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Harry Potter e a Pedra Filosofal P3




Harry potter e a pedra filosofal



PARTE 3

Caíram para trás — Harry fechou a porta com toda a força e correram, quase voaram, pelos
corredores na direcção oposta.  O  Filch tinha ido certamente procurá-los noutro lugar porque
não  voltaram  a  encontrá-lo  mas  também  não  se  preocuparam  muito  com  isso.  Tudo  o  que
queriam  era  afastar-se  o  mais  possível  daquele  monstro.  Só  pararam  de  correr  quando
chegaram junto do retrato da dama gorda do sétimo andar.



— Mas por onde é que vocês têm andado? — perguntou ela, olhando para os roupões que
lhes caíam tortos dos ombros e para as caras afogueadas e cheias de suor.
—  Não  se  preocupe;  focinho  de  porco,  focinho  de  porco  —,  repetiu  Harry  e  o  retrato,
balançando para a frente, deu-lhes passagem. Subiram para a sala comum e caíram cansados e
a tremer sobre os cadeirões.
Houve um período em que ninguém falou. O Neville, com efeito, tinha o ar de quem nunca
mais iria abrir a boca em toda a sua vida.
— Qual será  a ideia deles de manter uma coisa daquelas aqui fechada na escola?  — disse
por fim o Ron. — Se algum cão precisa de exercício é aquele, de certeza absoluta.
Hermione recuperara tanto o fôlego como o mau humor.
— Vocês não usam mesmo os olhos, pois não? — disse com a sua natural agressividade. —
Não viram onde é que ele estava sentado?
—  No  chão  —  sugeriu  Harry.  —  Eu  não  olhei  para  as  patas  dele,  estava  demasiado
assustado com as cabeças...
—  Não.  Não  era  no  chão.  Ele  estava  sentado  em  cima  de  um  alçapão.  Obviamente,  a
guardar qualquer coisa.
Hermione levantou-se, fixando-os.
— Espero que estejam satisfeitos convosco. Podíamos ter morrido todos — ou pior, sermos
expulsos. Agora, se não se importam, vou deitar-me.
Ron ficou a olhar para ela de boca aberta.
— Não, não nos importamos — disse. — Até parece que a levámos à força, não é?
Mas Hermione dera a Harry muito que pensar, enquanto regressava à cama. O cão estava a
guardar  qualquer  coisa...  O  que  é  que  o  Hagrid  tinha  dito?  Que  Gringotts  era  o  lugar  mais
seguro para guardar algo secreto, com excepção talvez de Hogwarts.
Harry tinha a sensação de que acabava de descobrir onde se encontrava naquele momento
o pacotezinho de aspecto sujo do cofre setecentos e treze.
  
X
HALLOWE’EN

Malfoy  não  podia  acreditar  no  que  os  seus  olhos  viam  quando,  no  dia  seguinte,  se
apercebeu  de  que  Harry  e  Ron  continuavam  em  Hogwarts  e  que,  apesar  do  seu  aspecto
cansado, se mostravam satisfeitos como era habitual. Efectivamente, naquela manhã Harry e
Ron estavam convencidos de que terem encontrado o cão das três cabeças fora uma aventura
incomparável  e  sentiam-se  já  prontos  para  outra.  Entretanto  Harry  pôs  Ron  ao  corrente  do
pacotezinho que, segundo ele, tinha sido trazido de Gringotts para Hogwarts e ficaram imenso
tempo a especular sobre o que conteria o pacote para necessitar de tamanha protecção.
— Ou tem um grande valor ou é extremamente perigosodisse o Ron.
— Ou ambas as coisas — completou Harry.
Mas tudo o que sabiam ao certo sobre o objecto misterioso era que ele tinha cerca de cinco
centímetros  de  comprimento,  o  que  não  lhes  dava  margem  para  grandes  descobertas,  pelo
menos enquanto não tivessem novas pistas.
Nem Neville nem Hermione manifestavam qualquer interesse em saber o que poderia estar
debaixo  do  cão  e  do  alçapão.  A  única  coisa  que  o  Neville  verdadeiramente  queria  era  ter  a
certeza de que nunca mais iria ver aquele cão por perto.
Hermione recusava-se agora a falar ao Harry e ao Ron mas como eles a consideravam uma
sabichona autoritária, tomaram esse facto como um bónus. O que eles queriam era descobrir
uma  maneira  de  se  vingarem  do  Malfoy  e,  para  sua  grande  satisfação,  essa  possibilidade
chegou pelo correio, cerca de uma semana mais tarde.
Quando as corujas voaram pelo salão adentro como era costume, a atenção de todos foi de
imediato atraída para um embrulho estreito e comprido, transportado por seis grandes corujas
das torres. Harry estava tão interessado como os outros em saber o que vinha naquele grande
embrulho quando as corujas desceram e o colocaram mesmo na sua frente, fazendo com que
um pedaço de bacon lhe caísse ao chão. Tinham acabado de levantar voo quando outra coruja
depôs uma carta em cima do embrulho.
Harry abriu-a em primeiro lugar e foi uma sorte porque a carta dizia:

NÃO ABRAS O EMBRULHO À MESA
Contém  a  tua  nova  Nimbus  Dois  Mil,  mas  não  quero  que  se  fique  a  saber  que  tens  uma
vassoura ou todos os teus colegas vão querer ter uma. O Oliver Wood irá encontrar-se contigo
hoje  no  campo  dos  jogos  de  Quidditch  às  sete  horas  da  tarde  para  a  tua  primeira  aula  de
treino.
Professora M. McGonagall

Harry teve dificuldade em disfarçar o seu entusiasmo quando passou a nota ao Ron para ele
a ler.
— Uma Nimbus Dois Mil! — resmungou o Ron, cheio de inveja. Nunca toquei numa...
Saíram dali rapidamente, a fim de desembrulhar a vassoura em privado, antes da primeira
lição,  mas,  a  meio  do  vestíbulo  da  entrada,  encontraram  as  escadas  barradas  pelo  Crabbe  e
pelo Goyle. Malfoy tirou o pacote das mãos de Harry e avaliou-lhe o peso.,
É  uma  vassoura  —,  disse,  atirando-a  de  novo  ao  Harry  com  um  misto  de  inveja  e  de
despeito. — Vais ser castigado por isto, Potter. Os primeiros anos não estão autorizados a ter
vassouras.
Ron não resistiu.
— Não é uma vassoura velha —, disse. — É uma Nimbus Dois Mil, O que é que tu dizes que
tens em casa, Malfoy? Uma Cometa dois sessenta? — Ron sorriu ao Harry. — As cometas são
muito aparatosas mas o material de que são feitas não tem a qualidade das Nimbus.
—  E  o  que  é  que  tu  sabes  disso,  Weasley?  Não  tens  dinheiro  nem  para  comprar  cinco
centímetros  do  cabo  —  respondeu  maldosamente  Malfoy.  —  Tanto  quanto  sei,  tu  e  os  teus
irmãos têm de poupar todas as moedinhas.
Antes que Ron tivesse  tempo de responder,  o professor Flitwick  apareceu mesmo  ao lado
de Malfoy.
— Não estão a discutir, pois não, rapazes?
— Mandaram uma vassoura ao Potter, professor —, disse Malfoy sem perder tempo.
—  Sim,  sim,  eu  sei  —  disse  o  professor  Flitwick,  olhando  radiante  para  Harry.  —  A
professora  McGonagall  contou-me  tudo  sobre  as  circunstâncias  especiais,  Potter.  E,  qual  é  o
modelo?
—  Uma  Nimbus  Dois  Mil,  professor  —  disse  Harry,  fazendo  os  possíveis  por  não  se  rir
perante  o  rosto  horrorizado  do  Malfoy.  —  E  foi  graças  ao  Malfoy  que  consegui  tê-la  —,
acrescentou.
Harry  e  Ron  subiram  as  escadarias  contendo  o  riso  perante  a  raiva  e  a  confusão  que  se
apoderaram de Malfoy.
—  Até  é  verdade  —  disse  o  Harry  no  meio  de  alegres  gargalhadas  quando  chegaram  ao
cimo  das  escadas.  —  Se  ele  não  tivesse  roubado  o  Lembrador  do  Neville  eu  não  faria  agora
parte do clube desportivo.
— Portanto, deves achar que se trata de uma recompensa porteres quebrado as regras?  —
disse uma voz agreste mesmo atrás deles. Hermione chegara com passadas pesadas e firmes e
olhava com ar reprovador para o embrulho que Harry trazia nas mãos.
— Pensei que tinhas deixado de falar connosco —, disse o Harry.
— Sim, por favor, continua — pediu o Ron. — Estava a ser tão agradável...
Hermione afastou-se, com o narizinho no ar.
Foi muito difícil para o Harry, durante todo o dia, manter-se concentrado durante as aulas.
A sua atenção vagueava entre a camarata, onde estava a vassoura nova, debaixo da cama e o
campo de Quidditch, onde essa noite ia começar a aprender. Devorou o jantar sem mesmo se
aperceber do que estava a comer e logo a seguir subiu à pressa, juntamente com o Ron, para
desembrulhar, finalmente, a Nimbus Dois Mil.
—  Uau!  —  suspirou  o  Ron  quando  a  vassoura  rolou  sobre  a  colcha  da  cama  do  Harry.  O
próprio  Harry,  que  não  sabia  absolutamente  nada  de  vassouras,  achou-a  deslumbrante.
Brilhante e macia, com o cabo em mogno, tinha uma longa cauda de galhos lisos e elegantes e
Nimbus Dois Mil escrito em letras de ouro no topo do cabo.
Como  as  sete  horas  se  aproximavam,  Harry  saiu  do  castelo  e  dirigiu-se  ao  campo  de
Quidditch,  banhado  àquela  hora  pela  luz  do  crepúsculo.  Era  a  primeira  vez  que  entrava  num
estádio. Em volta do campo havia centenas de cadeiras dispostas em espiral para que todos os
espectadores  estivessem  suficientemente  altos  para  conseguir  ver  o  jogo.  Em  cada  limite  do
campo  havia  três  postes  dourados  com  argolas  na  extremidade  que  lembraram  ao  Harry  os
pauzinhos de plástico com que as crianças Muggle faziam bolas de sabão. A única diferença é
que estes tinham metro e meio de altura.
Demasiado ansioso por voar e incapaz de esperar pelo Wood, Harry subiu para a vassoura e
pressionou  os  pés  com  força  contra  o  chão.  Que  sensação  incrível  —  entrou  e  saiu  a  toda  a
velocidade  por  entre  os  limites  das  balizas  e,  em  seguida,  subiu  e  desceu  o  poste.  A  Nimbus
Dois Mil virava ao menor toque de mão.
— Hei, Potter, desce daí!
Era  Oliver  Wood  que  acabava  de  chegar.  Trazia  um  grande  estojo  de  madeira  debaixo  do
braço. Harry aterrou junto dele. 
— Muito bem — disse o Wood, com os olhos a brilhar.  — Já percebi o que  a McGonagall
queria dizer... tens mesmo um dom natural. Esta noite vou apenas ensinar-te as regras. Depois
disso, passas a integrar os treinos da equipa, três vezes por semana.
Abriu o estojo. Lá dentro havia quatro bolas de diferentes tamanhos.
—  Muito  bem  —,  disse  o  Wood.  —  O  Quidditch  é  muito  fácil  de  entender,  embora  seja
bastante  mais  difícil  de  jogar.  Os  jogadores  são  sete  de  cada  lado,  três  dos  quais  são  os
chasers.
— Três chasers — repetiu Harry enquanto o Wood tirava uma bola vermelho brilhante com
o tamanho aproximado de uma bola de futebol.
— Esta bola chama-se quaffle —, disse o Wood. — Os chasers lançam a quaffle uns para os
outros e tentam enfiá-la numa das argolas para marcar um golo. Dez pontos de cada vez que a
quaffle e entrar por uma das argolas. Estás a seguir-me?
—  Os  chasers  lançam  a  quaffle  e  fazem-na  passar  pelas  argolas  para  marcar  pontos  —
repetiu Harry. — Então, é uma espécie de basquetebol em vassouras, com seis argolas, não é?
— O que é o basquetebol? — perguntou Wood, cheio de curiosidade.
— Deixa estar — disse o Harry sem querer perder tempo.
— Ora bem, há outro jogador de cada lado que é o keeper — eu sou keeper dos Gryffindor.
Tenho de voar em volta das nossas argolas e tentar impedir que o outro clube ganhe pontos.
— Três chasers, um keeper disse Harry que estava disposto a decorar tudo. — E eles jogam
com  a  quaffle.  Está  bem,  já  percebi  até  aqui.  Mas,  então,  para  que  são  essas?  —  perguntou
apontando para as três outras bolas que estavam no estojo.
— Vou mostrar-te — disse Wood. — Toma esta.
Entregou a Harry um pequeno bastão, uma espécie de taco de rounders.
— Vou mostrar-te para que servem as bludgers — disse o Wood. — Estas são as duas —.
Mostrou-lhe duas bolas idênticas, totalmente pretas e ligeiramente mais pequenas do que
a quaffle vermelha. Harry notou que elas pareciam contorcer-se num tremendo esforço por se
soltarem das presilhas de couro que as prendiam dentro do estojo.
— Chega-te para trás — avisou Wood, enquanto se baixava e libertava uma das bludgers.
Num  segundo,  a  bola  elevou-se  bem  alto  no  ar  e,  em  seguida,  lançou-se  direita  à  cara  do
principiante.  Harry  tentou  bater-lhe  com  o  taco  para  impedir  que  ela  lhe  partisse  o  nariz  e
arremessou-a  aos  ziguezagues  para  longe  —  ela  zumbiu  à  volta  das  cabeças  de  ambos  e
acabou por atingir o Wood que se atirou para cima dela, conseguindo segurá-la contra o chão.
—  Vês  —,  disse  com  dificuldade  o  Wood,  metendo  à  força  no  estojo  a  bola  lutadora  e
fechando-a bem.
—  As  bludgers  passam  como  foguetes,  tentando  fazer  com  que  os  jogadores  caiam  das
vassouras  abaixo.  É  por  isso  que  cada  clube  tem  dois  beaters  —  os  nossos  são  os  gémeos
Weasley — cuja função é proteger o seu lado das bludgers e arremessa-las contra o campo do
adversário. Então, alguma dúvida?
—  Três  chasers  tentam  marcar  com  a  quaffle,  o  keeper  guarda  os  postes  dos  golos,  os
beaters mantêm as bludgers afastadas do seu clube —, papagueou o Harry.
— Muito bem — disse Wood.
—  Er...  as  bludgers  já  alguma  vez,  por  acaso,  mataram  alguém?  —  perguntou  Harry,
tentando parecer espontâneo.
—  Em  Hogwarts,  nunca.  Alguns  maxilares  quebrados  mas  nada  mais  grave  do  que  isso.  E,
por  fim,  o  último  membro  do  clube  é  o  seeker  que  é  a  tua  posição.  E  tu  não  tens  que  te
preocupar com a quaffle nem com as bludgers...
— A não ser que me abram a cabeça...
— Não tenhas problemas, os Weasley chegam bem para elas  — quero dizer, eles próprios
já são um par de bludgers humanas.
Wood aproximou-se do estojo e retirou de lá de dentro a quarta e última bola. Comparada
com a quaffle e com as bludgers esta era pequenina, mais ou menos do tamanho de uma noz.
Era dourada e tinha umas pequenas asas cor de prata, em grande alvoroço.
— Esta — disse o Wood, é a snitch de ouro, a bola mais importante de todas. É muito difícil
de agarrar não só por ser  extremamente veloz mas também porque é difícil de ver.  É função
do seeker agarrá-la. Tens de avançar e recuar pelo meio dos chasers, dos beaters, das bludgers
e da quaffle para conseguir agarrá-la antes do seeker do clube adversário, porque aquele que
agarrar  a  snitch  ganha  para  o  seu  clube  cento  e  cinquenta  pontos,  ou  seja,  o  jogo  fica
praticamente  ganho.  E  por  isso  que  os  seekers  estão  sempre  a  ser  penalizados.  Um  jogo  de
Quidditch  só  termina  quando  a  snitch  é  agarrada,  portanto  pode  demorar  imenso  tempo  —
julgo que o tempo recorde foi de três meses e foi preciso ir arranjando constantes substitutos
para que os jogadores pudessem ir dormindo.
— Bem, é tudo. Alguma pergunta?
Harry  abanou  negativamente  a  cabeça.  Compreendera  o  que  tinha  de  fazer.  O  problema
estava em conseguir ou não fazê-lo.
—  Não  vamos  praticar  já  com  a  snitch  —  disse  Wood,  fechando-a  com  todo  o  cuidado
dentro do  estojo. — Está muito  escuro  e podíamos correr o risco de a  perder. Vamos treinar
com algumas destas.
Tirou do bolso um pequeno saco cheio de bolas de golfe e, alguns minutos mais tarde, ele e
Harry  estavam  no  ar,  com  o  Wood  a  lançar  as  bolas  de  golfe  com  toda  a  força  em  várias
direcções para o Harry as agarrar.
Não  falhou  uma  única  e  Wood  estava  feliz.  Meia  hora  mais  tarde  a  noite  caíra  e  era
impossível prosseguir.
—  A  taça  de  Quidditch  este  ano  vai  ter  o  nosso  nome  —  disse  Wood,  satisfeitíssimo,
enquanto  faziam  com  alguma  dificuldade  a  subida  de  regresso  ao  castelo.  —  Não  me
espantava nada se tu viesses a ser ainda melhor do que o Charlie Weasley e olha que ele tinha
todas as condições para jogar pela Inglaterra se não tivesse preferido os dragões.

Talvez por estar sempre tão ocupado com os treinos de Quidditch três vezes por semana e
com os trabalhos de casa, Harry nem se apercebeu de que o tempo passara e de que já estava
em Hogwarts havia dois meses. Sentia-se mais em casa naquele castelo do que alguma vez se
sentira  em  Privet  Drive.  As  aulas  estavam  também  a  tornar-se  cada  vez  mais  interessantes,
agora que tinham aprendido as bases.
Na manhã do Hallowe’en acordaram com o cheiro delicioso de abóbora cozida que
«flutuava»  pelos  corredores.  Mas,  melhor  ainda  foi  o  facto  de  o  professor  Flitwick  ter
anunciado, nos encantamentos, que os considerava preparados para  começarem a fazer  voar
objectos,  coisa  com  que  eles  sonhavam  desde  o  dia  em  que  haviam  visto  Flitwick  fazer
esvoaçar,  durante  uma  aula,  o  sapo  do  Neville.  O  professor  dividiu  a  classe  em  duplas  para
praticarem.  O  parceiro  de  Harry  era  Seamus  Finnigan  (o  que  não  deixou  de  ser  um  alívio
porque  o  Neville  andava  a  ver  se  conseguia  chamar-lhe  a  atenção).  O  Ron  iria  trabalhar  com
Hermione  Granger  e  era  difícil  definir  qual  dos  dois  estava  mais  furioso  com  a  ideia.  Ela  não
lhes falava desde o dia da chegada da vassoura.
— Não se esqueçam daquele movimento de pulso que temos vindo a praticar! — repetiu o
professor  Flitwick,  encarrapitado,  como  sempre,  na  pilha  de  livros  que  o  fazia  parecer  mais
alto. — Rápido  e seco. E  é muito importante pronunciar  correcta mente  as palavras mágicas;
lembrem-se do feiticeiro Baruffio que substituiu um  f por um s e deu por si caído no meio do
chão com um búfalo em cima do peito.
Era  muito  difícil.  Harry  e  Seamus  fizeram  movimentos  rápidos  e  secos  mas  a  pena,  que
deveria levantar voo, continuava sobre a secretária. Seamus ficou tão impaciente que resolveu
picá-la com a varinha e pegou-lhe fogo. Harry teve de apagar o fogo com o próprio chapéu.
Na mesa ao lado, Ron não estava a ser melhor sucedido.
—  Wingardium  leviosa  —  gritava  ele,  acenando  com  os  braços  como  se  fosse  um  moinho
de vento.
Harry ouviu a voz de Hermione a corrigi-lo. — Estás a dizer mal. É wingar-dium levi-o-sa. O
«gar» tem de ser longo e suave.
— Então faz tu já que és tão espertinha —, respondeu-lhe o Ron.
Hermione arregaçou as mangas do seu trajo académico, fez um movimento com a varinha e
disse: Wingardium Leviosa!
A pena ergueu-se da secretária e flutuou um metro e tal acima das suas cabeças.
—  Muito  bem!  —  gritou  o  professor  Flitwick,  batendo  as  palmas.  —  Como  todos  podem
ver, a Hermione Granger conseguiu!
No final da aula, Ron estava muito mal-humorado.
—  Não  admira  que  ninguém  a  suporte  —  disse  ele  ao  Harry  enquanto  atravessavam  o
corredor, — ela é um verdadeiro pesadelo.
Alguém chocou com Harry, passando apressadamente por ele. Era Hermione.
Ele  teve  um  vislumbre  dos  seus  olhos.  E  ficou  espantado  por  ver  que  estavam  cheios  de
lágrimas.
— Acho que ela ouviu o que tu disseste.
—  E  daí?  —  disse  o  Ron,  tentando  ocultar  algum  constrangimento.  —  Deve  ter  percebido
que não tem amigos. 
Hermione  não  apareceu  na  aula  seguinte  e  ninguém  a  viu  durante  toda  a  tarde.  Quando
desciam para o salão para a festa do Hallowe’en, Harry e Ron ouviram Parvati Patil a dizer à
sua  amiga  Lavender  que  a  Hermione  estava  a  chorar  na  casa  de  banho  das  raparigas  e  que
queria  ficar  sozinha.  Ron  sentiu-se  ainda  mais  sem  graça  ao  ouvir  aquilo  mas,  alguns
momentos mais tarde, entraram no Grande Salão e as decorações festivas do Hallowe’en
fizeram-nos esquecer por completo de Hermione.
Um  milhar  de  morcegos  esvoaçava  pelo  tecto  e  pelas  paredes  enquanto  cerca  de  uma
centena  sobrevoava  as  mesas  em  escuras  nuvens  baixas  que  faziam  estremecer,  dentro  das
abóboras, as ténues chamas das velas, O manjar surgiu de repente nos pratos dourados como
já havia sucedido no banquete de início do ano. 
Harry  estava  a  servir-se  de  uma  batata  com  casca  quando  o  professor  Quirrell  entrou  a
correr pela sala dentro, com o turbante às três pancadas e o terror estampado no rosto. Todos
ficaram  a  olhar  para  ele  quando  se  aproximou  da  cadeira  do  professor  Dumbledore,  se
encostou à mesa e balbuciou: — Ser gigantesco nos calabouços, achei que devia avisá-lo.
Em seguida perdeu os sentidos e caiu redondo no chão.
Gerou-se  uma  tremenda  algazarra.  O  professor  Dumbledore  teve  de  agitar  a  varinha  e
lançar para o ar várias luzes cor de púrpura para conseguir impor o silêncio.
— Chefes de departamento —, disse com uma voz que parecia o ribombar de um trovão, —
conduzam as vossas equipas para as respectivas camaratas, imediatamente.
Percy estava a postos.
— Sigam-me! Mantenham-se juntos, primeiros anos! Não há perigo desde que façam como
eu vos disser. Não se afastem de mim. Abram caminho, deixem passar os primeiros anos, com
licença, sou chefe de departamento!
—  Como  é  que  um  gigante  tinha  conseguido  entrar  ali?  —  perguntava  o  Harry  enquanto
subia as escadas.
—  Não  me  perguntes  a  mim,  eles  costumam  ser  bastante  estúpidos  —,  disse  o  Ron.  —
Talvez o Peeves lhe tenha dado entrada para nos pregar uma partida no Hallowe’en.
Passaram por vários grupos de gente,  correndo apressada em todas  as direcções. Quando
abriam caminho, aos solavancos, pelo meio de uma pequena multidão de Hufflepuffs, o Harry,
de repente, agarrou o Ron por um braço.
— Acabo de me lembrar, a Hermione.
— A Hermione o quê?
— Ela não sabe do gigante.
O Ron mordeu os lábios.
— Bem, vamos lá, mas é melhor que o Percy não nos veja.
De gatas entre a multidão, seguiram com os Hufflepuffs para o outro lado, esgueiraram-se
para  baixo,  por  um  corredor  vazio  e  correram  até  à  casa  de  banho  das  raparigas.  Tinham
acabado de virar uma esquina quando ouviram passadas rápidas atrás deles.
— É o Percy — sussurrou Ron, puxando Harry para trás da estátua de um enorme animal de
pedra.  Mas  quando  olharam  melhor  viram  que  não  se  tratava  de  Percy  e  sim  de  Snape  que
atravessou o corredor e desapareceu.
— O que estará ele a fazer aqui? — perguntou baixinho o Harry. — Porque não está lá em
baixo nos calabouços com todos os outros professores?
— Isso também eu gostava de saber.
O  mais  silenciosamente  possível,  deslizaram  pelo  corredor  fora,  seguindo  as  pegadas  do
Snape.
— Não te cheira a nada?
Harry sentiu um cheiro pestilento invadir-lhe as narinas. Era uma mistura de meias velhas e
casa de banho pública que não é lavada há muito tempo.
E  foi  então  que  o  ouviram  —  um  grunhido  grosseiro  e  o  ruído  do  arrastar  de  uns  pés
gigantescos.  Ron  apontou.  Lá  ao  fundo,  junto  da  passagem  para  a  esquerda,  uma  coisa
descomunal  avançava  lentamente  em  direcção  a  eles.  Fugiram  para  a  sombra  e  viram-no
emergir num retalho de luar.
Era  uma  visão  pavorosa.  Três  metros  e  meio  de  altura,  a  pele  de  um  cinzento-granito
bastante  escuro, o enorme corpo granuloso que lembrava um pedregulho com uma pequena
cabeça calva no cimo, como se fosse um coco. Tinha as pernas curtas, espessas como troncos
de  árvore  com  pés  gordos  e  cheios  de  calosidades,  O  cheiro  que  exalava  era  indescritível.
Trazia na mão uma enorme moca de madeira que arrastava pelo chão devido ao comprimento
exagerado dos braços.
O gigante parou junto de uma porta e espreitou lá para dentro. Sacudiu as longas orelhas,
tentando  decidir,  com  o  seu  cérebro  pequenino,  o  que  fazer.  Em  seguida  arrastou-se
lentamente lá para dentro.
— A chave está na porta —, murmurou o Harry. — Podíamos trancá-lo lá dentro.
— Boa ideia —, disse o Ron nervosamente.
Aproximaram-se  da  porta  aberta,  com  as  bocas  secas,  rezando  para  que  o  gigante  não  se
lembrasse de sair naquele momento. Com um salto Harry conseguiu agarrar a chave da porta e
fechá-la.
— Boa!
Entusiasmados com a vitória começaram a correr de regresso à passagem mas, mal viraram
a  esquina,  ouviram  algo  que  fez  com  que  os  seus  corações  parassem  de  bater  —  um  grito
agudo de verdadeiro pavor — e vinha da sala que eles tinham acabado de fechar.
— Oh! não — disse o Ron, mais branco do que o Barão Sangrento.
— É a casa de banho das raparigas — disse o Harry em sobressalto.
— Hermione — gritaram ao mesmo tempo.
Era  a  última  coisa  que  eles  queriam  fazer,  mas  que  escolha  tinham  agora?  Dando  meia
volta,  lançaram-se  a  correr  até  à  porta  e  giraram  a  chave,  atrapalhados  pelo  pânico  —  Harry
abriu a porta e entraram de rompante.
Hermione  Granger  estava  toda  encolhida,  encostada  à  parede  da  frente,  com  ar  de  quem
está  prestes  a  perder  os  sentidos.  O  gigante  avançava  para  ela  esbarrando  ruidosamente
contra as canalizações.
—  Baralha-o  —,  gritou  Harry  desesperadamente  ao  Ron  e  pegando  numa  tomada
arremessou-a com toda a força contra uma das paredes.
O  gigante  parou  a  poucos  centímetros  de  Hermione.  Olhou  em  volta,  piscando
estupidamente  os  olhos  para  ver  o  que  provocara  aquele  estranho  barulho.  Os  seus  olhos
maldosos viram Harry. Hesitou. Em seguida voltou-se para ele, erguendo a moca no ar.
— Olá, cérebro de ervilha! — gritou Ron do outro lado da divisão, lançando-lhe um tubo de
metal. O gigante nem deu pelo objecto que lhe batera no ombro mas ouviu o grito e voltou a
parar, virando o seu horroroso focinho para o Ron e dando tempo ao Harry para fugir.
— Vamos, corre, corre — gritou Harry a Hermione, tentando puxá-la para fora da porta mas
ela não conseguia mexer-se, continuava colada à parede, a boca aberta pelo terror.
A  gritaria  e  os  ecos  pareciam  estar  a  deixar  o  gigante  enlouquecido.  Soltou  novo  rugido  e
avançou para o Ron que era quem estava mais próximo e não tinha como escapar.
Foi  então  que  Harry  fez  algo  simultaneamente  de  uma  grande  coragem  e  de  uma  grande
estupidez:  ganhou  balanço,  deu  um  enorme  salto  e  conseguiu  pôr  os  braços,  por  detrás,  em
volta do pescoço do gigante. Este não sentiu o peso de Harry, mas até mesmo um gigante não
pode  ficar  indiferente  se  lhe  espetarem  uma  varinha  de  madeira  no  nariz,  e  o  Harry  tinha  a
varinha na mão quando saltou. Ela entrou direitinha pelas narinas do gigante.
Berrando  de  dor,  o  gigante  dobrou-se  e  bateu  ao  acaso  com  o  bastão,  enquanto  Harry  se
agarrava com  toda a força para salvar  a pele. A qualquer momento o gigante poderia dar-lhe
uma enorme cacetada.
Hermione  desmaiara  de  medo.  Ron  puxou  da  sua  varinha  e,  sem  saber  o  que  fazer,  deu
consigo a pronunciar o primeiro feitiço que lhe veio à cabeça: Wingardium Leviosa!
A  moca  do  gigante  saltou-lhe  subitamente  da  mão  e  subiu,  subiu  no  ar.  Depois,  voltou-se
lentamente e caiu com um estrondo impressionante na cabeça do seu dono. O gigante oscilou
e  estatelou-se  no  chão,  com  a  cara  para  baixo,  com  um  estrépito  tal  que  toda  a  divisão
estremeceu.
Harry pôs-se de pé. Tremia e respirava com dificuldade. O Ron estava ainda com o braço no
ar, a segurar a varinha mágica, olhando atarantado para o que conseguira fazer.
Foi Hermione quem primeiro falou.
— Ele… estará morto?
— Acho que não — disse o Harry. — Foi só posto fora de combate.
Dobrou-se  e  retirou  a  varinha  do  nariz  do  gigante.  Estava  coberta  por  uma  substância
granulosa que parecia cola cinzenta.
— Braagh! ranho de gigante.
Limpou-o  às  calças  da  gigantesca  criatura.  O  súbito  ruído  de  passos  fez  com  que  os  três
olhassem ao mesmo  tempo. Não se haviam  dado conta da  algazarra que tinham feito mas, é
claro,  alguém  ouvira  as  pancadas  e  os  roncos  do  gigante.  Momentos  depois,  a  professora
McGonagall  entrou  na  divisão  seguida  de  perto  por  Snape,  com  Quirrell  na  retaguarda.  Este
olhou  para  o  gigante,  suspirou  como  se  fosse  perder  os  sentidos  e  sentou-se  na  sanita
agarrado ao coração.
Snape inclinou-se sobre o gigante. A professora McGonagall olhou para Ron e Harry. Nunca
nenhum deles a vira tão zangada. Os lábios estavam sem cor. A esperança de ganhar cinquenta
pontos para os Gryffindor desapareceu-lhes rapidamente do espírito.
— O que é que vos passou pela  cabeça?  —  perguntou  a professora McGonagall com uma
voz que revelava uma raiva gélida. Harry olhou para Ron que ainda estava de varinha no ar.  —
Vocês  tiveram  uma  imensa  sorte  em  não  serem  mortos.  Porque  é  que  não  estão  na  vossa
camarata?
Snape  lançou  a  Harry  um  olhar  vivo  e  penetrante  que  o  fez  desviar  os  olhos  para  o  chão.
Quando é que o Ron iria baixar o braço?
Foi então que uma vozinha saiu da sombra.
— Por favor, professora McGonagall, eles andavam à minha procura.
— Hermione Granger.
Hermione conseguira finalmente pôr-se de pé.
— Eu fui procurar o gigante porque pensei  que podia vencê-lo sozinha uma vez que  tinha
lido tanto sobre eles.
Ron deixou cair a varinha. Hermione Granger a dizer uma mentira a uma professora.
— Se eles não me tivessem encontrado estaria morta. O Harry enfiou-lhe a varinha mágica
no nariz e o Ron atirou-o ao chão com a sua própria moca. Eles não tiveram tempo de chamar
ninguém. O gigante ia matar-me quando chegaram aqui.
Harry e Ron tentaram disfarçar como se aquela história não estivesse a surpreendê-los nem
um pouco.
— Bem, se é assim... — disse a professora McGonagall, olhando fixamente para os três.  —
Hermione  Granger,  como  é  que  foi  pensar  que  podia  enfrentar  sozinha  um  gigante  da
montanha?
Hermione baixou a cabeça. Harry estava mudo. Ela era a última pessoa no mundo capaz de
quebrar  as  regras  e  ei-la  a  mentir  para  lhes  evitar  problemas.  Era  como  se  o  Snape  tivesse
começado a distribuir doces pelos alunos.
—  Hermione  Granger,  os  Gryffindor  perderão  cinco  pontos  por  isto  —  disse  a  professora
McGonagall.  —  Estou  muito  decepcionada  consigo.  Se  não  lhe  aconteceu  nada  de  mal  é
melhor ir já direitinha para a torre dos Gryffindor, os alunos estão a terminar o banquete nas
salas de convívio das suas equipas.
Hermione saiu.
A professora McGonagall voltou-se para os dois rapazes.
—  Bem,  continuo  a  achar  que  tiveram  sorte,  mas  não  eram  quaisquer  dois  alunos  dos
primeiros  anos  que  teriam  conseguido  vencer  um  gigante  da  montanha  adulto.  Cada  um  de
vocês  ganha  para  os  Gryffindor  cinco  pontos.  O  professor  Dumbledore  será  avisado  disto.
Agora podem ir.
Saíram  dali  a  correr  e  não  falaram  antes  de  terem  subido  dois  andares.  Era  um  alívio
estarem longe do cheiro do gigante, além do resto, claro.
— Devíamos ter tido mais do que dez pontos — disse o Ron.
— Cinco, queres tu dizer, uma vez que ela retirou outros cinco à Hermione.
— Foi sensacional da parte dela ter-nos tirado daquele sarilho admitiu o Ron. — É claro que
nós a salvámos...
—  Talvez  ela  não  precisasse  que  a  salvassem  se  não  tivéssemos  fechado  aquela  coisa  lá
dentro — lembrou o Harry.
Tinham chegado ao retrato da dama gorda.
— Focinho de porco! — disseram enquanto entravam.
A  sala  comum  estava  atafulhada  de  gente  e  extremamente  barulhenta.  Todos  os  alunos
comiam as iguanas que tinham sido enviadas para cima. Só Hermione estava sozinha junto da
porta, à espera deles. Houve um momento de pausa um pouco embaraçoso. Depois, cada um
dos  três,  sem  olhar  para  os  outros,  disse,  quase  ao  mesmo  tempo,  «Obrigado»  e
desapareceram para ir buscar os pratos.
Mas,  a  partir  desse  momento,  Hermione  Granger  tornou-se  uma  amiga.  Há  certas  coisas
que,  depois  de  partilhadas,  nos  obrigam  a  gostar  uns  dos  outros  e  enfrentar  um  gigante  da
montanha com três metros e meio de altura era, sem dúvida, uma delas.
  
XI
QUIDDITCH

Quando chegou o mês de Novembro, o tempo começou a esfriar muito. As montanhas em
volta da escola ficaram de um cinzento frio e o lago parecia aço enregelado. Todas as manhãs
o  chão  se  cobria  de  geada  e  podia  ver-se  o  Hagrid,  lá  de  cima,  a  descongelar  vassouras  no
estádio de Quidditch, agasalhado com um enorme sobretudo de pêlo de toupeira, umas luvas
de pêlo de coelho e umas enormes botifarras de pele de castor.
A  temporada  do  Quidditch  começara.  No  sábado,  Harry  iria  entrar  no  seu  primeiro  jogo
após  semanas  e  semanas  de  treino:  Gryffindor  contra  Slytherin.  Se  os  Gryffindor  vencessem,
passariam ao segundo lugar nos clubes do campeonato.
Quase ninguém tinha visto o Harry jogar porque Wood assim o decidira. Era uma espécie de
arma secreta.  Harry seria mantido bem  em segredo. Mas a notícia de que  ele iria jogar como
seeker  acabou  por  espalhar-se  e  Harry  já  não  sabia  o  que  era  pior  —  se  as  pessoas  que  lhe
diziam  que  ele  ia  ser  brilhante  ou  as  que  se  ofereciam  para  correr  por  debaixo  da  vassoura
dele com um colchão.
Era uma sorte  ter finalmente a Hermione como amiga. As coisas não teriam sido possíveis
sem a ajuda dela nos trabalhos de casa, com todos aqueles treinos de última hora que o Wood
o obrigava a fazer.
Foi também  ela quem lhe  emprestou  O Quidditch através dos Tempos que acabou por ser
uma leitura muito interessante.
Harry aprendeu que havia setecentas maneiras de cometer irregularidades no Quidditch e
que  todas  elas  tinham  ocorrido  durante  o  Campeonato  Mundial  da  Taça,  em  1473,  que  os
seekers  eram  geralmente  os  jogadores  mais  pequenos  e  mais  rápidos  e  os  acidentes  mais
graves  do  Quidditch  lhes  aconteciam  sempre  a  eles,  e  que,  apesar  de  as  pessoas  raramente
morrerem durante o jogo, havia referências  a desaparecimentos de jogadores que só  tinham
voltado a aparecer alguns meses mais tarde, no deserto do Sara.
Hermione  tornara-se  mais  descontraída  em  relação  ao  quebrar  de  algumas  regras,  desde
que o Ron a tinha salvo do gigante da montanha e estava muito mais simpática com ele.
Na  véspera  do  primeiro  jogo  de  Quidditch  do  Harry,  estavam  os  três  no  campo  gélido
durante  o  intervalo  e  ela  tinha  feito  aparecer  um  fogo  azul  brilhante  que  podia  ser
transportado dentro de um frasco de compota. Estavam de pé, a tentar aquecer-se, de costas
para  o  fogo,  quando  Snape  atravessou  o  pátio.  Harry  reparou,  de  imediato,  que  ele  vinha  a
coxear. Os três chegaram -se o mais possível uns para os outros a fim de evitar que ele visse o
fogo. Tinham a certeza de que não era permitido. Infelizmente, houve qualquer coisa nos seus
olhares  culpados  que  atraiu  Snape  e  o  fez  aproximar-se.  Não  tinha  visto  o  fogo  mas  parecia
estar à procura de um motivo para os penalizar.
— O que é que tens aí, Potter?
Era O Quidditch através dos Tempos. Harry mostrou-lho.
—  Os  livros  da  biblioteca  não  podem  sair  da  escola  —  disse  o  professor.  —  Dá-mo.  Cinco
pontos a menos para os Gryffindor.
— É uma regra que ele acaba de inventar — resmungou Harry enquanto Snape se afastava
lentamente.
— O que será que ele tem na perna?
— Não sei mas espero que lhe doa bastante — respondeu o Ron com azedume.

A sala comum dos Gryffindor estava muito barulhenta nessa noite. Harry, Ron e Hermione
sentaram-se  junto  da  janela.  Hermione  estava  a  rever-lhes  os  trabalhos  de  casa  para  os
encantamentos.  Nunca  ela  os  deixaria  copiar  (Como  é  que  querem  aprender?),  mas  ao
pedirem-lhe que os lesse atentamente acabavam na mesma por ter as respostas certas.
Harry  sentia-se  impaciente.  Queria  ter  de  volta  O  Quidditch  através  dos  Tempos  para  se
distrair e parar de pensar no jogo do dia seguinte. Porque é que havia de ter medo do Snape?
Pondo-se de pé, disse aos amigos que ia pedir de novo o livro ao professor.
— Quem não vai lá sou eu — disseram ao mesmo tempo Ron e Hermione, mas Harry sabia
que  Snape  não  poderia  recusar,  desde  que  o  pedido  lhe  fosse  feito  na  presença  de  outros
professores.
Desceu  até  à  sala  dos  professores  e  bateu  à  porta.  Não  teve  resposta.  Voltou  a  bater  e
nada.
Teria  o  Snape  deixado  o  livro  ali?  Valia  a  pena  tentar.  Empurrou  a  porta  entreaberta  e
espreitou lá para dentro deparou-se-lhe uma cena horripilante.
O  Snape  e  o  Filch  estavam  só  os  dois  lá  dentro.  Snape  estava  a  puxar  o  manto  acima  do
joelho. Uma das pernas estava mutilada e cheia de sangue. Filch segurava na mão as ligaduras.
—  Maldita  coisa  —  dizia  o  Snape.  —  Como  é  que  se  pode  estar  atento  a  três  cabeças  ao
mesmo tempo?
Harry tentou fechar a porta devagarinho, mas...
— POTTER!
O rosto de Snape contorceu-se de raiva enquanto soltava o manto para esconder a perna.
Harry engoliu em seco.
— Vinha só perguntar se podia ter o livro de volta.
— FORA DAQUI!
Harry saiu e, antes que o Snape tivesse tempo de tirar mais pontos aos Gryffindor, correu a
toda a velocidade pelas escadas acima.
— Conseguiste? — perguntou o Ron quando ele se lhes juntou. — O que é que se passa?
Num sussurro Harry contou-lhes tudo o que tinha visto.
— Vocês estão a compreender o que isto significa? — disse quase sem fôlego. — Ele tentou
passar pelo cão das três cabeças na noite do Hallowe’en. Era para lá que se dirigia quando o
avistámos — ele quer aquilo que o cão está a guardar! E ponho a minha vassoura no fogo em
como ele meteu cá dentro o gigante como manobra de diversão!
Hermione estava com os olhos dilatados.
—  Não,  acho  que  ele  não  faria  isso  —  disse.  —  Sei  que  não  é  nada  simpático  mas  não  ia
tentar roubar uma coisa que o Dumbledore está a guardar com tanto cuidado.
—  Francamente,  Hermione,  tu  achas  que  todos  os  professores  são  santos  —  comentou  o
Ron  em  tom  de  censura.  —  Eu  concordo  com  o  Harry.  Não  confio  nem  um  pouco  no  Snape.
Mas, o que é que ele deseja tanto? O que estará o cão a guardar?
Harry foi deitar-se com a mesma pergunta às voltas na cabeça.
O  Neville  ressonava  tão  alto  e  ele  não  conseguia  dormir.  Tentou  esvaziar  a  mente  —
precisava  de  descansar,  o  jogo  de  Quidditch  começava  dentro  de  algumas  horas  —,  mas  a
expressão no rosto do Snape quando Harry lhe vira a perna não era fácil de esquecer.

O  dia  amanheceu  frio  e  cheio  de  luz,  O  salão  estava  repleto  com  o  cheiro  delicioso  das
salsichas  fritas  e  a  conversa  bem-disposta  de  todos  os  que  ansiavam  por  um  bom  jogo  de
Quidditch.
— Vens tomar o pequeno-almoço?
— Não me apetece comer nada.
— Uma torrada, pelo menos —, insistiu Hermione.
— Não tenho fome.
Harry sentia-se pessimamente. Dentro de uma hora ia entrar no estádio.
— Harry, precisas de ter forças — disse Seamus Finnigan. — Os seekers são sempre aqueles
que são atacados pelo outro lado.
— Obrigado, Seamus — disse Harry enquanto o via deitar Ketchup a jorros nas salsichas.
Cerca  das  onze  horas  quase  toda  a  escola  enchia  os  lugares  do  estádio  de  Quidditch.
Grande  parte  dos  alunos  tinha  binóculos.  Por  muito  elevados  que  fossem  os  assentos,  era
difícil, por vezes, ver tudo o que estava a acontecer.
Ron  e  Hermione  juntaram-se  a  Neville,  Seamus  e  Dean  na  fila  superior.  Para  grande
surpresa de Harry, os amigos tinham feito uma longa faixa a partir de um dos lençóis roídos e
destruídos  pelo  Scabbers.  Dizia:  —  Potter  à  Presidência  —  e  Dean,  que  era  muito  bom  em
desenho, tinha pintado por baixo da frase o leão dos Gryffindor. Em seguida, Hermione fizera
um pequeno feitiço para que a pintura brilhasse em diferentes cores.
Enquanto isso, nos vestiários, Harry, assim como o resto da equipa, punha o seu manto de
Quidditch, vermelho-escarlate (os mantos dos Slytherin eram verdes).
Wood afinou a garganta para que se fizesse silêncio.
— OK rapazes —, disse.
— E raparigas — completou a chaser Angelina Johnson.
— Exactamente. E raparigas — concordou ele.
— É o grande momento — disse Fred Weasley. — O momento pelo qual todos nós temos
estado à espera — disse George.
— Já sabemos o discurso do Oliver de cor disse o Fred dirigindo-se ao Harry. Fazíamos parte
da equipa do ano passado.
—  Caladinhos  vocês  os  dois.  —  Era  a  voz  do  Wood.  —  Esta  é  a  melhor  equipa  que  o
Gryffindor tem desde há muitos anos. Sei que vamos vencer.
Olhou para eles como se dissesse — Ou então...
— Bem, está na hora. Boa sorte para todos.
Harry  saiu  atrás  do  Fred  e  do  George  do  vestiário  e,  pedindo  a  todos  os  santos  que  o
ajudassem a aguentar a parada, entrou no estádio que vibrava de entusiasmo.
Madame  Hooch  iria  arbitrar.  Estava  no  meio  do  estádio  à  espera  dos  dois  clubes,  com  a
vassoura na mão.
—  Quero  que  este  seja  um  jogo  bonito  e  leal,  ouviram  todos?  —  disse  quando  os  dois
clubes  estavam  junto  dela.  Harry  reparou  que  ela  se  dirigia  particularmente  ao  capitão  dos
Slytherin, Marcus Flint, um aluno do quinto ano. Flint parecia ter sangue de gigante. Pelo canto
do olho, Harry viu a faixa que se erguia acima da multidão, dizendo «Potter à presidência». O
coração bateu mais forte, enchendo-o de coragem.
— Montem nas vassouras, por favor. — Harry subiu para a sua Nimbus dois mil.
Madame Hooch soprou com força no seu apito de prata.
Quinze  vassouras  elevaram-se  no  ar.  —  E  a  quaffle  é  agarrada,  de  imediato,  por  Angelina
Johnson  dos  Gryffindor  —  que  excelente  chaser  é  aquela  rapariga  e  bastante  bonita  por
acaso...
— JORDAN!
— Desculpe, professora.
O amigo dos gémeos Weasley, Lee Jordan, estava a fazer o relato desportivo para o grupo,
observado de perto pela professora McGonagall.
— E ela está a jogar forte ali em cima, uma passagem óptima para Alicia Spinnet, um bom
achado do Oliver Wood que no ano passado era apenas suplente  — novamente para Johnson
e  —  oh!  não,  os  Slytherin  agarram  a  quaffle,  o  capitão  dos  Slytherin,  Marcus  Flint,  tem  a
quaffle  e  aí  vai  ele  —  Flint  voando  como  uma  águia  vai  m...  —  não,  foi  travado  por  uma
excelente  jogada  do  keeper  dos  Gryffindor,  Wood  e  Gryffindor  tem  agora  a  quaffle  —  é  a
chaser Katie Bell dos Gryffindor, excelente passe em volta de Flint, sobre o campo e — uuppss!
— deve ter doído, atingida na nuca por uma bludger — a quaffle foi agarrada pelos Slytherin —
é  Adrian  Pucey  a  voar  em  direcção  aos  postes  de  marcação  mas  é  travado  pela  segunda
bludger lançada por Fred ou George Weasley, não distingo bem qual dos dois gémeos  — boa
jogada dos beaters dos Gryffindor e Johnson está de novo de posse da  quaffle, o campo  está
livre  à  sua  frente.  Aí  vai  ela  em  pleno  voo  —  foge  rapidamente  a  uma  bludger  está  face  aos
postes  de  marcação  —  vamos  Angelina  —  o  keeper  Bletchley  a  toda  a  velocidade  —  falha  —
GRYFFINDOR MARCA!!!
Os  aplausos  aos  Gryffindor  encheram  o  ar  gélido  juntamente  com  lamentos  e  uivos  dos
Slytherins.
— Mexam-se aí em cima.
— Hagrid!
Ron e Hermione comprimiram-se para dar espaço a que Hagrid se lhes juntasse.
— Tenho ‘tado a ver da minha cabana — disse Hagrid que transportava um grande par de
binóculos em volta do pescoço.
— Mas nunc’é o mesmo que ‘tar no meio da multidão. ‘Inda não apareceu a snitch, hein?
— Não —, disse o Ron. — O Harry ainda não fez grande coisa.
—  Tem ‘tado longe das dificuldades. Iss’é bom —  disse  Hagrid,  erguendo  os  binóculos  e
espreitando em direcção ao céu para a pintinha lá em cima que era o Harry.
Bem acima deles, Harry planava acima do jogo, olhando em todas as direcções em busca de
um sinal da snitch. Aquela atitude fazia parte de um esquema concebido por ele e pelo Wood.
— Mantém-te fora do ângulo de visão dos outros até veres a snitch — dissera-lhe o Wood.
— Não queremos que te ataquem antes de ser absolutamente necessário.
Quando  Angelina  marcou,  Harry  fez  uma  série  de  piruetas  para  extravasar  os  seus
sentimentos. Agora, estava de novo atento à snitch. De uma vez avistou algo dourado, mas era
apenas  o  reflexo  de  um  dos  relógios  de  pulso  dos  gémeos  e,  de  outra  vez,  uma  bludger
resolveu  dirigir-se  a  ele  como  uma  bola  de  canhão  mas  Harry  desviou-a  e  Fred  Weasley  veio
atrás dela.
—  Tudo  bem,  Harry?  —  perguntou  ele  numa  fracção  de  segundo  enquanto  dava  uma
fortíssima tacada na bludger lançando-a contra Marcus Flint.
—  Os  Slytherin  a  jogar  repetia  Lee  Jordan.  O  chaser  Pucey  evita  duas  bludgers,  os  dois
Weasleys e o chaser Bell e voa na direcção de... um momento — aquilo seria a snitch?
Um  murmúrio  percorreu  a  multidão  quando  Adrian  Pucey  largou  a  quaffle,  olhando
preocupado por cima do ombro para a pequena luz dourada que lhe rasara a orelha esquerda.
Harry  viu-a.  Com  grande  velocidade  e  entusiasmo  mergulhou  atrás  do  vestígio  de  ouro.  O
seeker  dos  Slytherin,  Terence  Higgs,  também  a  tinha  visto.  Pescoço  frente  a  pescoço
precipitaram-se para a snitch — todos os chasers pareciam ter-se esquecido das suas funções,
tendo parado no ar a observá-los.
Harry era mais rápido do que Higgs — via as asinhas da pequena bola redonda a agitarem-se como uma flecha à sua frente — e redobrou a velocidade — OOOHH! Um eco de raiva fez-se ouvir, vindo dos Gryffindor lá de baixo — Marcus Flint bloqueara Harry propositadamente e
a vassoura deste rodopiara.
Harry estava agora agarrado a ela com todas as suas forças.
— Falta — gritaram os Gryffindor.
Madame Hooch dirigiu-se, muito zangada, ao Flint e em seguida decretou um golo livre dos
Gryffindor. Mas, no meio da confusão, é claro, todos perderam de vista a snitch.
— Cá para baixo para a bancada — gritava Dean Thomas.
— Ponham-no fora, cartão vermelho!
—  Isto  não  é  futebol,  Dean  —  lembrou-lhe  o  Ron.  —  Não  podem  pôr  jogadores  fora  no
Quidditch e o que é isso do cartão vermelho?
Mas  Hagrid  estava  com  o  Dean.  —  Deviam  mudar  as  regras.  O  Flint  podia  ter  atirado  o
Harry lá de cima.
Lee Jordan estava a ter dificuldade em se mostrar imparcial.
— Bem, depois desta óbvia e nojenta batota...
— Jordan — rugiu a professora McGonagall.
— Quero dizer, depois desta falta imperdoável e revoltante...
— Jordan, estou a avisar—te...
—  Está  bem,  está  bem.  O  Flint  quase  matou  o  seeker  dos  Gryffindor,  o  que  podia  ter
acontecido a qualquer um, claro. Portanto,  uma penalização dada  aos Gryffindor por  Spinnet
que acaba de retirá-la e o jogo continua. Gryffindor ainda a liderar.
Foi quando Harry desviou outra bludger que vinha perigosamente em direcção à sua cabeça
que aquilo aconteceu. A vassoura deu uma guinada súbita e assustadora. Por uma fracção de
segundo,  pensou  que  ia  mesmo  cair.  Agarrou-se  bem  com  ambas  as  mãos,  apertando  os
joelhos. Nunca tinha tido aquela sensação.
Voltou  a  acontecer  pouco  depois.  Era  como  se  a  vassoura  estivesse  a  tentar  derrubá-lo.
Mas as Nimbus Dois Mil não decidiam de um momento para o outro atirar as pessoas ao chão.
Harry tentou voltar as  costas  aos postes de  marcação dos Gryffindor, passou-lhe pela cabeça
pedir  ao  Wood  que  lhe  desse  algum  tempo  e  foi  então  que  se  apercebeu  de  que  a  vassoura
estava  totalmente descontrolada. Não conseguia fazê-la virar nem orientá-la fosse para  onde
fosse. Ziguezagueava pelos ares fazendo, de tempos a tempos, movimentos bruscos que quase
o obrigavam a desequilibrar-se.
Lee continuava a comentar.
—  Slytherin  na  liderança  —  Flint  com  a  quaffle  —  passa  ao  Spinnet  —  passa  ao  Bull  —
atingido  fortemente  na  cara  por  uma  bludger  —  espero  que  lhe  parta  o  nariz  —  estou  a
brincar, professora, os Slytherin marcam, oh! não...
Os Slytherin  estavam radiantes. Ninguém se  tinha dado conta de que a vassoura do Harry
estava  a  comportar-se  daquele  modo  estranho.  Conduzia-o  lentamente,  cada  vez  mais  para
cima e para mais longe do jogo, aos sacões e arranques contra os quais Harry nada podia fazer.
— Não sei qual é a ideia do Harry — resmungou Hagrid, olhando atentamente através dos
binóculos. — Quase diria qu’ele perdeu o controlo da vassoura.., mas ele não pode...
De repente, as pessoas em todas as bancadas começaram a apontar para cima. A vassoura
entrara  num  rodopio  com  ele  agarrado  apenas  por  um  braço.  A  multidão  em  peso
sobressaltou-se. A vassoura do Harry dera mais um esticão e ele balançava agora, agarrando-a
já só com uma das mãos.
—  Ter-lhe-á  acontecido  alguma  coisa  quando  o  Flint  o  bloqueou?  —  perguntou  Seamus
num murmúrio.
— Não é possível — respondeu  Hagrid, com a voz trémula.  — Nada pode interferir c’uma
vassoura  a  não  ser  a  poderosa  magia  das  trevas,  nenhum  garoto  era  capaz  de  fazer  aquilo  a
uma Nimbus dois mil.
Ao  ouvir  estas  palavras,  Hermione  pegou  nos  binóculos  mas,  em  vez  de  olhar  para  cima
para Harry, começou a procurar nervosamente, no meio da multidão.
— O que estás tu a fazer? — resmungou, pálido, o Ron.
— Eu sabia — disse Hermione. — Olha, o Snape.
Ron pegou nos binóculos. Snape estava no meio da bancada, em frente da deles. Tinha os
olhos postos no Harry e murmurava algo incessantemente sem mesmo parar para respirar.
— Ele está a fazer qualquer coisa, a enfeitiçar a vassoura — disse Hermione.
— O que é que podemos fazer?
— Deixem isso comigo.
Antes que o Ron pudesse dizer alguma coisa Hermione desapareceu. Ron voltou de novo os
binóculos  para  Harry.  A  vassoura  vibrava  com  tal  força  que  era  quase  impossível  alguém
aguentar-se  por  muito  tempo.  A  multidão  pusera-se  de  pé,  olhando  apavorada,  enquanto  os
Weasleys subiam para tentar ajudá-lo a passar para a vassoura de um deles, mas não servia de
nada  —  de  cada  vez  que  se  aproximavam  a  vassoura  subia  ainda  mais.  Começaram  então  a
voar em círculos, um pouco abaixo, na esperança de o agarrarem se ele caísse.
Marcus Flint agarrou a quaffle e marcou cinco vezes sem que ninguém desse por isso.
— Vá lá, Hermione — suplicou Ron, desesperado.
Hermione abrira caminho através da bancada onde Snape se encontrava e corria agora pela
fila  atrás  dele.  Nem  sequer  olhou  para  pedir  desculpas  quando  chocou  com  a  cabeça  do
professor  Quirrell  que  era  a  primeira  da  fila  da  frente.  Quando  chegou  perto  de  Snape,
inclinou-se,  pegou  na  varinha  e  murmurou  algumas  palavras  bem  escolhidas.  Chispas  de  um
azul brilhante saltaram-lhe da varinha para a bainha do manto de Snape.
O  professor  demorou  cerca  de  trinta  segundos  a  aperceber--se  de  que  o  manto  estava  a
pegar fogo. Hermione, entretanto, ouviu um súbito latido dizer-lhe que tinha feito o que havia
a  fazer.  Recolhendo  o  fogo  num  pequeno  frasco  de  compota  que  guardou  no  bolso,  fez  o
caminho de regresso ao longo da fila — Snape nunca descobriria o que tinha sucedido.
Foi o suficiente. Lá em cima, Harry conseguiu montar de novo a vassoura.
—  Já  podes  olhar,  Neville!  —  disse  o  Ron.  O  Neville  estava  com  a  cabeça  enfiada  no
sobretudo do Hagrid havia quase cinco minutos.
Harry vinha agora a toda a velocidade em direcção ao chão quando a multidão o viu levar a
mão  à  boca  como  se  fosse  vomitar  —  dominou  completamente  o  estádio  —,  tossiu  e  uma
coisinha dourada caiu-lhe na mão.
—  Tenho  a  snitch!  —  gritou,  acenando  com  ela  acima  da  cabeça  e  pondo  fim  ao  jogo  no
meio da maior confusão.
—  Ele  não  a  apanhou,  engoliu-a  —  berrava  ainda  vinte  minutos  mais  tarde  o  Flint  mas
ninguém  lhe  ligava  nenhuma.  Harry  não  quebrara  as  regras  e  Lee  Jordan  continuava  a  gritar
bem alto os resultados — Gryffindor ganhara por cento e setenta pontos contra sessenta. Mas
o Harry não ouviu nada daquilo. Estava na cabana de Hagrid onde este preparara um chá bem
forte para ele, Ron e Hermione.
—  Foi  o  Snape  —  explicava  o  Ron.  —  Eu  e  a  Hermione  vimo-lo.  Estava  a  enfeitiçar  a  tua
vassoura, murmurando e sem tirar os olhos de ti.
—Tolice — disse Hagrid que não ouvira uma palavra do que se tinha passado nas bancadas.
— Porqu’é qu’ele ia fazer uma coisa dessas? ,
Harry,  Ron  e  Hermione  olharam  uns  para  os  outros  sem  saber  que  resposta  dar.  Harry
decidiu-se pela verdade. 
— Eu descobri uma coisa acerca dele — disse a Hagrid. — Ele tentou passar por aquele cão
das três cabeças na noite do Hallowe’en e foi mordido. Nós achámos que ele estava a roubar
aquilo que o cão está a guardar.
Hagrid deixou o bule cair no meio do chão.
— Com’ é que vocês sabem do Fluffy penugem? — perguntou.
— Fluffy?
—  Sim,  ele  é  meu,  comprei-o  a  um  finório  grego  que  conheci  num  bar  o  ano  passado  e
emprestei-o ao Dumbledore p’ra guardar o ...
— O quê? — perguntou Harry, ansiosamente.
— Não me façam mais perguntas — disse Hagrid bruscamente. — É segredo, pronto.
— Mas o Snape está a tentar roubá-lo.
— Tolice —, voltou o Hagrid a dizer.  — O Snape é um professor de Hogwarts, não ia fazer
uma coisa dessas.
— Então por que é que ele tentou matar o Harry? — gritou Hermione.
Os  acontecimentos  daquela  tarde  tinham  conseguido  mudar  a  opinião  que  ela  tinha  do
Snape.
—  Eu  sei  ver  quando  um  indivíduo  está  do  lado  do  mal,  li  muito  sobre  eles!  É  preciso
manter um constante contacto visual e o Snape nem pestanejou, eu vi!
— ‘Tou a dizer-te que ‘tás enganada! disse o Hagrid com vivacidade. Não sei porq’é que a
vassoura do Harry fez aquilo mas o Snape não ia tentar matar um aluno. E vocês, ouçam bem o
qu’eu digo —  ‘tão a meter-se  em  coisas  que  não  são  da  vossa  conta.  Isso  pode  ser  perigoso.
Esqueçam aquele cão e esqueçam o qu’ele ‘tá a guardar. Isso é entre o professor Dumbledore
e Nicolas Flamel...
— Ah... ah... — disse Harry. — Então existe  alguém chamado Nicolas Flamel envolvido em
tudo isto?
Hagrid estava furioso consigo próprio.



XII
O ESPELHO DOS INVISÍVEIS

O Natal estava quase a chegar. Uma manhã, em meados de Dezembro, Hogwarts despertou
coberta de neve.  O lago tinha gelado e os gémeos Weasley foram castigados por terem  feito
um  feitiço,  colocando  várias  bolas  de  neve  a  seguirem  o  Quirrell  e  a  deitar-lhe  abaixo  o
turbante.
As poucas corujas e mochos que conseguiram abrir caminho pelo meio do céu tempestuoso
a fim de irem entregar o correio tiveram de ser tratadas pelo Hagrid, antes de poderem voltar
a voar.
Todos estavam ansiosos pelo começo das férias. Enquanto na sala comum dos Gryffindor e
no salão principal as lareiras estavam acesas, os corredores, cheios de correntes de ar, haviam-se tornado gelados e um vento agreste agitava tumultuosamente as janelas das salas de aula.
As  piores  eram  as  do  professor  Snape,  lá  em  baixo  nas  masmorras,  onde  o  ar  lhes  saía  das
bocas como fumo e onde tentavam manter-se bem encostados aos caldeirões quentes.
— Tenho tanta pena —, disse Draco Malfoy numa aula de poções, — de todos aqueles que
têm de passar o Natal em Hogwarts porque ninguém os quer em casa.
Olhava para Harry enquanto falava. O  Crabbe e o Goyle riam à socapa. Harry ignorou-os e
continuou a pesar o pó de espinha de peixe-leão. O Malfoy tornara-se ainda mais desagradável
depois  do  desafio  de  Quidditch.  Irritado  por  os  Slytherin  terem  perdido,  tentou  pôr  toda  a
gente  a  rir,  sugerindo  que  o  próximo  seeker  que  substituísse  Harry  teria  de  ser  uma  raineta
com  três  grandes  bocas  abertas.  Mas  constatou  que  ninguém  achava  graça  à  sua  piada
porque,todos  tinham  ficado  verdadeiramente  impressionados  com  o  modo  como  Harry
conseguira mover-se,  agarrado à imparável  vassoura. Voltou  então, cheio de raiva e inveja,  a
implicar com ele por não ter uma família como devia ser.
Era  verdade  que  o  Harry  não  ia  passar  o  Natal  a  Privet  Drive.  A  professora  McGonagall
fizera na semana anterior uma lista dos alunos que iriam ficar em Hogwarts durante as férias e
Harry  tinha sido o primeiro a  assinar. Mas não se sentia nada triste com isso. Aquele iria ser,
muito provavelmente, o melhor Natal de sempre. Ron e os irmãos iam também ficar porque os
pais pretendiam ir à Roménia visitar o Charlie.
Quando  saíram  dos  calabouços,  no  fim  da  aula  de  poções,  depararam  com  um  enorme
abeto  que  lhes  barrava  a  passagem  no  corredor.  Dois  pés  enormes  surgiam  por  debaixo  da
árvore  e  o  som  de  uma  respiração  ofegante  fê-los  adivinhar  que  por  detrás  do  abeto  se
encontrava Hagrid.
—  Olá  Hagrid,  queres  ajuda?  —  perguntou  o  Ron,  esticando  a  cabeça  por  entre  as
ramagens.
— Não, ‘tou bem, obrigado, Ron.
— Importas-te de sair da frente? — disse a voz fria do Malfoy, atrás deles. — Estás a tentar
ganhar algum dinheiro extra, Weasley? Pensas ficar como guarda dos campos quando deixares
Hogwarts? Aquela cabana do Hagrid deve parecer-te um palácio comparada com o lugar onde
vive a tua família.
Ron atirou-se a ele no preciso momento em que o Snape vinha a subir as escadas.
— WEASLEY!
Ron largou o manto de Malfoy.
—  Ele  foi  provocado,  professor  Snape  —,  disse  Hagrid,  esticando  a  sua  cara  enorme  para
fora da árvore. — O Malfoy estava a insultar a família dele.
—  Mesmo  assim,  lutar  é  contra  as  regras  de  Hogwarts,  Hagrid  —  disse  Snape,  de  forma
insinuosa.  —  Cinco  pontos  a  menos  para  os  Gryffindor,  Weasley,  e  deves  ficar  grato  por  não
serem mais. Agora, saiam todos daqui.
Malfoy, Crabbe e Goyle empurraram bruscamente o pinheiro, espalhando agulhas por todo
o lado e rindo abertamente.
—  Ainda  o  apanho  —  disse  o  Ron  entredentes  quando  o  Malfoy  virou  costas.  —  Um  dia
destes, apanho-o.
— Eu detesto os dois —, disse o Harry. — O Malfoy e o Snape.
—  Vá  lá,  animem-se, rapazes. ‘Tamos quase no Natal. Venham comigo ver como está o
salão, parece uma festa.
E  lá  foram  todos  atrás  do  Hagrid  e  da  sua  grande  árvore  até  ao  salão  onde  a  professora
McGonagall e o professor Flitwick estavam a colocar as decorações de Natal.
— Ah! Hagrid, a última árvore; coloca-a ali, naquele canto, está bem?
O  salão  estava  espectacular.  Grinaldas  de  azevinho  pendiam  de  todas  as  paredes  e  eram
doze  as  altíssimas  árvores  de  Natal  que  circundavam  o  salão,  umas  cintilantes,  cheias  de
pequeninos pingentes de gelo, outras resplandecentes com centenas de velinhas acesas.
— Quantos dias faltam p’ra vocês começarem as férias? — perguntou Hagrid.
— Só um — disse Hermione. — E isso vem lembrar-me que — Harry, Ron, temos meia hora
até ao almoço —, devíamos estar na biblioteca.
—  É  verdade  —  disse  o  Ron,  afastando  o  olhar  do  professor  Flitwick  que  fazia  sair  bolas
douradas da ponta da sua varinha mágica e estava a dispô-las nas ramadas da última árvore.
—  A  biblioteca?  —  perguntou  Hagrid,  seguindo-os.  —  Mesm’ antes do começo das férias,
meio estranho, não acham?
— Ah! não é para nenhum trabalho — disse-lhe o Harry alegremente. — Desde que fizeste
referência ao Nicolas Flamel, temos andado a tentar descobrir de quem se trata.
— Vocês o quê? — Hagrid parecia chocado.  — Ouçam bem, eu disse-vos p’ra se deixarem
disso. Não é da vossa conta o qu’aquele cão está a guardar.
— Nós só queremos descobrir quem é Nicolas Flamel, nada mais — explicou Hermione.
— A menos que tu queiras dizer-nos e poupar-nos todo este trabalho — acrescentou Harry.
—  Devemos  ter  consultado  já  uma  boa  centena  de  livros  e  ainda  não  encontrámos  o  nome
dele, dá-nos pelo menos uma pista; eu sei que li o nome dele em qualquer lado.
— Eu não digo nada de nada — respondeu Hagrid com um ar sorumbático.
— Parece então que  temos de descobrir por nós próprios  — disse o Ron, deixando Hagrid
preocupado a vê-los apressarem-se em direcção à biblioteca.
Tinham  efectivamente  procurado  o  nome  de  Flamel  em  vários  livros  desde  que  o  Hagrid,
por  engano,  o  deixara  escapar.  De  que  outro  modo  poderiam  saber  o  que  Snape  andava  a
tentar  roubar?  O  problema  estava  em  não  saberem  por  onde  começar,  ignorando  por
completo o que Flamel poderia ter feito para ter o seu nome nos livros. Não era referido  nos
Grandes Feiticeiros do Século Vinte, nem nos Nomes Notáveis do Nosso Tempo. Também  não
falavam  dele  nas  Importantes  Descobertas  da  Magia  Moderna  nem  no  Estudo  dos  Novos
Desenvolvimentos  da  Feitiçaria.  E,  é  claro,  havia  ainda  que  ter  em  conta  as  dimensões  da
biblioteca. Milhares de livros, centenas de prateleiras e de filas estreitas.
Hermione  reuniu  uma  lista  de  assuntos  e  títulos  sobre  os  quais  decidira  pesquisar,
enquanto o Ron, na tentativa de fazer qualquer descoberta, deitava abaixo uma pilha de livros
colocando-os ao acaso nas prateleiras. Harry andava à volta da secção dos reservados. Não lhe
saía  da  cabeça  a  ideia  de  que  o  Flamel  devia  ser  mencionado  num  deles.  Infelizmente,  era
preciso  uma  autorização  especial,  assinada  por  um  dos  professores,  para  consultar  os  livros
dos  reservados  e  ele  sabia  que  nunca  conseguiria  obtê-la.  Aqueles  eram  os  livros  que
continham  os  poderosos  ensinamentos  da  magia  negra,  que  não  fora  nunca  ensinada  em
Hogwarts, e que apenas eram lidos pelos alunos mais velhos que estudavam a defesa contra as
artes das trevas.
— De que é que estás à procura, rapaz?
— De nada — disse Harry.
Madame Pince, a bibliotecária, ameaçou—o com um espanador de penas.
— E melhor saíres daqui, vá, vá, fora!
Lamentando não  ter tido a capacidade de inventar rapidamente uma desculpa,  Harry saiu
da biblioteca. Tinham decidido os três não perguntar a Madame Pince onde podiam encontrar
Flamel.  Estavam  certos  de  que  ela  saberia  informá-los,  mas  não  podiam  correr  o  risco  de  o
Snape desconfiar do que eles andavam a fazer.
Harry  esperou  cá  fora,  no  corredor,  para  ver  se  o  Ron  e  a  Hermione  tinham  encontrado
alguma coisa, mas sem acalentar grandes esperanças. Havia quinze dias que pesquisavam mas,
como  dispunham  de  muito  pouco  tempo,  geralmente  entre  uma  e  outra  aula,  não  era  de
estranhar que não tivessem conseguido encontrar o que procuravam. O que lhes fazia falta era
umas boas horas seguidas sem a presença de Madame Pince a espreitar por detrás deles.
Cinco  minutos  mais  tarde,  Ron  e  Hermione  juntaram-se-lhe,  abanando  negativamente  as
cabeças.
—  Vocês  vão  continuar  a  procurar  enquanto  eu  estiver  fora,  não  vão?  —  perguntou
Hermione  antes  de  começarem  a  almoçar.  —  E  mandem-me  uma  coruja  se  descobrirem
alguma coisa.
— E tu podes perguntar aos teus pais se eles sabem quem é o Flamel —, disse Ron. — Não
corres perigo nenhum em perguntar-lhes.
— Nenhum. São ambos dentistas — lembrou Hermione.

Logo  que  as  férias  começaram,  Ron  e  Harry  passaram  a  divertir-se  tanto  que  nem  se
lembraram  mais  do  Flamel.  Tinham  a  camarata  só  para  eles  e  a  sala  comum  estava  bastante
mais vazia do que era costume, o que lhes permitia ocupar sempre os melhores sofás, junto da
lareira.  Sentavam-se  durante  cerca  de  uma  hora  a  comer  tudo  aquilo  que  pudessem  espetar
com um garfo longo — pão, bolos de farinha, alteia — e divertiam-se a conceber estratagemas
para  fazer  com  que  o  Malfoy  fosse  expulso,  que  não  passavam  de  meros  exercícios  de
imaginação pois tinham perfeita consciência de que nunca poderiam funcionar.
O  Ron  começou  também  a  ensinar  ao  Harry  o  xadrez  dos  feiticeiros  que  era  exactamente
como o dos Muggles com a única diferença de que as figuras estavam vivas, o que fazia o jogo
parecer-se um pouco com a direcção dos exércitos durante  a batalha.  O tabuleiro e as peças
do Ron eram muito antigos e gastos. Como tudo o que ele tinha, pertenceram antes a alguém
da  família,  neste  caso  ao  avô.  Contudo,  o  facto  de  os  peões  do  xadrez  serem  velhos  não
constituía  um  inconveniente.  Ron  conhecia-os  tão  bem  que  nunca  tivera  qualquer  problema
em fazê-los actuar de acordo com a sua vontade.
Harry tinha jogado com os peões que o Seamus Finnigan lhe emprestara e  eles não haviam
confiado nele. É certo que não era ainda um grande jogador mas eles não paravam de lhe dar
conselhos,  o  que  se  tornava  imensamente  confuso:  «Não  me  ponhas  aí,  não  vês  o  cavalo
dele?», «Manda antes aquele, podemos perfeitamente perdê-lo.»
Na  véspera  de  Natal,  Harry  foi  para  a  cama  ansioso  pela  chegada  do  dia  seguinte,  pela
comida  e  pelo  divertimento  mas  sem  esperar  receber  nenhum  presente.  Quando  acordou,
contudo, a primeira coisa que viu foi um montinho de embrulhos aos pés da sua cama.
Feliz Natal disse o Ron, estremunhado, enquanto Harry saía da cama e enfiava o roupão.
— Para ti também — disse Harry. — Olha para isto, há presentes para mim!
— O que é que  tu  esperavas, cebolas?  — disse o Ron, olhando para o seu monte que  era
um pouco mais alto.
Harry  pegou  no  presente  que  estava  em  cima.  Vinha  embrulhado  em  papel  castanho
espesso e uns gatafunhos em toda a volta diziam Para o Harry do Hagrid. Lá dentro vinha uma
flauta  de  madeira,  artesanal.  Devia  ter  sido  feita  pelo  próprio  Hagrid.  Harry  soprou  —  o  som
parecia o piar de uma coruja.
O segundo presente, um pacotinho pequeno, continha uma nota.
Recebemos a tua mensagem e estamos a enviar-te o teu presente de Natal. Do tio Vernon e
da tia Petúnia. Pegada à nota vinha uma moeda de vinte escudos.
— É simpático — disse o Harry.
Ron ficou fascinado com os vinte escudos.
— Estranho! — disse ele. — Que formato, isto é dinheiro?
—  Podes  ficar  com  ele  —  disse  o  Harry,  cheio  de  vontade  de  rir  com  o  entusiasmo  do
amigo.
— Hagrid e os meus tios. Então, de quem serão estes outros?
— Acho que sei de onde vem esse — disse o Ron, corando um pouco e apontando para um
embrulho rugoso. — É da minha mãe. Eu contei-lhe que tu não ias ter presentes de Natal e —
Oh! não — resmungou. — Ela fez-te uma camisola Weasley.
Harry abrira bruscamente o papel e dera com uma camisola verde-esmeralda, feita à mão e
uma grande caixa de bombons confeccionados em casa.
— Todos os anos eia nos manda uma camisola — disse o Ron, desembrulhando a dele. — E
a minha é sempre castanho-avermelhado.
— É amoroso da parte dela — disse o Harry, experimentando um bombom que era muito
saboroso.
O  seu  próximo  presente  também  continha  doces  —  uma  grande  caixa  de  sapos  de
chocolate da Hermione.
Faltava  apenas  abrir  um  embrulho.  Harry  pegou-lhe  e  sentiu-lhe  o  peso.  Era  leve.
Desembrulhou-o.
Algo  fluido  e  de  um  cinzento  prateado  deslizou  para  o  chão  onde  ganhou  ondulações
cintilantes. Ron manifestou-se.
—  Já  ouvi  falar  disso  —  referiu  com  uma  voz  exaltada,  deixando  cair  a  caixa  de  feijões  de
todos os sabores que  Hermione lhe oferecera.  — Se  é  aquilo que eu estou  a pensar, é muito
raro e extremamente valioso.
— O que é?
Harry apanhou o tecido prateado brilhante do chão. Tinha um toque  estranho, como o da
água entrançada em tecido. 
— É um manto de invisibilidade — disse Ron com um olhar de receio no rosto. — Tenho a
certeza. Experimenta-o.
Harry pôs o manto em volta dos ombros e Ron soltou um grito.
— É mesmo. Olha para baixo!
Harry  olhou  para  os  pés  e  constatou  que  haviam  desaparecido.  Precipitou-se  para  o
espelho.  Não  havia  dúvida.  Só  a  cabeça  se  via,  suspensa  no  ar.  O  corpo  estava  totalmente
invisível. Puxou o manto para cima da cabeça e o seu reflexo desapareceu por completo.
— Tem aqui um bilhete — disse o Ron, subitamente. Um papel caiu do embrulho. .
Harry  tirou  o  manto  e  pegou  na  carta.  Numa  letra  fina  e  débil  que  ele  nunca  tinha  visto,
estava escrito o seguinte:

O  teu  pai  deixou  isto  na  minha  posse  antes  de  morrer.  É  altura  de  te  ser  entregue.  Usa-o
bem.
Um bom Natal!

Não estava assinado. Harry ficou a olhar para o bilhete enquanto Ron admirava o manto.
— Eu daria tudo por um manto destes — disse ele.
— Tudo. Qual é o teu problema?
—  Nada  —  disse  Harry,  sentindo-se  estranho.  Quem  lhe  teria  enviado  o  manto?  Teria
mesmo pertencido ao seu pai?
Antes  de  poder  dizer  ou  pensar  mais  alguma  coisa,  a  porta  da  camarata  foi  aberta  de  par
em  par  e  Fred  e  George  Weasley  entraram  de  rompante.  Harry  escondeu  rapidamente  o
manto. Não lhe apetecia, por enquanto, partilhá-lo com mais ninguém.
— Feliz Natal!
— Olhem, o Harry também tem uma camisola Weasley!
O Fred e o George usavam camisolas azuis, uma com um grande F e outra com um G.
— A do Harry é melhor do que as nossas — disse o Fred, pegando na camisola do Harry. —
Ela esmerou-se mais por tu não seres da família,
— Por que é que não vestes a tua, Ron? — perguntou o George. — Vá lá, veste-a, é bonita e
é quentinha.
—  Detesto  castanho-avermelhado  —  resmungou  o  Ron,  triste,  enfiando  a  camisola  pela
cabeça abaixo.
— A tua não tem nenhuma letra  — observou o George. — Acho que ela tem a  certeza de
que não te esqueces do  teu nome. Mas nós  não somos parvos, sabemos muito bem que nos
chamam Gred e Forge.
— Que barulheira é esta?
Percy Weasley meteu  a cabeça na porta com um olhar reprovador. Estava,  com certeza, a
desembrulhar  os  seus  presentes  por  que  transportava  também  no  braço,  que  o  Fred  lhe
agarrou, uma camisola feita à mão.
— C. de D. (Chefe de Departamento)! Veste-a, Percy, vá lá, estamos  todos com as nossas,
até o Harry tem uma.
—  Eu...  não..,  quero  —  disse  o  Percy,  com  a  voz  empastelada,  enquanto  os  gémeos  lha
enfiavam pela cabeça, atirando-lhe os óculos ao chão.
— E não te vais sentar hoje com os chefes de departamento — disse o George. — O Natal é
a festa da família.
Levaram o Percy para fora do quarto com os braços agarrados pelas mangas da camisola.

Nunca, em toda a sua vida, Harry tinha tido uma ceia de Natal como aquela. Uma centena
de  grandes  perus  assados,  montanhas  de  batatas  assadas  e  cozidas,  escudelas  de  grandes
salsichas, terrinas de ervilhas com manteiga, molheiras de prata de caldo de carne e sumo de
uvas  e  montes  de  foguetes  de  feiticeiros  espalhados  ao  longo  da  mesa.  Estes  fantásticos
foguetes  não  se  pareciam  nada  com  os  foguetes  dos  Muggle  que  os  Dursley  costumavam
comprar  juntamente  com  brinquedinhos  de  plástico  e  chapeuzinhos  de  papel  colorido.  Harry
puxou um dos foguetes dos feiticeiros com o Fred e ele não se limitou a rebentar, saltou como
uma  bola  de  canhão  e  envolveu-os  a  todos  numa  nuvem  de  fumo  azul  enquanto  de  lá  de
dentro  explodia  um  chapéu  de  contra-almirante  e  vários  ratinhos  brancos.  Lá  em  cima,  na
mesa principal, Dumbledore tinha trocado o seu chapéu pontiagudo de feiticeiro por um gorro
florido e ria entredentes de uma piada que o professor Flitwick tinha acabado de lhe ler.
A seguir ao peru vieram os pudins flamejantes e o Percy quase partiu os dentes na faca de
prata  coberta  pelo  molho  do  pudim.  Harry  observava  Hagrid  que  ia  ficando  cada  vez  mais
vermelho  à  medida  que  bebia  vinho,  tendo  acabado  por  beijar  a  professora  McGonagall  na
bochecha. Para grande espanto de Harry, ela deu uma risadinha e corou, com o chapéu alto já
à banda.
Quando Harry finalmente se levantou da mesa, ia carregado com um monte de coisas que
tinham saído dos foguetes, incluindo um conjunto de balões luminosos, não explosivos e o seu
novo  estojo  de  xadrez  de  feitiçaria.  Os  ratinhos  brancos  desapareceram  e  ele  teve  a
desagradável  sensação  de  que  iam  acabar  por  ser  o  jantar  de  Natal  da  horrorosa  gata  Mrs.
Norris.
Harry  e  os  Weasleys  passaram  uma  óptima  tarde  nos  campos,  travando  uma  renhida
batalha com bolas de neve. Por fim, cheios de frio e já quase sem fôlego, regressaram à lareira
da  sala  comum  dos  Gryffindor,  onde  Harry  estreou  o  seu  novo  tabuleiro  de  xadrez  sendo
estrondosamente  vencido  por  Ron.  Acabou  por  se  conformar,  acreditando  que  teria  perdido
menos se o Percy não tivesse tentado ajuda-lo tanto.
Depois de um lanche de chá, sandes de peru, biscoitos, docinhos e bolo de Natal, ficaram
todos  tão  enfartados  e  cheios  de  sono  que,  antes  de  irem  para  a  cama,  deixaram-se  ficar  no
sofá a ver o Percy correr atrás do Fred e do George por toda a torre dos Gryffindor, tentando
recuperar o distintivo que eles lhe tinham roubado.
Aquele fora, sem sombra de dúvida, o melhor Natal de toda a vida do Harry. Contudo, uma
coisa tinha permanecido nos confins da sua mente durante todo o dia. Só quando se deitasse
poderia pensar livremente no assunto: o manto da invisibilidade e a pessoa que o enviara.
Ron, cheio de peru e de bolo e sem nada misterioso a preocupá-lo, adormeceu mal correu
as cortinas do dossel. Harry inclinou-se para o outro lado da sua cama e tirou de lá de baixo o
manto.
Do  seu  pai...  aquilo pertencera  ao  seu  pai.  Deixou  que  o  tecido  lhe  roçasse  as  mãos,  mais
macio do que a seda, mais leve do que o ar. Usa-o bem, dizia o bilhete.
Tinha  de  experimentá-lo  de  novo.  Saltou  da  cama  e  embrulhou-se  nele.  Olhando  para
baixo, para as pernas, apenas viu sombras e luar. Era um sentimento estranhíssimo.
Usa-o bem.
De  repente,  sentiu-se  completamente  acordado.  Todas  as  divisões  de  Hogwarts  se  lhe
abriam  com  aquele  manto.  A  excitação  fê-lo  vibrar  enquanto  permanecia  no  silêncio  e  no
escuro. Agora podia ir onde quisesse e o Filch nunca saberia.
Ron roncou no seu princípio de sono. Deveria acordá-lo? Algo o deteve — era o manto do
seu pai — e sentiu isso pela primeira vez — queria usá-lo sozinho.
Esgueirou-se  da  camarata,  desceu  as  escadas,  atravessou  a  sala  comum  dos  Gryffindor  e
subiu pelo buraco do retrato.
— Quem  está aí? — perguntou a dama gorda. Harry não  respondeu. Desceu rapidamente
pelo corredor.
Onde  poderia  ir?  Parou  com  o  coração  a  bater  e  pensou  na  secção  dos  reservados  da
biblioteca. Podia ficar a ler durante todo o tempo que quisesse, o tempo que fosse necessário
até  descobrir  quem  era  Flamel.  Dirigiu-se  para  lá,  apertando  bem  contra  o  corpo,  enquanto
andava, o manto da invisibilidade.
A biblioteca estava escura como breu e misteriosa. Harry acendeu uma lâmpada para ver o
caminho e as fileiras de livros. A luz parecia flutuar sozinha no ar e, apesar de ele lhe sentir o
peso  e  saber  que  era  o  seu  braço  que  pegava  nela,  a  imagem  da  luz  solta  no  ar  causava-lhe
arrepios.
A secção dos reservados ficava na parte de trás da biblioteca. Passando com todo o cuidado
por  sobre  a  corda  que  separava  estes  livros  dos  outros,  ergueu  a  luz  para  conseguir  ler  os
títulos.
Não  lhe  diziam  muito.  As  letras  douradas,  desbotadas  e  gastas  formavam  palavras  em
idiomas  que  Harry  desconhecia.  Alguns  nem  tinham  título.  Havia  um  livro  com  uma  mancha
escura  que  se  parecia  horrivelmente  com  sangue.  Harry  ficou  com  os  cabelos  em  pé.  Talvez
fosse imaginação sua, ou talvez não, mas pareceu-lhe ouvir um sussurro vindo dos livros, como
se eles soubessem que estava ali alguém que não deveria ali estar.
Era  preciso  começar  por  um  lado  qualquer.  Colocando  a  lâmpada  no  chão  com  todo  o
cuidado, procurou na prateleira de baixo um livro que lhe parecesse interessante. Um volume
de capa negra e prateada chamou-lhe a atenção. Retirou-o com alguma dificuldade porque era
extremamente pesado e, apoiando-o nos joelhos, abriu-o.
Um  grito  agudo  de  sangue  coalhado  quebrou  o  silêncio  —  o  livro  gritava!  Harry  fechou-o
com um estalido mas a gritaria continuava, uma nota aguda, constante e ensurdecedora. Caiu
para  trás  batendo  na  luz  que  se  apagou.  Em  perfeito  pânico,  Harry  ouviu  passos  lá  fora  no
corredor. Metendo o livro barulhento na prateleira começou a correr. Passou pelo Filch, junto
da porta. Os olhos claros  e estranhos do Filch olharam através dele  e  Harry  esgueirou-se por
debaixo do braço do encarregado, galgando rapidamente o corredor com o grito do livro ainda
nos ouvidos.
Parou junto de uma armadura. A sua preocupação em fugir da biblioteca fora tal que nem
dera atenção ao caminho. E como estava escuro não fazia ideia de onde se encontrava. Sabia
que havia uma armadura perto das cozinhas mas devia estar, pelo menos, cinco pisos acima.
— O professor pediu-me que o avisasse se visse alguém a vaguear por aqui durante a noite
e estava alguém na biblioteca, na secção dos reservados.
Harry sentiu o sangue subir-lhe à cabeça. Onde quer que ele estivesse, o Filch conhecia um
atalho porque a sua voz untuosa estava cada vez mais próxima e, para seu grande horror, foi
Snape quem lhe respondeu.
— A secção dos reservados? Bem, não deve estar longe, apanhamo-lo com certeza.
Harry  ficou  pregado  ao  chão  enquanto  Filch  e  Snape  viraram  numa  esquina.  Não  podiam
vê-lo, claro, mas o corredor era estreito e se se aproximassem muito podiam chocar com ele —
o manto não fazia com que ele deixasse de ter um corpo sólido.
Recuou o mais silenciosamente que pôde. Havia uma porta entreaberta do lado esquerdo.
Era a sua única esperança. Entrou, sustendo a respiração, tentando não tocar na porta e, para
seu  grande  alívio,  conseguiu  entrar  na  sala  sem  que  eles  dessem  por  isso.  Eles  seguiram  em
frente  e  Harry  encostou-se  à  parede,  respirando  profundamente  e  ouvindo  os  passos  de
ambos a afastarem-se. Tinham estado perto, muito perto, mas isso fora alguns segundos antes
de ele reparar em algo absolutamente insólito que existia na sala onde agora se encontrava.
Parecia  uma  antiga  sala  de  aulas.  As  sombras  escuras  das  secretárias  e  cadeiras
empilhavam-se  contra  as  paredes  e  havia  um  cesto  de  papéis  voltado  ao  contrário  —  mas
encostado  à  parede,  de  frente  para  ele,  estava  algo  que  não  parecia  ser  dali,  algo  que  tinha
todo o aspecto de ter sido ali posto para que ninguém o encontrasse.
Era  um  espetho  magnífico,  tão  alto  que  quase  tocava  no  tecto,  com  uma  moldura
trabalhada em ouro e assente em dois pés de garra. No topo havia uma inscrição: Ajese doãça
rocue to sarno tsorue to oãno rnoc.
Tendo afastado o pânico com o desaparecimento de Filch e de Snape, Harry aproximou-se,
querendo  mais  uma  vez  olhar  para  confirmar  que  não  via  o  seu  reflexo.  Colocou-se  bem  na
frente do espelho.
Teve de levar as mãos à boca para não soltar um grito. Deu meia volta com o coração mais
aflito  do  que  quando  o  livro  tinha  começado  a  gritar  —  porque  não  só  vira  o  seu  reflexo  no
espelho como o de uma multidão de gente, mesmo ali atrás dele.
Contudo a sala estava vazia. Com a respiração alterada, voltou-se de novo para o espelho.
Lá  estava  ele,  reflectido,  pálido  e  apavorado  e  reflectidos  atrás  dele  estavam  pelo  menos
dez  outros.  Harry  olhou  por  cima  do  ombro,  mas  não  havia  ali  ninguém.  Ou  estariam  todos
invisíveis? Estaria ele numa sala cheia de gente invisível e o dom daquele espelho seria o de os
reflectir a todos, invisíveis ou não?
Voltou  a  olhar  para  o  espelho.  Uma  mulher  mesmo  à  sua  direita  sorria  e  acenava-lhe.  Ele
estendeu  a  mão  e  sentiu  o  ar.  Se  ela  ali  estava  efectivamente,  poderia  tocar-lhe,  os  reflexos
estavam  tão próximos... mas apenas sentiu  o ar  —  tanto ela como os outros apenas existiam
naquele espelho.
Era uma mulher muito bonita. De cabelos escuros avermelhados e os olhos — os olhos dela
parecem-se  com  os  meus  —  pensou  Harry,  aproximando-se  um  pouco  mais  do  espelho.
Verdes,  brilhantes,  exactamente  com  o  mesmo  formato.  Mas  foi  então  que  reparou  que  ela
estava  a  chorar.  A  sorrir  e  a  chorar  ao  mesmo  tempo.  O  homem  alto  e  magro  de  cabelos
pretos  passou-lhe  o  braço  por  cima  dos  ombros.  Usava  óculos  e  o  cabelo  era  desalinhado  e
rebelde, arrebitava atrás como o seu.
Harry estava agora tão próximo do espelho que o nariz quase tocava o do seu reflexo.
— Mãe? — disse baixinho. — Pai?
Eles apenas o olharam a sorrir. E lentamente Harry olhou para os rostos de todas as outras
pessoas no espelho e viu outro par de olhos verdes como os dele, outros narizes parecidos e
até  um  velhinho  que  parecia  ter  os  joelhos  nodosos  e  protuberantes  como  os  seus.  Pela
primeira vez, Harry estava a ver a sua própria família, pela primeira vez na vida.
Os  Potters  sorriram  e  disseram-lhe  adeus  quando  ele  olhou  ansiosamente  para  eles,
pressionando  as  mãos  contra  o  espelho  como  se  esperasse  cair  lá  para  dentro  e  alcançá-los.
Tinha um sentimento poderoso dentro de si, uma mescla de alegria e de profunda tristeza.
Não  soube  ao  certo  quanto  tempo  ali  permaneceu.  Os  reflexos  não  desapareceram  e  ele
olhou  e  continuou  a  olhar  até  que  um  ruído  à  distância  o  trouxe  de  volta  à  realidade.  Não
podia ficar ali. Tinha que encontrar o caminho de regresso à camarata.
Afastou  os  olhos  do  rosto  da  mãe,  murmurando  —  Eu  volto  —  e  saiu  apressadamente  do
quarto.

— Podias ter-me acordado — disse o Ron, de mau humor.
— Podes ir comigo amanhã à noite. Eu vou lá voltar. Quero mostrar-te o espelho.
— Eu gostava de conhecer a tua mãe e o teu pai — disse o Ron, impaciente.
—  E  eu  quero  conhecer  toda  a  tua  família,  todos  os  Weasleys,  vais  poder  mostrar-me  os
teus outros irmãos também.
— Podes vê-los em qualquer altura — disse o Ron. — E só ires à minha casa este Verão. E,
se  calhar,  o  espelho  só  mostra  as  pessoas  que  já  morreram.  Que  pena  não  encontrarmos  o
Flamel. Come uma fatia de bacon, por que é que não estás a comer nada?
Harry  não  conseguia  comer.  Tinha  visto  os  pais  e  ia  voltar  a  vê-los  nessa  mesma  noite.
Esquecera  praticamente  o  Flamel.  Não  lhe  parecia  já  tão  importante  como  isso.  Quem  é  que
queria saber o que o  cão das  três cabeças estava  a guardar? Qual  a diferença que o  Snape o
roubasse ou não?
— Estás mesmo bem? — perguntou o Ron. — Pareces estranho.


O que Harry mais temia era não conseguir voltar a dar com o quarto onde se encontrava o
espelho. Com o Ron também embrulhado no manto tinham de avançar muito mais devagar e
tentaram  reproduzir  o  percurso  do  Harry  a  partir  da  biblioteca,  vagueando  pelas  passagens
escuras durante quase uma hora.
— Estou gelado — disse o Ron. — Vamos esquecer isto e voltar para a cama.
— Não — insistiu Harry. — Eu sei que é por aqui perto.
Passaram  pelo  fantasma  de  uma  bruxa  alta  que  deslizava  em  sentido  contrário  mas  não
viram mais ninguém. No preciso momento em que o Ron tinha começado a queixar-se de que
sentia os pés gelados, Harry deu com a armadura.
— É aqui, aqui mesmo, aqui!
Abriram a porta. Harry tirou o manto dos ombros e correu para o espelho.
Lá estavam eles. A sua mãe e o seu pai, radiantes por vê-lo de novo.
— Vês? — murmurou Harry.
— Eu não vejo nada.
— Olha. Olha para eles todos...
— Eu só te vejo a ti.
— Olha melhor. Põe-te aqui onde eu estou.
Harry colocou-se ao lado dele mas, com o Ron em frente do espelho, deixara de conseguir
ver a sua família, só o Ron, no seu pijama de tecido escocês.
O Ron, por outro lado, olhava perplexo para a sua própria imagem.
— Olha só para mim! — disse
— Vês toda a tua família em volta?
— Não — estou sozinho — mas estou diferente, pareço mais velho e sou chefe de turma!
— O quê?
—  Sou,  estou  a  usar  o  distintivo  como  o  Bill  usava  e  estou  a  segurar  a  taça  da  equipa  e  a
taça do Quidditch — sou também capitão de Quidditch!
Ron afastou os olhos daquela fantástica visão para olhar excitado para o Harry.
— Achas que este espelho mostra o futuro?
— Como é que isso é possível? Toda a minha família morreu. Deixa-me ver de novo.
— Tiveste o espelho só para ti a noite passada, dá-me mais um bocadinho de tempo.
—  Tu  só  queres  ver  a  taça  do  Quidditch.  Qual  é  o  interesse  disso?  Eu  quero  ver  os  meus
pais.
— Não me empurres.
Um  súbito  ruído  lá  fora,  no  corredor,  pôs  fim  à  discussão.  Não  se  tinham  dado  conta  da
altura a que estavam a falar.
— Depressa.
Ron lançou o manto sobre ambos no momento em que os olhos luminosos da Mrs. Norris
surgiram  à  porta.  Ron  e  Harry  não  se  moveram,  ambos  preocupados  com  o  mesmo
pensamento  —  será  que  o  manto  da  invisibilidade  resulta  também  com  os  gatos?  Depois  de
um tempo que lhes pareceu nunca mais acabar, ela virou-lhes as costas.
— Não sabemos se não terá ido chamar o Filch, aposto que nos ouviu. Anda daí.  — E Ron
puxou o Harry para fora do quarto.

Na manhã seguinte a neve ainda não tinha derretido.
— Queres jogar xadrez, Harry? — perguntou o Ron.
— Não.
— E se fôssemos visitar o Hagrid?
— Não. Vai tu sozinho.
— Eu sei que estás a pensar naquele espelho, Harry. Não voltes lá esta noite.
— Porque não?
—  Não  sei.  É  um  pressentimento  e  além  disso  já  houve  sombras  demasiado  próximas.  O
Filch, o Snape, a gata Mrs. Norris anda por aí a farejar. E, apesar de não te verem, se esbarram
contigo ou se bates nalguma coisa?
— Pareces a Hermione.
— Estou a falar a sério, Harry. Não vás.
Mas Harry só  tinha uma  coisa na cabeça que era voltar  a olhar para  aquele  espelho e não
era o Ron quem iria impedi-lo. 

Nessa terceira noite encontrou mais facilmente o quarto. Ia a andar tão depressa que fazia
mais barulho do que mandava a prudência, mas não encontrou ninguém pelo caminho.
Eles  lá  estavam.  A  mãe  e  o  pai  a  sorrirem-lhe  de  novo  e  um  dos  avós  acenando-lhe
alegremente.  Harry  baixou-se  para  se  sentar  no  chão  em  frente  do  espelho.  Nada  iria  evitar
que ele passasse ali a noite com a família. Absolutamente nada.
Excepto...
— Então, Harry, aqui de novo?
Harry sentiu-se gelar todo por dentro. Olhou para trás. Sentado numa das secretárias junto
da parede estava nem mais nem menos do que Albus Dumbledore. Sem dúvida tinha passado
por ele mas, na pressa de chegar ao espelho, nem dera por nada.
— Eu, desculpe, não o vi, professor.
—  Estranho  como  o  facto  de  ficares  invisível  te  torna  míope  —  disse  Dumbledore  e  Harry
ficou aliviado ao constatar que ele sorria.
—  Portanto  —  disse  Dumbledore,  saindo  da  secretária  para  se  vir  sentar  no  chão  com  o
Harry,  —  tu,  como  centenas  de  outros  antes  de  ti,  descobriste  as  maravilhas  do  espelho  dos
invisíveis.
— Não sabia que se chamava assim.
— Mas, sem dúvida, já compreendeste o que ele faz!
— Ele, bem, mostra-me a minha família...
— E mostrou ao teu amigo Ron a sua própria imagem como chefe de turma.
— Como é que o senhor sabe?
— Eu não preciso de um manto para me tornar invisível — disse Dumbledore suavemente.
— Bem, mas és capaz de me dizer o que é que o espelho dos invisíveis nos mostra a todos?
Harry acenou negativamente com a cabeça.
—  Deixa-me  explicar-te.  O  homem  mais  feliz  do  mundo  poderia  usar  o  espelho  dos
invisíveis  como  se  fosse  um  espelho  normal.  Isto  é,  ele  ver-se-ia  a  si  próprio  exactamente
como era. Achas que isso o ajudaria?
Harry  ficou  a  pensar.  Depois  disse  lentamente:  —  Mostra-nos  o  que  nós  queremos...
quando queremos...
— Sim e não — disse Dumbledore. — Mostra-nos apenas o mais profundo e intenso desejo
que  reside  no  nosso  coração.  Tu,  que  nunca  conheceste  a  tua  família,  viste-a  à  tua  volta.  O
Ronald  Weasley,  que  viveu  sempre  à  sombra  dos  irmãos,  viu-se  sozinho,  como  o  melhor  de
todos. Contudo, este espelho não nos dá nem o conhecimento nem a verdade. Muitos homens
têm estado na frente dele, hipnotizados pelo que ele lhes mostra, outros enlouqueceram sem
saber se o que tinham visto era real ou mesmo possível.
O espelho vai ser transportado amanhã para outro lugar, Harry. E peço-te que não voltes a
procurá-lo.  Se  voltares  a  encontrá-lo,  estarás  preparado.  Não  se  resolve  nada  a  divagar  em
sonhos quando nos esquecemos de viver. Lembra-te disto. Agora, porque não vais dormir um
pouco?
Harry levantou-se.
— Professor Dumbledore, posso fazer-lhe uma pergunta?
— Claro que sim. Acabas de a fazer — disse Dumbledore a sorrir. — Mas podes fazer outra,
vá lá!
— O que vê o senhor quando olha para o espelho?
— Eu? Vejo-me a segurar um par de peúgas de lã.
Harry olhou-o pasmado.
—  Peúgas  quentinhas  é  uma  coisa  que  faz  imensa  falta.  Passou  mais  um  Natal  e  ninguém
me ofereceu um único par. Toda a gente insiste em oferecer-me livros.
Só  quando  já  estava  na  cama  é  que  Harry  se  apercebeu  de  que  Dumbledore  estava,  de
certo modo, a brincar. Mas pensou também, enquanto enxotava o Scabbers da almofada, que
aquela fora uma pergunta bastante indiscreta.

XIII
NICOLAS FLAMEL

Dumbledore  convencera  Harry  a  não  voltar  a  procurar  o  espelho  dos  invisíveis.  Portanto,
durante o resto das férias de Natal, o manto da invisibilidade ficou dobrado no fundo da mala
de  Harry.  Ele  bem  tentava  esquecer  o  que  tinha  visto  naquele  espelho  mas  não  era  capaz.
Começou  a  ter  pesadelos.  Sonhava  sempre  com  os  pais  a  desaparecerem  numa  explosão  de
luz verde enquanto uma voz aguda se ria às gargalhadas.
— Estás a ver que o Dumbledore tinha razão, o espelho podia levar-te à loucura — disse o
Ron quando ele lhe contou aqueles sonhos.
Hermione,  que  regressou  um  dia  antes  do  começo  das  aulas,  viu  as  coisas  de  uma
perspectiva diferente. Ficou horrorizada com a ideia do Harry andar três noites a fio a vaguear
pela  escola  («E  se  o  Filch  te  tivesse  apanhado?»)  e  desapontada  por  ele  não  ter  descoberto,
pelo menos, quem era o Flamel.
Tinham  perdido  praticamente  a  esperança  de  encontrar  Flamel  num  dos  livros  da
biblioteca,  apesar  de  Harry  continuar  a  ter  a  certeza  de  que  tinha  lido  o  nome  dele  em
qualquer  lado.  Mal  as  aulas  começaram,  recomeçou  o  sistema  de  visitas  rápidas  à  biblioteca
entre uma aula e outra. O  tempo de que Harry dispunha era agora bastante  reduzido devido
ao recomeço dos treinos de Quidditch.
O  Wood  estava  a  exigir  cada  vez  mais  da  equipa.  Nem  a  chuva  infindável  que  viera
substituir  a  neve  conseguira  quebrar-lhe  o  ânimo.  Os  Weasleys  queixavam-se  de  que  ele
estava  a  ficar  fanático  mas  Harry  estava  com  Wood.  Se  ganhassem  o  próximo  jogo  contra  os
Hufflepuff, ultrapassariam os Slytherin como equipa vencedora do campeonato, pela primeira
vez em sete anos. Além de querer vencer, Harry descobriu que tinha menos pesadelos quando
chegava à cama bastante cansado dos treinos.
Foi então que, durante um treino particularmente molhado  e cheio de lama, o Wood lhes
deu aquela péssima notícia. Tinha acabado de ralhar com os Weasleys que, na brincadeira, não
paravam de se bombardear um ao outro, fingindo cair das vassouras.
—  Vocês  parem  imediatamente  de  criar  confusão!  —  gritou.  —  E  esse  tipo  de  coisa  que
pode  levar-nos  a  perder  o  campeonato!  O  Snape  vai  arbitrar  desta  vez  e  pode  agarrar-se  a
qualquer coisa para retirar pontos aos Gryffindor!
George Weasley caiu mesmo da vassoura ao ouvir estas palavras.
—  Snape  vai  arbitrar?  —  balbuciou  com  a  boca  cheia  de  lama.  —  Mas  ele  nunca  arbitrou
um jogo de Quidditch, não vai ser justo connosco se ultrapassarmos os Slytherin.
O resto do clube pôs-se ao lado de George, protestando.
—  Não  é  por  minha  culpa  —  disse  o  Wood.  —  Mas  temos  de  garantir  um  jogo  tão  limpo
que o Snape não tenha qualquer motivo para implicar connosco.
Estava tudo muito bem, pensou Harry, mas ele tinha outra razão para não querer o Snape
por perto enquanto jogava Quidditch...
O  resto  dos  jogadores  juntou-se  para  falar,  no  final  do  treino,  mas  Harry  foi  direito  à  sala
comum dos Gryffindor onde encontrou o Ron e a Hermione a jogarem xadrez. Era o único jogo
em que Hermione costumava perder o que, segundo Ron, lhe fazia muito bem.
— Não falem comigo agora — disse o Ron quando Harry se sentou ao lado dele — preciso
de  concentração  —,  mas  ao  ver  a  expressão  do  amigo,  perguntou:  —  O  que  é  que  se  passa,
estás com um aspecto horrível?
Baixinho, para que ninguém mais ouvisse, Harry contou-lhes a súbita e sinistra intenção do
Snape de arbitrar o jogo de Quidditch.
— Não jogues — disse Hermione, de imediato.
— Diz que estás doente —, lembrou o Ron.
— Finge que partiste uma perna — sugeriu Hermione.
— Parte mesmo uma perna — aconselhou o Ron.
—  Não  posso  —  disse  o  Harry.  —  Não  há  nenhum  seeker  suplente.  Se  eu  lhes  faltar  os
Gryffindor não poderão jogar.
Nesse momento o Neville entrou de roldão na sala comum. Todos se perguntaram como é
que  ele  conseguira  subir  pelo  buraco  do  retrato,  uma  vez  que  trazia  as  pernas  presas  uma  à
outra com aquilo que identificaram de imediato como sendo «o feitiço das pernas amarradas».
Devia  ter  tido  de  saltar  como  um  coelho  durante  todo  o  caminho  até  chegar  à  torre  dos
Gryffindor.
Todos se partiram a rir com excepção de Hermione que, sem perder tempo, pôs em prática
a contra magia. As pernas do Neville afastaram-se e ele pôs-se de pé a tremer.
—  O  que  é  que  aconteceu?  —  perguntou-lhe  Hermione,  ajudando-o  a  sentar-se  junto  de
Harry e Ron.
— O Malfoy — disse o Neville a tremer. — Encontrei-o fora da biblioteca. Disse que andava
à procura de alguém em quem praticar.
—  Vai  já  ter  com  a  professora  McGonagall  e  comunica-lhe  isso  —  disse  Hermione
peremptoriamente.
Neville fez que não com a cabeça.
— Não quero mais problemas — sussurrou.
—  Tens  de  o  enfrentar,  Neville!  —  aconselhou  o  Ron.  —  Ele  está  habituado  a  passar  por
cima de toda a gente, mas não é por isso que vamos deitar-nos no chão e facilitar-lhe a vida.
—  Não  precisas  de  me  dizer  que  eu  não  sou  suficientemente  corajoso  para  estar  nos
Gryffindor. O Malfoy já mo disse —,balbuciou o Neville.
Harry meteu a mão no bolso da capa, retirou de lá um sapo de chocolate, o último da caixa
que a Hermione lhe oferecera no Natal, e deu-o ao Neville que parecia ir começar a chorar.
— Tu vales mais do que doze Malfoys — disse o Harry. — O chapéu seleccionador escolheu-te para os Gryffindor, ou não? E onde é que está o Malfoy? Nos nojentos Slytherin.
Os lábios do Neville esboçaram um ténue sorriso enquanto desembrulhava o sapo.
—  Obrigado,  Harry...  acho  que  me  vou  deitar.  Queres  este  cromo?  Tu  fazes  colecção,  não
fazes?
Enquanto o Neville se afastava, Harry olhou para o cromo do feiticeiro famoso.
— O Dumbledore de novo — disse. — Foi o primeiro que eu...
Estremeceu,  os  olhos  fixos  na  parte  de  trás  do  cromo.  Em  seguida  olhou  para  Ron  e
Hermione:
— Encontrei-o! — murmurou. — Encontrei o Flamel! Eu disse-vos que tinha lido sobre ele
no comboio quando vinha para cá  — ouçam isto: O professor Dumbledore  é particularmente
famoso  por  ter  derrotado  o  mago  negro  Grindelwald  em  1945,  pela  descoberta  de  doze
utilizações  para  o  sangue  de  dragão  e  pelo  seu  trabalho  alqulmico,  juntamente  com  o  seu
colega Nicolas Flamel!
Hermione deu dois saltos de contente. Não se mostrava tão entusiasmada desde o dia em
que recebera a nota do seu primeiro trabalho de casa.
— Fiquem aí — disse ela e correu pelas escadas acima até à camarata das raparigas. Harry e
Ron mal tiveram tempo de trocar um olhar de espanto e já ela estava de volta com um enorme
livro nas mãos.
— Nunca me lembrei de procurar aqui! — murmurou excitada. — Trouxe-o da biblioteca há
umas semanas porque me pareceu uma coisa leve para ir lendo aos bocadinhos.
—  Leve?  —  disse  o  Ron.  Mas  Hermione  mandou-o  ficar  quieto  e  começou  a  procurar
nervosamente em todas as páginas, resmungando sozinha.
Por fim encontrou aquilo de que estava à procura.
— Eu sabia. Eu sabia!
— Já podemos falar? — perguntou o Ron, mas ela nem lhe deu resposta.
— Nicolas Flamel — leu dramaticamente — é o único autor conhecido da pedra filosofal!
A frase não teve o impacte que ela esperava.
— A pedra quê? — perguntaram os dois ao mesmo tempo.
— Oh, francamente, vocês não lêem nada. Vejam aqui.
Pôs-lhes o livro na frente e Harry e Ron leram:

O  antigo  estudo  da  alquimia  relaciona-se  com  a  construção  da  pedra  filosofal,  uma
substância lendária com poderes fabulosos. A pedra transforma qualquer metal em ouro puro.
Produz também o elixir da vida que tornará imortal aquele que o beber.
Tem  havido  muitas  referências  à  pedra  filosofal  ao  longo  dos  séculos,  mas  a  única  que  de
facto  existe  pertence  ao  senhor  Nicolas  Flamel  que  festejou  o  ano  passado  o  seu  665.0
aniversário e que leva uma vida tranquila em Devon, com a sua mulher Perenelle, de 658 anos.

— Estão a ver? — disse Hermione quando Harry e Ron terminaram.  — O  cão deve estar  a
guardar a pedra filosofal do Flamel! Aposto que  ele pediu ao Dumbledore que tomasse conta
dela  não  só  porque  são  amigos,  mas  também  porque  devia  calcular  que  alguém  andava  a
tentar roubá-la. Por isso quis a pedra fora de Gringotts!
— Uma pedra que faz ouro e nos impede de morrer! — disse o Harry. — Não admira que o
Snape ande atrás dela! Qualquer um andaria.
—  E  não  admira  que  não  conseguíssemos  encontrar  o  Flamel  no  Estudo  dos  Novos
Desenvolvimentos da Feitiçaria — disse o Ron. — Ele não é propriamente novo com seiscentos
e sessenta e cinco anos de idade!
Na  manhã  seguinte,  na  aula  de  defesa  contra  as  artes  das  trevas,  enquanto  tiravam
apontamentos sobre as diferentes maneiras de tratar as dentadas dos lobisomens, Harry e Ron
discutiam ainda o que cada um deles faria se tivesse uma pedra filosofal. Só quando Ron disse
que comprava uma equipa de Quidditch só para ele é que Harry voltou a lembrar-se do Snape
e do jogo que o esperava.
— Eu vou jogar — disse ele ao Ron e à Hermione.
—  Se  não  o  fizer,  todos  os  Slytherin  vão  ficar  a  pensar  que  tenho  medo  de  enfrentar  o
Snape. Vou mostrar-lhes. Acabam-se-lhes logo os sorrisinhos todos se ganharmos o jogo.
— Desde que não tenhamos que te trazer de rastos do estádio — disse Hermione.

À medida que o jogo se aproximava, Harry ia ficando cada vez mais nervoso apesar de não
dizer  nada  ao  Ron  nem  à  Hermione.  O  resto  da  equipa  também  não  estava  propriamente
calma.  A  ideia  de  vencer  os  Slytherin  no  campeonato  de  clubes  era  maravilhosa,  havia  sete
anos que ninguém conseguia fazê-lo, mas será que iam ter essa oportunidade com um árbitro
tão parcial?
Harry não sabia se era imaginação sua ou não mas parecia estar sempre a dar de caras com
o  Snape,  para  onde  quer  que  se  dirigisse.  Chegou  a  pensar  se  ele  não  andaria  a  segui-lo,  na
tentativa  de  o  encontrar  a  sós.  As  aulas  de  poções  estavam  a  transformar-se  na  tortura
semanal, O Snape era tão horroroso com o Harry... Será que ele descobrira que eles sabiam da
pedra  filosofal?  Harry  não  via  como  tal  seria  possível,  contudo,  tinha  por  vezes  a  pavorosa
sensação de que ele conseguia ler-lhes os pensamentos.
Harry sabia que quando, na tarde seguinte, Ron e Hermione lhe desejaram boa sorte, antes
de ele entrar para os vestiários, nenhum deles tinha a certeza absoluta de voltar a vê-lo vivo. E
esse pensamento não era propriamente reconfortante. Harry quase não ouviu uma palavra do
discurso de incentivo do Wood, enquanto vestia o traje de Quidditch e pegava na sua Nimbus
Dois Mil.
Enquanto  isso,  Ron  e  Hermione  tinham  arranjado  lugar  nas  bancadas,  ao  lado  do  Neville
que não compreendia porque motivo eles estavam tão pálidos e preocupados nem porque se
tinham lembrado de levar para o jogo as suas varinhas.
Do  mesmo  modo,  Harry  ignorava  por  completo  que  Ron  e  Hermione  tinham  andado  a
praticar, às escondidas, «o feitiço das pernas amarradas», ideia que lhes fora dada pelo modo
como o Malfoy o usara com Nevilie e estavam agora prontos a pô-lo em prática contra Snape,
à primeira tentativa de este fazer mal ao Harry.
— Não te esqueças, é Locomotor Mortis — murmurou Hermione enquanto o Ron escondia
a varinha dentro da manga.
— Eu sei —, rabujou ele, — não chateies.
De novo no vestiário, Wood chamara Harry à parte.
—  Não  quero  pressionar-te,  Potter,  mas  se  houve  um  dia  em  que  agarrar  a  snitch  fosse
fundamental,  esse  dia  é  hoje.  Vê  se  consegues  acabar  o  jogo  antes  que  o  Snape  favoreça
demasiado os Hufflepuff.
— Está lá fora a escola em peso! — disse Fred Weasley, espreitando pela porta. — Até, c’o
escafandro, até o Dumbledore veio assistir!
O coração de Harry deu um salto.
—  Dumbledore?  —  repetiu,  dirigindo—se  à  porta  para  ter  a  certeza.  Era  verdade,  aquela
barba prateada não enganava ninguém.
Harry  teve  vontade  de  rir  bem  alto  tal  foi  o  seu  alívio.  Estava  salvo,  O  Snape  não  teria
coragem de tentar fazer-lhe mal na presença do Dumbledore.
Talvez fosse por isso que tinha um ar  tão mal-disposto enquanto  as equipas entravam em
campo. Facto que o Ron também notou.
—  Nunca  vi  o  Snape  com  um  ar  tão  mesquinho  —  comentou  ele  com  Hermione.  —  Olha,
começaram, outch!
Alguém acabava de atingir Ron na nuca. Fora Malfoy.
— Desculpa Weasley, não te vi.
Malfoy esboçou um largo sorriso irónico envolvendo o Crabbe e o Goyle.
—  Gostava  de  saber  quanto  tempo  o  Potter  vai  aguentar-se,  desta  vez,  em  cima  da
vassoura. Alguém quer apostar? Weasley? 
Ron  não  lhe  respondeu.  O  Snape  tinha  acabado  de  conceder  aos  Hufflepuff  um  penálti
porque  o  George  Weasley  lhes  arremessara  uma  bludger.  Hermione,  que  fazia  figas  no  colo,
tinha os olhos fixos no Harry que voava em círculos sobre o jogo como um falcão, em busca da
snitch.
— Sabes como é que, na minha opinião, eles escolhem os jogadores para os Gryffindor? —
disse  Malfoy  bem  alto,  alguns  minutos  mais  tarde,  enquanto  Snape  concedia  aos  Hufflepuff
outro  penálti  sem  motivo  nenhum.  —  São  as  pessoas  de  quem  eles  têm  pena.  Olha  o  Potter
que  não  tem  pai  nem  mãe,  os  Weasley  que  não  têm  onde  cair  mortos.  Tu  deverias  estar  lá
também, Longbottom, não tens miolos.
Neville ficou vermelho como um pimentão mas voltou-se no lugar olhando Malfoy bem nos
olhos.
— Eu valho doze de ti — gaguejou.
Malfoy,  Crabbe  e  Goyle  rebolaram-se  a  rir  mas  o  Ron,  não  querendo  desviar  os  olhos  do
jogo, disse: — Isso mesmo, Neville.
— Longbottom, se os miolos fossem ouro tu eras mais pobre do que o Weasley e olha que
ele já é mais pobre que a pobreza.
Os nervos de Ron estavam já em franja por causa de Harry.
— Estou a avisar-te, Malfoy. Voltas a abrir a boca e eu...
— Ron — disse subitamente Hermione. — Olha o Harry!
— O quê? Onde?
Harry  fizera  uma  descida  espectacular  que  merecera  gritos  e  ovações  de  todo  o  público.
Hermione pôs-se de pé com os dedos cruzados em frente da boca enquanto Harry mergulhava
direito ao chão como uma bala.
— Estás com sorte, Weasley. O teu amigo deve ter avistado dez tostões no chão! — disse o
Malfoy.
Ron deu um salto e antes que Malfoy tivesse tido  tempo de perceber o que se passava, já
estava em cima dele atirando-o ao chão. Neville hesitou mas acabou por saltar pelas costas do
assento para ir ajudar.
— Vá lá, Harry!  — gritava Hermione, saltando no lugar para ver melhor  a velocidade com
que  Harry  descia  direito  a  Snape  não  reparara  sequer  que  o  Malfoy  e  o  Ron  rebolavam  pelo
chão  nem  dera  pelo  tumulto  e  pelos  gritos  vindos  do  turbilhão  de  socos  e  murros  entre  o
Neville, o Crabbe e o Goyle.
Lá  em  cima,  no  ar,  Snape  voltou  a  vassoura  mesmo  a  tempo  de  ver  algo  escarlate  passar
por  ele,  falhando  por  centímetros  no  segundo  seguinte  Harry  tinha  terminado  o  mergulho.
Com o braço no ar, vitorioso, mostrava a snitch que tinha na mão. 
As bancadas quase vieram abaixo. Era um recorde que nunca fora atingido, jamais a snitch
tinha sido agarrada em tão pouco tempo.
— Ron! Ron! Onde estás? O jogo acabou! O Harry venceu! Ganhámos! Os Gryffindor estão
na  frente!  —  gritava  Hermione,  dançando  e  abraçando  a  Parvati  Patil  que  estava  sentada  na
fila da frente.
Harry saltou da vassoura a  centímetros do chão. Mal podia acreditar, Tinha conseguido. O
jogo terminara. Durara apenas cinco minutos.
Quando  os  Gryffindor  começaram  a  encher  o  campo,  Harry  viu  Snape  aterrar  perto  dele,
pálido  e  de  lábios  cerrados  —  Harry  sentiu  então  uma  mão  no  ombro  e  olhou  para  o  rosto
sorridente de Dumbledore.
— Muito bem — disse Dumbledore baixinho, para que só Harry pudesse ouvir. — É bom ver
que não ficaste perturbado por aquele espelho e que tens trabalhado a sério. Excelente!
Snape cuspiu causticamente para o chão.

Pouco depois, Harry saiu sozinho do vestiário para guardar a Nimbus Dois Mil no barracão
das vassouras. Não se lembrava de alguma vez ter estado tão feliz. Fizera algo de que podia a
partir de agora orgulhar-se — ninguém voltaria a dizer-lhe que só era famoso pelo nome que
tinha.  O  ar  do  anoitecer  nunca  lhe  parecera  tão  doce  e  agradável.  Caminhou  sobre  a  relva
macia,  revivendo  aqueles  momentos  de  uma  hora  antes:  os  Gryffindor  a  correrem  para  o
levantar  em  ombros,  o  Ron  e  a  Hermione  lá  longe,  aos  saltos,  o  Ron  vibrando  de  alegria,
apesar de ter o nariz todo a sangrar.
Chegou  ao  barracão,  encostou-se  à  porta  de  madeira  e  olhou  para  cima,  para  Hogwarts,
com  as  suas  janelas  avermelhadas  pelo  pôr  do  Sol.  Gryffindor  a  liderar.  Ele  conseguira,  ia
mostrar ao Snape...
E por falar em Snape...
Uma  silhueta  encarapuçada  desceu  sorrateiramente  os  degraus  da  frente  do  castelo.  Não
querendo  obviamente  ser  visto,  avancou  tão  rápido  quanto  lhe  foi  possível  em  direcção  à
floresta  proibida.  A  vitória  foi-se  apagando  da  mente  de  Harry  enquanto  o  observava.
Reconheceu  o  coxear  daquela  silhueta.  O  Snape,  a  esgueirar-se  para  a  floresta  proibida
enquanto todos os outros estavam a jantar — o que é que se passaria?
Harry  saltou  de  novo  para  a  Nimbus  dois  mil  e  arrancou.  Deslizando  silenciosamente  por
sobre o castelo viu Snape entrar na floresta a correr. Seguiu-o.
As  árvores  eram  tão  espessas  que  ele  não  conseguia  vislumbrá-lo.  Voou  em  círculos  cada
vez  mais  baixos,  tocando  os  ramos  cimeiros  das  árvores  até  que  ouviu  vozes.  Planou  em
direcção a elas e em seguida aterrou sem fazer barulho no alto de uma faia.
Trepou  com  todo  o  cuidado  ao  longo  das  pernadas,  bem  agarrado  à  vassoura,  tentando
espreitar através das folhas.
Lá  em  baixo,  numa  espécie  de  clareira  cheia  de  sombras,  estava  Snape  mas  não  se
encontrava  sozinho.  Quirrell  fazia-lhe  companhia.  Harry  não  conseguia  ver  o  olhar  dele  mas
gaguejava como nunca. Esticou-se, tentando perceber as suas palavras.
— Nnnão sssssei ppporque quis encccontrar-se ccomigo, logo aqqqui, Severus... .
— Oh! porque se trata de uma conversa em particular — disse Snape na sua voz gelada. —
Ao fim e ao cabo, os estudantes não devem saber da pedra filosofal.
Harry inclinou-se para a frente. O Quirrell gaguejava e Snape interrompeu-o.
— Já conseguiu descobrir o meio de passarmos por aquela besta do cão do Hagrid?
— Mmmas Ssseverus, eu...
—  Você  não  me  quer  ter  como  inimigo.  Ou  quer,  Quirrell?  —  disse  o  Snape,  dando  um
passo em direcção a ele.
— Eu... não sei o que vvvocê...
— Sabe muito bem o que eu quero dizer.
Um mocho piou tão  alto que Harry quase caiu da árvore  abaixo. Equilibrou-se a tempo de
ouvir o Snape dizer: — O seu bocadinho de hocus pocus. Estou à espera.
— M... as eu não sssei.
—  Muito  bem  —  cortou  Snake.  —  Vamos  voltar  a  ter  uma  conversinha  muito  em  breve,
quando você tiver tido tempo de repensar e decidir a quem quer ser leal.
Lançou  o  manto  sobre  a  cabeça  e  desapareceu  da  clareira.  Estava  a  escurecer  muito
rapidamente mas Harry ainda conseguiu ver o Quirrell imóvel, como que petrificado.

— Harry, ode é que tens estado? — perguntou Hermione na sua voz agua.
—  Ganhámos!  Ganhámos!  Ganhámos!  —  gritava  o  Ron,  dando  palmadas  nas  costas  do
amigo. — Deixei o Malfoy com um olho negro e o Neville bateu-se sozinho contra o Crabbe e o
Goyle! Ele ainda está magoado mas a Madame Pomfrey diz que vai ficar bem — e falando em
mostrar aos Slytherin! Estava toda a gente à tua espera na sala comum. Estamos a festejar, o
Fred e o George fanaram uns bolos e umas coisas das cozinhas.
—  Esqueçam  isso  agora  —  disse  Harry,  sem  fôlego.—  Vamos  procurar  uma  sala  vazia.
Esperem só até ouvirem o que tenho para vos contar...
Harry assegurou-se de que o Peeves não estava lá dentro antes de fechar a porta atrás de si
e, em seguida, contou-lhes o que tinha visto e ouvido.
— Portanto estávamos certos, é a pedra filosofal e o Snape está a tentar obrigar o Quirrell a
ajuda-lo a roubá-la. Perguntou-lhe se ele sabia como passar pelo Fluffy e disse qualquer coisa
sobre  o  hocus  pocus  do  Quirrell  —  suponho  que  deve  haver  outras  coisas  a  guardar  a  pedra
além do Fluffy, encantamentos provavelmente  e o Quirrell deve  ter feito um feitiço qualquer
contra as artes das trevas de que o Snape precisa para conseguir passar.
—  Queres  com  isso  dizer  que  a  pedra  só  está  a  salvo  enquanto  o  Quirrell  fizer  frente  ao
Snape? — perguntou alarmada, Hermione .
— Ela vai sair dali na próxima terça-feira —, lembrou o Ron.
  
XIV
NORBERT, O DRAGÃO NORUEGUÊS

Mas o Quirrell deve ter sido mais corajoso do que eles haviam suposto. Nas semanas que se
seguiram,  parecia  estar  cada  vez  mais  magro  e  mais  pálido  mas  não  dava  a  impressão  de  ter
cedido.
De  cada  vez  que  passavam  pelo  corredor  do  terceiro  andar,  Harry,  Ron  e  Hermione
encostavam  os  ouvidos  à  porta  para  se  certificarem  de  que  o  Fluffy  ainda  estava  a  rosnar  lá
dentro.  O  Snape  continuava  a  demonstrar  o  seu  habitual  mau  humor,  o  que,  sem  dúvida,
significava que a pedra ainda estava a salvo. Durante  esses dias, sempre que o Harry passava
pelo professor Quirrell, sorria-lhe como que a transmitir-lhe coragem e o Ron começara a dizer
a todos que parassem de se rir sempre que ele gaguejava.
Hermione,  contudo,  tinha  algo  mais  a  preocupá-la  além  da  pedra  filosofal.  Começara  a
fazer  revisões  e  a  sublinhar  a  várias  cores  os  apontamentos.  O  Harry  e  o  Ron  não  se  teriam
importado, se ela não insistisse com eles para que fizessem o mesmo.
— Hermione, falta uma eternidade para os exames!
—  Dez  semanas  —  respondeu  ela.  —  Não  é  uma  eternidade,  é  um  segundo  para  Nicolas
Flamel.
— Mas nós não temos seiscentos anos de idade —, lembrou o Ron. —AIêim disso, o que é
que tu precisas de rever se já sabes tudo?
—  O  que  eu  preciso  de  rever?  Vocês  são  doidos?  Têm  consciência  de  que  precisamos  de
passar  nestes  exames  para  entrarmos  no  segundo  ano?  São  muito  importantes.  Eu  devia  ter
começado a estudar há um mês, nem sei o que me deu para não o fazer...
Infelizmente os professores pareciam pensar exactamente como ela. Passaram-lhes tantos
trabalhos de casa que as férias da Páscoa não se compararam nem de perto nem de longe com
as do Natal. Era difícil descontrair com a Hermione ao lado a repetir alto as doze utilizações do
sangue de dragão ou praticando movimentos com a varinha, a resmungar ou a gritar. Harry e
Ron  passaram  a  maior  parte  do  tempo  com  ela  na  biblioteca,  tentando  acabar  todos  os
trabalhos.
—  Nunca  mais  me  quero  lembrar  disto  —  desabafou  o  Ron,  uma  tarde,  atirando  com  a
pena  pelos  ares  e  olhando  ansiosamente  pela  janela  da  biblioteca.  Era  o  primeiro  dia  bonito
que havia  em meses. O céu estava de um  azul muito clarinho e  sentia-se no ar a chegada do
Verão.
Harry, que estava à procura de «díctamo» em Uma Centena de Ervas e Fungos Mágicos, só
olhou quando ouviu o Ron gritar: — Hagrid, o que estás a fazer na biblioteca?
Hagrid apareceu, arrastando os pés e parecendo esconder qualquer coisa atrás das costas.
Estava  bastante  deslocado  naquele  lugar,  dentro  do  seu  enorme  sobretudo  de  pele  de
toupeira.
—  ‘Tava só à procura d’uma coisa —,  justificou-se  num  tom  de  voz  manhoso  que  lhes
chamou a atenção. — E vocês, o qu’é que ‘tão aqui a fazer? — Parecia desconfiado. — Não é à
procura do Nicolas Flamel, pois não?
—  Que  ideia!  Há  imenso  tempo  que  descobrimos  quem  ele  é  —,  disse  o  Ron,  tentando
impressioná-lo. — E sabemos que o cão está a guardar a pedra filosofal.
—  Shhh!  —  O  Hagrid  olhou  em  volta  rapidamente,  certificando-se  de  que  ninguém  os
ouvira. — Não te ponhas para aí a dizer isso em voz alta, O que é que te deu?
— Há algumas perguntas que queríamos efectivamente fazer-te — disse o Harry. — Sobre o
que está a guardar a pedra além do Fluffy.
— Shhhhh! — voltou a fazer o Hagrid. — Venham mais tarde à minha cabana. Não prometo
dizer-vos nada mas não andem prà’qui a espiolhar. Não é suposto os estudantes saberem
disto.
— Até logo — disse Harry.
Hagrid desapareceu.
— O que é que ele estaria a esconder atrás das costas? — perguntou Hermione, pensativa.
— Achas que tinha alguma coisa que ver com a pedra?
—  Vou  verificar  em  que  secção  é  que  ele  esteve  —,  disse  o  Ron  que  já  tinha  trabalhado
bastante.  Voltou  minutos  depois  com  um  monte  de  livros  nos  braços  e  depositou-os  sobre  a
mesa.
—  Dragões  —,  murmurou.  —  O  Hagrid  estava  à  procura  de  alguma  coisa  sobre  dragões.
Olhem só os títulos: Espécies de Dragões do Reino Unido e Irlanda, Do Ovo ao Inferno, Um Guia
para os Guardas de Dragões.
—  O  Hagrid  sempre  sonhou  ter  um  dragão.  Disse-mo  ele  no  primeiro  dia  em  que  nos
conhecemos — confessou Harry.
— Mas é contra todas as nossas leis —, lembrou o Ron.
—  A  criação  de  dragões  foi  proibida  pela  Convenção  de  Warlock  em  1709,  todos  sabem
disso.  Seria  totalmente  impossível  passarmos  despercebidos  aos  Muggles  se  tivéssemos
dragões  no  jardim.  Além  disso  não  é  possível  domesticar  dragões,  é  perigoso.  Devias  ver  as
queimaduras que o Charlie fez a lidar com alguns dragões selvagens na Roménia.
— Mas não há dragões selvagens no Reino Unido, pois não? — perguntou Harry.
—  Claro  que  há  —,  afirmou  o  Ron,  —  os  vulgares  verdes  galeses  e  os  pretos  das  Ilhas
Hébridas.  O  Ministério  da  Magia  tem  um  trabalhão  a  abafar  a  existência  deles,  podes  crer.
Temos de arranjar feitiços para conseguir que os Muggles que lhes puseram a vista em cima se
esqueçam por completo.
— Então o que estará o Hagrid a fazer? — perguntou Hermione.

Quando bateram à porta da cabana do guarda dos campos, uma hora mais  tarde, ficaram
espantados ao verificar que todas as cortinas estavam fechadas. Hagrid gritou: — Quem é?  —
antes de os mandar entrar e, em seguida, fechou devagarinho a portasem fazer ruído.
Estava  um  calor  sufocante  lá  dentro.  Apesar  de  estar  um  dia  quente,  na  lareira  crepitava
um  fogo  esplendoroso.  Hagrid  fez-lhes  chá  e  ofereceu-lhes  sandes  de  doninha  que  eles
naturalmente recusaram.
— ‘Tão, queriam fazer-me uma pergunta?
— Sim —, disse o Harry. Não valia a pena estar com rodeios.
— Queríamos saber se nos podias dizer o que é que está a guardar a pedra filosofal além do
Fluffy.
Hagrid olhou-o de sobrancelhas cerradas.
— ‘Tá claro que não posso — disse. — Primeiro, nem eu sei. Segundo, vocês já ‘tão a saber
de mais e por isso não vos dizia mesmo que soubesse. Aquela pedra ‘tú aqui por um bom
motivo.  Quase  foi  roubada  de  Gringotts;  calculo  que  saibam  disso?  Fico  parvo  com’é que
descobriram quem era o Fluffy.
— Vá lá, Hagrid, tu podes não querer dizer-nos mas não tentes convencer-nos de que não
sabes.  Tu  estás  a  par  de  tudo  o  que  se  passa  por  aqui  —,  disse  Hermione  com  uma  voz
sedutora. — Nós só gostaríamos de saber em quem terá o Dumbledore confiado tanto para o
ajudar nisto, além de ti.
O peito de Hagrid inchou com estas últimas palavras. Harry e Ron olharam espantados para
Hermione.
—  Eu  suponho  que  não  fará  mal  dizer-vos  isto...  eu...  ele  pediu-me  o  Fluffy  emprestado  e
depois alguns dos professores fizeram uns feitiços... o professor Sprout, o professor Flitwick, a
professora McGonagall —, Hagrid contava-os pelos dedos, — o professor Quirrell e o próprio
Dumbledore, claro. Ah, esquecia-me de um, o professor Snape.
— Snape?
— Sim, ‘inda não sabiam isto, vocês. ‘Tão a ver, o Snape ajudou a proteger a pedra. Não ia
depois roubá-la...
Harry tinha a certeza de que o Ron e a Hermione estavam a pensar o mesmo que ele.
Se  o  Snape  tivesse  feito  parte  desse  grupo,  ter-lhe-ia  sido  fácil  descobrir  como  os  outros
professores  haviam  guardado  a  pedra.  Ele  parecia  saber  tudo  menos  o  feitiço  do  Quirrell  e
como passar pelo Fluffy.
—  Tu  és  o  único  que  sabe  como  é  possível passar  pelo  Fluffy  não  és?  —  perguntou  Harry
cheio de curiosidade. — E nunca dirias a ninguém, pois não, a nenhum dos professores?
— A ninguém a não ser ao Dumbledore —, disse o Hagrid cheio de orgulho.
—  Bem,  isso  já  é  qualquer  coisa  —  murmurou  Harry  aos  outros.  —  Hagrid,  não  se  pode
abrir uma janela, estou a sufocar?
—  Não  posso,  Harry,  desculpa.  —  Harry  reparou  no  modo  como  ele  olhava  para  o  fogo.
Seguiu-lhe o olhar.
— O que é aquilo, Hagrid?
Mas ele já descobrira o que era. Bem no meio do lume, por debaixo da chaleira, estava um
enorme ovo negro.
— Ah! — disse o Hagrid, coçando nervosamente a barba. — Aquilo é... er...
— Onde o arranjaste, Hagrid? — perguntou Ron, inclinando -se para o lume para o ver mais
de perto. — Deve ter-te custado uma fortuna.
— Ganhei-o — disse Hagrid. — A noite passada fui à vila tomar umas bebidas e comecei a
jogar às cartas c’um desconhecido. Até acho qu’ele ficou satisfeito por se ver livre dele.
— Mas o que é que vais fazer com ele depois de o chocar? — perguntou Hermione.
— Bem, tenh’andado a ler — disse Hagrid, retirando um grande livro debaixo da almofada.
—  Trouxe  este  da  biblioteca  —  Criação  de  Dragões  para  Prazer  e  Utilização  —, ‘tá um
pouc’ultrapassado mas diz aqui tudo. Manter o ovo ao lume porque as mães respiram sobre
eles,  e  quando  o  bebé  dragão  nascer  alimente-o  com  um  balde  de  brande  misturado  com
sangue de galinha, de meia em meia hora. E aqui, ‘tão a ver? é como se reconhecem os
diferentes ovos. O qu’eu tenho é um dragão negro norueguês. São muito raros.
Parecia extremamente feliz consigo próprio mas Hermione não.
— Hagrid, tu vives numa casa de madeira disse ela.
Mas Hagrid não estava a ouvi-la. Sentia-se alegre enquanto reavivava o lume.

Portanto,  agora  tinham  outra  preocupação:  o  que  poderia  acontecer  a  Hagrid  se  alguém
descobrisse que ele estava a manter ilegalmente um dragão dentro da cabana.
— Pergunto-me às vezes como será ter uma vida calma — suspirava o Ron, à medida que,
serão após serão, travavam uma dura batalha para conseguir fazer todo o trabalho de casa que
lhes era passado pelos professores. Hermione tinha  já  começado a fazer horários de revisões
para eles os dois, o que os levava quase à loucura.
Até  que  uma  manhã,  durante  o  pequeno-almoço,  a  Hedwig  trouxe  ao  Harry  mais  um
bilhete de Hagrid. Ele escrevera apenas duas palavras: Está a nascer.
O  Ron  queria  faltar  à  aula  de  herbologia  e  ir  direito  à  cabana  mas  Hermione  nem
considerou a hipótese.
— Hermione, quantas vezes na vida vamos poder assistir ao nascimento de um dragão?
—  Temos  aulas  e  isso  vai  criar-nos  problemas.  Não  fazes  sequer  ideia  do  que  poderá
acontecer ao Hagrid quando alguém descobrir o que ele anda a fazer.
— Cala-te —, murmurou o Harry.
O  Malfoy  estava  a  poucos  centímetros  de  distância  e  tinha  parado,  morto  por  ouvir  a
conversa.  Teria  conseguido  captar  alguma  coisa?  Harry  não  gostou  nem  um  pouco  da
expressão que viu na cara dele.
Ron  e  Hermione  discutiram  durante  quase  todo  o  caminho  até  à  aula  de  herbologia  e  no
fim  ela  acabou  por  concordar  em  darem  a  tal  corrida  até  à  cabana  do  Hagrid  durante  o
intervalo  grande,  a  meio  da  manhã.  Quando  tocou  a  campainha  no  final  da  aula,  os  três
largaram as pequenas pás côncavas com que estavam a trabalhar e partiram apressados pelo
meio dos campos até à beira da floresta.
Hagrid cumprimentou-os excitado e entusiasmadíssimo.
— Está quase! — e fê-los entrar, sem perda de tempo.
O  ovo  estava  sobre  a  mesa  e  tinha  grandes  rachas.  Algo  lá  dentro  movia-se.  Ouvia-se
nitidamente um barulhinho que vinha do interior.
Todos  eles  puxaram  as  cadeiras  para  junto  da  mesa  e  ficaram  a  ouvir-lhe  a  batida  do
coração.
De  um  momento  para  o  outro  houve  uma  espécie  de  arranhão  e  o  ovo  abriu-se.  O  bebé
dragão tombou pesadamente sobre a mesa. Não era propriamente bonito.
Segundo  Harry  ele  parecia  um  guarda-chuva  preto,  todo  amarrotado,  com  umas  asas
enormes em comparação com o corpo escanzelado, em forma de jacto, com um nariz grande
de narinas abertas, as raízes dos corninhos à vista e uns olhos protuberantes cor de laranja.
Espirrou. Uma série de faíscas saltaram-lhe do nariz.
—  Não  é  lindo?  —  murmurou  o  Hagrid.  Estendeu  uma  mão  para  fazer  uma  carícia  na
cabeça do pequeno dragão, mas ele tentou abocanhá-la mostrando-lhe os dentes afiados.
— Olha, ele conhece a mamã dele — disse o Hagrid.
—  Hagrid  —,  perguntou  Hermione.  —  Quanto  tempo  leva  exactamente  um  dragão
norueguês a crescer?
Hagrid ia responder quando a cor lhe desapareceu do rosto — deu um salto até à janela.
— O que é que se passa?
Estava alguém a espreitar p’la fresta das cortinas, um garoto que vai a correr em direcção à
escola.
Harry  aproximou-se  da  porta  e  espreitou.  Mesmo  à  distância  não  lhe  restava  a  menor
dúvida.
Malfoy vira o dragão.

No decorrer da semana seguinte, algo no sorriso cínico de Malfoy deixou o Harry, o Ron e a
Hermione  bastante  nervosos.  Passaram  praticamente  todo  o  seu  tempo  livre  na  cabana  do
Hagrid, tentando chamá-lo à razão.
— Deixa-o ir —, sugeriu o Harry, — liberta-o.
— Não posso —, disse Hagrid, — ele morreria logo.
Olharam para o dragão. Crescera para o triplo do tamanho  em apenas uma semana. Saía-lhe  fumo  pelas  narinas.  Hagrid  deixara  de  fazer  as  suas  obrigações  como  guarda  dos  campos
porque  o  dragãozinho  mantinha-o  ocupado  de  manhã  à  noite.  O  chão  estava  repleto  de
garrafas vazias de brande e penas de galinha.
— Decidi chamar-lhe Norbert — disse Hagrid, olhando para o dragão  com os olhos  turvos
pelas lágrimas.
— Ele agora já me conhece mesmo, reparem só. Norbert! Norbert! Onde está a mamã?
— Ele passou-se — murmurou o Ron ao ouvido do Harry.
—  Hagrid  —,  gritou  Harry,  —  dentro  de  quinze  dias  o  Norbert  vai  ter  o  tamanho  da  tua
casa. O Malfoy pode ir denunciar-te ao Dumbledore a qualquer momento.
Hagrid mordeu o lábio.
— Eu sei que não posso ficar com ele p’ra sempre. Mas não Posso abandoná-lo, não posso.
Harry voltou-se subitamente para Ron.
— Charlie — disse ele.
— Mau, também te estás a passar? Eu sou o Ron.
—  Não  é  isso.  O  teu  irmão  Charlie  que  está  na  Roménia  a  estudar  dragões.  Podíamos
mandar-lhe  o  Norbert.  O  Charlie  podia  tomar  conta  dele  nos  primeiros  tempos  e  depois
devolvê-lo à liberdade!
— Brilhante —, disse o Ron. — E o Hagrid?
Mas  no  fim  o  Hagrid  concordou  e  disse  que  podiam  mandar  uma  coruja  ao  Charlie  a
perguntar se ele aceitava esse encargo.
A semana seguinte passou a correr. Na quarta-feira à noite a Hermione e o Harry estavam
sentados  na  sala  comum,  depois  de  toda  a  gente  ter  ido  para  a  cama,  O  relógio  de  parede
tinha batido a meia-noite quando o buraco do retrato se abriu. O Ron apareceu não se sabe de
onde, tirando o manto de invisibilidade do Harry. Estivera na cabana, ajudando a dar de comer
ao Norbert que comia agora ratos mortos através de uma grade.
—  Mordeu-me  —,  disse  ele,  mostrando—lhes  a  mão  embruihada  num  lenço
ensanguentado. Não vou conseguir pegar numa pena durante uma semana. Acho que aquele
dragão  é o animal mais horroroso que alguma vez encontrei, mas da maneira como o  Hagrid
está,  parece-lhe  tão  fofinho  como  um  coelho.  Quando  ele  me  mordeu,  mandou-me  embora
por o ter assustado e quando saí, estava a cantar-lhe uma canção de embalar.
Ouviu-se um ruído na janela escura.
— É a Hedwig! — disse o Harry, apressando-se a deixá-la entrar. — Deve trazer notícias do
Charlie!
Os três juntaram as cabeças e leram o bilhete.

Querido Ron
Como  estás?  Obrigado  pela  tua  carta.  Terei  todo  o  gosto  em  tomar  conta  do  Dragão
norueguês mas não vai ser fácil fazê-lo chegar aqui. Julgo que o melhor a fazer será mandá-lo
por  uns  amigos  meus  que  vêm  visitar-me  na  próxima  semana.  O  problema  é  que  não  podem
ser vistos a transportar um dragão ilegal.
Poderias  levar  o  dragão  até  à  torre  mais  alta,  no  sábado  à  meia-noite?  Eles  irão  alter
contigo e trazem o dragão enquanto está escuro.
Responde-me tão breve quanto possível.
Um abraço do teu irmão.
Charlie

Olharam uns para os outros.
— Temos o manto da invisibilidade  — disse o Harry. — Não deve ser muito difícil  — julgo
que ele é suficientemente grande para cobrir dois de nós e o Norbert.
O  facto  de  os  outros  dois  terem  concordado  de  imediato  era  bem  a  prova  de  como  a
semana tinha sido má. Valia tudo para se verem livres do Norbert... e do Malfoy.
Havia uma dificuldade. Na manhã seguinte a mão do Ron que fora mordida tinha inchado
para o dobro do tamanho e ele não sabia se seria prudente ir procurar Madame Pomfrey será
que ela reconheceria a ferida como sendo uma dentada de dragão?
Mas, de tarde, não teve mesmo outra alternativa. A ferida tornara-se esverdeada como se
os dentes do Norbert fossem venenosos.
Harry  e  Hermione  correram  até  à  ala  hospitalar  e  foram  dar  com  o  Ron  de  cama,  num
estado lastimoso.
— Não é só a mão —, murmurou. — Embora me doa tanto como se fosse ficar sem ela. O
Malfoy  disse  à  Madame  Pomfrey  que  precisava  de  me  pedir  um  livro  emprestado  só  para
poder  vir  aqui  gozar  com  a  minha  cara.  Fartou-se  de  me  ameaçar  que  ia  contar  à  Madame
Pomfrey  quem  me  dera  a  dentada  —  eu  disse-lhe  que  tinha  sido  um  cão  mas  não  sei  se  ela
acreditou. Eu não devia ter atacado o Malfoy no jogo de Quidditch, agora ele está a vingar-se.
Harry e Hermione tentaram acalmá-lo.
—  Vai  estar  tudo  acabado  no  sábado  à  meia-noite  —  disse  Hermione,  mas  não  foi  o
suficiente para acalmar o Ron. Pelo contrário. Sentou-se e começou a lamentar-se.
— Sábado à meia-noite — disse numa voz sumida. — Oh! não. Oh! não, acabo de lembrar-me, a carta do Charlie estava dentro do livro que o Malfoy levou. Ele vai descobrir tudo.
Harry  e  Hermione  não  tiveram  tempo  de  responder  porque  Madame  Pomfrey  entrou
naquele  preciso  momento  e  mandou-os  sair,  dizendo  que  o  Ron  precisava  absolutamente  de
descansar.

—  É  demasiado  tarde  para  alterar  os  planos  —,  disse  Harry  a  Hermione.  —  Não  temos
tempo  de  mandar  outra  coruja  e  esta  pode  ser  a  nossa  única  possibilidade  de  nos  vermos
livres  do  Norbert.  Há  que  correr  o  risco.  E  o  Malfoy  não  sabe  da  existéncia  do  manto  da
invisibilidade.
Quando foram dizer ao Hagrid que lhes abrisse a janela para poderem falar com ele, deram
com Fang, o cão de caça, sentado cá fora com uma grande ligadura na cauda.
— Não vos posso deixar entrar — respondeu quase sem fôlego.
—  O Norbert está c’uma atitude que não inspira confiança. Mas não é nada qu’eu não
consiga controlar.
Quando lhe contaram da carta do Charlie, os olhos encheram-se-lhe de lágrimas, embora o
motivo pudesse ser também a dentada que o Norbert acabara de lhe dar numa das pernas.
— Aaargh! está bem, ele só me agarrou a bota a brincar, afinal ainda é um bebé.
O  «bebé»  batia  com  a  cauda  na  parede,  fazendo  estremecer  a  janela.  Harry  e  Hermione
regressaram ao castelo com a sensação de que o sábado nunca mais chegava.

Teriam sentido pena do Hagrid quando chegou o momento de este se despedir do Norbert,
se não estivessem tão preocupados com o que tinham de fazer. Era uma noite escura e cheia
de nuvens e estavam a chegar com um ligeiro atraso à cabana do Hagrid, porque tinham sido
obrigados a esperar que o Peeves saísse do caminho, no vestíbulo de entrada onde ele jogava
ténis contra a parede.
Hagrid tinha metido o Norbert numa enorme caixa de grades.
— Ele tem um monte de ratos e algum brande prà viagem — disse o Hagrid. — E meti aí um
ursinho de pelúcia p’ra ele não se sentir sozinho.
De dentro da caixa de grades vinham ruídos de rasgões que deram ao Harry a certeza que o
urso tinha acabado de ficar sem cabeça.
— Adeus, Norbert! — balbuciou Hagrid, enquanto Harry e Hermione tapavam a caixa com o
manto da invisibilidade e se cobriam também a si próprios.  — A mamã nunca se vai esquecer
de ti!
Nem eles próprios perceberam muito bem como foi que conseguiram chegar com a jaula lá
acima  ao  castelo.  A  meia-noite  aproximava-se  enquanto  levantavam  com  esforço  o  Norbert
pelas  escadarias  de  mármore,  ao  longo  do  vestíbulo  e  dos  corredores  escuros.  Mais  outra
escada.  E  outra.  Nem  mesmo  um  dos  atalhos  que  o  Harry  conhecia  conseguiu  facilitar-lhes  a
tarefa.
— Estamos quase a chegar! — disse Harry num desejo ansioso quando atingiram o corredor
que ficava debaixo da torre mais alta.
Mas,  subitamente,  um  movimento  em  frente  deles  fez  com  que  quase  deixassem  cair  a
jaula. Esquecendo-se de que estavam invisíveis, esconderam-se nas sombras, olhando para as
silhuetas escuras de duas pessoas numa luta corpo a corpo, a cerca de três metros de distância
do local onde se encontravam. Uma luz briihava no escuro.
A  professora  McGonagall,  num  roupão  aos  quadrados  e  com  uma  rede  de  dormir  no
cabelo, agarrava Malfoy por uma orelha.
—  Punição  —  gritava  ela.  —  E  vinte  pontos  a  menos  para  os  Slytherin!  Andar  por  aqui  a
meio da noite, como se atreve?
— Não está a compreender, professora McGonagall, o Harry Potter vem aí e tem com ele
um dragão!
—  Onde  é  que  se  ouviu  maior  disparate!  Não  tem  vergonha  de  inventar  uma  mentira
dessas? Vamos embora. Hei-de falar de si ao professor Snape, Malfoy!
A  escada  de  caracol  que  conduzia  ao  cimo  da  torre  pareceu-lhes  extremamente  fácil  de
subir  depois  de  tudo  o  resto.  Só  quando  chegaram  ao  ar  frio  da  noite  retiraram  o  manto  da
invisibilidade, aliviados por poderem respirar de novo à vontade. Hermione fez uma espécie de
dança.
— O Malfoy teve uma punição! Apetece-me cantar.
— Não cantes —, preveniu o Harry.
Rindo-se do Malfoy, esperaram. O Norbert fazia ruídos na sua caixa de grades. Cerca de dez
minutos mais tarde, quatro vassouras desceram na escuridão da noite.
Os  amigos  do  Charlie  eram  um  grupo  bem-disposto.  Mostraram  ao  Harry  e  a  Hermione  o
arnês  que  tinham  preparado  para  poderem  levar  o  Norbert  suspenso  entre  eles.  Todos
ajudaram a afivelar bem a jaula do Norbert e, em seguida, Harry e Hermione apertaram a mão
aos outros e agradeceram-lhes portudo.
Finalmente o Norbert ia... ia... tinha-se ido embora.
Esgueiraram-se pela escada de caracol com os corações tão leves como as mãos, agora que
não  traziam  o  Norbert  com  eles.  O  dragão  fora-se  embora,  o  Malfoy  tivera  uma  punição.
Haveria alguma coisa que pudesse estragar-lhes aquele momento de felicidade?
A  resposta  esperava-os  ao  fundo  das  escadas.  Mal  entraram  no  corredor  o  rosto  de  Filch
saiu do escuro.
— Ora, ora, parece que vocês foram apanhados!
Tinham deixado o manto da invisibilidade no alto da torre.
  
XV
A FLORESTA PROÍBIDA

As coisas não podiam ter corrido pior. Filch levou-os ao gabinete da professora McGonagall
onde ambos se sentaram sem trocar uma palavra entre si. Hermione tremia. Desculpas, álibis e
histórias para mascarar a verdade sucederam-se no cérebro de Harry, cada uma mais frágil do
que  a  anterior.  Não  conseguia  imaginar  como  iriam  sair  daquela  embrulhada.  Estavam
encurralados.  Como  fora  possível  serem  tão  estúpidos  e  esquecerem-se  do  manto  da
invisibilidade?  Não  havia  qualquer  razão  plausível  aos  olhos  da  professora  McGonagall
paraeles  estarem  fora  das  camas,  vagueando  pela  escola  a  meio  da  noite,  além  de  que  se
encontravam  na  torre  mais  alta  de  Hogwarts  cujo  acesso  apenas  era  permitido  durante  as
aulas.  Se  descobrissem  do  Norbert  e  do  manto  da  invisibilidade  estariam  muito  em  breve  a
fazer as malas.
O  Harry  pensava  que  as  coisas  não  poderiam  ter  corrido  pior?  Estava  redondamente
enganado. Quando a professora McGonagall apareceu, vinha a seguir o Neville.
— Harry — gritou o Neville, logo que viu os outros dois.
— Estava a tentar encontrar-vos para vos avisar de que ouvi o Malfoy dizer que ia apanhar-vos. Ele disse que vocês tinham um drag...
Harry  fez  um  brusco  sinal  com  a  cabeça  para  que  ele  se  calasse  mas  a  professora
McGonagall tinha ouvido. Mais do que o Norbert, parecia que ia lançar fogo pela boca quando
se aproximou dos três.
— Era a última coisa que esperava de qualquer de vocês. O senhor Filch diz que estiveram
na torre da astronomia. É uma da manhã. Estou à espera das vossas explicações.
Era  a  primeira  vez  que  Hermione  não  conseguia  responder  a  uma  pergunta  feita  por  um
professor. Olhava para os chinelos, quieta como uma estátua.
— Julgo que sei o que se passa aqui disse a professora McGonagall. — Não é preciso ser um
génio  para  lá  chegar.Vocês  aldrabaram  o  Draco  Malfoy  com  uma  história  qualquer  de  um
dragão, tentando fazê-lo sair da cama e meter-se em sarilhos. A ele já o apanhei. Calculo que
achem imensa graça ao facto de o Longbottom também ter acreditado!
Harry viu nos olhos do Neville uma onda de  tristeza e de  espanto. Tentou dizer-lhe com  o
olhar que não era verdade. Pobre Neville — Harry calculava o quanto devia ter sido dificil para
ele tentar encontra-los para os avisar, sozinho naqueles corredores escuros.
—  Estou  desiludida  convosco  —  disse  a  professora  McGonagall.  —  Quatro  alunos  fora  da
cama numa única noite! É a primeira vez que isto me acontece. Hermione Granger, pensei que
a menina tinha mais juízo. Quanto a si, Potter, acreditei que Gryffindor tinha mais significado
para  si  do  que  isto.  Vocês  os  três  vão  receber  punições  —  sim,  você  também  Longbottom,
nada  lhe  dá  o  direito  de  andar  a  passear  pela  escola  à  noite,  principalmente  nestes  dias.  É
extremamente perigoso — e cinquenta pontos serão retirados aos Gryffindor.
—  Cinquenta?  —  resmungou  Harry,  —  assim  perdemos  a  liderança  que  tínhamos
conquistado no campeonato de Quidditch!
—  Cinquenta  pontos  cada  —  disse  a  professora  McGonagall  —,  respirando  pesadamente
pelo nariz pontiagudo.
— Professora, por favor...
— Não pode...
— Não me digas o que  eu posso ou não fazer, Potter. Agora, volta para a  cama. Nunca  os
alunos dos Gryffindor me envergonharam tanto.
Cento  e  cinquenta  pontos  perdidos.  Aquilo  colocava  os  Gryffindor  em  último  lugar.  Numa
única  noite  eles  tinham  destruído  todas  as  possibilidades  dos  Gryffindor  ganharem  a  taça  de
clubes.  Harry  sentiu  um  peso  de  chumbo  no  estômago.  Como  poderiam  alguma  vez  redimir-se?
Harry  não  dormiu  durante  toda  a  noite.  Ouviu  o  Neville,  tentando  abafar  os  soluços  na
almofada  durante  o  que  lhe  pareceu  terem  sido  horas  e  horas.  Não  sabia  o  que  fazer  para  o
animar.  Calculava  que  o  Neville,  tal  como  ele  próprio,  receava  o  dia  seguinte.  O  que  poderia
acontecer quando os outros Gryffindor descobrissem o que eles lhes tinham feito?
A  princípio,  quando  passaram  pelas  gigantescas  ampulhetas  que  marcavam  os  pontos  da
equipa,  os  Gryffindor  pensaram  que  tinha  havido  um  engano.  Como  é  que  podiam  de  um
momento  para  o  outro  ter  cento  e  cinquenta  pontos  a  menos  do  que  no  dia  anterior?  Mas
depois a história começou a espalhar-se: Harry Potter, o famoso Harry Potter, o seu herói dos
jogos  de  Quidditch,  fizera-os  perder  todos  aqueles  pontos,  ele  e  um  grupo  de  estúpidos  do
primeiro ano.

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