JEAN-PAUL BOURRE
OS VAMPIROS
PRIMEIRA PARTE
O Vampirismo, uma doença de alma
Muitos dos que dormem no pó da terra acordarão, uns para a vida
eterna,
outros para a ignomínia, para a reprovação eterna.
DANIEL (XII 1-3)
Segundo as lendas e as crenças o vampiro seria uma criatura da
noite, um
não morto absorvendo a vitalidade dos vivos para escapar ao
túmulo. Construiria
dessa forma uma espécie de imortalidade mágica na região das
trevas, que
separam a vida da morte.
Os vampiros existiram?Processos verbais e crônicas do século XVIII são explícitos. No
decorrer de
certas exumações, sob o controlo das autoridades locais,
desenterraram-se
cadáveres em perfeito estado de conservação: «O corpo não
libertava qualquer
cheiro, tinha sim, pelo contrário, mantido o seu estado de
frescura sem que
apresentam-se o mínimo sinal de decomposição. O sangue que saía da
boca do
cadáver era tão fresco como se de uma pessoa sã se tratasse. O
cabelo, a barba
e as unhas tinham crescido e a pele começava a separar-se do
corpo, enquanto
uma nova se formava. O rosto, as mãos, os pés, estavam igualmente
conservados.» (Asfeld, 1730.)
PRIMEIRA PARTE
O Vampirismo, uma doença de alma
Muitos dos que dormem no pó da terra acordarão, uns para a vida eterna,
outros para a ignomínia, para a reprovação eterna.
DANIEL (XII 1-3)
Segundo as lendas e as crenças o vampiro seria uma criatura da noite, um
não morto absorvendo a vitalidade dos vivos para escapar ao túmulo. Construiria
dessa forma uma espécie de imortalidade mágica na região das trevas, que
separam a vida da morte.
Os vampiros existiram?
Processos verbais e crônicas do século XVIII são explícitos. No decorrer de
certas exumações, sob o controlo das autoridades locais, desenterraram-se
cadáveres em perfeito estado de conservação: «O corpo não libertava qualquer
cheiro, tinha sim, pelo contrário, mantido o seu estado de frescura sem que
apresentam-se o mínimo sinal de decomposição. O sangue que saía da boca do
cadáver era tão fresco como se de uma pessoa sã se tratasse. O cabelo, a barba
e as unhas tinham crescido e a pele começava a separar-se do corpo, enquanto
uma nova se formava. O rosto, as mãos, os pés, estavam igualmente
conservados.» (Asfeld, 1730.)
Na maior parte dos casos; neste tipo de sepulturas (contrastando com as
outras) registram-se tenebrosas vibrações. Fazem-se na aldeia o
levantamento de
muitas e misteriosas mortes, ocorridas na proximidade do
cemitério. Animais
degolados, homens e mulheres exangues, crianças mortas por
debilidade e outros
tantos casos de enlouquecimento.
Os agentes da polícia e os religiosos encarregados de fazer o
inquérito
dirigiram-se por fim ao cemitério, como era inevitável!
Os túmulos são abertos e o coração do cadáver é trespassado com o
auxílio
de uma estaca, a cabeça cortada à machadada e o caixão cheio de
cal viva.
Processos verbais, são redigidos e assinados pelos oficiais do rei
e autenticados
pelas autoridades locais.
Em 1776, D. Agustin Calmet, padre beneditino e abade de Senóvia,
redigiu o
seu Tratado sobre as aparições dos espíritos,
reencarnações, anjos, demônios, e
vampiros da Silésia e da Morávia, dedicado ao príncipe Carlos de Lorena, Bispo
d’Olmütz.
Relata-nos ele: «Citam-se e ouvem-se testemunhas, examinam-se
situações,
observam-se os corpos exumados procurando sinais vulgares, como a
mobilidade,
a flexibilidade dos membros, a fluidez do sangue, a incorruptibilidade
do corpo. Se
tais pormenores forem na verdade observados concluir-se-á que são
eles quem
molesta os vivos, pelo que são entregues ao carrasco a fim de que
ele os
queime.» E mais adiante, adverte do perigo que paira: «Este mal
que espalha o
terror, castiga particularmente a Hungria, a Polônia, a Silésia, a
Morávia, a Áustria
e a Lorena. Quem de- le nos livrará, pois não deixará de aumentar
caso não se
puser cobro a tal situação?»
E conclui por fim: «No meio de tudo isto, não vejo senão trevas e
dificuldades, cuja solução deixo aos mais hábeis e ousados.»
Superstições, alucinações, lendas ou presenças autênticas vindas
de além
túmulo? A caça está aberta...
Quando se estuda o vampirismo pode dizer':"se que se trata de
uma via
tenebrosa, de um culto da noite cuja divindade central seria o não
morto visto que
o vampiro cultiva a sua personalidade demoníaca. Ele ama o seu
próprio corpo e
tenta, por todos os meios mágicos, evitar a sua desintegração.
Os adeptos deste culto mudam de nome segundo as regiões, os
dialetos, os
costumes. O jesuíta Gabriel Rzazcynsi explica em 1 721: «Há mortos
que mesmo
no túmulo conservam a avidez de devorar e que, à boa maneira dos
espectros,
fazem as suas vítimas pela vizinhança; os polacos dão-Ihe o nome
especial de
Upiers e Upiercza. A
Europa central foi, durante muito tempo, o feudo destes
senhores da.noite, capazes de interromper o processo de
decomposição do corpo,
suspensos entre a vida e a morte nessas zonas de obscuridade que
as antigas
religiões povoavam de diabos, de demônios.
Nas províncias da Alemanha, em Hasse, Wurtenberg, Brunswick,
afirmava-se
que o cadáver-vampiro, uma vez saído do caixão, tinha o poder de
se transformar
em ave noturna e voar durante a noite à procura das suas vítimas.
Mais perto de nós, o professor Vukanovic assinalou danos causados
pelos
vampiros na Sérvia, nos anos de 1933,1940, 1947 e 1948,
principalmente na
província de Kosovo-Motohija.
Em 1970, o feiticeiro inglês David Farrant foi condenado, sem
apelo nem
agravo, a cinco anos de 'prisão por violação e profanação de
sepultura. E no
prosseguimento de numerosos testemunhos acerca de uma «presença»
no
cemitério de Highgate, no Norte de Londres, que Farrant e os seus
adeptos
tentaram um ritual de invocação do vampiro. Os jornais ingleses
seguiram esta
rocambolesca aventura durante várias semanas. Falou-se no caso de
um caixão
arrombado, de um cadáver decapitado por Farrant, de símbolos
mágicos pintados
sobre as sepulturas, de obsessões, de pesadelos que apavoravam os
habitantes
de Highgate, de animais degolados pelas veredas do cemitério, etc.
Assim o vampirismo, que tem como figura principal a sombria e
arrogante
figura do famoso príncipe Drácula – embora estejamos longe das
epidemias
vampirescas dos séculos XVIII e XIX –faz sempre os seus discípulos.
Propõe um
método para vencer a morte, utilizando o fascínio e o desejo,
jogando com o medo
e a obsessão. E uma espécie de espiritualidade contraditória que
procura evitar a
decomposição do corpo, mantendo os instintos e os impulsos
selvagens do
homem para além túmulo. O oposto às espiritualidades libertadoras
que partem as
amarras e comunicam ao homem o sentimento de eternidade, a união
com Deus.
A magia negra do vampiro permitiria obter uma eternidade fictícia,
uma
espécie de estado letárgico intermediário. O vampirismo seria uma
doença da
alma.
Para Siméon le Nouveau Théologien – eremita do século X – só a
perfeição
espiritual permite vencer o túmulo e libertar-se do tempo e da
morte, escreve ele
nos seus Capítulos Teológicos: «Morre sem na verdade morrer todo aquele que
atingir a perfeição, porque viva em Deus, ao qual está unido, como
que tendo
deixado de viver em si próprio.»
Na outra extremidade, Stanislas de Guaita,
esoterista e mestre da
Ordem Cabalística de Rosa-Cruz, declara: «Proceder
aos ri tos sanguinários
num túmulo entreaberto, agrava talvez a situação: é
sugerir à alma
embaraçada ainda nas peias magnéticas do cadáver a
tentação de se manter
assim, é estender-lhe o cálice do abominável
vampirismo.»
As leis do sangue
O vampirismo está sempre associado a um drama, uma maldição, uma
doença psíquica hereditária. Na epopéia negra e vermelha dos
vampiros
apareciam casais amaldiçoados, homicidas megalômanos tais como o
príncipe
VIad Drakul, grandes famílias atingidas por um mal misterioso,
como os Bathory
ou os Cillei na Romênia do século XV.
Todos eles fascinados por uma espécie de vontade mórbida,
rapidamente
transformada em neurose, em obsessão. Cultivam desejos dos mais
perturbadores, tais como Bárbara Cillei e seu irmão partilhando da
mesma cama
ou VIad Drakul empalando os seus prisioneiros e fazendo-se servir
de faustosas
refeições, entre cadáveres suspensos de lanças e piques.
Vive-se febril e loucamente a sexualidade e a morte. O leito
nupcial torna-se
fúnebre pelas maldições e juramentos terríveis nele feitos. «Voltarei!...»
Uiva
Bárbara Cillei antes de morrer. Herman, seu irmão, invocará os
demônios da
antiga magia para que a irmã ressuscite. As crônicas romenas da
região da
Transilvânia afirmam que o êxito teria sido completo. Bárbara Cillei
saiu do túmulo
visitando o castelo de Varazdin, onde tem a sua sepultura.
Coincidências ou
epidemias diabólicas? Em 1936, na aldeia de Kneginecc – perto de
Varazdin –
várias pessoas novas, rapariguitas, pereceram de maneira estranha.
«Algumas
morreram em poucas semanas, em dois ou três meses no máximo, sem
se lhes
conhecer qualquer doença. Todas tinham sobre a garganta duas ou
três manchas
azuladas. Muitos destes jovens acordavam durante a noite
atormentados por
horríveis pesadelos.»
O ritual do exorcismo praticou-se nas ruínas de Varazdin por um
sacerdote
ortodoxo da igreja do Oriente. Rapidamente pararam as
manifestações. Dizem os
velhos de Kneginec que o Grande Exorcista libertou a aldeia, mas
ninguém
esclarece se os restos mortais de Bárbara Cillei, morta no século
XV, foram ou
não exumados.
Os processos verbais que relatam os fenômenos vampirescos
demonstramnos
através de que mecanismos o não morto se propaga e contamina
quantos
leiam. Citemos por exemplo o inquérito conduzido pelo tenente
Buttner, do
regimento de Alexandre de Vurtemberga, a 7 de Janeiro de 1732, o Visum et
Repertum, que
intrigou Luís XV e o duque de Richelieu:
«Tendo ouvido dizer por mais de uma vez que na aldeia de Medwegga,
na
Sérvia, os pretensos vampiros provocavam a morte de muita gente
sugando-lhes
o sangue, recebi a ordem e missão, através do comando superior de
Sua
Majestade, para que o caso fosse esclarecido beneficiando, para
questão de
inquérito, do apoio de oficiais e de dois Unterfeldscherer.
»Perante o capitão da Companhia de Heiduques Gorschitz, Heiduck,
Burjaktar e os outros heiduques mais antigos do
local, examinamos os fatos.
Estes, logo que interrogados, nos relataram unanimemente um caso
ocorrido,
havia cinco anos, com um heiduque da região (um heiduque é um
membro da
nobreza local) chamado Arnold Paul que ao cair do carro de feno
partira o
pescoço. Mais tarde, passados alguns anos, teria contado repetidas
vezes ter sido
vítima de um vampiro, perto de Casanova, na Pérsia turca.1[1]
»Teria por esse fato resolvido comer alguma terra no túmulo de um
vampiro,
esfregando-se com o sangue do mesmo, uma vez ser voz corrente
evitar assim a
maléfica influência. Todavia, vinte ou trinta dias após a sua
morte havia gente a
queixar-se que Arnold Paul os atormentava, chegando mesmo a matar
quatro
pessoas. Para que se acabasse com este perigo, o heiduque aconselhou
os
habitantes dessa região a desenterrarem o vampiro e assim foi,
quarenta dias
depois da morte deste. Encontraram-no em perfeito estado de conservação; a
carne não decomposta, os olhos injetados de sangue fresco que
também escorria
do nariz e dos ouvidos, sujando-lhe a camisa e a mortalha. As
unhas das mãos e
pés estavam soltas, e novas unhas cresciam em seu lugar, pelo que
se concluiu
tratar-se de um arqui-vampiro. Assim, segundo a norma do sítio,
atravessaram-lhe
o coração com uma estaca.
»Mas enquanto se procedia a esta ação, jorrou do corpo uma enorme
quantidade de sangue, acompanhada de um lancinante grito. Nesse
próprio dia foi
queimado, e as cinzas lançadas ao túmulo. Aquela gente afirmava
que as vítimas
dos vampiros transformam-se, por sua vez, em vampiros. Por tal
razão se decidiu
proceder da mesma forma para com os quatro corpos atrás referidos.
»O caso não ficou por aqui porque o dito Arnold Paul atacara não
só pessoas
mas também gado!
»Aqueles que diziam ter comido carne de animal contaminado e que
disso
vieram a morrer ficaram presumíveis vampiros, tanto que no espaço
de três
meses, (em dois ou três dias) sem nenhuma doença previamente
detectada,
pereceram dezessete pessoas das idades mais diversas.
»Heiduque Joika
faz saber que a sua nora, Staha Joica, tendo-se deitado
quinze dias antes de perfeita saúde, soltou durante a noite um
grito medonho,
acordou em sobressalto tremendo de medo, queixando-se de ter sido ferida
no
pescoço por um homem, filho do heiduque Milloe, que
morrera havia quatro
semanas. Desde então definhando hora a hora, morria oito dias
depois.
»Por todas estas coisas nessa mesma tarde, depois de ouvidas as
testemunhas, fomos ao cemitério acompanhados pelo heiduque da
aldeia, para
que se abrissem os túmulos suspeitos e se observassem os corpos.
»Esta investigação revelou os seguintes fatos:
»– Uma mulher de nome Stana, ao dar um filho à luz e no seguimento
de
uma curta doença de três dias, morreu aos 20 anos e 3 dias
confessando que,
para se livrar de toda a espécie de influências, se esfregara com
sangue de
vampiro. O seu estado de conservação era excelente. Aberto o corpo
descobriu-se
uma grande quantidade de sangue fresco na cavitate pectoris.
»– Miliza, uma mulher com 60 anos que morreu após três meses de
doença e
enterrada noventa e tal dias depois, tinha ainda uma quantidade de sangue em
estado líquido.
»– Os oficiais do rei enumeram ainda onze pessoas da mesma aldeia,
mortas
em circunstâncias estranhas mantendo sangue fresco e concluem a seguir, no seu
relatório: ‘Depois de devidamente registrado o que atrás foi
exposto, ordenamos à
ciganagem que passava que decapitassem todos esses vampiros. Foram
queimados os corpos e espalhadas as cinzas por Morávia, enquanto,
devolviam
aos caixões, os corpos encontrados em estado de decomposição.’ EU
AFIRMO e
os Unterfeldscherer, QUE TODAS AS COISAS SE PASSARAM TAL COMO
ACABAMOS DE RELATA-LAS, em Medwegya, na Sérvia, a 7 de Janeiro
1732.»
___________1
Assinatura: os oficiais do rei... As testemunhas. Belgrado, 26 de
Janeiro
1732.
O êxtase negro
É nesta atmosfera de caça aos vampiros que a igreja se deparou com
a mais
terrífica blasfêmia: a maldição do sangue, sangue este de que o
Antigo
Testamento nos fala como portador do Espírito...! E, pois, pecado
mortal por
excelência: Um crime contra o Espírito!
E no entanto, nas histórias de vampiros, a morte aceita este
estado de vida
intermédio, esse sono do morto-vivo encerrado no seu caixão, tendo
o poder de
vagabundear durante a noite como ave noturna que descreve círculos
concêntricos ao aproximar-se da sua presa.
E de noite que o duplo astral do vampiro se transforma em lobo,
fogo-fátuo,
morcego. Está ligado aos vivos por forças subterrâneas, ligações
secretas que
vêm prender-se como anzóis ao sono de futuras vítimas. Na versão
de Bram
Stoker – autor do Drácula – a hora do vampiro situa-se entre a
meia-noite e a uma
hora da manhã, mas as invocações do morto-vivo fazem-se ao pôr do
Sol.
O sono não protege. A consciência de quem dorme fica anestesiada,
a
vontade entra em letargia e qualquer espírito malfeitor pode vir
ocupar o seu
espírito deixando-lhe ficar uma imagem, um pesadelo que manterá ao
despertar
sob a forma de uma obsessão.
Pela manhã, a vítima do vampiro lembra-se de ter tido um sonho
estranho
que lhe deixa um profundo cansaço, um estado de extrema
debilidade. Ela
experimentou aquilo a que os exorcistas do século XVIII chamam: a
VIOLAÇAO
DA ALMA.
Sintomas de uma manifestação oculta que escapa ao túmulo, ou
desequilíbrios psicopatológicos?
Cada um explicará o fenômeno à sua maneira, agarrando-se às suas
crenças
e terrores, mas isso não modificará em nada a natureza dos
sintomas. São de tal
forma características que um padre exorcista ou os velhos aldeões
que «sabem»,
conseguem detectar a passagem de um vampiro.
O estudo dos processos verbais e das aparições de vampiros nos
séculos
XVIII e XIX –sobretudo na Europa central – permite-nos abrir o dossier médicopsíquico
do homem e da mulher tornados vampiros.
Uma mulher ainda nova que recebeu a visita noturna de um vampiro,
acorda
pela manhã lembrando-se de um pesadelo vago, impreciso mas
aterrorizante.
Desde logo, com as visitas noturnas o seu comportamento vai-se
sucessivamente
modificando. A fraqueza e a prostração parecem ser os primeiros
sintomas.
Seguidamente estará sujeita a perdas de consciência, novos
pesadelos cada noite
um tanto mais precisos, êxtases negros onde os ritmos deslizam com
a lentidão
de um veneno. Porque é bem de um veneno que se trata. A vítima –
que não
entrou ainda na «cadeia» dos adeptos – vive num estado permanente
de
sonambulismo e súbitas entradas em transe, que surpreende e
horroriza quantos
a rodeiam dada a modificação repentina.
Acorda de manhã, umas vezes com dores de cabeça, com enxaquecas
sem
aparente razão de ser, com a sensação de pesadelos de que se não
lembra e a
idéia vaga de ter dormido com um peso sobre o peito, uma impressão
de asfixia
durante o sono.
Outras vezes tem um acordar diferente. Olhos abertos e vítreos,
ela persegue
ainda o pesadelo noturno, de olhar vago.
Este torpor não durará além de alguns instantes mas o dia
decorrerá entre
dois mundos, com ausências, com incompreensíveis sonolências e,
por vezes,
comas com a duração de dois ou três minutos.
A doença desenvolver-se-á rapidamente até à morte. Trágico começo
no
decorrer do qual a vítima se torna «adepta» e cairá no abismo. Ela
já não poderá
abandonar a cama, e a palidez é tal que nem a febre diminuirá.
Deixa de conhecer
os membros da família. O sono é cada vez mais freqüente e mais
profundo,
dando-lhe cada vez mais o fácies da morte. O pulso fraco, os olhos
parados.
Interrogam-se entre si os especialistas. Um deles crê tratar-se de
uma «histeria
cataléptica».
Raymond Rudorff – que explorou os «arquivos do Drácula» – descreve
maravilhosamente um dos transes vividos pela vítima do vampiro:
«Depois de ter interpretado as mais encantadoras melodias,
Adelaide atacou
temas mais violentos. Um brusco entusiasmo se apoderou dela; os
olhos
começaram com um brilhar sobrenatural; empalideceu, vacilou, mas
recuperou, e
de novo, batendo as teclas com vigor redobrado, lançou-se numa
série de áreas
ainda mais violentas que as primeiras.
»Estranhas visões desfilaram diante dos meus olhos enquanto ela
tocava
energicamente acordes vibrantes: tempestades em plena montanha, o
roncar de
mar revolto, assembléias noturnas de bruxos, noite de Walpurgis2[2] sobre
qualquer cume descampado...
»Adelaide tornou-se cada vez mais pálida, a música cada vez mais
violenta
até que, largando um grito, Conrad se levanta num salto dizendo:
»– Basta! Por amor de Deus!
»Tremendo dos pés à cabeça, Conrad aproximou-se do piano enquanto
Adelaide se levantava olhando-o com ódio.
»– Adelaide – insistiu ele –, suplico-lhe, não toque mais nada!
Você está a
fazer mal a si própria!
»A transformação que se operou nela foi espetacular. A doce e
amável
rapariga já não existia. Em seu lugar, erguia-se diante de nós uma
cara lívida em
fúria, transtornada por uma cólera intensa e, de voz ríspida e
fria (que me gelou o
coração), vociferou: «Não obedeço senão ao meu senhor!» Sacudida
por terrível
tremura, deu alguns passos e caiu redonda aos pés de Conrad.»
Todas as manifestações de vampirismo pertencem a estas
atmosnegras.
Nada sustém esta fascinação pelo abismo, este culto do terror!
SEGUNDA PARTE
Os poderes da noite
Desde o despertar da humanidade que o homem vem praticando o culto
do
sangue para comunicar com os espíritos secretos da natureza, para
adivinhar o
enigma do universo e pôr fim à angustiante pergunta: «como vencer
a morte?»
Conta-se que Horácio fez comparecer duas mulheres mágicas para que
se
invocassem as divindades e se compreendessem as coisas do porvir:
«Primeiro
dilaceram com os dentes uma pequena ovelha cujo sangue foi
preparado numa
cova para que viessem ali as almas dos mortos. Em seguida
colocaram, perto,
duas estátuas, uma de cera, outra de lã. A de cera era mais
pequena e
subordinada da outra. Esta a seus pés, como que suplicante, apenas
esperava a
morte. Ao fim de diversas cerimônias mágicas, a imagem de cera foi
derretida e
consumida».
O sangue permitia atrair os espíritos e dar-lhes um rosto, uma
forma.
Lucien de Samosate descreve os vampiros na sua Histoire Veritable. Dá-lhes
o nome de Onosceles,
e afirma que estes seres se alimentam,
não apenas do
esperma mas também da carne e do sangue de estranhos, atraídos
pelas suas
carícias. A flor do alho não tem qualquer poder contra os
vampiros, contrariamente
Ripped By L1on aka Kutulu666`93 – E-mailao que acontece com a raiz de malva que os obriga a, fugir,
confessando os
crimes que cometeram.
«À noite», escreve ele, «chegamos a uma ilha pouco importante,
toda
habitada por mulheres (pelo menos assim o pareciam) falando a
língua grega.
Aproximam-se, estendem-nos as mãos e beijam-nos. Adornadas como se
fossem
cortesãs, todas novas e bonitas, vestidas com túnicas até aos
calcanhares. O
nome da ilha é Cabalusse, e a aldeia é Hydamardie. Cada uma destas
mulheres,
como que tomando conta de nós, conduziu-nos a sua casa e deu-nos
hospitalidade. Por minha parte, um mau pressentimento tornava-me
hesitante.
Com um olhar atento, descobri ossadas e caveiras de um grande
número de
homens. Apetecia-me gritar, pedir ajuda aos meus companheiros,
dispormo-nos à
guerra preferindo afinal nada fazer.
Agarrei unicamente a raiz de malva que trazia comigo, suplicando
que me
livrasse dos perigos que me ameaçavam. Um instante passado, e
enquanto ela se
ocupava em me servir, noto que as suas pernas não são iguais às de
outras
mulheres, pois tem patas de burro. Desembainhe a espada e,
agarrando-a,
acorrentei-a e obriguei-a a que tudo me confessasse. Resistiu, mas
acabou por
me dizer que eram mulheres marinhas chamadas Onoscéles, e que
devoram
todos os estranhos que ali abordam. ‘Nós embriagamo-los (explica
ela) para que
se deitem conosco e enquanto dormem, então, degolamo-los’.»
Ouvindo estas
palavras, deixo-a ainda acorrentada e subo ao telhado onde, com
todas as minhas
forças, chamo os meus companheiros. Quando chegaram, contei-lhes
tudo e
mostrei as ossadas conduzindo-os junto da minha prisioneira; eis
que,
transformada em água, desaparece. Mergulho a espada ao acaso nessa
água que
se transformou em sangue».3[3]
O sangue torna-se o elixir da vida, o mesmo princípio de vida e de
morte.
Nada escapa à sua lei. Ele, só por si, contém as origens do homem
e do mistério
da sua morte. «Os demônios impuros», escreve Hallywell, «em
Mélampronéa
(1681) sentem prazer em sugar o sangue quente dos homens e dos
animais. As
feiticeiras oferecem a Satanás uma parte do sangue delas no
momento da
assinatura do pacto...» Magia noturna, juramento de amor, combate,
vitória... nada
escapa à lei do sangue. É ele que permite selarem-se contrato,
invalidá-los, matar,
comunicar com os mortos.
»Salve, Pai dos deuses! Clamam os padres da morte no antigo Egito.
Salve
vós os sete Hacthor com os cornos sangrentos a ornamentar-vos!
Salve senhores
do céu e da terra! Vinde a mim, e que o casal seja um só, uno no
mesmo túmulo,
forte e incorruptível, ligado pelo sangue e água, pelo terror e
pela beleza que
descerão vivos a este lugar. Se vós não chegardes a uni-los, eles que estão
prontos a receber o vosso raio, eu Nasha, incendiarei Bousiris e
queimarei Osíris.»
Os sacerdotes do culto dos mortos não temem lançar um desafio aos
deuses
supremos, blasfemar para forçar os espíritos do além a manifestarem-se,
a tomar
sobre si o defunto para a sua longa viagem noturna.
Toda a história mágica dos homens relata a história misteriosa do
sangue, o
seu poder sobre o destino do homem. O homem transporta a obsessão
do sangue
através das raças e das civilizações. Podem os homens morrer,
desaparecer os
impérios, que a humanidade – a mais que velha humanidade – não
esquece a
presença atemorizante do sangue, a sua presença oculta no interior
do corpo, o
seu mistério. Cada molécula parece dissimular uma terrível
verdade: o próprio
segredo do homem e do universo.
Neste túmulo vivo
depositei meu sangue
É desta forma que os adeptos do vampirismo acreditam no supremo
poder do
sangue. Afirmam que este atravessa o túmulo acordando o duplo, que
escapa à
decomposição. E o túmulo torna-se a prova alquímica onde a matéria
negra trava
o seu último combate, em que ela se transforma em Maelström4[4] de energias
vivas, refazendo vida a partir das cinzas.
O vampirismo cultivou sempre a inversão e negação dos valores
espirituais
do Evangelho.
Logo que Jesus morreu na cruz, a lança do centurião trespassou o
lado e
imediatamente saiu sangue que derramou o espírito de Deus.
É nesta fonte de vida que os cristãos virão beber, para que possam
ter o
direito à ressurreição da carne e à imortalidade.
Através do corpo imolado do Cristo, Deus expande-se e integra-se
no mundo.
«Se alguém tem sede, venha a mim! Beba quem crê em mim» declarou
Jesus no Templo, em Jerusalém.
A Escritura anuncia: Do seu seio, correrão fontes de vida. É do lado aberto
de Cristo que procede o Espírito e se derrama sobre os homens. No
momento da
Eucaristia, o sacerdote lembra as palavras de Cristo: «Tomou o
cálice e dando
graças o abençoou e deu aos seus discípulos dizendo: Tomai e bebei
todos, este
é o cálice do meu sangue, da nova e eterna aliança, derramado por
vós e por
todos os homens em remissão dos pecados». Assim o sangue de Cristo
renova a
aliança com Deus, propaga o Espírito e destrói a morte.
A partir dos santos mistérios, os adeptos do vampirismo
construíram a sua
crença quanto à incorruptibilidade do corpo, do sangue que renova
a vida e
impede a morte, sem nada purificar, conservando as máculas e os
miasmas
psíquicos, os instintos da morte, o medo e o ódio... prendendo-se
ainda ao mundo
dos sentidos e do prazer.
A obsessão do vampirismo é o medo da morte e a necessidade do
mundo
(apesar do túmulo), e recusar morrer e abandonar o corpo. Todas as
patologias
estão ligadas para criar assim o monstro noturno, bebedor de
sangue, em rebelião
contra a luz.
Na mitologia do vampiro sabe-se que o morto-vivo teme a luz do dia
porque
ela poderá destruí-lo, reduzindo-o a cinzas.
Compreende-se assim porque se diz – no culto do vampiro – que a
cruz de
Cristo o faz recuar e evita a sua saída do túmulo, pois ela
simboliza a luz de
Cristo, vencedor da morte destruidora de cada parcela ou átomo de
obscuridade
que transfigura e ressuscita o mundo e cujo sangue derramado
liberta o Espírito.
___________2
O crucifixo não é um elemento folclórico para filmes de vampiros.
É a
transfiguração face às forças vegetativas da morte.
O sangue do dragão
Na Romênia do século XV, Drácula – o príncipe Vlad Drakul, senhor
de
Valáquia –pertencia à Ordem do Dragão, confraria militar de
iniciação fundada por
Segismundo I da Hungria. Drac – a raiz do nome Drácula – significa
Dragão,
símbolo de imortalidade e de vitória sobre a morte.
Tradicionalmente, dragão é o guardião do sangue eterno. Para os
taoístas,
os adeptos que tenham vencido o túmulo tornam-se imortais voadores
e tomam a
aparência de um dragão. Na magia chinesa, as correntes de energia
que
atravessam a terra são chamadas «veias de dragão». Da mesma forma,
as
energias telúricas vindas do subsolo seriam o «sangue do dragão»,
o poder
contido nas suas «veias».
Nas narrações mitológicas o dragão faz ninho nas entranhas da
terra, vomita
fogo, guarda a entrada da caverna ao fundo da qual protege um
monstruoso
tesouro. O dragão representa a força, a energia telúrica, a
atração, as forças da
gravitação que prendem a matéria e impedem a sua sublimidade.
O fato de se ter associado o dragão às forças e espíritos
diabólicos não é
uma simples superstição. Por detrás dessa crença esconde-se a
opacidade, o
peso, a obscuridade. O dragão retém a alma nos nós da matéria tal
como o
minério de ouro que, sem sair do subsolo, não conhecerá a
deslumbrante
purificação.
Os ascetas dos primeiros séculos da era cristã combateram muitas
vezes o
diabo sob a forma de um dragão que vem tentar a alma no momento da
oração e
leva-la de novo à profundidade das trevas.
«A alma da carne está no sangue», dizem as escrituras (Levítico).
«E preciso
que o dragão morra, isto é, que se destruam as forças diabólicas,
para que o
sangue se liberte desta força e volte a ser espírito. Então a alma
se expandirá nas
alturas, em sua plenitude.»
Na mitologia escandinava, Siegfried, o herói solar, bebe
acidentalmente o
sangue do dragão que acaba de vencer. Desde logo compreendeu a
linguagem
das aves. Ele espalha o sangue do monstro por todo o corpo,
tornando-se
incorruptível. A morte já não o deterá. Ele está coberto pelo
Espírito.
O sangue do vampiro, retido nas entranhas da terra, não tem
qualquer poder
espiritual mas sim psíquico. Ele age numa zona fechada e
crepuscular,
provocando a obsessão, o enfeitiçamento diabólico, a mediunidade,
o
sonambulismo, o cair em transe. Enfim, todos os sintomas de uma
alma doente
que desconhece a subtileza e a purificação.
As crenças vampirescas afirmam que o sangue esconde em si um poder
indestrutível: a energia psíquica, o fluido mental, ligados
inevitavelmente ao
magnetismo da Lua.
Para os indianos da América do Norte e do Canadá, o vampiro coloca
a sua
boca, transformada em tromba, na orelha da pessoa que está a
dormir e suga-lhe
o cérebro. Note-se, como a maior parte dos casos de vampiros, que
se trata de
alguém entregue ao sono e, assim, à influência da Lua.
Outras tradições existem em que esta energia poderosa vem
diretamente da
Lua (de Hécate – pensa-se – a deusa lunar a quem são sacrificados
os recémnascidos
de cujo sangue ela absorve a vitalidade).
Nas crenças chinesas, a família do defunto crê que a partir da
influência da
Lua poderá nascer o vampiro. Então veda todas as fendas do caixão
de forma a
que os raios lunares não possam aí penetrar. Estes teriam o poder
de transformar
o cadáver em «Kiang-si», o mesmo que «vampiro». Marcianos –
eremita sírio dos
primeiros séculos – abandonou o deserto para se consagrar
exclusivamente à
oração. Theodoret de Cyr conta a sua vitória sobre o dragão com a
ajuda da força
espiritual:
«Uma das vezes que o grande Marcianos orava no pátio de entrada,
um
dragão que rastejava pela parede leste debruçava-se lá do alto e,
de goela aberta
e olhar tenebroso, mostrava as suas intenções.
»Estava presente Eusébio, que ficou assustado com tal espetáculo
e,
convencido de que o seu senhor nada sabia quanto ao que se
passava, gritou
para preveni-lo e conseguir que ele fugisse depressa. Porém
Marcianos rejeitou,
bramindo, os temores daquele, que aliás seriam perniciosos e,
persignando-se;
soprou. O dragão como que seco pelo fogo e como que abrasado ficou
feito em
nada, tal como um pedaço de palha queimado.»
A respeito do poder espiritual de Marcianos, oposto aos poderes
psíquicos do
dragão, Thódoret de Cyr revela: «Marcianos esforçava-se por
esconder o dom que
possuía, mas as suas virtudes brilhavam como um clarão e punham a
nu o poder
que ele escondia.» Nas lendas da Transilvânia, vê-se um caçador de
vampiros
enterrar uma estaca aguçada no coração do monstro. Logo, o sangue
escorre em
borbotões e o cadáver do morto vivo cai feito em pó.
Vlad Drakul – o Dragão – restitui à terra o sangue que ele
mantinha com
ajuda do sortilégio. Então, o sangue torna-se Espírito e o corpo
libertado parte as
amarras e volta ao pó.
A estaca e a cruz
Não há ainda muito tempo que existiam os «caçadores de prêmios»
para os
quais o vampiro era uma presa natural. Entre as duas guerras
mundiais, na aldeia
de Pirenil, Podrina, o mágico muçulmano que aí vivia, recebeu mil
dinares para
destruir um vampiro. Do mesmo modo que em todos os lugares rurais
da Europa,
o padre cobrava muitas vezes a proteção religiosa que encarnava.
Em nome de
Cristo muitos erros se cometeram, e a caça ao vampiro degenerou
muitas vezes
em autênticos massacres de inocentes: «Em 1837, na aldeia de
Derknoi, na
Rússia, um estrangeiro acabado de chegar tornou-se suspeito para
os
camponeses e, tomando-o por vampiro, torturaram-no queimando-o em
seguida.
As pessoas desta região pensavam que apenas de noite estes
monstros
apareceriam», escreve Tony Faivre.
As mais estranhas crenças nasceram deste medo ao «morto vivo».
Assim,
gentes do povo germânico consideravam que as crianças que tivessem
no corpo
alguma mancha avermelhada teriam inevitavelmente de ser
«vampiros», mas sob
uma forma muito peculiar; sem apresentar aspecto tenebroso. Depois
da vida
terrestre, diz a lenda, virão como borboleta branca que, pousando
sobre o peito de
quem dorme, daí extrairão o derradeiro fôlego, o que asfixiará a
vítima.
Em Vestefália o vampiro raramente toma a forma de um morcego, mas
sim
de borboleta. Estas materializações surpreendentes nada têm a ver
com o
vampiro de carne e osso, vestindo os seus próprios fatos
impecáveis,
freqüentando os meios mundanos de todas as épocas.
Para as tradições esotéricas, não restam dúvidas: só o duplo, o
«corpo
astral» do morto tem o poder de agir para além da morte. O corpo
não sai nunca
do túmulo. E sim a energia do defunto que, por razões
desconhecidas, se
manifesta ainda depois da extinção das funções vitais.
Destruir esse duplo: tal seria o alvo a atingir pela estaca
aguçada que entra
pelo peito do vampiro.
Os padres ortodoxos respondiam quase sempre da mesma maneira às
superstições. «Que se deite água benta sobre os túmulos, que se
abram as
sepulturas e se queimem os cadáveres, para que o medo se afaste de
toda a
aldeia.»
Na Bulgária, era uso o padre erguer a imagem de um santo cristão
por cima
do defunto, e, pegando nu ma garrafa com sangue, obrigava o
vampiro a entrar
dentro dela. Depois atirava a garrafa ao fogo.
Na Sérvia, o sacerdote dirigia-se ao cemitério acompanhado pelos
camponeses apavorados, tirava o caixão do túmulo, deitava palha
por cima,
atravessava o corpo do defunto com uma estaca de espinheiro e
queimava-o. Em
seguida, dizia: «O demônio não virá atormentar mais ninguém.»
A meio do século XVIII, o medo instalou-se um pouco por toda a
Europa.
Tudo é possível acontecer, desde suspeitar-se das sepulturas, não
vão elas servir
pa- ra dissimular presenças diabólicas do além túmulo...
Em cada país o clero arranja uma estratégia para combater esses
seres da
noite e para fazer face aos mortos-vivos, que parece começam a
invadir a Europa
Central.
«Os sacerdotes», escreve J. L. Degaudenzi, «celebram missa durante
os
nove dias que se seguem à inumação».
Ao décimo dia, se a epidemia continua desenterra-se o corpo,
transporta-se à
capela, arranca-se-lhe o coração por entres nuvens de incenso.
Também as
vísceras são queimadas e tudo o que resta do broucolaque5[5]. Em Milo as coisas
não se passavam de maneira muito diferente, a avaliar pelo relato
de Ricault, em
1679. Uma pessoa excomungada foi, diz ele, enterrada em local
distante da ilha
de Milo, onde pouco tempo depois surgiram manifestações espíritas.
Tudo se
preparava então para abrir o túmulo, desmembrar o corpo, ferve-lo
em vinho,
quando a família deste, enviando dinheiro ao Patriarca de
Constantinopla, pediu
que lhe fosse levantado o castigo. No momento do levantamento,
perante a
perplexidade de quem assistia6[6], e sete anos após estar enterrado, o corpo
desfez-se por completo.
A partir de 1824 o trespassar de cadáveres acabou, embora se
mantivesse o
enterrar de criminosos e suicidas nas encruzilhadas dos caminhos,
para evitar que
se tornassem «vampiros» infestando lugares sagrados.
O Código Penal russo previa no seu artigo 1472.º: «Ao suicida não
é
concedido um enterro religioso.»
Abrir os túmulos e mutilar os cadáveres estava previsto no artigo
234.2 do
mesmo Código.
A transformação em lobo
Nas crenças e lendas do vampirismo, o morto-vivo não tem apenas o
poder
de se transformar em morcego. À noite, quando ele sai do túmulo,
torna-se lobo...
como se à floresta, às montanhas, aos ermos que rodeiam o seu
domínio apenas
fosse adequada essa forma flexível, também ela feita para a
astúcia, essa forma
que mata.
Mas o uivo de lobo (que sendo dado pelos cães chamamos vulgarmente
o
uivo da morte) não é somente um uivar animal. E o instinto, a
resposta, assim que
o lobo se apercebe do poder oculto e magnético da Lua.
O vampiro-lobo – dizem as lendas – uiva à Lua.
Ele cumpre um tipo de cerimonial gelado. O vampiro que tem o poder
de ficar
com o aspecto de lobo não é somente um amante da licantropia. Não
é um
monstro isolado, perdido na noite e entregue à sua forma animal.
Ele contém
todos os instintos secretos do animal, todos as suas forças... e
mesmo para além
disso (padres ortodoxos houve que lhe deram certo crédito). Uma
vez que ele tem
a faculdade de liderar entre os lobos e os morcegos, o reino
animal reconhece
nele, por instinto, a energia oculta que lhe vem de antes da
morte.
A lenda não esqueceu o peculiar poder do vampiro quando fala nos
cães
uivando à volta de sepulcros e de animais meios enlouquecidos pela
presença do
morto-vivo. O animal reage primeiro que o homem, porque compreende
antes
deste o que representa um vampiro. «Quando ele apareceu de repente
ao pé de
mim», escreve Stoker no Drácula, «eu direi ter
ouvido apenas a sua voz elevar-se
e tomar um tom de profunda autoridade. Vi-o então a meio da rua. Estendia os
longos braços como que para empurrar um muro invisível. Os lobos
deixaram de
uivar e recuaram lentamente. Nesse momento a Lua foi coberta por
uma nuvem e
de novo ficamos envoltos em profunda escuridão.» E acrescenta mais
à frente: «E
contudo, pondo-me à escuta, ouvi lá muito longe, no vale, mais
lobos uivar. Os
olhos do conde brilhavam e exclamou: ‘Escutai-os, são as
criaturinhas da noite, e
que música eles fazem!...’»
Homem-morcego, homem-lobo, o morto-vivo tem imensos poderes para
se
transformar; mas o mais estranho é aquele que lhe permite
desmaterializar-se
quase totalmente, tomando a forma etérea de um raio de lua ou de
um simples
pirilampo.
Este fenômeno é dos mais complexos. Trata-se de um ponto de
energia
minúsculo, de uma intensidade incrível. Um pouco como certos
pontos negros do
tamanho de uma cabeça de alfinete e que aspiram tudo o que os
rodeia nos
espaços intersiderais.
E o poder final do vampiro. Assim, o vampiro não possui apenas um
corpo
mas vários. É pois impossível dar-lhe um único nome, ou
atribuir-lhe um só
aspecto.
Quem é o príncipe Drácula? Um fantasma de forma imprecisa, toda
feita
dessa «coisa» a que se chama vampiro, à falta de outros nomes que
se lhe dêem.
Mais que um corpo ou uma forma, ele é um conjunto de energias
vivas, larvar, que
uma vontade forte prolonga além morte.
Hoje em dia, dificilmente se aceita que um ser possa existir para
além do
túmulo, possuindo o poder de se transformar em lobo, em morcego ou
em
pirilampo. A superstição tomou conta desta terrífica criatura. Um
Barba-Azul da
noite, um monstro bebedor de sangue. Seja onde for, ele encarna
para nós o
medo... o medo da morte.
Nas tradições do mundo da magia, afirma-se que o poder do vampiro
depende unicamente da sua vontade. Mas essa vontade nada tem a ver
com as
vontades humanas, pois ela não habita um corpo vivo. A superstição
diz que os
vampiros apenas saem em noites de Lua cheia, como se a sua
atividade noturna
dependesse essencialmente daquele astro.
Tratamos de voltar atrás, às antigas civilizações, para
compreender bem a
importância do seu culto dedicado à deusa Istar que, como Hécate,
representa o
aspecto mágico da Lua.
Sobre uma tábua da Caldeia, conservada no Museu Britânico, pode
ver-se o
traçado da epopéia mitológica. Relata-se aí a descida de Istar ao
país dos mortos.
Chegada às portas da morada infernal, chama e pede sob ameaça:
«Abre a
tua porta senão saltarei a vedação, galgarei os montantes e farei
que os mortos se
ergam para devorar os vivos, e que venham a exercer sobre estes o
seu poder.»
Para os mágicos de Nivive, Istar reina entre os morto-vivos, isto
é, sobre os
que venceram a morte. Tal como a todos os que a veneravam como
toda
poderosa, assegurava viverem sempre na morte.
Depressa as crenças populares afirmaram que os defuntos podiam
vencer o
túmulo se tivessem desejo de sangue de um vivo. Do mesmo modo que,
na
mitologia grega, Eurípides representa Aquiles numa armadura
dourada, em pé
sobre o túmulo, bebendo sangue de uma virgem sacrificada em sua
glória.
Mais lamentáveis parecem ser esse tipo de vampiros, mulheres
feiticeiras da
Roma antiga que tinham a faculdade de se transformar em aves de
rapina para vir
saborear sangue humano. «Vistas durante a noite atravessando os
céus, e sem
que nem as portas ou fechaduras as detivessem, iam estrangular as
crianças e
devorar-lhes o fígado.»
Os partidários do culto da magia mergulham no fascínio do sangue
porque se
sentem vulneráveis, ameaçados como todas as formas de vida
terrestre. O
batismo do sangue para o vampiro é ao mesmo tempo blasfêmia e
perversão.
Deve agir como armadura e protegê-lo contra a morte.
E como uma imitação do batismo de luz, do sacramento do Espírito
Santo,
ligação indissolúvel entre Deus e o homem.
«Revesti-vos de Cristo», clama S. Paulo aos Romanos.
A imagem do túmulo ilumina-se de outra forma. A luz é vertical,
cai como um
projetor potente e elimina todas as obscuridades.
Segundo os evangelistas, Cristo visitou os mortos: «Também aos
mortos foi
anunciada a Boa Nova, a fim de que, julgados segundo os homens na
carne, eles
vivam segundo Deus no espírito.»
O vampiro nega a ressurreição. Ela pretende pegar a morte com o
seu
próprio punho, com a ajuda do seu querer pretende escavar a sua
cova no inferno
e aí fazer a sua morada, sem o auxilio de Deus.
Os crimes do barão Brecy
Os sortilégios do vampirismo não morrem tão facilmente como se
possa
pensar.
Ainda há poucos anos um inquérito fez deslocar certos inspetores
às ruínas
do castelo de Brecy de Sologne. Os velhos habitantes da aldeia de
Brecy falava
de um barão vampiro, rondando as ruínas e apavorando toda a região.
Não muito
longe do castelo, encontrou-se o corpo de Guillemette H. com o
ventre e as
pernas dilaceradas como se tivesse sido desfeita com algo de
metal, com o peito e
os rins dilacerados, com as costelas e vértebras partidas. A
rapariga tinha sido
violada mas debatera-se ferozmente, como o provava as unhas
partidas e a roupa
rasgada.
Os inquiridores descobriram uma profunda marca, sobre o ombro,
marca
essa feita sem dúvida com a fivela de um cinturão do assassino.
«Um motivo de
me tal em relevo com um diâmetro de cinco centímetros que podia
representar
vagamente uma cabeça de animal... talvez de um leão», cita um
cronista.
No chão, à volta do cadáver, nem um só vestígio do assassino.
A família acompanhou os agentes encarregues desta investigação até
ao
posto da polícia, onde estes consultaram enorme documentação com o
fito de
encontrarem improváveis culpados, maníacos ou desequilibrados
sexuais.
O inquérito pouco mais além poderia ir. Um homicida misterioso
viola uma
rapariguita, mutila-a e desaparece sem deixar vestígios.
Mas para os velhos da aldeia, os que de tudo se lembram, o
assassino não
andaria por muito longe, embora talvez já fora do alcance da
justiça. Duas
mulheres encorajando-se mutuamente, resolveram sugerir desde o
começo do
inquérito que se desse uma olhadela pelo prado, perto do sítio do
crime,
acrescentando com ares misteriosos que esse caminho cruzava o
lugar do
«senhor punido».
Nesse lugar – conta Claude Seignolles –, há séculos mataram e
enterraram
os despojos do senhor da região, homem belicoso, combatente em
várias guerras,
patrão severo, exigente e impiedoso para com a sua gente, como se
eles fossem
seus inimigos e que, forçados, acabaram por sê-lo. Um corajoso e
hábil lenhador,
encontrando-o adormecido junto a uma árvore num dia de imenso
calor, abriu-lhe
a cabeça com forte machadada. Mas, mesmo morto, o rancor
continuava a viver
nele, a ponto de sair do túmulo uma vez em cada século, indo
procurar vingança
durante algumas horas por aquelas paragens. Isto, se se der
crédito aos antigos
aldeões...
O cabo da polícia dirigiu-se ao local indicado pelas mulheres como
sendo o
lendário sítio do túmulo. O terreno aparentava um abaixamento que
o polícia
observou, e esse abatimento de solo, com ervas e em forma de
retângulo, podia
bem ser uma cova mortuária. Logo o cabo da polícia trouxe um dos
investigadores
___________3
ao local da descoberta. Mas uma vez chegados lá encontraram o chão
completamente raso, o que fez espantar de tal forma o polícia que
perguntava a si
próprio se estaria com a cabeça a andar à volta devido à violência
do crime e a
começar a ver coisas onde não existiam na verdade. Rondando o
solo, enterrava
o pé, atraído pela curiosidade, somada a certa excitação que o
relato das duas
aldeãs lhe teria provocado. Fez sentir uma ressonância, justamente
no sítio onde
imaginara o túmulo.
Foram imediatamente requisitados dois cantoneiros para escavarem.
O
terreno estava macio, a pá e picareta não tardaram a fazer o
trabalho e depressa
apanharam um osso comprido que os homens, com as mãos, acabaram de
desenterrar. Tratava-se de uma tíbia! Um osso que, de tão sólido,
eles não se
arriscaram a quebrá-lo! Depois seguiram-se a rótula e o fêmur de
uma perna forte,
em perfeito estado de conservação. Um crime descobrindo outro.
Desprendemos os membros inferiores de um longo esqueleto antigo...
depois, subindo um pouco, uma espessa bacia, as mãos grandes e
abertas com
falanges de tamanho impressionante. Um dos utensílios com que se
escavava
bateu numa coisa de metal que com cuidado raspamos. Era o plastrão
de uma
armadura de bronze, que tinha ao meio, em relevo, o brasão da
pessoa a quem
pertencera, um leão apoiado nas patas traseiras. A rapariga
violada fora atingida
por um objeto metálico com o mesmo motivo do brasão do barão de
Brecy, adepto
de ciências demoníacas, excomungado pela Igreja sete séculos
depois...
Como se vê, muitos destes senhores «vampiros» partidários da
necromancia
tinham sido excomungados pela Igreja. A excomunhão era a prova de
que eles
pertenciam às legiões da noite. Eram temidos e nenhuma terra
abençoada
aceitaria os seus despojos ainda que, em Paris, se tivesse
construído
especialmente um cemitério para todos os rejeitados pela Igreja,
fossem eles
adeptos do diabo, fervorosos praticantes da magia negra. No começo
do século
passado, este cemitério abandonado servia de templo fúnebre a
todos os mágicos
de magia negra, patrícios do vampirismo ou de outros deuses
infernais. Uma
verdadeira aldeia vampiresca na Rua de Flandres, em plena Paris.
René Schwablé, aderente também às ciências ocultas, descreve este
diabólico cemitério em Chez Satanaz, obra que surgiu
em 1913.
«Encontrareis no 44 da Rua de Flandres uma grande e velha
construção com
dois portões largos, abertos para um pátio enorme, circundado por
cavalariças e
abrigos. Entrai através de um corredor úmido, escuro, até
encontrar uma porta
pesada cuja fechadura ferrugenta precisa de ser arrombada a murro.
Por detrás
desta velha porta existe uma pequena floresta virgem, entre dois
muros altos com
fendas. Encontram-se aí mais ou menos vinte e cinco túmulos dos
quais dois ou
três estão em bom estado ainda, mas os outros completamente
escavacados.
Cruel, a vegetação levantou as campas, impeliu as lages, partindo
as pedras,
revolveu os caixões. No tempo de Luís XIV eram aí enterrados os
hereges, uma
vez que não podiam ser inumados em necrópoles públicas.
Os locais de vampirismo e de práticas negras passam despercebidos
ao
profano. Contudo, basta empurrar uma porta oscilante, saltar um
muro de alguma
ruína, descobrir um cemitério abandonado, para que a lenda
desperte do seu
mundo de cinzas, vista os seus fatos de terror e desça às ruas do
nosso bom
velho século XX.
Os lugares malditos são a morada das perseguições fantásticas. A
pedra
reteve em si todos os dramas, todos os terrores. A vegetação está
doente, a pedra
está carcomida pela lepra e uma impressão de mal-estar salta aos
olhos como
veneno.
O exorcismo romano pode santificar a pedra e dissipar os miasmas
da noite.
Depende tudo espiritual do exorcista. Pode ficar extenuado do seu
combate,
naufragar na sua loucura. Para afrontar maldições é necessário a
virtude e a
correção luminosa dos ascetas plenos de Espírito.
Nenhum exorcista orou sobre as ruínas do castelo de Brecy. Aí se
mantém
portanto toda a sua carga maléfica.
Os monges do Oriente opunham o sangue do mártir ao sangue dos
sacrificados da magia. Então o panorama maldito transfigurava-se
como
aconteceu com o frade Thalélaios, monge sírio, que, retirando-se
para o deserto,
combateu todas as noites homens e mulheres vampiros que
interceptavam as
suas orações e reclamavam-lhe o sangue. Pela força da sua oração
tudo se
transfigurava: é por isso que esta terra que estava noutros tempos
submissa à
impiedade e aos demônios, renunciou ao seu erro ancestral para
enfim acolher o
clarão da luz divina. Servindo-se das suas mãos ele fez cair por
terra os templos
dos demônios e edificou um santuário aos vitoriosos mártires
opondo aos falsos
deuses os corpos divinos. Sangue por sangue. Os ascetas sabem que
a carne é
insensível, lenta e pesada, como a sepultura. É o Espírito que
ilumina que
transfigura e rouba à morte.
Os principais locais do vampirismo
O mais conhecido dos locais da velha religião da noite é, sem
qualquer
espécie de dúvida, o castelo de Drácula – pelo menos o que dele
resta – em
Curtea de Arges, nas montanhas da Transilvânia. Mas há também
outros sítios
onde a lenda se fixou profundamente. O pequeno porto de Cruden
Bay, na
Escócia, é um desse estranhos sítios. Foi aí, no país de
Stevenson, que Bram
Stoker então pertencente à sociedade secreta Golden Dawn concebeu
a sua obra
prima: Drácula.
A descrição feita por F. Riviere aquando da viagem de regresso de
Cruden
Bay, acerca do cenário alucinatório, permitirá a Bram Stoker
invocar o «príncipe
dos vampiros».
«Eu tinha reservado um quarto na famosa estalagem de Kilmarnock Arms,
estalagem essa onde Stoker, depois de uma refeição farta, recebera
a visita do
anjo do mal naquela cama em que as dores de estômago o tinham
obrigado a dar
voltas sobre voltas no decorrer de um pesadelo...
»Devo dizer que o edifício ao Sol poente deixaria bem
impressionado
qualquer apreciador de filmes diabólicos da Hammer! Estava lá
tudo: a fachada
estilo Tudor, a hera trepadora, o pórtico carregado de ornamentos,
os vitrais
dissimulando por certo inquiridores olhares, a pesada porta de
pregos cravados e
um gato preto cuja silhueta sinistra se perfilava sol um céu
encarniçado.»7[7]
O castelo de Krasznahorka é outro local de terror nas montanhas da
Hungria
do Norte, onde repousariam os despojos de uma mulher vampiro morta
há mais
de duzentos anos.
Há mais de cinco séculos fora propriedade da antiga família Bebek.
Istvan
Bebek, antepassado da família, era um simples pastor na altura das
invasões dos
tártaros, pelo ano de 1241. Um dia, quando apascentava o seu
rebanho na
montanha de Som, encontrou certa quantidade de ouro escondido e
uma pedra
com um aspecto singular.
Esteve para deitar tudo fora, mas logo se lembrou de que os filhos
gostavam
de brincar com coisas brilhantes. Depois, em casa, apercebeu-se de
que a
estranha pedra brilhava de noite. Conta-se que tornou a ficar com
ela dando em
troca, aos filhos, qualquer brinquedo preferido, e que se servia
da pedra para
iluminar a casa, como se se de uma tocha se tratasse.
Um mercador que por lá passou, vendo a candeia do pastor, ofereceu
por ela
cem dinares. Bebek não tinha falta de dinheiro mas, como gostaria
de comprar
uma vaca que lhe desse bom leite, esteve quase a fechar o negócio.
Os filhos tanto se lastimaram e choraram com a idéia de se
privarem da
pedra mágica que Bebek rejeitou o negócio, dizendo que resolvera
não a vender.
A notícia depressa se espalhou. Os proprietários dos arredores não
deixavam
de massacrá-lo por causa da pedra. Temendo ser morto por causa
desse tesouro,
resolveu levá-lo ao rei Bela IV e oferecer-lhe. Coincidiu com o
momento em que os
Tártaros se retiravam, deixando atrás de si tudo destruído a ferro
e fogo. Para o
rei, este presente chegou na hora certa, era o maior diamante que
este já vira,
pelo que perguntou a Bebek o que queria que ele lhe desse.
Prometei-me
unicamente sete currais construídos nas minhas terras, Majestade.
O rei acedeu de bom grado. Bebek partiu, e com o ouro que guardara
construiu sete castelos. E assim que apareceram os castelos de Torna,
Esnek,
Solyomk, Pelsóc, Szádvár e Krasznahorka.
Os descendentes do pastor foram considerados aristocratas e
fizeram de
Krasznahorka residência d família... até 1575, quando Péter
Andrássy ocupou o
lugar de governador do castelo.
Sua mulher, a jovem Zsófia Serédy, era uma apaixonada das práticas
negras.
A biblioteca do castelo transbordava de obras de ocultismo e nas
noites de
Inverno Krasznahorka recebia artistas e praticantes de magia, da
Hungria, os que
se lembravam ainda as exacções de Vlad Drakul – o príncipe Drácula
– de
Hermann e de Bárbara de Cillei. Os sortilégios romenos reavivavam
à luz de
tochas, nas salas do andar inferior do castelo. Zsófia Sérédy
morreu de embolia
durante o assalto ao castelo, feito pelo seu próprio filho Jancsi,
para esmagar, terá
ele dito: «esse feudo de magia negra».
Ainda hoje, numa das divisões do castelo de Krasznahorka, se
encontra,
deitada num caixão de vidro uma bonita senhora! E ela Zsófia
Sérédy. Eis como
passados duzentos anos ela dorme, sem que em pó se tenha tornado! O
cadáver
é exibido como fenômeno pois que se mantém como tendo morri do no
dia
anterior.
De tempos a tempos o vestido fica feito em pó. Voltam a vesti-la
com outro
fato preto. Ela, porém, continua imperecível.
É também curioso assinalar que o seu antebraço direito,
imobilizado ao
morrer, mantém-se um pouco elevado e com um dos dedos hirto como
fazendo
qualquer sinal.
Porquê esse sinal? Que quereria ela dizer nos seus últimos
momentos de
vida? Conta-se por lá toda a espécie de coisas, mas esta é de todas
a mais
espantosa... Os praticantes da velha magia turca reconhecem-se
através deste
sinal, ao qual Von Sebottendorf, grão-mestre da Sociedade Thule e
amigo de
Bram Stoker, já aludira.
O índex esticado corresponderia a fogo. Von
Sebottendorf afirma que
«conjugado o A –que faz nascer o elemento líquido – com I que se
forma com o
indicador estendido, permitirá ao discípulo ultrapassar os limites
da morte, em
plena consciência. Alcançar pois a Imortalidade!»8[8]
Vlad-Dracul
Senhor da Valáquia
Na Transilvânia, a uma altitude vertiginosa acima de uma paisagem
selvagem, toda florestas e ribeiros, eleva-se uma cidadela
inacessível onde,
enclausurado voluntariamente, vivia noutros tempos um príncipe...
Este solitário não tinha senão um único fim: transpor os limites
da morte e
entrar vivo na eternidade. Drácula, eis o nome deste amante das ciências
malditas. Nosferatu,
isto é: o «não morto», aquele que não
morre nunca.
Como ele, outros senhores poderosos transformaram os seus castelos
romenos em ninhos de águias, ficando discípulos do Anjo Negro,
Lúcifer. Esses
sim, praticam o verdadeiro vampirismo, alquimia do sangue e da
morte.
Nosferatu pode
escrever-se só no plural porque não há só um nosferatu. Se
Drácula, o príncipe Vlad Drakul, cuja história romena recorda, é
considerado como
o soberano dos adeptos da noite, ele não é único «não morto».
Outros
pertenceram ou ainda pertencem a essa cadeia onde os segredos do
sangue se
transmitem do mestre para o discípulo.
Os vampiristas conhecem o ritual de chamamento à vida, o ritual do
despertar que se pode encontrar no Livre Sacré d’ Abramelin le Mage. Foi a partir
deste manuscrito9[9] que formou a primeira cadeia dos «não mortos»
que se
espalharia pela Europa inteira.
No âmbito da magia e terror tal como se passa com os elfos10[10],
os
papões, as fadas, o lobisomem etc., nós vimos o vampiro aparecer
com rara
constância nas lendas e tradições populares. No entanto, a lenda
não é somente
uma «crença popular», uma vaga superstição de que nos lembramos.
Ela
pertence sempre a uma realidade esquecida, temerosa.
A história revela-nos que o conde Drácula não era conde mas
príncipe e que
reinou em Valáquia, província dos Cárpatos,de 1456 a 1462. É
também conhecido
pelo nome de Vlad Tepes, o que quer dizer vlad o empalador. O
historiador
Florescu descreve-o como especialista em empalamento e tortura,
homem
sanguinário e destemido guerreiro.
«Ele empregava», escreve ele, «estacas e lanças que precisavam ser
afiadas, para que as perfurações não provocassem imediata agonia e
antes
intensificassem o sofrimento dado o tipo de chaga alargada que daí
resultava.»
A Romênia – especialmente a Transilvânia de século XV tem a marca
do
vampiro. Tudo, desde a busca mágica do príncipe Drácula, a criação
da Ordem do
Dragão por Segismundo I da Hungria que se tornou ponta de lança da
cavalaria
das trevas, uma ordem vampírica a que toda a aristocracia da
Transilvânia aderiu,
os Drácula, os Garai, Cillei e outros, tudo ali existe.
A crueldade de vlad ficou na lenda.
«Ele foi vlad Tepes, o tirano. Nada o satisfazia tanto como ver os
seus
inimigos no estertor e sofrer quando empalados. Conta-se que no
meio dos
moribundos suspensos de estacas ele se fazia servir das mais
lautas refeições,
para mostrar que o espetáculo cruel e a forma de matar os inimigos
não lhe
roubava o apetite.» (F. R. Dumas.)
Em Târgoviste ele empalou, na Páscoa de 1459, quinhentos Boyards.
A 24
de Agosto de 1460, os anais da Romênia precisam que ele matou –
após torturas
e suplícios – 30 000 prisioneiros em Anilas:
«Assassinou alguns fazendo passar por cima deles os rodados de
carros. A
outros, despojando-os das suas roupagens, arrancou a pele até às
entranhas.
Assou alguns sobre brasas, atravessados por espetos e a tantos
perfurava-lhes as
nádegas com estacas que saíam pela boca... e parra que nada fosse
esquecido,
quanto a atrocidades possíveis, espetou, a uma mãe, os dois seios
colocando-lhe
por cima o filho ainda bebê.»
Enfim, matou de muitas e diversas maneiras, torturando com a ajuda
de
utensílios, fazendo atrocidades que só o mais tirano dos tiranos
poderia conceber.
O papa Pio li ficou horrorizado. O bispo d’ Erlau, em 1475,
secundou a
acusação de que o número de vítimas do príncipe Drácula se elevava
a mais de
cem mil pessoas.
Sendo ele cristão ortodoxo, a sua excomunhão tê-lo-ia atirado para
os
infernos! E não foi citado que, após ter conquistado Kroonstadt,
fez dos seus
habitantes prisioneiros levando-os para a capela de S. Jacques,
para a Igreja de
S. Bartolomeu e para o mosteiro de Holtznetya onde, depois de
roubar os
paramentos e os cálices, deitou fogo aos edifícios com as pessoas
lá dentro,
matando todos os que ali se encontravam.11[11]
Com a aparição de um tal Eleazar, chegado do Egito, detentor do
famoso
Manuscrito de Abremelin, é que tudo afinal começou...
Uma seita do Egito revelou-lhe os mistérios da morte e as técnicas
que
permitiriam obter-se um aspecto de imortalidade. Chegado a Veneza,
transmitiu
para a escrita tudo o que ouvira da boca de Abramelin, no Egito. É
em Veneza que
põe em prática a sua ciência sobre os mortos... de um modo eficaz
e terrífico.
Alguns jovens mais ousados agruparam-se à sua volta e formaram o
primeiro elo
desta cadeia européia. Este saber vinha das práticas de Osíris, o
deus dos
mortos-vivos do Egito, aquele que foi desmembrado antes de se
tomar imortal.
Nas primeiras páginas do manuscrito maldito, Abramelin revela
através da
escrita de Eleazar: «Imagina a que ponto a nossa seita se tornou
maldita que
ultrapassa o gênero humano... de tal modo que em ti , não se
manterá para além
de uns setenta e dois anos... e outra virá continuar-lhe caminho.»
O discípulo de Abremelin deixou Veneza, onde ficou um grande
número de
partidários que se instalou na ilha de Lagune, ilha essa onde
noutros tempos se
orara ao dragão das águas, o que prova que nada se escolhe por
acaso...
Eleazar chegou à Hungria, onde se tornou conselheiro, em matéria
de
ocultismo, do imperador Segismundo, iniciando-o nas práticas de
Abremelin.
O imperador da Hungria acabava assim de descobrir uma resposta
para as
suas angústias, um remédio para o seu temor à morte. Aconselhado
por Eleazar
fundou a Ordem do Dragão na mitologia do sangue.
Vlad o Diabo, príncipe da Valáquia e pai de Drácula, pertencera a
esta
Ordem, onde foi iniciado nos mistérios do sangue segundo os ritos
de Abremelin.
A seguir à morte de Vlad, Drácula subiu ao trono de Valáquia.
Segismundo
da Hungria doou-lhe as terras, feudos de Almas e Fagaras situados
na outra
vertente dos Cárpatos e é sob a bandeira do Dragão que ele combate
os turcos,
depois de prestar vassalagem ao grão-mestre da Ordem.
Na Ordem do Dragão vamos encontrar os grandes adeptos vampiros da
Romênia, homens de armas e ao mesmo tempo praticantes da velha
magia. As
famílias Garai e Cillei, são conhecidas pela sua crueldade e
despotismo,
autênticas «eminências pardas» do imperador Segismundo. Hermann de
Cillei foi
o exemplo vivo desta aristocracia infernal!
As relações pervertidas que mantinha com a irmã bárbara
tornaram-se do
domínio público mas Hermann de Cillei gozava com o escândalo para
o qual ele e
sua irmã viviam.
Foi nessa altura que Segismundo I tentou a grande experiência do
livro de
Abramelin. Ele estava apaixonado por bárbara de Cillei que, ainda
nova, cansada
pelos seus excessos debochados, acabava de se envenenar.12[12]
bárbara de Cillei fora por muito tempo das cúpulas da ordem.
Segismundo
serviu-se do ritual próprio para ressuscitar esta jovem, segundo
nos conta Eleazar
através dos seus documentos.
O castelo de Drácula
Bárbara foi enterrada em Gráz, na alta Síria. Algum tempo depois,
os seus
despojos foram transportados para o castelo de Varazdin. Foi ela a
inspiradora da
obra prima da literatura vampiresca do século XIX: Carmila, de
Shéridan Le Fanu.
Bárbara Cillei, a quem chamavam «a Messalina alemã», perturbou
durante
muito tempo a sua região, a acreditar-se nas crônicas da época.
O seu duplo ter-se-ia manifestado em 1936, em Varazdin, na atual
Jugoslávia, e causou a morte a seis pessoas muito novas da aldeia.
Na
Transilvânia, a natureza oferece à vista profusão desordenada de
montanhas que
protegem estreitos vales, tornando assim o acesso muito difícil.
Os cumes
desnudados ergem-se sobre as aldeias, como que para lembrar as
glórias antigas
na época em que os enormes penedos suportavam verdadeiras
fortalezas de
muralhas sombrias, de maciças torres.
Foi aí que, fechado no seu ninho de águia, Hermann de Cillei
escreveu a sua
Pratique de Vampirisme, deixando às gerações futuras um verdadeiro manual de
técnica (o segredo da «horrível transformação» transmitia-se entre
as famílias da
nobreza da Transilvânia, os Garaï, e os Dráculas, todos nobres da
Ordem do
Dragão).
«O vosso corpo imortal já existe», escreve Hermann Cillei. «Fazei
crescer
esta outra realidade em vós, tornai-vos confiante, deixai-vos
possuir pelo Real.
Sede aquele que nunca dorme, não sucumbe aos automatismos, nunca
se
esquece de si próprio nem um segundo, um ser que vence o coma e a
morte. O
vosso corpo prosseguirá. Como poderia ele resignar-se à lei da
decomposição? O
vosso espírito despertado retém as moléculas da carne. A partir de
então o corpo
não soçobrará, pois é a falta de vitalidade, de força anímica, que
fazem o corpo
tornar-se em pó. E o mesmo que tirar as pedras de cunha a uma
casa.
»Em primeiro lugar é preciso agir sobre o nosso duplo astral,
torná-lo
autônomo, forçá-lo a sair do corpo, ensiná-lo a errar no plano
astral, ensiná-lo a
viver sem depender do corpo e dos seus hábitos. Logo que o duplo
se souber
governar perfeitamente, pode então a consciência abandonar o corpo
e vir habitar
o duplo. Depois da morte continuará a errar. Deveis pois
alimentá-lo com a
vitalidade que o vosso sangue contém.»
Pode imaginar-se facilmente Hermann Cillei metido numa das torres
do seu
castelo, fixando a chama hipnótica da vela, escrevendo o manual de
vampirismo,
já entre este mundo e o outro. Ouve vozes confusas vindas do
passado, vê cenas
terríveis de que as montanhas foram testemunhas... O vale está
povoado por
seres fantásticos, sombras que deslizam ao cair da noite... olhos
que espreitam
entre a escuridão...
A maldição plana como um abutre sobre os castelos da Transilvânia.
Bárbara
de Cillei morreu envenenada. A mulher de Drácula atirou-se do alto
da torre do
castelo, em 1462. Drácula voltou a casar-se – sem a bênção da
igreja – e vive
então na fortaleza de Sibiu. O filho, Mihnea, é tão mau como o
pai. Alcunharam-no
de Mihnea, o Mau. Também ele pratica decapitações, carnificinas, cortes de
orelhas, empalamentos e estuda as «ciências» malditas para fugir à
morte.
O príncipe Drácula – vlad Drakul – foi morto pelos turcos numa
emboscada
perto de Bucareste. Tinha 45 anos, e «foi enterrado
subrepticiamente no mosteiro
de Snagov sob uma laje sem inscrição. Quando em 1931 foi aberta a
sepultura
constatou-se que os seus despojos tinham desaparecido».
Que é que se passou? pergunta Ribadeau-Dumas: «Os monges do
mosteiro
de Snagov, na floresta de VIasie, no meio de um grande lago, como
existe um em
Bucareste, mergulharam o caixão nessas águas ao ver chegar os
turcos
vitoriosos. Depois de afundado nunca mais se encontrou o caixão.
Conta-se que
no momento em que o mergulharam na água, teria surgido uma
tempestade
violenta, deitando árvores abaixo, rebentando os diques do lago,
incendiando o
mosteiro que desabou em seguida. Aos camponeses pareceu-lhes ouvir
durante
muito tempo tocar os sinos da igreja, igualmente arrasada nesta
onda de
destruição. Aquele lago ficou amaldiçoado!
»No século XX reconstruíram a igreja do convento, mas a nave
abateu
aquando de um tremor de terra em 1940. Hoje, apenas um monge ora
nesta ilha,
pelo repouso da alma do príncipe Drácula.»
Para se chegar ao castelo de Drácula, na Transilvânia, é preciso
transpor o
vale de Ollul, trepar o desfiladeiro da «Torre Vermelha», onde
ainda existem
ruínas de uma fortaleza militar. Estas ruínas levantam-se sobre a
margem direita
de uma ribeira, no alto de uma enorme falésia perpendicular à
estrada.
___________4
Encontramo-nos nas nascentes do Arges, por cima das quais brilha a
neve dos
montes Fagaras.
As aldeias são pobres, as casas modestas, os habitantes mais duros
e
menos sociáveis e hospitaleiros que os de outras províncias da
romênia. A uns
trinta quilômetros a jusante encontra-se a aldeia de Arefu onde lá
em cima se
ergue o ninho de águia de Drácula.
Numerosas lendas relatam a construção do castelo do terror. As
crônicas da
época dizem que Vlad Draklul reuniu trezentos nobres romenos na
sala grande do
seu palácio de Târgoviste, oferecendo-lhes um banquete suntuoso. Durante a
festa, colocara à volta da sala os seus arqueiros que, a uma ordem
sua,
aprisionariam os convidados. E, como um rebanho, fez seguir os
seus convidados
até Arefu, onde chegaram dois longos dias depois.
Numerosas mulheres e crianças, diz a crônica, não agüentando a
caminhada, pereceram a meio. Os que sobreviveram, logo se
agarraram ao
trabalho sob as ordens do príncipe Drácula. E assim construíram a
fortaleza de
Curtes de Arges, que seria mais tarde o ninho de águia do
príncipe.
«A história não esclarece quanto tempo levou esta construção.
Escravizados,
acabaram por ver suas roupas cair, continuando a trabalhar nus;
prosseguiram até
tombar mortos pela fome, fadiga, frio e esgotamento...»13[13]
Foi assim com sangue que se construiu a fortaleza. Como se o suor,
o
sangue, a carne dos cadáveres tivessem servido de argamassa a
esses
pedregulhos.
O caminho que vai de Arefu ao castelo é duro. Uma hora a andar,
antes de
se atingir algumas pedras daquilo que foi uma das mais poderosas
fortalezas de
Valáquia. A vista é vertiginosa, distinguindo-se a mancha vermelha
das aldeias
espalhadas pelos contrafortes alpinos. Lá longe, para norte, luzem
os picos de
neve dos montes Fagaras.
No pátio do castelo o visitante apercebe-se dos vestígios de uma
abóbada,
toda coberta de vegetação. Muito perto, vê-se a parte de cima de
um poço, cheio
de pedras, como se as muralhas do antigo castelo tivessem sido
aspiradas pelo
abismo, obstruindo para sempre a entrada do mundo subterrâneo.
Ao lado do poço há uma escada enterrada no solo, sem dúvida uma
passagem secreta, de que muitos relatos falam, com acesso a uma
gruta que os
camponeses de Arefu chamam Privnit (A cave), situada na margem de uma
torrente. Passados alguns metros de escuridão surge um montão de
pedras que
barram o subterrâneo.
Os camponeses da região comentam muitas vezes sobre o castelo
maldito
mas hesitam em ir até lá, pois que o sombrio herói de Bram Stoker
assombraria
para sempre aqueles lugares.
Para Radu Florescu – o histonador romeno –. «Além da águia e do
morcego,
as ruínas são frequentadas pelas raposas que procuram os ratos e
alguma ovelha
ou carneiro que, extraviados do rebanho, caíram num buraco e,
prisioneiros no
matagal, ali venham a morrer.
»O regougar que os cães selvagens soltam à Lua, sobretudo quando
respondem aos uivos, resulta num concerto noturno que não se ouve
sem um
calafrio. De vez em quando também um urso ou um lince descem os
montes
Fagaras até aí; mas os visitantes verdadeiramente perigosos são os
lobos. Se
Bram Stoker escoltasse a parelha de Drácula com as matilhas
uivantes para os
lados de Borgo, aqui, no alto vale de Argens, as pessoas seriam
com certeza
atacadas, pois a desolação de Inverno torna esses animais
raivosos.
Compreende-se assim que pernoitar no castelo de Drácula seja
considerado um
desafio à morte e mesmo os mais ousados raramente o fazem».14[14]
Diz-se que em Arefu os raros aldeões que de noite vão ao castelo,
só se
aventuram levando consigo um velho missal que, afirmam eles,
afasta «os
espíritos do mal que rondam pelas alturas».
O vale dos imortais
No seu romance Drácula,
Bram Stoker garante ter encontrado, em
1880, um
professor Arminius, da universidade de Bucareste que lhe entregou
um dossier
«respeitante a V1ad V, filho de V1ad, o Diabo» atestando
que depois da morte
brutal, da sua inumação na ilha de Snagov, seguido do famoso
cataclismo que
arrasou a ilha, Drácula reapareceu como «vampiro».
«Pedi ao meu amigo que pusesse em ordem o seu dossier. Todas
as fontes
de informação levam a pensar que Drácula foi um voïvode15[15] que ganhou o
seu apelido ao combater os turcos no grande rio, sobre a fronteira
da terra turca.
Sendo assim, não se trata de um homem vulgar, porque no tempo dele
e nos
séculos seguintes foi considerado o mais inteligente, o mais
ardiloso e valente
entre todos os que existiam para além das florestas
(Transilvânia), Levou para o
túmulo esse poderoso cérebro e um caráter de ferro que ‘utiliza
agora contra nós’.
Os Drácula, diz-nos Arminius, foram uma grande e nobre raça, ainda
que certos
descendentes seus (segundo os contemporâneos) tivessem pacto com o
diabo.
Aprenderam o segredo de Satanás no Scholmance, entre montanhas, sobre
o
lago Hermanstadt, onde o demônio se reclama, por direito, o décimo
erudito.
»No manuscrito encontram-se palavras como estrgoica (feiticeira),
Ordog
(Satanás), polok (inferno), e ainda se diz neste momento que Drácula, era
wampir».16[16]
Nos contrafortes dos Cárpatos, nos vales da Transilvânia, as
aldeias fazem a
época histórica dos Drácula. De longe em longe destinguem-se
granjas de
madeira, para onde o camponês conduz o seu atrelado. O caminho é
escarpado,
todo exposto ao sol ao longo das encostas íngremes que levam a cumes
solitários. Umas vezes aparece uma cabana de caçadores, um cal
vário... meio
engolido pela vegetação. Outras vezes surge alguma ruína imponente
coroando a
colina, os muros de uma antiga fortaleza colocada de sentinela à
entrada de uma
garganta profunda, ao fundo da qual brilham como um
espelho as águas de uma
ribeira.
E fácil compreender por que este território inacessível foi
noutros tempos a pátria
dos Dácios, «o vale dos imortais», que os antigos gregos
veneraram.
Num livro misterioso, chamado L’ lcosameron17[17] Giacomo
Casanova –
gentil-homem veneziano, libertino, filósofo e mágico – conta-nos
de um povo que
vivia no subsolo da Transilvânia, os Mégamicres, bebendo sangue para se
tornarem imortais:
«Que belo alimento era o leite dos Mégamicres!...
Pensamos que nada de
fabuloso nos ensinara a mitologia, que estávamos no verdadeiro
domicílio dos
imortais e que o leite sugado por nós representava o néctar, a
ambrósia18[18],
que iria sem dúvida dar-nos a imortalidade de que todos deviam
desfrutar... Esta
refeição durou uma hora e penso que teríamos ainda continuado não
fora
verificarmos com pavor algumas gotas que caíram dos seus mamilos
para o nosso
peito. Pela cor percebemos que era sangue.
»Intermináveis corredores ligam o mundo subterrâneo dos Mégamicres à
região do lago Zirchnitz, na Transilvânia, que Casanova descreve
como um ‘reino
de grutas e de trevas’.»
Quais são os deuses venerados pelos Mégamicres, em
Icosameron? Lendo a
descrição que Giacomo Casanova nos faz, pensamos nos vampiros que
povoam a
tradição de Europa central:
«...Os deuses dos Mégamicres são répteis. Têm
a cabeça muito parecida
com a nossa, mas sem cabelo. Nada é tão doce e sedutor como o seu
olhar,
quando se fixa. De dentes são brancos e bicudos, mas nunca se vêem
por eles
terem sempre os beiços fechados. A voz é apenas um horrível silvo
que faz ranger
os dentes e gelar o coração. O povo dos Mégamicres dedicam-lhe
1m culto
religioso.19[19]
»A vida e a morte de Casanova continuam misteriosas. Foi preso em
Veneza,
pela Inquisição, acusado de magia e fechado nos esgotos do Palácio
ducal, donde
conseguiu fugir e correr a Europa. Manuzzi – espião dos
inquiridores de Veneza,
conseguiu apoderar-se de livros e documentos manuscritos em sua
casa, tais
como as Clavicules de Salomon, as obras de d’Agripa, e o Livre d’Abramelin le
mage (publicado
em Veneza).
No seu L’ Icosameron, Casanova revela que os Mégamicres são os inimigos
do envelhecimento, e que nunca envelhecem:
«O sono profundo», escreve ele, «uma tão perigosa languidez, que é
visível
que nos faz envelhecer e acelera o ritmo das nossas vidas...»
Sabe-se que Drácula foi enterrado na ilha de Snagov, à entrada da
igreja do
mosteiro, e procedeu-se as várias buscas em vão. O túmulo está
vazio,
acontecendo o mesmo com o de Giacomo Casanova, enterrado no parque
do
castelo de Dux, na Boêmia, sob uma pedra tumular rodeada por um
gradeamento.
Depois foi transladado para poucos metros de distância, perto da
entrada da
pequena igreja de Santo Eustáquio, na margem de um pequeno lago...
Hoje não existem nem as lages sepulcrais nem gradeamento! Que
coincidência tão estranha até à morte... Drácula e Casanova!...
Coincidências ou
conjugações de forças secretas para lá da nossa compreensão?... Os
imortais
bebedores de sangue de Giacomo Casanova viveram em tempos
longínquos na
Transilvânia, perto do lago Zirchnitz, numa região de «grutas e
trevas».
A Transilvânia foi a pátria dos dácios muito antes da era cristã.
Os gregos
acreditavam que este enclave de montanhas era o «Vale dos
imortais».
A antiga terra dos dácios era pagã. «Aí existiam, governados pela
misteriosa
deusa Mielliki, as forças dos bosques, enquanto a oeste a montanha
de Nadas
tinha o vento como único habitante. Havia um deus único, mas nos
Cárpatos
supersticiosos havia sobretudo o diabo Ordog, servido por
feiticeiras que, por sua
vez, tinham ao seu serviço cães e gatos pretos. E tudo vinha dos
elementos da
natureza e de suas fadas... No meio das árvores sagradas, de
carvalhos, de
nogueiras fecundas, celebravam-se secretamente os cultos do Sol e
da Lua, da
aurora e do cavalo preto da noite.»20[20]
Testemunhas da Grécia antiga recordam ter visto legiões de dácios
em pé de
guerra, armados de escudos, trazendo a efígie do dragão nas armas
de guerra.
Para os raros viajantes da Antiguidade, este povo selvagem
corresponderia
aos Hiperboreanos da mitologia, os homens-deuses que venceram a
morte e
reinaram na ilha de Thulé (Os filósofos gregos e pessoas que em
viagem citam a
Dácia hiperboreana).
Os dácios consideravam-se imortais. Tinham – acreditavam eles – o
dom de
se transformar em lobo ou em morcego, de voar, de dialogar com os
deuses no
alto das montanhas. Os lugares escolhidos para os rituais eram
sobre os picos
rochosos, no interior de grutas inacessíveis. E sobre estes cumes
que os grandes
senhores – Drácula, Garal, Cillei – construíam seus ninhos de
águias.
A suprema autoridade religiosa dos dácios, aquele que detinha os
segredos
da vida e da morte, viveu, ma das florestas da Transilvânia, no
cimo de uma
montanha agreste na qual construíram um templo. Supõe-se hoje que
tivesse sido
o monte Cugu, que se eleva a três mil metros de altitude nos
confins de Banat e
da Transilvânia.
Para os «padres» dácios, a divindade suprema chama-se Zalmonix. E
ela
que preside à iniciação.
Entre Zalmonix e os sacerdotes de Transilvânia existem outros
seres que
servem de intermediários entre os homens e a divindade suprema.
Estes seres
seriam eventualmente os vampiros ou mortos-vivos, isto é, aqueles
que venceram
a morte e que têm o poder de voltar ao meio dos homens, segundo a
sua vontade.
O príncipe romeno Bursan-Ghica, exilado em Paris desde os anos 50,
recorda ainda as velhas lendas da Transilvânia:
«Para comunicar com Zalmonix, os dácios têm de recorrer a
mensageiros.
Escolhem por isso os irmãos mais avançados em magia, aqueles que
ultrapassaram o limiar da iniciação. Estes eleitos são os
sacrificados. Os dácios
trespassam-nos com as pontas das suas lanças. Mas sete dias
depois, os corpos
trespassados saem do túmulo e juntam-se aos outros. Tornaram-se
imortais e
farão de elo entre os Dácios e Zalmonix. Naturalmente que as
lanças foram
substituídas por agudas estacas que se plantavam na terra.
Compreendem agora
a realidade secreta da estaca dentro do vampirismo, e a razão por
que o Drácula
foi alcunhado de vlad, o empalador?...
Para certos ocultistas, fanáticos do vampirismo, o príncipe
Drácula não seria
um guerreiro sanguinário ao empalar as suas vítimas para seu
prazer... antes
cumpria as práticas da magia antiga e dos Dácios, seus
antepassados, os imortais
da Transilvânia.
Em 1462, Vlad Drakul foi preso na Hungria, na torre de Salomão,
palácio de
Visegrad. Segundo Kurytsint um diplomata russo, Drácula mantinha
excelentes
relações com os guardas. Fez-lhes um pedido que não deixa de ser
curioso!
Desejava que lhe arranjassem ratazanas, ratinhos, pássaros e
outros animais
pequenos.
Que razões secretas o levariam a tal? Kurytsint que estudou
Drácula narra
que ele empalava estes animalejos e os dispunha em redondo ou em
cepa,
espetados em raminhos afiados sobre o chão da sua cela. Os cronistas
referem as
___________5
distrações atrozes, de um sadismo monstruoso. As obras recentes
acerca do
personagem histórico Vlad Drakul (entre eles o livro do
historiador Romeno
Florescu) são bem o testemunho da opinião do autor quanto a
tratar-se de
perversões psicopatológicas. Apenas os ocultistas e os adeptos do
vampirismo
viram nelas o ressurgimento da antiga magia Dácia oferenda oculta
único vínculo
possível com Zalmonix deus dos vivos e dos mortos nas antigas
crenças da
Transilvânia.
No país dos bebedores de sangue
A família dos Dráculas estende as suas horríveis ramificações por
toda a
Europa. Irmãos, primos e primas, formam todos uma espécie de teia
de aranha
venenosa cuja mordedura matará; é como que uma poluição oculta que
se infiltra
por todo o lado e se espalha como um veneno. Decadência e obsessão
reinam em
pleno nas almas pervertidas dos Drácula como o prova a história da
condessa
Bathory. Esta familiar do príncipe Vlad Drakul, senhor da
Valáquia, domina a
nobreza austro-húngara pela sua crueldade e luxúria. Ela vivia,
«sem luz e sem
cruz» – diz-nos Valentina Penrose.
«O seu espírito era desleal e supersticioso. Erzsébet Bathory
experimentou
várias crises de possessão. Nunca podia prever-se quando tal
aconteceria. De
repente surgiam violentas dores na cabeça e nos olhos. As criadas
traziam feixes
de plantas frescas e narcotizantes, enquanto sobre o lume se
preparavam drogas
soporíferas onde se iriam embeber esponjas para se passarem a
seguir pelas
narinas da paciente.» (Penrose).
Um dia a condessa, irritada, bateu a uma das serviçais. Logo o
sangue jorrou
e caiu sobre o seu braço. Tudo se precipita para fazer desaparecer
o sangue, mas
entretanto ele coalhara. Quando por fim se conseguiu limpar a
mancha, a
condessa contemplou a mão, surpreendida. «No sítio onde o sangue
estagnara
por alguns minutos, ela viu que a carne tinha um brilho
translúcido, como o de
uma vela iluminada por outra vela.»
Estamos na fortaleza dos Bathory, sobre a fronteira
austro-hungara, no fim do
século XV. Um mundo fechado, feito de solidão, neve e altas
muralhas.
Nesta região secreta, desenvolvem-se as mais surpreendentes
mitologias,
mas se se tentar aprofundar um pouco mais para além do mito a
realidade é por
vezes bem mais aterradora que a própria lenda em si.
Na Hungria, o vampirismo é um título de nobreza como outro
qualquer, com a
única diferença que doseia o horror e a veneração de uma forma que
cada pessoa
sente a magia do sangue ainda que a aristocracia construísse os
seus castelos no
inferno. ICQ: 14704661
Para o mundo de hoje, o vampiro húngaro veste uma camisa de
peitilho
arrendado, uma capa de cetim negro com dupla face vermelha, à moda
dos
poetas românticos. Mas quando o coração já não responde a paixões
humanas e
as mulheres o deixam insensível, a única beldade que lhe diz algo
é a do sangue,
e vive na angústia da estaca aguçada que trespassará o seu peito.
Mas no cinema
o vampiro é um modo de exorcizar a verdade, de esconder o
verdadeiro rosto dos
Drácula, que nada tem de comum com o fantasma da ópera...
No século XV, os vampiros não existem para manter o comércio de
imagens
de Epinal, mas para a crueldade e perversão que matem ou endoideçam.
Como se viu, a atribuição do nome de Drácula ao arquétipo do
vampirismo
juntam-se à idéia base de a serpente ou de o dragão (Drakul, Drak
= dragão)
guardarem o segredo do sangue. O brasão dos Bathory tem a
enfeitá-lo o motivo
de um fantástico dragão.
Nas campanhas húngaras, amedrontado, o homem reconhece as virtudes
do
sangue. Não é mais nem menos que essa «água de rejuvenescimento»
que os
poetas tanto cantaram... mas existe o medo, a maldição, a
infelicidade para quem
tente violar os segredos do sangue eterno, pois que como revela o
Levítico: A
alma da carne está no sangue.
Desde muito cedo que Erzsébet Bathory contactou com «o leite
venenoso
dos sonhos». As lendas que embalaram a sua infância foram povoadas
de
homens e mulheres vampiros à procura da bebida encarnada que
imortaliza.
Casada desde os 15 anos, a sua residência é no castelo de Csejthe,
a
nordeste da Hungria. O marido, valoroso guerreiro, é alcunhado de
«herói negro»,
combatente valoroso, freqüentemente em guerra com turcos e
habsbourgos.
Com 20 anos, idade em que normalmente se freqüentam bailes e
recepções
na aristocracia húngara, a prima do príncipe Drácula vive numa
quase total
reclusão. Amantiza-se com o intendente Thorbes, que a inicia em
feitiçaria e que,
tendo-a casado com Satanás, lhe transmite os ritos secretos da
seita de «Ave
negra» – sociedade secreta à qual ele pertence – tais como este:
«Agarrai uma galinha negra, e batei-lhe com uma bengala branca até
ela
morrer. Recolhei o sangue com que tocareis o vosso inimigo, que
perecerá de
esgotamento ou acidente. Se não for possível tocar-lhe
diretamente, colocai um
pouco do sangue sobre as suas roupagens.»
A Ordem da Ave Negra mantém estreitas e subterrâneas relações com
a
Ordem do Dragão de Segismundo da Hungria. Erzsébet participava nas
reuniões
de magia com Thorbes, com a sua ama, as duas criadas e o mordomo
Johannès
Ujvary.
Logo que enviuvou, dispensou a companhia de sua sogra e dos
subordinados do marido, para se entrega tranqüilamente aos ritos
mágicos
ensinados por Thorbes.
Uma certa manhã, quando uma das criadas a penteava e
acidentalmente lhe
arrepelou um pouco os cabelos, logo a esbofeteou. Fê-lo com tal
violência que a
pobre da rapariga começou a sangrar do nariz. Algumas gotas caíram
então numa
das mãos da condessa. Afastando as serviçais mandou chamar duas
almas
danadas, Thorbes e Ujvary, e informou-os em tom excitado:
«O sítio onde o sangue desta mulher me atingiu deixou a minha pele
firme,
voltou a ter um aspecto de juventude.» E foi desta forma que a
condessa Bathory
por um simples acaso, reconheceu quanto o sangue era eficaz. A
angústia do
envelhecer, o aparecimento das rugas, o perder da juventude e
beleza como que
encontrava de repente uma paragem, um remédio, porque o sangue
poderia enfim
conservá-la nova e bonita. Neste seu delírio ela já admitia que
banhos de sangue
poderiam resultar na flexibilidade do corpo e no não
envelhecimento. Então,
durante dez anos, Erzsébet Bathory ordenou que fossem degoladas
uma centena
de raparigas camponesas, com a cumplicidade de terceiros, mandadas
sob
diversos pretextos para Csejthe.
Em Novembro de 1610, uma das vítimas conseguiu fugir antes de ser
condenada à morte. O rei Mathias II, conhecedor do caso, encarregou
o conde
Thurzo de investigar as estranhas práticas da condessa. A 30 de
Dezembro de
1610 o conde forçou a vedação do castelo de Csejthe. Na sala
grande da torre de
mensagem, descobriu horrorizado um cadáver em cujo corpo não havia
gota de
sangue, vasos cheios de sangue ainda não coagulado, e um moribundo
barbaramente torturado. Submetido a interrogatório, o mordomo
Ujvary confessou
ter participado em trinta e sete assassinatos rituais. Uma
tesoura, manejada por
Erzsébet Bathory, substituía o punhal sacrifical. Os servos desta
estranha missa
do sangue recolhiam-no para depois prepararem os banhos de
juventude de
Erzébeth cuja aparência jovem, comentavam os juízes, «não podia
ser senão de
origem diabólica».
A condessa confessou arrogante e friamente os seus crimes. Os dois
necromantes foram condenados à morte. Arrancaram-lhe as unhas,
cortaram-lhes
a língua, espetaram-lhe os olhos e por fim queimaram-nos em fogo
lento.
Erzsébet foi condenada a confessar a sua culpa e a ser decapitada.
A
sentença foi comutada, tendo em vista a sua origem e posição, para
prisão
perpétua «a pão e água». Veio a morrer em 1614, passados anos,
encerrada
entre as paredes de uma das salas do seu castelo.
Esta triste história desenrolou-se há muito tempo numa região onde
reinava a
superstição e o terror. Aos sacerdotes ortodoxos foi bastante
difícil desenraizar as
antigas prátIcas, o culto do sangue, os pactos das possessões
diabólicas. Embora
os tempos tivessem mudado as coisas, a verdade é que o fascínio
mórbido do
sangue perturba sempre os cérebros fracos. Em 1941, o professor
Léonard Wolf,
da Universidade de São Francisco publicou com o título Dream of Dracula tudo o
que se lhe oferecia sobre os casos de vampirismo recente,
declarando: «[...]
existem na Califórnia seitas que praticam a magia do sangue para
evocar os
mortos e obter os poderes da noite. Assim o provam as práticas de
uma seita de
Monterey, que utiliza a carcaça de uma moto Sobre a qual se matou William
Tingley, o líder do grupo. O novo guru, completamente
vestido de couro negro, o
tronco coberto de símbolos diabólicos, explica assim o ritual
mágico da seita:
«No metal há ainda vestígios de sangue e alguns restos de carne de
certas
partes do corpo. Este sofrimento magnetizou o metal. Temos
portanto, através
dele, acesso às fontes energéticas do infinito. Só o utilizamos
para o bem e
esperamos que, com o tempo, outros possam vir a aproveitá-lo. O
tempo não
conta para nós. Não fazemos publicidade esperando que, convencidos
da nossa
força, outros homens venham dessedentar-se na mesma fonte. Nós
poderíamos
de resto, se ameaçassem a nossa realidade religiosa, drenar a
energia dos
homens e não a do cosmos. Se nos recusarem viver entre eles,
tornar-nos-emos
dependentes de outros...»
Esta declaração é significativa quanto à patologia do vampirismo!
Em pleno
século XX, ainda se faz sentir o mesmo eco... convencidos da nossa
força, nós
poderíamos utilizar a energia dos outros homens. O poder sobre os
outros, a
manipulação psíquica, parecem ser as duas obsessões desta seita da
Califórnia.
Mas a obsessão do sangue não é só herança de seitas entregues à
magia
vermelha. Por exemplo no despertar da Belle Epoque as mulheres
novas dirigiamse
aos matadouros para beberem copos de sangue da veia jugular de um
bovino,
acabado de ser abatido, convencidas de ser esta a bebida que iria
dar-lhes um
reforço de vitalidade. Ainda e sempre a patológica fascinação do
sangue, do seu
mistério e do seu poder.
Os ritos de proteção
Certos morcegos da América do Sul atingem um tamanho superior a
oitenta
centímetros. Precipita-se sobre a vítima e, com o bico sugador
fixado na jugular
provoca-lhe uma espécie de anestesia que evita a dor. Estes
vampiros Spectrum,
nome dado pelos naturalistas, fazem autênticas devastações na
Argentina, como
se prova através desta informação citada por R. Ambelain:
«No decorrer do ano de 1958, perto de vinte e cinco mil cabeças de
gado
morreram de doença causada pelas sucções dos animais em questão.»
O poder de anestesia de que falam os pesquisadores, assemelha-se
ao beijo
do vampiro se a vítima n oferecer resistência e se se abandonar à
mordedura sem
terror.
Os morcegos da América do Sul segregam um líquido especial que
adormece a rede nervosa da veia jugular. A pessoa que adormece
terá
simplesmente a impressão de estar com um sonho estranho, uma
sensação de
dissolução agradável... enquanto o animal noturno lhe vai sugando
o sangue.
O elo mágico entre o morto-vivo e o morcego é referido em todos os
documentos religiosos da Idade Média.
A visionária Anne Catherine Emmerich afirmava ter visto Jesus
Cristo,
descrevendo-O detalhadamente. Confidenciou as visões que tivera ao
poeta
Clemens Brentano, que as redigiu intitulando-as de Vie de Jésus Crist, d'apres les
visions de Anne Catherine
Emmerich.
Numa passagem do seu livro, ela descreve Asach, na Palestina,
infestada de
morcegos-demônios. As pessoas desta terra têm feito caça aos
repelentes
animais malhados, de asas membranosas com as quais voam céleres.
São estes
os morcegos-demônios que sugam o sangue às pessoas e ao gado
enquanto
estes dormem. Vêm de densos pântanos impenetráveis e causam os
maiores
prejuízos...
Para os videntes cristãos, o vampiro depressa foi considerado
inimigo de
Deus, uma farsa monstruosa à luz divina, o candelabro tombado de
que falam os
praticantes de magia negra.
Na iconografia cristã, o pelicano tem uma certa analogia com a
figura
luminosa de Jesus Cristo, pelo fato de também aquele dar o seu
sangue e a vida
para proteger e alimentar os filhos. Um poema de Alfredo de
Musset, evoca o
sacrifício do pelicano, arrancando com o bico as entranhas para
assim alimentar a
sua ninhada.
No outro ponto oposto, o vampiro aparece como antítese do pelicano
porque,
para assegurar a sua existência, tira a vida ao homem sugando-lhe
o sangue.
O Rei David, no Salmos implora a proteção de Deus contra os
vampiros:
Livrai-me do que pratica o mal, salvai-me do homem
sanguinário.
Regressam pela tarde, ladrando como cães e
percorrem a cidade... (58-3.7)
Os seus lábios são como espadas... Vagueiam à
busca de alimento, e se não
se
saciam rondam a noite... (58-16)
Tal como se dissipa completamente o fumo, e ao contacto
com o fogo se
derrete a cera, assim se dissipam o ímpios na presença do Senhor.
(67-3)
A oração e a fé surgiam como as mais eficazes proteções contra os
seres
noctívagos. Homens e mulheres vampiros, outros sugadores de sangue
e ladrões
de almas.
À noite, durante o ofício das Completas21[21] e antes de recolher
às celas os
frades recitam os seguintes Salmos:
Tu não temerás o terror da noite
Nem a flecha que voa durante o dia
Nem a peste que alastra nas trevas
È que Ele deu ordens aos seus anjos
para te protegerem em todos os caminhos
Tomar-te-ão nas palmas das mãos, não aconteça
ferires
nas pedras os teus pés; poderás caminhar por cia
de serpentes e víboras.
Calcar aos pés leões e dragões No teu leito, medita,
paz e silêncio
Nos mosteiros ortodoxos, enquanto o Santíssimo está alumiado os
sugadores de sangue não conseguem entrar porque a luz brilha nas
trevas. As
luzes votivas têm a mesma função. E como se cada átomo de
obscuridade se
purificasse pela real presença de Deus.
Os anais do Museu Guimet publicaram um excelente trabalho sobre
armas
de magia, punhais, espadas, o pentágono estrelado, que serviam,
algumas delas,
para combater os vampiros da Europa Central.
Na lâmina de uma espada, uma frase grega diz-nos: A mão direita de Cristo
te persegue. Esta mão de vingança divina estendia a sua proteção pelos
mosteiros, as aldeias, os cemitérios... por todo o lado onde o
homem temesse o
despertar dos mortos sob a forma de vampiros.
Numa outra lâmina de punhal, encontram-se inscrições cabalísticas
em forma
de contrações hebraicas: AgIa que não é mais que a contração das
quatro iniciais
da fórmula Atha
Gibor Leolam Adonaï, ou seja, «Cristo é grande na
Eternidade».
A contração é uma oração que, comprimida como uma mola, pode a
todo o
momento aumentar a sua força.
Makaba, gravada
sobre uma medalha, traduz o poder de Deus face aos
seres da noite. Makaba é a contração do versículo hebraico Mi Komoi'kou Boelim
Adonai... isto
é: Quem de entre os deuses é semelhante a Ti, Senhor? (Êxodo XV,
11)
Pode encontrar-se nos Anais do Museu Guimet outras espadas
cunhadas
com a Cruz de Cristo, contendo inscrições latinas: Ego Sund et Genus David,
Stella Splendida et Matutina... seguida da fórmula lapidar: Vade Retro Satanás.
Em França, no princípio deste século, deitava-se fogo aos morcegos
que se
deixassem apanhar, apesar da utilidade dos seus serviços como
insetívoros. Este
exorcismo instintivo e espontâneo é um reflexo de superstição que
nada tem a ver
com o combate espiritual. E por causa deste medo se mandavam
queimar os
místicos, os visionários, porque eles não falavam a língua deste
mundo, opondose
ao entenebrecer da sua época.
Para além das superstições, existe o exorcismo real da alma, que
não
precisa recorrer a espadas mágicas, punhais, ou pentágonos de
estrela para
combate aos vampiros. Nos mosteiros da Europa Central, a grande
proteção
residia na oração, no implorar constantemente a Deus, vivo no
homem e em todos
os mundos tal como a luz do Santíssimo que invade a obscuridade
sem que fique
espaço para trevas.
Nos mosteiros do Monte Athos, a presença dos vampiros não é uma
simples
superstição. Terrível é aí o poder do diabo, porque o de Deus
também o é. À noite,
as celas dos monges são palco das mais duras lutas, agitação,
alucinações,
despertar violento, suores, pesadelos... gritos rasgam o silêncio,
como o rir dos
chacais risos que sacodem as abóbadas do velho mosteiro. Os monges
escutam...
benzem-se e rezam.
Jean Bies conta a sua viagem ao Monte Athos, à Montanha Sagrada,
que é
também local de pelejas espirituais: «Os demônios dançam no ar.
Diz-se que são
mais que os mosquitos em noite de Verão. Aqueles que os sentem à
sua volta,
começam logo a rezar. Nada mais estranho que o fechar
cuidadosamente as
pesadas portas, à noite, para evitar a entrada dos demônios! Toda
a gente terá de
entrar até ao pôr do Sol, I senão não se lhe abrirá a porta.22[22]
O mais poderoso dos exorcismos é ainda a Oração do Coração
aprendida
segundo os ensinamentos dos Hésychastes ortodoxos que será repetir
o nome de
Jesus constantemente, ao ritmo da respiração, acompanhada de um
profundo
sentimento de adoração, de presença.
Nos Atos dos Apóstolos se declara: «Todo aquele que invocar o nome
do
Senhor está salvo!» e S. Paulo, «Orai sempre...»
S. João Clímaco, um dos pais da Ortodoxia, propõe 7: a repetição
do nome
de Jesus como arma suprema contra os demônios noturnos: «Fulmina o
teu
inimigo com o nome de Jesus. Não existe nos céus nem na terra arma
tão
poderosa. Shiva e Krishn, repetindo os mantras, os
nomes sagrados, afastam as
tentações da noite e purificam o sono.»
QUARTA PARTE
Intacto e puro na morte
Ritos, fumaradas, incensos, aspersões, manipulações mágicas,
sempre
acabam por fazer os seus adeptos mesmo em pleno século XX como o
provam
numerosos casos de possessão, feitiçaria e outras sombrias
histórias que
alimentam a vida quotidiana.
Os vampiros ainda mantêm as missas vermelhas, em tecnicolor, nos ecrãs
de cinema, e vêem-se atores como o romeno Bella Lugose
identificar-se com o
conde Drácula e desequilibrar-se na extravagância.
Lugosi foi o primeiro grande ator do cinema americano a encarnar
Drácula no
ecrã.23[23]
Pode dizer-se que o veneno do vampirismo correu pelas suas veias,
inundou
o cérebro até lhe criar a terrível obsessão. Ele já não era Bella
Lugosi, mas
Drácula, e para reforçar esta suspeita saiba-se que se vestia de
capa preta forrada
a encarnado, comprou um caixão acolchoado no qual se deitava e
dormia todas
as noites.
Lugosi era também viciado em heroína, para acalmar angústias e
evitar os
terríveis pesadelos que tinha.
Morreu louco, com o cérebro minado pela demência. Christopher Lee,
que
igualmente encarnou o conde Drácula num trabalho para a sociedade
Hammer
Films, confidenciou que o papel põe à prova, aflige, e que é
necessário um grande
equilíbrio interior para não acontecer usurpação da pessoa que
representa, pelo
conde Drácula.
Já não estamos nos mosteiros de Athos, protegidos por cortinas de
incenso
ou barreiras de orações, mas na vida do dia a dia, vulneráveis no
meio de uma
esquizofrênica sociedade, despojados de crença, presos às nossas
obsessões,
arpoados pelas nossas angústias, tendo como única fuga o sonho ou
o tubo de
soporíferos.
Os feiticeiros das antigas civilizações sabiam que o sangue e a
luxúria se
associam para manipular a alma humana.
O sexo e a morte, os impulsos devoradores, a necessidade de
morder, de
devorar, no amor, são apenas fantasias, mas para um cérebro fraco
poderá
acontecer que esses monstros tomem forma e comecem realmente a
viver dentro
dele.
Jean Boullet na revista Medicina, Arte e Saber, de Abril
de 1960, cita o
exemplo de um porto-riquenho de 16 anos que, procurado pelos seus
crimes,
quando a polícia de Nova Iorque o prendeu, disse: «Eu sou o conde
Drácula,
diverte-me a idéia da vossa cadeira elétrica porque sou imortal e
unicamente vos
peço que me considerem o rei dos Vampiros.»
O aspecto do jovem assassino chegou para surpreender os agentes da
polícia. Capa preta forrada de cetim encarnado, sapatos com fivela
de prata,
peitilho rendilhado, anel largo e achatado representando uma
caveira, bengala de
castão...
A zona de ressonância do conde Drácula espalhou-se para além das
montanhas da Transilvânia com a ajuda extremamente ardilosa do
cinema e da
literatura.
«E tudo isto», escreverá Bram Stoker, «foi feito por ele sozinho,
a partir de
um túmulo em ruínas num qualquer lugar, numa região
esquecida.»24[24]
Drácula, o homem vestido de preto. O vampiro veste-se sempre com
as
cores da noite. O preto é para ele a ausência da cor, a ausência
de vida, a
impenetrabilidade fascinante para além da qual a morte pode ser
vencida.
Certas lendas populares européias falam de um estranho visitante
estrangeiro, vestido de preto, cuja aparição traz sempre consigo a
morte ou a
doença. Muitas vezes, crianças e adolescentes foram surpreendidos
de noite, nas
cercanias de suas casas. Stiker descreve o rei dos vampiros no seu
Drácula.
«Diante de mim estava um homem grande e velho, com um grande
bigode branco
num rosto que parecia acabado de barbear, vestido de preto da
cabeça aos pés,
sem o mais pequeno sinal de cor onde quer que fosse...
Não estamos já na Europa do século XV, e os feiticeiros da Idade
Média
estão há muito reduzidos a pó e a cinzas. No entanto as aparições
do Homme en
Noir continuam.
Os fantasmas e as superstições conferem-lhe sempre poderes
diabólicos. Aparições reais ou reais poderes?
Ninguém o sabe. Apesar do avanço científico, há ainda regiões do
universo e
da alma humana que continuam obscuras e impenetráveis.
Uma das mais recentes aparições remonta ao dia 20 de Fevereiro de
1968.
Ela teve como testemunha e vítima Rosinha Aguardiente, uma
adolescente de 17
anos. Foi a 20 de Fevereiro quando Rosita entrou num autocarro que
logo a seu
lado se sentou um homem de alta estatura, vertido de preto. «Eu
notei», disse ela,
«que ele tinha uma cor esverdeada e os olhos ligeira- mente
rasgados. Sem saber
porquê, senti medo, algo sinistro emanava dele. Desci, desceu
atrás de mim.
Quando cheguei ao campo senti uma enorme confusão na minha cabeça
e perdi o
conhecimento de repente. Quando acordei, estava num descampado com
o
vestido em desalinho. Ao dar os meus primeiros passos, tropecei
numa pequena
caixa que apanhei e meti no meu saco de mão.» Rosita Aguardiente
relatou o
caso à polícia, que o definiu como uma tentativa de violação.
Mas dias depois a jovem rapariga levada pela curiosidade provocou
que o
assunto voltasse de novo à baila, pois abriu a caixa que
encontrara quando voltar
a si naquele dia...
A caixa era toda ela hieróglifos! Assim que levantou a tampa, uma
luz como
que elétrica escapou intensa. A rapariga assustou-se e apressou-se
a fechar a
caixa.
O homem vestido de negro intervinha sob vários aspectos. A 20 de
Julho de
1967, o France Soir et L’, Republicain relataram os seguintes casos:
Em Arc-Sous Ciçon, quatro criaturas vestidas de
preto e com mais ou menos
um metro de altura movendo-se rapidamente,
meteram-se num silvado deixando
amedrontadas algumas crianças que por ali andavam.
Tinham uma cor de pele
escura, os olhos enormes e falavam entre si um dialeto
estranho e melodioso.
Os cemitérios das grandes cidades são evidentemente locais
predestinados
ao vampirismo contemporâneo.
Highgate, ao norte de Londres, et le Pére Lachaise em Paris, são
hoje teatros
de estranhas e fúnebres peças. Assim que cai a noite... levanta-se
o pano. As
personagens aparecem pelas bermas, tornam-se príncipes das trevas
no espaço
___________6
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