavelmente. "Eu vou chamá-lo".
Eu esperei.
"Qual é o problema, Bella?",
Charlie quis saber assim que atendeu o telefone.
"Eu não posso ligar sem que haja uma
emergência?"
Ele ficou quieto por um minuto. "Você
nunca fez isso antes. Há alguma emergência?"
"Não. Eu só queria saber a direção da
casa dos Black - eu não tenho certeza se lembro o
caminho. Eu quero visitar Jacob. Já fazem
meses que eu não o vejo".
Quando Charlie falou de novo, sua voz estava
muito mais feliz. "Essa é uma ótima
idéia, Bells. Você tem uma caneta?"
As direções que ele me deu eram bem simples.
Eu o assegurei que estaria de volta para
o jantar, apesar de ele me dizer pra que eu
não me apressasse. Ele queria se juntar
comigo em La Push, e eu não ia cair nessa.
Então foi com uma prazo que eu corrí rapido
demais pelas ruas escurecídas pela
tempestade. Eu esperava encontra Jacob sozinho.
Billy provavelmente ia me dedurar se
ele soubesse o que eu estava planejando.
Enquanto eu dirigia, eu me preocupei um pouco
com a reação de Billy ao me ver. Ele
ficaria contente demais. Na cabeça de Billy, sem dúvida, isso tinha
funcionado muito
melhor do que ele teria ousado esperar. Seu
prazer e alívio só serviriam pra me lembrar
de uma das coisas que eu não suportaria ser
lembrada.
Hoje de novo não, eu implorei silenciosamente. Eu já estava desgastada.
A casa dos Black era vagamente familiar, uma
pequena casa de madeira com janelas
apertadas, a pintura fraca desgastada a
deixava parecida com um celeiro. A cabeça de
Jacob apareceu na janela antes mesmo que eu
pudesse sair da caminhonete. Sem dúvida
o barulho familiar do motor o havia avisado
da minha chegada. Jacob ficou muito
agradecido por Charlie ter comprado a
caminhonete de Billy, evitando que Jacob tivesse
que dirigí-la quando tivesse idade pra isso.
Eu gostava muito da minha caminhonete, mas
Jacob parecia considerar os limites de
velocidade um empencílho.
Ele me encontrou a meio caminho da casa.
"Bella!", seu sorriso grande e
excitado cresceu no seu rosto, seus dentes brilhantes
formavam um vívido contraste com a cor ruiva
escura da sua pele. Eu nunca tinha visto
o cabelo dele fora do rabo de cavalo antes.
Parecia que uma cortina de cetim estava
cobrindo os dois lados do rosto largo dele.
Jacob havia alcançado um pouco do seu
potencial nesses últimos oito meses. Ele já
havia passado daquela fase em que os músculos
suaves da infância ficam sólidos,
naquela estrutura magra dos adolescentes;
seus tendões e veias haviam ficado
proeminentes embaixo da pele dos seus braços
e mãos. O rosto dele ainda era doce
como eu me lembrava, apesar dele ter
endurecido também- as maçãs do rosto estavam
mais altas, sua mandíbula ficou quadrada,
todos os traços de infância desapareceram.
"Oi, Jacob!", eu sentí uma urgência
de entusiasmo que não era famíliar por causa do
sorriso dele. Eu me dei conta de que estava
feliz por vê-lo. Isso me surpreendeu.
Eu sorrí de volta, e alguma coisa voltou pro
lugar silenciosamente, como duas peças de
quebra-cabeça que se correspondiam. Eu
esquecí do quanto gostava de Jacob.
Ele parou a alguns metros de mim, e eu
encarei ele surpresa, inclinando minha cabeça
pra trás apesar da chuva estar molhando meu
rosto.
"Você cresceu de novo!", eu acusei
assombrada.
Ele sorriu, o sorriso cresceu
impossívelmente. "Um e oitenta e sete", ele anunciou
satisfeito. A voz dele estava mais profunda,
mas ainda tinha o tom rouco que eu me
lembrava.
"Será que isso vai parar?" eu
balancei minha cabaça sem acreditar.
"Você está enorme".
"Mas ainda sou um varapau". Ele fez
uma careta. "Entra! Você está ficando toda
molhada".
Ele guiou o caminho, enrolando o cabelo nas
mãos enquanto andava. Ele puxou um
elástico do bolso e o colocou no coque.
"Ei, pai" ele chamou enquanto se
curvava pra passar pela porta da frente. "Olha que
veio parar aqui".
Billy estava na pequena sala quadrada, um
livro nas mãos. Ele colocou o livro no colo e
se empurrou pra frente quando me viu.
"Bem, mas quem diria! É bom te ver,
Bella".
Nós balançamos as mãos. A minha ficou perdida
na mão grande dele.
"O que te trás aqui? Está tudo bem com
Charlie?"
"Sim, absolutamente. Eu só queria ver
Jacob- faz uma eternidade que eu não o via".
Os olhos de Jacob brilharam com as minhas
palavras. O sorriso dele era tão grande que
parecia estar machucando as bochechas dele.
"Você pode ficar pro jantar?",
Billy estava ansioso também.
"Não, eu tenho que alimentar Charlie,
sabe".
"Eu ligo pra ele agora", Billy sugeriu.
"Ele sempre é bem vindo".
Eu rí pra esconder meu desconforto. "Não
é como se você nunca mais fosse me ver. Eu
prometo que voltarei em breve - tanto que
você vai se cansar de mim". Afinal, se Jacob
fosse concertar as motos, alguém ia ter que
me ensinar a guiá-las.
Billy gargalhou em resposta. "Ok, talvez
da próxima vez".
"Então, Bella, o que você quer
fazer?", Jacob perguntou.
"Qualquer coisa. O que era que você
estava fazendo antes da minha interrupção?", eu
estava estranhamente confortável aqui. Era
familiar, mas só distantemente. Aqui não
haviam lembranças dolorosas de um passado
recente.
Jacob hesitou. "Eu ia começar a
trabalhar no meu carro, mas nós podemos fazer outra
coisa..."
"Não, isso é perfeito!", eu
interrompí. "Eu adoraria ver o seu carro".
"Ok", ele disse não convencido.
"Está lá atrás, na garagem".
Melhor ainda, eu pensei comigo mesma. Eu acenei pra Billy.
"A gente se vê mais tarde".
Um monte de árvores grossas e moitas
escondiam a sua garagem. A garagem não era
mais do que dois abrigos pré-formados que
foram colocados no seu interior com as
paredes viradas pra fora.
Embaixo desse abrigo, em cima de blocos,
estava o que pareciam com um carro
completo. Eu reconhecí o símbolo na grade,
pelo menos.
"Que tipo de Volkswagen é esse?",
eu perguntei.
"É um velho Rabbit - 1986, um
classico".
"Como está indo?"
"Quase terminado", ele disse
alegremente. E então sua voz caiu num tom mais baixo.
"Meu pai cumpriu sua promessa na
primavera passada".
"Ah", eu disse.
Ele pareceu entender minha relutância em
falar sobre o assunto. Eu tentei não me
lembrar de Maio passado, no baile. Jacob foi
comprado pelo dinheiro do pai e partes do
carro pra ir lá e me entregar uma mensagem.
Billy queria que eu mantivesse uma
distância segura da pessoa mais importante da
minha vida. Acabou que a preocupação
dele foi, no fim, desnecessária. Eu estava
muito segura agora.
Mas eu ia ver o que podia fazer pra mudar
isso.
"Jacob, o que você sabe sobre
motos?", eu perguntei.
Ele levantou os ombros. "Um pouco. Meu
amigo Embry tem uma moto suja. Nós
trabalhamos nela juntos ás vezes.
Porque?"
"Bem...", eu torcí os lábios
enquanto considerava. Eu não tinha certeza de que ele
conseguiria manter a boca fechada, mas eu não
tinha muitas outras opções. "Eu
recentemente adquirí duas motos, e elas não
estão em ótimas condições. Eu estava
imaginando se você podia fazê-las
andar".
"Legal". Ele pareceu realmente
feliz com o desafio.
O rosto dele brilhou. "Eu vou
tentar".
Eu levantei um dedo num aviso. "O
problema é", eu expliquei. "Charlie não aprova
motos. Honestamente, uma veia na testa dele
provavelmente estouraria se ele soubesse
disso. Então você não pode contar pra
Billy".
"Claro, claro". Jacob sorriu.
"Eu entendo".
"Eu vou te pagar", eu continuei.
Isso o ofendeu. "Não. Eu quero ajudar.
Você não pode me pagar".
"Bem... que tal um acordo então?"
eu estava pensando nisso enquanto falava, mas me
pareceu razoável o suficiente. "Eu só
preciso de uma moto - eu eu vou precisar de aulas
também. Então, que tal isso? Eu vou te dar a
outra moto, e então você pode me ensinar".
"Legaaaaal". Ele fez a palavra
parecer maior.
"Espere um segundo- você já está
legalizado? Quando é o seu aniversário?"
"Você perdeu", ele zombou,
estreitando os olhos com falso ressentimento. "Eu já tenho
dezesseis".
"Não que a sua idade tenha te impedido
antes", eu murmurei. "Eu lamento pelo seu
aniversário".
"Não se preocupe com isso. Eu perdí o
seu. Quantos você tem, quarenta?"
Eu inalei. "Quase".
"Nós vamos fazer uma festa pra acertar
as coisas".
"Parece um encontro".
Os olhos dele brilharam com a palavra.
Eu precisava controlar o entusiasmo antes de
passar a idéia errada- é só que já havia
muito tempo que eu não me sentia tão leve e
animada. A raridade do sentimento o
deixava ainda mais difícil de controlar.
"Talvez quando as motos estiverem
prontas - nossos presentes pra nós mesmo", eu
acrescentei.
"Fechado. Quando é que você vai
trazê-las?"
Eu mordí meu lábio, envergonhada. "Elas
estão na caminhonete agora", eu admití.
"Ótimo", ele pareceu ser sincero.
"Billy vai ver se as troxermos pra
cá?"
Ele piscou pra mim. "Seremos
rapidinhos".
Nós saímos pelo leste, nos escondendo entre
as árvores quando estavamos na vista das
janelas, fingindo não estarmos fazendo nada,
só na dúvida.
Jacob tirou as motos rapidamente do fundo da
caminhonete, levando elas pra escondêlas
onde eu estava entre os arbustos. Pareceu
fácil demais pra ele - eu me lembrava das
motos sendo muito, muito mais pesadas que
isso.
"Elas não estão muito ruins", Jacob
observou enquanto nós as empurrávamos nos
esconderijos entre as árvores. "Essa
daqui na verdade até vai valer alguma coisa quando
estiver pronta - é uma velha Harley
Sprint".
"Essa é sua então".
"Tem certeza?"
"Absoluta".
"Porém, elas vão gastar um pouco de
dinheiro", ele disse, fazendo uma carranca
olhando pra o metal preto. "Nós vamos
ter que juntar dinheiro para as peças antes".
"Nós nada", eu discordei. "Se você vai fazer isso de graça,
eu pago pelas peças".
"Eu não sei..." ele murmurou.
"Eu tenho algum dinheiro guardado. Fundo
pra faculdade, sabe".
Faculdade, bobagem, eu pensei comigo mesma. Não era como se eu tivesse
economizado o suficiente pra ir pra algum
lugar especial- e além do mais, eu não tinha
nenhuma vontade de deixar Forks, do mesmo
jeito. Que diferença faria se eu mexesse
um pouco no dinheiro.
Jacob só balançou a cabeça. Tudo isso fazia
sentido perfeitamente pra ele.
Enquanto nós nos esgueirávamos de volta para
a garagem, eu contemplei minha sorte.
Só um garoto adolescente concordaria com
isso: enganar nossos pais pra concertar
veículos perigosos usando o dinheiro que
vinha da minha faculdade. Ele não perecia ver
nada de errado nisso.
Jacob era um presente dos deuses.
6. Amigos
As motos não precisaram ser arrastadas pra
mais longe do que a garagem. A cadeira de
rodas de Billy não podia passar pela terra
desigual que a separava da casa.
Jacob começou a separar a primeira moto - a
vermelha, que era destinada a mim - em
pedaços imediatamente. Ele abriu o porta do
passageiro do Rabbit pra que eu pudesse
me sentar no banco ao invés de me sentar no
chão. Enquanto ele trabalhava, Jacob
conversava alegremente, precisando apenas do
menor incentivo meu pra manter a
conversa rolando. Ele me falou dos seus
progressos no segundo ano da escola, falando
das aulas e dos seus dois melhores amigos.
“Quil e Embry?”, eu interrompi. “Esses são
nomes incomuns”.
Jacob gargalhou. “Quil é um apelido, e eu
acho que Embry ganhou o nome por causa de
uma ópera. Contudo, eu não posso falar nada.
Eles jogam sujo se você falar dos nomes
deles - eles começam a apelidar você”.
“Bons amigos”, eu erguí uma sobrancelha.
“Não, eles são. Só não mexa com os nomes
deles”.
Bem nessa hora um chamado ecoou na distância.
“Jacob?”, alguém gritou.
“É Billy?” eu perguntei.
“Não”, Jacob abaixou a cabeça, e parecia que
ele estava corando em baixo da pele
marrom. “Fale no diabo”, ele murmurou. “Que
ele aparece”.
“Jake? Você tá aí?” A voz que gritava estava
mais próxima agora.
“É!”, Jacob gritou de volta, e suspirou.
Nós esperamos no silêncio até que dois
garotos altos, de peles escuras, viraram na
esquina vindo pra garagem.
Um era mais esguio, e quase tão alto quanto
Jacob. O cabelo preto dele ficava na altura
do queixo e era partido no meio, um lado
enfiado atrás da orelha esquerda enquanto o
lado direito ficava livre.
O garoto mais baixo era mais forte. A
camiseta branca ficava estirada no seu peito bem
estruturado, e ele parecia consciente desse
fato. O cabelo dele era tão curto que era
quase careca.
Os garotos pararam na hora quando me viram. O
garoto magro olhou rapidamente pra
frente e pra trás entre Jacob e eu, enquanto
o garoto musculoso mantinha os olhos só em
mim, um breve sorriso aparecendo no rosto
dele.
“Ei, rapazes”, Jacob os cumprimentou sem
vontade.
“Ei, Jake”, o mais baixo falou sem tirar os
olhos de mim. Eu tive que sorrir em resposta,
já que o sorriso dele era tão travesso. “Oi,
gente”.
“Quil, Embry - essa é minha amiga, Bella”.
Quil e Embry, eu ainda não sabia qual era
qual, trocaram um olhar significante.
“A filha de Charlie, certo?”, o garoto
musculoso me perguntou, levantando a mão.
“Isso mesmo”, eu confirmei, balançando a mão
com ele. O aperto dele era firme;
parecia que ele estava flexionando os bíceps.
“Eu sou Quil Ateara”, ele anunciou largamente
antes de soltar minha mão.
“Prazer em conhecê-lo, Quil”.
“Oi, Bella. Eu sou Embry, Embry Call - porém,
você provavelmente já adivinhou isso”.
Embry deu um sorriso tímido e acenou com uma
mão, que depois ele enfiou no bolso.
Eu balancei a cabeça. “Prazer em te conhecer
também”.
“Então o que vocês estão fazendo?” Quil
perguntou, ainda olhando pra mim.
“Bella e eu vamos concertar essas motos”,
Jacob explicou impacientemente. Mas motos
pareciam ser uma palavra mágica. Os garotos
foram examinar o projeto de Jacob,
enchendo ele com perguntas educadas. Muitas
das palavras não eram familiares pra
mim, e eu entendi que precisaria ter um
cromossomo Y pra realmente entender a
excitação.
Eles ainda estavam envolvidos na conversa
sobre as peças e partes quando eu decidi que
estava na hora de ir pra casa antes que
Charlie resolvesse aparecer por aqui. Com um
suspiro, eu escorreguei pra fora do Rabbit.
Jacob olhou pra cima, se lamentando. “Nós
estamos te aborrecendo, não estamos?”
“Não”, e não era mentira. Eu estava me
divertindo - que estranho. “É só que eu tenho
que cozinhar o jantar pra Charlie”.
“Oh... bem, eu vou terminar de montá-las hoje
á noite e ver do que mais precisamos pra
começar a reconstruí-las. Quando é que você
quer trabalhar nelas de novo?”
“Eu posso voltar amanhã?” Domingos eram a
ruína da minha existência. Nunca havia
dever de casa suficiente pra me manter
ocupada.
Quil cutucou o braço de Embry e eles trocaram
sorrisos.
Jacob sorriu deliciado. “Isso seria ótimo!”
“Se você fizer uma lista, nós podemos ir
comprar as partes”, eu sugeri.
O rosto de Jacob caiu um pouco. “Eu ainda não
tenho certeza se devo deixar você pagar
por tudo sozinha”.
Eu balancei a cabeça. “Sem essa. Eu vou
bancar essa festa. Você só tem que entrar com
o trabalho e com a habilidade”.
Embry revirou os olhos pra Quil.
“Isso não parece certo”, Jacob balançou a
cabeça.
“Jake, se eu levasse elas a um mecânico,
quanto ele me cobraria?”, eu apontei.
Ele sorriu. “Ok, você tem um trato”.
“Sem mencionar as aulas de direção”, eu
acrescentei.
O sorriso de cresceu quando Embry falou
alguma coisa que eu não consegui entender. A
mão de Jacob voou pra bater na parte de trás
da cabeça de Quil. “É isso, se mandem”,
ele murmurou.
“Não, sério, eu tenho que ir”, eu protestei
indo pra porta. “A gente se vê amanhã,
Jacob”.
Assim que eu estava fora de vista, eu ouvi
Quil e Embry em coro. “Wooooo!”
O som de uma breve briga se seguiu,
interceptadas por um “ouch” e um “Ei!”.
“Se algum de vocês pisar um dedo na minha
terra amanhã...”, eu ouvi Jacob ameaçar. A
voz dele se perdeu quando eu entrei nas
árvores.
Eu gargalhei baixinho. O som fez os meus
olhos se esbugalharem de dúvida. Eu estava
sorrindo, sorrindo mesmo, e não havia ninguém
olhando.
Eu me senti tão leve que quase ri de novo, só
pra fazer a sensação se prolongar.
Eu cheguei em casa antes de Charlie. Quando
ele chegou eu estava acabando de tirar o
frango frito da frigideira e colocando-o em
uma pilha de papel-toalha.
“Oi, pai”, eu sorri pra ele.
O choque flutuou pelo rosto dele antes que
ele pudesse recompor sua expressão. “Oi,
querida”, ele disse com a voz incerta. “Você
se divertiu com Jacob?”
Eu comecei a levar a comida para a mesa. “Sim
, me diverti”.
“Bem, isso é bom”. Ele ainda estava
cuidadoso. “O que vocês dois fizeram?”
Agora era a minha vez de ser cuidadosa. “Eu
fiquei na garagem dele e olhei ele
trabalhar. Você sabia que ele está reconstruindo
um Volkswagen?”
“É, eu acho que Billy mencionou isso”.
O interrogatório teve que parar quando
Charlie começou a mastigar, mas ele continuou
estudando meu rosto enquanto comia.
Depois do jantas, eu fiquei vadiando,
limpando a cozinha duas vezes, e então fiz meu
dever de casa na sala da frente enquanto
Charlie assistia um jogo de hóquei. Eu esperei
o máximo que pude, mas finalmente Charlie
mencionou que estava tarde. Quando eu
não respondi, ele se levantou, se
espreguiçou, e depois foi embora, desligando a luz
atrás dele. Relutantemente, eu o segui.
Enquanto eu subia as escadas, eu senti o
último senso anormal de bem estar da tarde
saindo do meu sistema, sendo substituído pelo
medo bobo do pensamento do que eu
teria que viver a partir de agora.
Eu não estava mais entorpecida. Hoje seria,
sem dúvida, tão horrível quanto na noite
passada. Eu deitei na cama e me curvei numa
bola me preparando para a dor. Eu apertei
meus olhos e... a próxima coisa que eu sabia,
já era de manhã.
Eu olhei para a pálida luz prateada entrando
pela minha janela, atordoada.
Pela primeira vez em mais de quatro meses, eu
tinha dormido sem sonhar. Sonhar ou
gritar. Eu não sabia dizer que emoção era
mais forte - o alívio ou o choque.
Eu fiquei parada na minha cama por alguns
minutos, esperando que as coisas voltassem.
Porque alguma coisa devia estar vindo. Se não
a dor, então a entorpecência. Eu esperei,
mas nada aconteceu. Eu me sentia mais
descansada do que já havia estado em muito
tempo.
Eu não acreditava que isso fosse durar. Era
só uma borda escorregadia, precária, na qual
eu me equilibrava. Só olhar pra o meu quarto
com esse olhos repentinamente claros -
percebendo o quanto ele parecia estranho,
arrumado demais, como se eu nem vivesse
aqui - já era perigoso.
Eu empurrei esses pensamentos da minha mente,
e me concentrei, enquanto me vestia,
no fato de que ia ver Jacob de novo hoje.
Esse pensamento fez eu me sentir quase...
esperançosa. Talvez fosse como ontem. Talvez
eu não tivesse que me lembrar de
parecer interessada e de balançar a cabeça ou
sorrir nos intervalos apropriados, do jeito
que eu fazia com as outras pessoas. Talvez...
mas eu não podia confiar que isso fosse
durar, também. Eu não confiaria que seria o
mesmo - tão fácil - quanto ontem. Eu não ia
me dispor á decepção desse jeito.
No café da manhã, Charlie estava sendo
cuidadoso também. Ele tentou esconder sua
curiosidade, mantendo seus olhos nos ovos até
quando ele achava que eu não estava
olhando.
“O que você vai fazer hoje?” ele perguntou,
olhando para um fio solto no punho da
camisa dele, como se ele não estivesse
prestando atenção na minha resposta.
“Eu vou ficar com Jacob de novo”.
Ele balançou a cabeça sem olhar pra cima.
“Oh”, ele disse.
“Você se importa?”, eu fingi me importar. “Eu
posso ficar...”
Ele olhou pra cima rapidamente, uma pontada
de pânico nos olhos dele.
“Não, não! Vá em frente. Harry estava vindo
pra assistir o jogo comigo mesmo”.
“Talvez Harry pudesse dar a Billy uma carona
pra cá”, eu sugeri. Quanto menos
testemunhas, melhor.
“Essa é uma ótima idéia”.
Eu não tinha certeza se o jogo era só uma
desculpa pra expulsar, mas agora ele parecia
ansioso o suficiente.
Ele foi até o telefone enquanto eu abotoava o
meu casaco de chuva. Eu me senti
intimidada com o talão de cheques enfiado no
bolso da jaqueta. Era uma coisa que eu
nunca usava.
Do lado de fora, a chuva corria como se fosse
água jogada de um balde. Eu tive que
dirigir mais devagar do que queria; eu mal
podia ver o formato de um carro na frente da
caminhonete. Mas eu finalmente consegui
chegar nas terras lamacentas da casa de
Jacob.
Antes que eu desligasse o motor, a porta da
frete se abriu e Jacob saiu correndo com um
enorme guarda chuva preto.
Ele o segurou em cima da minha porta enquanto
eu a abria.
“Charlie ligou - ele disse que você já estava
vindo”, Jacob explicou com um sorriso.
Sem esforço, sem uma ordem consciente para os
músculos dos meus lábios, o meu
sorriso de resposta apareceu no meu rosto. Um
estranho sentimento de calor borbulhou
na minha garganta, apesar da chuva gelada que
pingava nas minhas bochechas.
“Oi, Jacob”.
“Boa idéia de convidar Billy”, ele levantou a
mão para nos cumprimentarmos.
Eu tive que me contorcer tão alto pra bater
na mão dele que ele sorriu.
Harry apareceu pra pegar Billy alguns minutos
depois. Jacob me levou num breve tour
até seu pequeno quarto enquanto esperávamos
pra não sermos supervisados.
“Então pra onde vamos, Sr. Bom mecânico?” eu
perguntei assim que ele fechou a porta
atrás de Billy.
Jacob puxou um papel dobrado que estava no
bolso dele e o alisou. “Nós vamos
começar num ferro velho primeiro, pra ver se
temos sorte. Isso pode ficar uma pouco
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