PARTE 3
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Caíram para trás — Harry fechou a porta com toda a força e
correram, quase voaram, pelos
corredores na direcção oposta. O
Filch tinha ido certamente procurá-los noutro lugar porque
não voltaram a
encontrá-lo mas também
não se preocuparam
muito com isso.
Tudo o que
queriam era afastar-se
o mais possível
daquele monstro. Só
pararam de correr
quando
chegaram junto do retrato da dama gorda do sétimo andar.
— Mas por onde é que vocês têm andado? — perguntou ela,
olhando para os roupões que
lhes caíam tortos dos ombros e para as caras afogueadas e
cheias de suor.
— Não se
preocupe; focinho de
porco, focinho de
porco —, repetiu
Harry e o
retrato,
balançando para a frente, deu-lhes passagem. Subiram para a
sala comum e caíram cansados e
a tremer sobre os cadeirões.
Houve um período em que ninguém falou. O Neville, com
efeito, tinha o ar de quem nunca
mais iria abrir a boca em toda a sua vida.
— Qual será a ideia
deles de manter uma coisa daquelas aqui fechada na escola? — disse
por fim o Ron. — Se algum cão precisa de exercício é aquele,
de certeza absoluta.
Hermione recuperara tanto o fôlego como o mau humor.
— Vocês não usam mesmo os olhos, pois não? — disse com a sua
natural agressividade. —
Não viram onde é que ele estava sentado?
— No chão
— sugeriu Harry.
— Eu não
olhei para as
patas dele, estava
demasiado
assustado com as cabeças...
— Não. Não
era no chão.
Ele estava sentado
em cima de
um alçapão. Obviamente,
a
guardar qualquer coisa.
Hermione levantou-se, fixando-os.
— Espero que estejam satisfeitos convosco. Podíamos ter
morrido todos — ou pior, sermos
expulsos. Agora, se não se importam, vou deitar-me.
Ron ficou a olhar para ela de boca aberta.
— Não, não nos importamos — disse. — Até parece que a
levámos à força, não é?
Mas Hermione dera a Harry muito que pensar, enquanto
regressava à cama. O cão estava a
guardar qualquer coisa...
O que é
que o Hagrid
tinha dito? Que
Gringotts era o
lugar mais
seguro para guardar algo secreto, com excepção talvez de
Hogwarts.
Harry tinha a sensação de que acabava de descobrir onde se
encontrava naquele momento
o pacotezinho de aspecto sujo do cofre setecentos e treze.
X
HALLOWE’EN
Malfoy não podia
acreditar no que
os seus olhos
viam quando, no
dia seguinte, se
apercebeu de que
Harry e Ron
continuavam em Hogwarts
e que, apesar
do seu aspecto
cansado, se mostravam satisfeitos como era habitual.
Efectivamente, naquela manhã Harry e
Ron estavam convencidos de que terem encontrado o cão das
três cabeças fora uma aventura
incomparável e sentiam-se
já prontos para
outra. Entretanto Harry
pôs Ron ao
corrente do
pacotezinho que, segundo ele, tinha sido trazido de
Gringotts para Hogwarts e ficaram imenso
tempo a especular sobre o que conteria o pacote para
necessitar de tamanha protecção.
— Ou tem um grande valor ou é extremamente perigosodisse o
Ron.
— Ou ambas as coisas — completou Harry.
Mas tudo o que sabiam ao certo sobre o objecto misterioso
era que ele tinha cerca de cinco
centímetros de comprimento,
o que não
lhes dava margem
para grandes descobertas,
pelo
menos enquanto não tivessem novas pistas.
Nem Neville nem Hermione manifestavam qualquer interesse em
saber o que poderia estar
debaixo do cão
e do alçapão.
A única coisa
que o Neville
verdadeiramente queria era
ter a
certeza de que nunca mais iria ver aquele cão por perto.
Hermione recusava-se agora a falar ao Harry e ao Ron mas
como eles a consideravam uma
sabichona autoritária, tomaram esse facto como um bónus. O
que eles queriam era descobrir
uma maneira de se vingarem
do Malfoy e,
para sua grande
satisfação, essa possibilidade
chegou pelo correio, cerca de uma semana mais tarde.
Quando as corujas voaram pelo salão adentro como era
costume, a atenção de todos foi de
imediato atraída para um embrulho estreito e comprido,
transportado por seis grandes corujas
das torres. Harry estava tão interessado como os outros em
saber o que vinha naquele grande
embrulho quando as corujas desceram e o colocaram mesmo na
sua frente, fazendo com que
um pedaço de bacon lhe caísse ao chão. Tinham acabado de
levantar voo quando outra coruja
depôs uma carta em cima do embrulho.
Harry abriu-a em primeiro lugar e foi uma sorte porque a
carta dizia:
NÃO ABRAS O EMBRULHO À MESA
Contém a tua
nova Nimbus Dois
Mil, mas não
quero que se
fique a saber
que tens uma
vassoura ou todos os teus colegas vão querer ter uma. O
Oliver Wood irá encontrar-se contigo
hoje no campo
dos jogos de
Quidditch às sete
horas da tarde
para a tua
primeira aula de
treino.
Professora M. McGonagall
Harry teve dificuldade em disfarçar o seu entusiasmo quando
passou a nota ao Ron para ele
a ler.
— Uma Nimbus Dois Mil! — resmungou o Ron, cheio de inveja.
Nunca toquei numa...
Saíram dali rapidamente, a fim de desembrulhar a vassoura em
privado, antes da primeira
lição, mas, a
meio do vestíbulo
da entrada, encontraram
as escadas barradas
pelo Crabbe e
pelo Goyle. Malfoy tirou o pacote das mãos de Harry e
avaliou-lhe o peso.,
É uma vassoura
—, disse, atirando-a
de novo ao
Harry com um
misto de inveja
e de
despeito. — Vais ser castigado por isto, Potter. Os
primeiros anos não estão autorizados a ter
vassouras.
Ron não resistiu.
— Não é uma vassoura velha —, disse. — É uma Nimbus Dois
Mil, O que é que tu dizes que
tens em casa, Malfoy? Uma Cometa dois sessenta? — Ron sorriu
ao Harry. — As cometas são
muito aparatosas mas o material de que são feitas não tem a
qualidade das Nimbus.
— E o
que é que tu sabes
disso, Weasley? Não
tens dinheiro nem
para comprar cinco
centímetros do cabo
— respondeu maldosamente
Malfoy. — Tanto
quanto sei, tu
e os teus
irmãos têm de poupar todas as moedinhas.
Antes que Ron tivesse
tempo de responder, o professor
Flitwick apareceu mesmo ao lado
de Malfoy.
— Não estão a discutir, pois não, rapazes?
— Mandaram uma vassoura ao Potter, professor —, disse Malfoy
sem perder tempo.
— Sim, sim,
eu sei —
disse o professor
Flitwick, olhando radiante
para Harry. — A
professora
McGonagall contou-me tudo
sobre as circunstâncias especiais,
Potter. E, qual
é o
modelo?
— Uma Nimbus
Dois Mil, professor
— disse Harry,
fazendo os possíveis
por não se rir
perante o rosto
horrorizado do Malfoy.
— E foi
graças ao Malfoy
que consegui tê-la
—,
acrescentou.
Harry e Ron
subiram as escadarias
contendo o riso
perante a raiva
e a confusão
que se
apoderaram de Malfoy.
— Até é
verdade — disse
o Harry no
meio de alegres
gargalhadas quando chegaram
ao
cimo das escadas.
— Se ele
não tivesse roubado
o Lembrador do
Neville eu não
faria agora
parte do clube desportivo.
— Portanto, deves achar que se trata de uma recompensa
porteres quebrado as regras? —
disse uma voz agreste mesmo atrás deles. Hermione chegara
com passadas pesadas e firmes e
olhava com ar reprovador para o embrulho que Harry trazia
nas mãos.
— Pensei que tinhas deixado de falar connosco —, disse o
Harry.
— Sim, por favor, continua — pediu o Ron. — Estava a ser tão
agradável...
Hermione afastou-se, com o narizinho no ar.
Foi muito difícil para o Harry, durante todo o dia,
manter-se concentrado durante as aulas.
A sua atenção vagueava entre a camarata, onde estava a
vassoura nova, debaixo da cama e o
campo de Quidditch, onde essa noite ia começar a aprender.
Devorou o jantar sem mesmo se
aperceber do que estava a comer e logo a seguir subiu à
pressa, juntamente com o Ron, para
desembrulhar, finalmente, a Nimbus Dois Mil.
— Uau! —
suspirou o Ron
quando a vassoura
rolou sobre a
colcha da cama
do Harry. O
próprio Harry, que
não sabia absolutamente
nada de vassouras,
achou-a deslumbrante.
Brilhante e macia, com o cabo em mogno, tinha uma longa
cauda de galhos lisos e elegantes e
Nimbus Dois Mil escrito em letras de ouro no topo do cabo.
Como as sete
horas se aproximavam,
Harry saiu do
castelo e dirigiu-se
ao campo de
Quidditch,
banhado àquela hora
pela luz do
crepúsculo. Era a
primeira vez que
entrava num
estádio. Em volta do campo havia centenas de cadeiras
dispostas em espiral para que todos os
espectadores
estivessem suficientemente altos
para conseguir ver
o jogo. Em
cada limite do
campo havia três
postes dourados com
argolas na extremidade
que lembraram ao
Harry os
pauzinhos de plástico com que as crianças Muggle faziam
bolas de sabão. A única diferença é
que estes tinham metro e meio de altura.
Demasiado ansioso por voar e incapaz de esperar pelo Wood,
Harry subiu para a vassoura e
pressionou os pés
com força contra
o chão. Que
sensação incrível —
entrou e saiu
a toda a
velocidade por entre
os limites das
balizas e, em
seguida, subiu e
desceu o poste.
A Nimbus
Dois Mil virava ao menor toque de mão.
— Hei, Potter, desce daí!
Era Oliver Wood
que acabava de
chegar. Trazia um
grande estojo de
madeira debaixo do
braço. Harry aterrou junto dele.
— Muito bem — disse o Wood, com os olhos a brilhar. — Já percebi o que a McGonagall
queria dizer... tens mesmo um dom natural. Esta noite vou
apenas ensinar-te as regras. Depois
disso, passas a integrar os treinos da equipa, três vezes
por semana.
Abriu o estojo. Lá dentro havia quatro bolas de diferentes
tamanhos.
— Muito bem
—, disse o
Wood. — O
Quidditch é muito
fácil de entender,
embora seja
bastante mais difícil
de jogar. Os
jogadores são sete
de cada lado,
três dos quais
são os
chasers.
— Três chasers — repetiu Harry enquanto o Wood tirava uma
bola vermelho brilhante com
o tamanho aproximado de uma bola de futebol.
— Esta bola chama-se quaffle —, disse o Wood. — Os chasers
lançam a quaffle uns para os
outros e tentam enfiá-la numa das argolas para marcar um
golo. Dez pontos de cada vez que a
quaffle e entrar por uma das argolas. Estás a seguir-me?
— Os chasers
lançam a quaffle
e fazem-na passar
pelas argolas para
marcar pontos —
repetiu Harry. — Então, é uma espécie de basquetebol em
vassouras, com seis argolas, não é?
— O que é o basquetebol? — perguntou Wood, cheio de
curiosidade.
— Deixa estar — disse o Harry sem querer perder tempo.
— Ora bem, há outro jogador de cada lado que é o keeper — eu
sou keeper dos Gryffindor.
Tenho de voar em volta das nossas argolas e tentar impedir
que o outro clube ganhe pontos.
— Três chasers, um keeper disse Harry que estava disposto a
decorar tudo. — E eles jogam
com a quaffle.
Está bem, já
percebi até aqui.
Mas, então, para
que são essas?
— perguntou
apontando para as três outras bolas que estavam no estojo.
— Vou mostrar-te — disse Wood. — Toma esta.
Entregou a Harry um pequeno bastão, uma espécie de taco de
rounders.
— Vou mostrar-te para que servem as bludgers — disse o Wood.
— Estas são as duas —.
Mostrou-lhe duas bolas idênticas, totalmente pretas e
ligeiramente mais pequenas do que
a quaffle vermelha. Harry notou que elas pareciam
contorcer-se num tremendo esforço por se
soltarem das presilhas de couro que as prendiam dentro do
estojo.
— Chega-te para trás — avisou Wood, enquanto se baixava e
libertava uma das bludgers.
Num segundo, a
bola elevou-se bem
alto no ar
e, em seguida,
lançou-se direita à
cara do
principiante.
Harry tentou bater-lhe
com o taco
para impedir que
ela lhe partisse
o nariz e
arremessou-a aos ziguezagues
para longe —
ela zumbiu à
volta das cabeças
de ambos e
acabou por atingir o Wood que se atirou para cima dela,
conseguindo segurá-la contra o chão.
— Vês —,
disse com dificuldade
o Wood, metendo
à força no
estojo a bola
lutadora e
fechando-a bem.
— As bludgers
passam como foguetes,
tentando fazer com
que os jogadores
caiam das
vassouras
abaixo. É por
isso que cada
clube tem dois
beaters — os
nossos são os gémeos
Weasley — cuja função é proteger o seu lado das bludgers e
arremessa-las contra o campo do
adversário. Então, alguma dúvida?
— Três chasers
tentam marcar com
a quaffle, o
keeper guarda os
postes dos golos,
os
beaters mantêm as bludgers afastadas do seu clube —,
papagueou o Harry.
— Muito bem — disse Wood.
— Er... as
bludgers já alguma
vez, por acaso,
mataram alguém? —
perguntou Harry,
tentando parecer espontâneo.
— Em Hogwarts,
nunca. Alguns maxilares
quebrados mas nada
mais grave do
que isso. E,
por fim, o
último membro do
clube é o
seeker que é
a tua posição.
E tu não
tens que te
preocupar com a quaffle nem com as bludgers...
— A não ser que me abram a cabeça...
— Não tenhas problemas, os Weasley chegam bem para elas — quero dizer, eles próprios
já são um par de bludgers humanas.
Wood aproximou-se do estojo e retirou de lá de dentro a
quarta e última bola. Comparada
com a quaffle e com as bludgers esta era pequenina, mais ou
menos do tamanho de uma noz.
Era dourada e tinha umas pequenas asas cor de prata, em
grande alvoroço.
— Esta — disse o Wood, é a snitch de ouro, a bola mais
importante de todas. É muito difícil
de agarrar não só por ser
extremamente veloz mas também porque é difícil de ver. É função
do seeker agarrá-la. Tens de avançar e recuar pelo meio dos
chasers, dos beaters, das bludgers
e da quaffle para conseguir agarrá-la antes do seeker do
clube adversário, porque aquele que
agarrar a snitch
ganha para o seu clube
cento e cinquenta
pontos, ou seja,
o jogo fica
praticamente
ganho. E por
isso que os
seekers estão sempre
a ser penalizados.
Um jogo de
Quidditch só termina
quando a snitch
é agarrada, portanto
pode demorar imenso
tempo —
julgo que o tempo recorde foi de três meses e foi preciso ir
arranjando constantes substitutos
para que os jogadores pudessem ir dormindo.
— Bem, é tudo. Alguma pergunta?
Harry abanou negativamente
a cabeça. Compreendera
o que tinha
de fazer. O
problema
estava em conseguir ou não fazê-lo.
— Não vamos
praticar já com
a snitch —
disse Wood, fechando-a
com todo o
cuidado
dentro do estojo. —
Está muito escuro e podíamos correr o risco de a perder. Vamos treinar
com algumas destas.
Tirou do bolso um pequeno saco cheio de bolas de golfe e,
alguns minutos mais tarde, ele e
Harry estavam no
ar, com o
Wood a lançar
as bolas de
golfe com toda
a força em
várias
direcções para o Harry as agarrar.
Não falhou uma
única e Wood
estava feliz. Meia
hora mais tarde
a noite caíra
e era
impossível prosseguir.
— A taça
de Quidditch este
ano vai ter
o nosso nome
— disse Wood,
satisfeitíssimo,
enquanto faziam com
alguma dificuldade a
subida de regresso
ao castelo. —
Não me
espantava nada se tu viesses a ser ainda melhor do que o
Charlie Weasley e olha que ele tinha
todas as condições para jogar pela Inglaterra se não tivesse
preferido os dragões.
Talvez por estar sempre tão ocupado com os treinos de
Quidditch três vezes por semana e
com os trabalhos de casa, Harry nem se apercebeu de que o
tempo passara e de que já estava
em Hogwarts havia dois meses. Sentia-se mais em casa naquele
castelo do que alguma vez se
sentira em Privet
Drive. As aulas
estavam também a
tornar-se cada vez
mais interessantes,
agora que tinham aprendido as bases.
Na manhã do Hallowe’en acordaram com o cheiro delicioso de
abóbora cozida que
«flutuava» pelos corredores.
Mas, melhor ainda
foi o facto
de o professor
Flitwick ter
anunciado, nos encantamentos, que os considerava preparados
para começarem a fazer voar
objectos, coisa com
que eles sonhavam
desde o dia
em que haviam
visto Flitwick fazer
esvoaçar,
durante uma aula,
o sapo do
Neville. O professor
dividiu a classe
em duplas para
praticarem. O parceiro
de Harry era
Seamus Finnigan (o
que não deixou
de ser um
alívio
porque o Neville
andava a ver
se conseguia chamar-lhe
a atenção). O
Ron iria trabalhar
com
Hermione Granger e
era difícil definir
qual dos dois
estava mais furioso
com a ideia.
Ela não
lhes falava desde o dia da chegada da vassoura.
— Não se esqueçam daquele movimento de pulso que temos vindo
a praticar! — repetiu o
professor
Flitwick, encarrapitado, como
sempre, na pilha
de livros que
o fazia parecer
mais
alto. — Rápido e
seco. E é muito importante
pronunciar correcta mente as palavras mágicas;
lembrem-se do feiticeiro Baruffio que substituiu um f por um s e deu por si caído no meio do
chão com um búfalo em cima do peito.
Era muito difícil.
Harry e Seamus
fizeram movimentos rápidos
e secos mas
a pena, que
deveria levantar voo, continuava sobre a secretária. Seamus
ficou tão impaciente que resolveu
picá-la com a varinha e pegou-lhe fogo. Harry teve de apagar
o fogo com o próprio chapéu.
Na mesa ao lado, Ron não estava a ser melhor sucedido.
— Wingardium leviosa
— gritava ele,
acenando com os
braços como se
fosse um moinho
de vento.
Harry ouviu a voz de Hermione a corrigi-lo. — Estás a dizer
mal. É wingar-dium levi-o-sa. O
«gar» tem de ser longo e suave.
— Então faz tu já que és tão espertinha —, respondeu-lhe o
Ron.
Hermione arregaçou as mangas do seu trajo académico, fez um
movimento com a varinha e
disse: Wingardium Leviosa!
A pena ergueu-se da secretária e flutuou um metro e tal
acima das suas cabeças.
— Muito bem!
— gritou o
professor Flitwick, batendo
as palmas. —
Como todos podem
ver, a Hermione Granger conseguiu!
No final da aula, Ron estava muito mal-humorado.
— Não admira
que ninguém a
suporte — disse
ele ao Harry
enquanto atravessavam o
corredor, — ela é um verdadeiro pesadelo.
Alguém chocou com Harry, passando apressadamente por ele.
Era Hermione.
Ele teve um
vislumbre dos seus
olhos. E ficou
espantado por ver que
estavam cheios de
lágrimas.
— Acho que ela ouviu o que tu disseste.
— E daí?
— disse o Ron, tentando
ocultar algum constrangimento. —
Deve ter percebido
que não tem amigos.
Hermione não apareceu
na aula seguinte
e ninguém a
viu durante toda
a tarde. Quando
desciam para o salão para a festa do Hallowe’en, Harry e Ron
ouviram Parvati Patil a dizer à
sua amiga Lavender
que a Hermione
estava a chorar
na casa de
banho das raparigas
e que
queria ficar sozinha.
Ron sentiu-se ainda
mais sem graça
ao ouvir aquilo
mas, alguns
momentos mais tarde, entraram no Grande Salão e as
decorações festivas do Hallowe’en
fizeram-nos esquecer por completo de Hermione.
Um milhar de
morcegos esvoaçava pelo
tecto e pelas
paredes enquanto cerca
de uma
centena
sobrevoava as mesas
em escuras nuvens
baixas que faziam
estremecer, dentro das
abóboras, as ténues chamas das velas, O manjar surgiu de
repente nos pratos dourados como
já havia sucedido no banquete de início do ano.
Harry estava a
servir-se de uma
batata com casca
quando o professor
Quirrell entrou a
correr pela sala dentro, com o turbante às três pancadas e o
terror estampado no rosto. Todos
ficaram a olhar
para ele quando
se aproximou da
cadeira do professor
Dumbledore, se
encostou à mesa e balbuciou: — Ser gigantesco nos
calabouços, achei que devia avisá-lo.
Em seguida perdeu os sentidos e caiu redondo no chão.
Gerou-se uma tremenda
algazarra. O professor
Dumbledore teve de
agitar a varinha
e
lançar para o ar várias luzes cor de púrpura para conseguir
impor o silêncio.
— Chefes de departamento —, disse com uma voz que parecia o
ribombar de um trovão, —
conduzam as vossas equipas para as respectivas camaratas,
imediatamente.
Percy estava a postos.
— Sigam-me! Mantenham-se juntos, primeiros anos! Não há
perigo desde que façam como
eu vos disser. Não se afastem de mim. Abram caminho, deixem
passar os primeiros anos, com
licença, sou chefe de departamento!
— Como é
que um gigante
tinha conseguido entrar
ali? — perguntava
o Harry enquanto
subia as escadas.
— Não me
perguntes a mim,
eles costumam ser
bastante estúpidos —,
disse o Ron. —
Talvez o Peeves lhe tenha dado entrada para nos pregar uma
partida no Hallowe’en.
Passaram por vários grupos de gente, correndo apressada em todas as direcções. Quando
abriam caminho, aos solavancos, pelo meio de uma pequena
multidão de Hufflepuffs, o Harry,
de repente, agarrou o Ron por um braço.
— Acabo de me lembrar, a Hermione.
— A Hermione o quê?
— Ela não sabe do gigante.
O Ron mordeu os lábios.
— Bem, vamos lá, mas é melhor que o Percy não nos veja.
De gatas entre a multidão, seguiram com os Hufflepuffs para
o outro lado, esgueiraram-se
para baixo, por
um corredor vazio
e correram até
à casa de
banho das raparigas.
Tinham
acabado de virar uma esquina quando ouviram passadas rápidas
atrás deles.
— É o Percy — sussurrou Ron, puxando Harry para trás da
estátua de um enorme animal de
pedra. Mas quando
olharam melhor viram
que não se
tratava de Percy
e sim de
Snape que
atravessou o corredor e desapareceu.
— O que estará ele a fazer aqui? — perguntou baixinho o
Harry. — Porque não está lá em
baixo nos calabouços com todos os outros professores?
— Isso também eu gostava de saber.
O mais silenciosamente possível,
deslizaram pelo corredor
fora, seguindo as
pegadas do
Snape.
— Não te cheira a nada?
Harry sentiu um cheiro pestilento invadir-lhe as narinas.
Era uma mistura de meias velhas e
casa de banho pública que não é lavada há muito tempo.
E foi então
que o ouviram
— um grunhido
grosseiro e o ruído do
arrastar de uns
pés
gigantescos. Ron apontou.
Lá ao fundo,
junto da passagem
para a esquerda,
uma coisa
descomunal
avançava lentamente em
direcção a eles.
Fugiram para a
sombra e viram-no
emergir num retalho de luar.
Era uma visão
pavorosa. Três metros
e meio de
altura, a pele
de um cinzento-granito
bastante escuro, o
enorme corpo granuloso que lembrava um pedregulho com uma pequena
cabeça calva no cimo, como se fosse um coco. Tinha as pernas
curtas, espessas como troncos
de árvore com
pés gordos e
cheios de calosidades,
O cheiro que
exalava era indescritível.
Trazia na mão uma enorme moca de madeira que arrastava pelo
chão devido ao comprimento
exagerado dos braços.
O gigante parou junto de uma porta e espreitou lá para
dentro. Sacudiu as longas orelhas,
tentando
decidir, com o
seu cérebro pequenino,
o que fazer.
Em seguida arrastou-se
lentamente lá para dentro.
— A chave está na porta —, murmurou o Harry. — Podíamos
trancá-lo lá dentro.
— Boa ideia —, disse o Ron nervosamente.
Aproximaram-se
da porta aberta,
com as bocas
secas, rezando para
que o gigante
não se
lembrasse de sair naquele momento. Com um salto Harry
conseguiu agarrar a chave da porta e
fechá-la.
— Boa!
Entusiasmados com a vitória começaram a correr de regresso à
passagem mas, mal viraram
a esquina, ouviram
algo que fez
com que os
seus corações parassem
de bater — um grito
agudo de verdadeiro pavor — e vinha da sala que eles tinham
acabado de fechar.
— Oh! não — disse o Ron, mais branco do que o Barão
Sangrento.
— É a casa de banho das raparigas — disse o Harry em
sobressalto.
— Hermione — gritaram ao mesmo tempo.
Era a última
coisa que eles
queriam fazer, mas
que escolha tinham
agora? Dando meia
volta,
lançaram-se a correr
até à porta
e giraram a
chave, atrapalhados pelo
pânico — Harry
abriu a porta e entraram de rompante.
Hermione Granger estava
toda encolhida, encostada
à parede da
frente, com ar
de quem
está prestes a
perder os sentidos.
O gigante avançava
para ela esbarrando
ruidosamente
contra as canalizações.
— Baralha-o —,
gritou Harry desesperadamente ao
Ron e pegando
numa tomada
arremessou-a com toda a força contra uma das paredes.
O gigante parou
a poucos centímetros
de Hermione. Olhou
em volta, piscando
estupidamente os olhos
para ver o
que provocara aquele
estranho barulho. Os
seus olhos
maldosos viram Harry. Hesitou. Em seguida voltou-se para
ele, erguendo a moca no ar.
— Olá, cérebro de ervilha! — gritou Ron do outro lado da
divisão, lançando-lhe um tubo de
metal. O gigante nem deu pelo objecto que lhe batera no
ombro mas ouviu o grito e voltou a
parar, virando o seu horroroso focinho para o Ron e dando
tempo ao Harry para fugir.
— Vamos, corre, corre — gritou Harry a Hermione, tentando
puxá-la para fora da porta mas
ela não conseguia mexer-se, continuava colada à parede, a
boca aberta pelo terror.
A gritaria e
os ecos pareciam
estar a deixar
o gigante enlouquecido.
Soltou novo rugido
e
avançou para o Ron que era quem estava mais próximo e não
tinha como escapar.
Foi então que
Harry fez algo
simultaneamente de uma
grande coragem e
de uma grande
estupidez:
ganhou balanço, deu
um enorme salto
e conseguiu pôr
os braços, por
detrás, em
volta do pescoço do gigante. Este não sentiu o peso de
Harry, mas até mesmo um gigante não
pode ficar indiferente
se lhe espetarem
uma varinha de
madeira no nariz,
e o Harry
tinha a
varinha na mão quando saltou. Ela entrou direitinha pelas
narinas do gigante.
Berrando de dor,
o gigante dobrou-se
e bateu ao
acaso com o
bastão, enquanto Harry
se
agarrava com toda a
força para salvar a pele. A qualquer
momento o gigante poderia dar-lhe
uma enorme cacetada.
Hermione
desmaiara de medo.
Ron puxou da
sua varinha e, sem saber
o que fazer,
deu
consigo a pronunciar o primeiro feitiço que lhe veio à
cabeça: Wingardium Leviosa!
A moca do
gigante saltou-lhe subitamente
da mão e
subiu, subiu no
ar. Depois, voltou-se
lentamente e caiu com um estrondo impressionante na cabeça
do seu dono. O gigante oscilou
e estatelou-se no
chão, com a
cara para baixo,
com um estrépito
tal que toda
a divisão
estremeceu.
Harry pôs-se de pé. Tremia e respirava com dificuldade. O
Ron estava ainda com o braço no
ar, a segurar a varinha mágica, olhando atarantado para o
que conseguira fazer.
Foi Hermione quem primeiro falou.
— Ele… estará morto?
— Acho que não — disse o Harry. — Foi só posto fora de
combate.
Dobrou-se e retirou
a varinha do
nariz do gigante.
Estava coberta por
uma substância
granulosa que parecia cola cinzenta.
— Braagh! ranho de gigante.
Limpou-o às calças
da gigantesca criatura.
O súbito ruído
de passos fez
com que os
três
olhassem ao mesmo
tempo. Não se haviam dado conta
da algazarra que tinham feito mas, é
claro, alguém ouvira
as pancadas e
os roncos do
gigante. Momentos depois,
a professora
McGonagall
entrou na divisão
seguida de perto
por Snape, com
Quirrell na retaguarda.
Este
olhou para o
gigante, suspirou como
se fosse perder
os sentidos e
sentou-se na sanita
agarrado ao coração.
Snape inclinou-se sobre o gigante. A professora McGonagall
olhou para Ron e Harry. Nunca
nenhum deles a vira tão zangada. Os lábios estavam sem cor.
A esperança de ganhar cinquenta
pontos para os Gryffindor desapareceu-lhes rapidamente do
espírito.
— O que é que vos passou pela cabeça?
— perguntou a professora McGonagall com uma
voz que revelava uma raiva gélida. Harry olhou para Ron que
ainda estava de varinha no ar. —
Vocês tiveram uma
imensa sorte em
não serem mortos.
Porque é que
não estão na
vossa
camarata?
Snape lançou a
Harry um olhar
vivo e penetrante
que o fez
desviar os olhos
para o chão.
Quando é que o Ron iria baixar o braço?
Foi então que uma vozinha saiu da sombra.
— Por favor, professora McGonagall, eles andavam à minha
procura.
— Hermione Granger.
Hermione conseguira finalmente pôr-se de pé.
— Eu fui procurar o gigante porque pensei que podia vencê-lo sozinha uma vez que tinha
lido tanto sobre eles.
Ron deixou cair a varinha. Hermione Granger a dizer uma
mentira a uma professora.
— Se eles não me tivessem encontrado estaria morta. O Harry
enfiou-lhe a varinha mágica
no nariz e o Ron atirou-o ao chão com a sua própria moca.
Eles não tiveram tempo de chamar
ninguém. O gigante ia matar-me quando chegaram aqui.
Harry e Ron tentaram disfarçar como se aquela história não
estivesse a surpreendê-los nem
um pouco.
— Bem, se é assim... — disse a professora McGonagall,
olhando fixamente para os três. —
Hermione
Granger, como é
que foi pensar
que podia enfrentar
sozinha um gigante
da
montanha?
Hermione baixou a cabeça. Harry estava mudo. Ela era a
última pessoa no mundo capaz de
quebrar as regras
e ei-la a
mentir para lhes
evitar problemas. Era
como se o
Snape tivesse
começado a distribuir doces pelos alunos.
— Hermione Granger,
os Gryffindor perderão
cinco pontos por
isto — disse
a professora
McGonagall. — Estou
muito decepcionada consigo.
Se não lhe
aconteceu nada de
mal é
melhor ir já direitinha para a torre dos Gryffindor, os
alunos estão a terminar o banquete nas
salas de convívio das suas equipas.
Hermione saiu.
A professora McGonagall voltou-se para os dois rapazes.
— Bem, continuo
a achar que
tiveram sorte, mas
não eram quaisquer
dois alunos dos
primeiros anos que
teriam conseguido vencer um
gigante da montanha
adulto. Cada um de
vocês ganha para
os Gryffindor cinco
pontos. O professor
Dumbledore será avisado
disto.
Agora podem ir.
Saíram dali a
correr e não
falaram antes de
terem subido dois
andares. Era um
alívio
estarem longe do cheiro do gigante, além do resto, claro.
— Devíamos ter tido mais do que dez pontos — disse o Ron.
— Cinco, queres tu dizer, uma vez que ela retirou outros
cinco à Hermione.
— Foi sensacional da parte dela ter-nos tirado daquele
sarilho admitiu o Ron. — É claro que
nós a salvámos...
— Talvez ela
não precisasse que
a salvassem se
não tivéssemos fechado
aquela coisa lá
dentro — lembrou o Harry.
Tinham chegado ao retrato da dama gorda.
— Focinho de porco! — disseram enquanto entravam.
A sala comum
estava atafulhada de
gente e extremamente
barulhenta. Todos os
alunos
comiam as iguanas que tinham sido enviadas para cima. Só
Hermione estava sozinha junto da
porta, à espera deles. Houve um momento de pausa um pouco
embaraçoso. Depois, cada um
dos três, sem
olhar para os
outros, disse, quase
ao mesmo tempo,
«Obrigado» e
desapareceram para ir buscar os pratos.
Mas, a partir
desse momento, Hermione
Granger tornou-se uma
amiga. Há certas
coisas
que, depois de
partilhadas, nos obrigam
a gostar uns
dos outros e
enfrentar um gigante
da
montanha com três metros e meio de altura era, sem dúvida,
uma delas.
XI
QUIDDITCH
Quando chegou o mês de Novembro, o tempo começou a esfriar
muito. As montanhas em
volta da escola ficaram de um cinzento frio e o lago parecia
aço enregelado. Todas as manhãs
o chão se
cobria de geada
e podia ver-se
o Hagrid, lá
de cima, a descongelar
vassouras no
estádio de Quidditch, agasalhado com um enorme sobretudo de
pêlo de toupeira, umas luvas
de pêlo de coelho e umas enormes botifarras de pele de
castor.
A temporada do
Quidditch começara. No
sábado, Harry iria
entrar no seu
primeiro jogo
após semanas e
semanas de treino:
Gryffindor contra Slytherin.
Se os Gryffindor
vencessem,
passariam ao segundo lugar nos clubes do campeonato.
Quase ninguém tinha visto o Harry jogar porque Wood assim o
decidira. Era uma espécie de
arma secreta. Harry
seria mantido bem em segredo. Mas a
notícia de que ele iria jogar como
seeker acabou por
espalhar-se e Harry
já não sabia
o que era
pior — se
as pessoas que
lhe
diziam que ele
ia ser brilhante
ou as que
se ofereciam para
correr por debaixo
da vassoura
dele com um colchão.
Era uma sorte ter
finalmente a Hermione como amiga. As coisas não teriam sido possíveis
sem a ajuda dela nos trabalhos de casa, com todos aqueles
treinos de última hora que o Wood
o obrigava a fazer.
Foi também ela quem
lhe emprestou O Quidditch através dos Tempos que acabou por
ser
uma leitura muito interessante.
Harry aprendeu que havia setecentas maneiras de cometer
irregularidades no Quidditch e
que todas elas
tinham ocorrido durante
o Campeonato Mundial
da Taça, em
1473, que os
seekers eram geralmente
os jogadores mais
pequenos e mais
rápidos e os
acidentes mais
graves do Quidditch
lhes aconteciam sempre
a eles, e
que, apesar de
as pessoas raramente
morrerem durante o jogo, havia referências a desaparecimentos de jogadores que só tinham
voltado a aparecer alguns meses mais tarde, no deserto do
Sara.
Hermione
tornara-se mais descontraída
em relação ao
quebrar de algumas
regras, desde
que o Ron a tinha salvo do gigante da montanha e estava
muito mais simpática com ele.
Na véspera do
primeiro jogo de
Quidditch do Harry,
estavam os três
no campo gélido
durante o intervalo
e ela tinha
feito aparecer um
fogo azul brilhante
que podia ser
transportado dentro de um frasco de compota. Estavam de pé,
a tentar aquecer-se, de costas
para o fogo,
quando Snape atravessou
o pátio. Harry
reparou, de imediato,
que ele vinha
a
coxear. Os três chegaram -se o mais possível uns para os
outros a fim de evitar que ele visse o
fogo. Tinham a certeza de que não era permitido.
Infelizmente, houve qualquer coisa nos seus
olhares culpados que atraiu Snape
e o fez
aproximar-se. Não tinha
visto o fogo
mas parecia
estar à procura de um motivo para os penalizar.
— O que é que tens aí, Potter?
Era O Quidditch através dos Tempos. Harry mostrou-lho.
— Os livros
da biblioteca não podem sair
da escola —
disse o professor.
— Dá-mo. Cinco
pontos a menos para os Gryffindor.
— É uma regra que ele acaba de inventar — resmungou Harry
enquanto Snape se afastava
lentamente.
— O que será que ele tem na perna?
— Não sei mas espero que lhe doa bastante — respondeu o Ron
com azedume.
A sala comum dos Gryffindor estava muito barulhenta nessa
noite. Harry, Ron e Hermione
sentaram-se
junto da janela.
Hermione estava a
rever-lhes os trabalhos
de casa para
os
encantamentos.
Nunca ela os
deixaria copiar (Como
é que querem
aprender?), mas ao
pedirem-lhe que os lesse atentamente acabavam na mesma por
ter as respostas certas.
Harry sentia-se impaciente.
Queria ter de
volta O Quidditch
através dos Tempos
para se
distrair e parar de pensar no jogo do dia seguinte. Porque é
que havia de ter medo do Snape?
Pondo-se de pé, disse aos amigos que ia pedir de novo o
livro ao professor.
— Quem não vai lá sou eu — disseram ao mesmo tempo Ron e
Hermione, mas Harry sabia
que Snape não
poderia recusar, desde
que o pedido
lhe fosse feito
na presença de
outros
professores.
Desceu até à
sala dos professores
e bateu à
porta. Não teve
resposta. Voltou a
bater e
nada.
Teria o Snape
deixado o livro
ali? Valia a
pena tentar. Empurrou
a porta entreaberta
e
espreitou lá para dentro deparou-se-lhe uma cena
horripilante.
O Snape e
o Filch estavam
só os dois
lá dentro. Snape
estava a puxar
o manto acima
do
joelho. Uma das pernas estava mutilada e cheia de sangue.
Filch segurava na mão as ligaduras.
— Maldita coisa
— dizia o
Snape. — Como
é que se
pode estar atento
a três cabeças
ao
mesmo tempo?
Harry tentou fechar a porta devagarinho, mas...
— POTTER!
O rosto de Snape contorceu-se de raiva enquanto soltava o
manto para esconder a perna.
Harry engoliu em seco.
— Vinha só perguntar se podia ter o livro de volta.
— FORA DAQUI!
Harry saiu e, antes que o Snape tivesse tempo de tirar mais
pontos aos Gryffindor, correu a
toda a velocidade pelas escadas acima.
— Conseguiste? — perguntou o Ron quando ele se lhes juntou.
— O que é que se passa?
Num sussurro Harry contou-lhes tudo o que tinha visto.
— Vocês estão a compreender o que isto significa? — disse
quase sem fôlego. — Ele tentou
passar pelo cão das três cabeças na noite do Hallowe’en. Era
para lá que se dirigia quando o
avistámos — ele quer aquilo que o cão está a guardar! E
ponho a minha vassoura no fogo em
como ele meteu cá dentro o gigante como manobra de diversão!
Hermione estava com os olhos dilatados.
— Não, acho
que ele não
faria isso —
disse. — Sei
que não é
nada simpático mas
não ia
tentar roubar uma coisa que o Dumbledore está a guardar com
tanto cuidado.
— Francamente, Hermione,
tu achas que
todos os professores
são santos —
comentou o
Ron em tom
de censura. —
Eu concordo com
o Harry. Não
confio nem um
pouco no Snape.
Mas, o que é que ele deseja tanto? O que estará o cão a
guardar?
Harry foi deitar-se com a mesma pergunta às voltas na
cabeça.
O Neville ressonava
tão alto e
ele não conseguia
dormir. Tentou esvaziar
a mente —
precisava de descansar,
o jogo de
Quidditch começava dentro
de algumas horas
—, mas a
expressão no rosto do Snape quando Harry lhe vira a perna
não era fácil de esquecer.
O dia amanheceu
frio e cheio
de luz, O
salão estava repleto
com o cheiro
delicioso das
salsichas fritas e
a conversa bem-disposta
de todos os
que ansiavam por
um bom jogo
de
Quidditch.
— Vens tomar o pequeno-almoço?
— Não me apetece comer nada.
— Uma torrada, pelo menos —, insistiu Hermione.
— Não tenho fome.
Harry sentia-se pessimamente. Dentro de uma hora ia entrar
no estádio.
— Harry, precisas de ter forças — disse Seamus Finnigan. —
Os seekers são sempre aqueles
que são atacados pelo outro lado.
— Obrigado, Seamus — disse Harry enquanto o via deitar
Ketchup a jorros nas salsichas.
Cerca das onze
horas quase toda
a escola enchia
os lugares do
estádio de Quidditch.
Grande parte dos
alunos tinha binóculos.
Por muito elevados
que fossem os
assentos, era
difícil, por vezes, ver tudo o que estava a acontecer.
Ron e Hermione
juntaram-se a Neville,
Seamus e Dean
na fila superior.
Para grande
surpresa de Harry, os amigos tinham feito uma longa faixa a
partir de um dos lençóis roídos e
destruídos pelo Scabbers.
Dizia: — Potter
à Presidência —
e Dean, que
era muito bom em
desenho, tinha pintado por baixo da frase o leão dos
Gryffindor. Em seguida, Hermione fizera
um pequeno feitiço para que a pintura brilhasse em
diferentes cores.
Enquanto isso, nos vestiários, Harry, assim como o resto da
equipa, punha o seu manto de
Quidditch, vermelho-escarlate (os mantos dos Slytherin eram
verdes).
Wood afinou a garganta para que se fizesse silêncio.
— OK rapazes —, disse.
— E raparigas — completou a chaser Angelina Johnson.
— Exactamente. E raparigas — concordou ele.
— É o grande momento — disse Fred Weasley. — O momento pelo
qual todos nós temos
estado à espera — disse George.
— Já sabemos o discurso do Oliver de cor disse o Fred
dirigindo-se ao Harry. Fazíamos parte
da equipa do ano passado.
— Caladinhos vocês
os dois. —
Era a voz
do Wood. —
Esta é a
melhor equipa que o
Gryffindor tem desde há muitos anos. Sei que vamos vencer.
Olhou para eles como se dissesse — Ou então...
— Bem, está na hora. Boa sorte para todos.
Harry saiu atrás
do Fred e
do George do
vestiário e, pedindo
a todos os
santos que o
ajudassem a aguentar a parada, entrou no estádio que vibrava
de entusiasmo.
Madame Hooch iria
arbitrar. Estava no
meio do estádio
à espera dos
dois clubes, com a
vassoura na mão.
— Quero que
este seja um
jogo bonito e
leal, ouviram todos?
— disse quando
os dois
clubes estavam junto
dela. Harry reparou
que ela se
dirigia particularmente ao
capitão dos
Slytherin, Marcus Flint, um aluno do quinto ano. Flint
parecia ter sangue de gigante. Pelo canto
do olho, Harry viu a faixa que se erguia acima da multidão,
dizendo «Potter à presidência». O
coração bateu mais forte, enchendo-o de coragem.
— Montem nas vassouras, por favor. — Harry subiu para a sua
Nimbus dois mil.
Madame Hooch soprou com força no seu apito de prata.
Quinze vassouras elevaram-se
no ar. —
E a quaffle
é agarrada, de
imediato, por Angelina
Johnson dos Gryffindor
— que excelente
chaser é aquela
rapariga e bastante
bonita por
acaso...
— JORDAN!
— Desculpe, professora.
O amigo dos gémeos Weasley, Lee Jordan, estava a fazer o
relato desportivo para o grupo,
observado de perto pela professora McGonagall.
— E ela está a jogar forte ali em cima, uma passagem óptima
para Alicia Spinnet, um bom
achado do Oliver Wood que no ano passado era apenas
suplente — novamente para Johnson
e — oh!
não, os Slytherin
agarram a quaffle,
o capitão dos
Slytherin, Marcus Flint,
tem a
quaffle e aí
vai ele —
Flint voando como
uma águia vai
m... — não,
foi travado por
uma
excelente jogada do
keeper dos Gryffindor,
Wood e Gryffindor
tem agora a
quaffle — é a
chaser Katie Bell dos Gryffindor, excelente passe em volta
de Flint, sobre o campo e — uuppss!
— deve ter doído, atingida na nuca por uma bludger — a
quaffle foi agarrada pelos Slytherin —
é Adrian Pucey
a voar em
direcção aos postes
de marcação mas
é travado pela
segunda
bludger lançada por Fred ou George Weasley, não distingo bem
qual dos dois gémeos — boa
jogada dos beaters dos Gryffindor e Johnson está de novo de
posse da quaffle, o campo está
livre à sua
frente. Aí vai
ela em pleno
voo — foge
rapidamente a uma
bludger está face
aos
postes de marcação
— vamos Angelina
— o keeper
Bletchley a toda
a velocidade —
falha —
GRYFFINDOR MARCA!!!
Os aplausos aos
Gryffindor encheram o
ar gélido juntamente
com lamentos e
uivos dos
Slytherins.
— Mexam-se aí em cima.
— Hagrid!
Ron e Hermione comprimiram-se para dar espaço a que Hagrid
se lhes juntasse.
— Tenho ‘tado a ver da minha cabana — disse Hagrid que
transportava um grande par de
binóculos em volta do pescoço.
— Mas nunc’é o mesmo que ‘tar no meio da multidão. ‘Inda não
apareceu a snitch, hein?
— Não —, disse o Ron. — O Harry ainda não fez grande coisa.
— Tem ‘tado longe das
dificuldades. Iss’é bom — disse Hagrid,
erguendo os binóculos
e
espreitando em direcção ao céu para a pintinha lá em cima
que era o Harry.
Bem acima deles, Harry planava acima do jogo, olhando em
todas as direcções em busca de
um sinal da snitch. Aquela atitude fazia parte de um esquema
concebido por ele e pelo Wood.
— Mantém-te fora do ângulo de visão dos outros até veres a
snitch — dissera-lhe o Wood.
— Não queremos que te ataquem antes de ser absolutamente
necessário.
Quando Angelina marcou,
Harry fez uma
série de piruetas
para extravasar os
seus
sentimentos. Agora, estava de novo atento à snitch. De uma
vez avistou algo dourado, mas era
apenas o reflexo
de um dos
relógios de pulso
dos gémeos e,
de outra vez,
uma bludger
resolveu
dirigir-se a ele
como uma bola
de canhão mas
Harry desviou-a e
Fred Weasley veio
atrás dela.
— Tudo bem,
Harry? — perguntou
ele numa fracção
de segundo enquanto
dava uma
fortíssima tacada na bludger lançando-a contra Marcus Flint.
— Os Slytherin
a jogar repetia
Lee Jordan. O
chaser Pucey evita
duas bludgers, os
dois
Weasleys e o chaser Bell e voa na direcção de... um momento
— aquilo seria a snitch?
Um murmúrio percorreu
a multidão quando
Adrian Pucey largou
a quaffle, olhando
preocupado por cima do ombro para a pequena luz dourada que
lhe rasara a orelha esquerda.
Harry viu-a. Com
grande velocidade e
entusiasmo mergulhou atrás
do vestígio de
ouro. O
seeker dos Slytherin,
Terence Higgs, também
a tinha visto.
Pescoço frente a
pescoço
precipitaram-se para a snitch — todos os chasers pareciam
ter-se esquecido das suas funções,
tendo parado no ar a observá-los.
Harry era mais rápido do que Higgs — via as asinhas da
pequena bola redonda a agitarem-se como uma flecha à sua frente — e redobrou a
velocidade — OOOHH! Um eco de raiva fez-se ouvir, vindo dos Gryffindor lá de
baixo — Marcus Flint bloqueara Harry propositadamente e
a vassoura deste rodopiara.
Harry estava agora agarrado a ela com todas as suas forças.
— Falta — gritaram os Gryffindor.
Madame Hooch dirigiu-se, muito zangada, ao Flint e em
seguida decretou um golo livre dos
Gryffindor. Mas, no meio da confusão, é claro, todos
perderam de vista a snitch.
— Cá para baixo para a bancada — gritava Dean Thomas.
— Ponham-no fora, cartão vermelho!
— Isto não
é futebol, Dean
— lembrou-lhe o
Ron. — Não
podem pôr jogadores
fora no
Quidditch e o que é isso do cartão vermelho?
Mas Hagrid estava
com o Dean.
— Deviam mudar
as regras. O
Flint podia ter
atirado o
Harry lá de cima.
Lee Jordan estava a ter dificuldade em se mostrar imparcial.
— Bem, depois desta óbvia e nojenta batota...
— Jordan — rugiu a professora McGonagall.
— Quero dizer, depois desta falta imperdoável e
revoltante...
— Jordan, estou a avisar—te...
— Está bem,
está bem. O Flint
quase matou o
seeker dos Gryffindor,
o que podia
ter
acontecido a qualquer um, claro. Portanto, uma penalização dada aos Gryffindor por Spinnet
que acaba de retirá-la e o jogo continua. Gryffindor ainda a
liderar.
Foi quando Harry desviou outra bludger que vinha
perigosamente em direcção à sua cabeça
que aquilo aconteceu. A vassoura deu uma guinada súbita e
assustadora. Por uma fracção de
segundo, pensou que
ia mesmo cair.
Agarrou-se bem com
ambas as mãos,
apertando os
joelhos. Nunca tinha tido aquela sensação.
Voltou a acontecer
pouco depois. Era
como se a
vassoura estivesse a
tentar derrubá-lo.
Mas as Nimbus Dois Mil não decidiam de um momento para o
outro atirar as pessoas ao chão.
Harry tentou voltar as
costas aos postes de marcação dos Gryffindor, passou-lhe pela
cabeça
pedir ao Wood
que lhe desse
algum tempo e
foi então que
se apercebeu de
que a vassoura
estava totalmente
descontrolada. Não conseguia fazê-la virar nem orientá-la fosse para onde
fosse. Ziguezagueava pelos ares fazendo, de tempos a tempos,
movimentos bruscos que quase
o obrigavam a desequilibrar-se.
Lee continuava a comentar.
— Slytherin na
liderança — Flint
com a quaffle
— passa ao
Spinnet — passa
ao Bull —
atingido
fortemente na cara
por uma bludger
— espero que
lhe parta o
nariz — estou
a
brincar, professora, os Slytherin marcam, oh! não...
Os Slytherin estavam
radiantes. Ninguém se tinha dado conta
de que a vassoura do Harry
estava a comportar-se
daquele modo estranho.
Conduzia-o lentamente, cada
vez mais para
cima e para mais longe do jogo, aos sacões e arranques
contra os quais Harry nada podia fazer.
— Não sei qual é a ideia do Harry — resmungou Hagrid,
olhando atentamente através dos
binóculos. — Quase diria qu’ele perdeu o controlo da
vassoura.., mas ele não pode...
De repente, as pessoas em todas as bancadas começaram a
apontar para cima. A vassoura
entrara num rodopio
com ele agarrado
apenas por um
braço. A multidão
em peso
sobressaltou-se. A vassoura do Harry dera mais um esticão e
ele balançava agora, agarrando-a
já só com uma das mãos.
— Ter-lhe-á acontecido
alguma coisa quando
o Flint o
bloqueou? — perguntou
Seamus
num murmúrio.
— Não é possível — respondeu
Hagrid, com a voz trémula. — Nada
pode interferir c’uma
vassoura a não
ser a poderosa
magia das trevas,
nenhum garoto era
capaz de fazer
aquilo a
uma Nimbus dois mil.
Ao ouvir estas
palavras, Hermione pegou
nos binóculos mas,
em vez de
olhar para cima
para Harry, começou a procurar nervosamente, no meio da
multidão.
— O que estás tu a fazer? — resmungou, pálido, o Ron.
— Eu sabia — disse Hermione. — Olha, o Snape.
Ron pegou nos binóculos. Snape estava no meio da bancada, em
frente da deles. Tinha os
olhos postos no Harry e murmurava algo incessantemente sem
mesmo parar para respirar.
— Ele está a fazer qualquer coisa, a enfeitiçar a vassoura —
disse Hermione.
— O que é que podemos fazer?
— Deixem isso comigo.
Antes que o Ron pudesse dizer alguma coisa Hermione
desapareceu. Ron voltou de novo os
binóculos para Harry.
A vassoura vibrava
com tal força
que era quase
impossível alguém
aguentar-se por muito
tempo. A multidão
pusera-se de pé,
olhando apavorada, enquanto
os
Weasleys subiam para tentar ajudá-lo a passar para a
vassoura de um deles, mas não servia de
nada — de
cada vez que
se aproximavam a
vassoura subia ainda
mais. Começaram então
a
voar em círculos, um pouco abaixo, na esperança de o
agarrarem se ele caísse.
Marcus Flint agarrou a quaffle e marcou cinco vezes sem que
ninguém desse por isso.
— Vá lá, Hermione — suplicou Ron, desesperado.
Hermione abrira caminho através da bancada onde Snape se
encontrava e corria agora pela
fila atrás dele.
Nem sequer olhou
para pedir desculpas
quando chocou com a cabeça
do
professor
Quirrell que era
a primeira da
fila da frente.
Quando chegou perto
de Snape,
inclinou-se,
pegou na varinha
e murmurou algumas
palavras bem escolhidas.
Chispas de um
azul brilhante saltaram-lhe da varinha para a bainha do
manto de Snape.
O professor demorou
cerca de trinta
segundos a aperceber--se
de que o
manto estava a
pegar fogo. Hermione, entretanto, ouviu um súbito latido
dizer-lhe que tinha feito o que havia
a fazer. Recolhendo
o fogo num
pequeno frasco de
compota que guardou
no bolso, fez o
caminho de regresso ao longo da fila — Snape nunca
descobriria o que tinha sucedido.
Foi o suficiente. Lá em cima, Harry conseguiu montar de novo
a vassoura.
— Já podes
olhar, Neville! —
disse o Ron.
O Neville estava
com a cabeça
enfiada no
sobretudo do Hagrid havia quase cinco minutos.
Harry vinha agora a toda a velocidade em direcção ao chão
quando a multidão o viu levar a
mão à boca
como se fosse
vomitar — dominou
completamente o estádio
—, tossiu e uma
coisinha dourada caiu-lhe na mão.
— Tenho a
snitch! — gritou,
acenando com ela
acima da cabeça
e pondo fim
ao jogo no
meio da maior confusão.
— Ele não
a apanhou, engoliu-a
— berrava ainda
vinte minutos mais
tarde o Flint
mas
ninguém lhe ligava
nenhuma. Harry não
quebrara as regras
e Lee Jordan
continuava a gritar
bem alto os resultados — Gryffindor ganhara por cento e
setenta pontos contra sessenta. Mas
o Harry não ouviu nada daquilo. Estava na cabana de Hagrid
onde este preparara um chá bem
forte para ele, Ron e Hermione.
— Foi o
Snape — explicava
o Ron. —
Eu e a
Hermione vimo-lo. Estava
a enfeitiçar a tua
vassoura, murmurando e sem tirar os olhos de ti.
—Tolice — disse Hagrid que não ouvira uma palavra do que se
tinha passado nas bancadas.
— Porqu’é qu’ele ia fazer uma coisa dessas? ,
Harry, Ron e
Hermione olharam uns
para os outros
sem saber que
resposta dar. Harry
decidiu-se pela verdade.
— Eu descobri uma coisa acerca dele — disse a Hagrid. — Ele
tentou passar por aquele cão
das três cabeças na noite do Hallowe’en e foi mordido. Nós
achámos que ele estava a roubar
aquilo que o cão está a guardar.
Hagrid deixou o bule cair no meio do chão.
— Com’ é que vocês sabem do Fluffy penugem? — perguntou.
— Fluffy?
— Sim, ele
é meu, comprei-o
a um finório
grego que conheci
num bar o
ano passado e
emprestei-o ao Dumbledore p’ra guardar o ...
— O quê? — perguntou Harry, ansiosamente.
— Não me façam mais perguntas — disse Hagrid bruscamente. —
É segredo, pronto.
— Mas o Snape está a tentar roubá-lo.
— Tolice —, voltou o Hagrid a dizer. — O Snape é um professor de Hogwarts, não ia
fazer
uma coisa dessas.
— Então por que é que ele tentou matar o Harry? — gritou
Hermione.
Os
acontecimentos daquela tarde
tinham conseguido mudar
a opinião que
ela tinha do
Snape.
— Eu sei
ver quando um
indivíduo está do
lado do mal,
li muito sobre
eles! É preciso
manter um constante contacto visual e o Snape nem
pestanejou, eu vi!
— ‘Tou a dizer-te que ‘tás enganada! disse o Hagrid com
vivacidade. Não sei porq’é que a
vassoura do Harry fez aquilo mas o Snape não ia tentar matar
um aluno. E vocês, ouçam bem o
qu’eu digo — ‘tão a
meter-se em coisas
que não são
da vossa conta.
Isso pode ser
perigoso.
Esqueçam aquele cão e esqueçam o qu’ele ‘tá a guardar. Isso
é entre o professor Dumbledore
e Nicolas Flamel...
— Ah... ah... — disse Harry. — Então existe alguém chamado Nicolas Flamel envolvido em
tudo isto?
Hagrid estava furioso consigo próprio.
XII
O ESPELHO DOS INVISÍVEIS
O Natal estava quase a chegar. Uma manhã, em meados de
Dezembro, Hogwarts despertou
coberta de neve. O
lago tinha gelado e os gémeos Weasley foram castigados por terem feito
um feitiço, colocando
várias bolas de
neve a seguirem
o Quirrell e
a deitar-lhe abaixo
o
turbante.
As poucas corujas e mochos que conseguiram abrir caminho
pelo meio do céu tempestuoso
a fim de irem entregar o correio tiveram de ser tratadas
pelo Hagrid, antes de poderem voltar
a voar.
Todos estavam ansiosos pelo começo das férias. Enquanto na
sala comum dos Gryffindor e
no salão principal as lareiras estavam acesas, os
corredores, cheios de correntes de ar, haviam-se tornado gelados e um vento
agreste agitava tumultuosamente as janelas das salas de aula.
As piores eram
as do professor
Snape, lá em
baixo nas masmorras,
onde o ar
lhes saía das
bocas como fumo e onde tentavam manter-se bem encostados aos
caldeirões quentes.
— Tenho tanta pena —, disse Draco Malfoy numa aula de
poções, — de todos aqueles que
têm de passar o Natal em Hogwarts porque ninguém os quer em
casa.
Olhava para Harry enquanto falava. O Crabbe e o Goyle riam à socapa. Harry
ignorou-os e
continuou a pesar o pó de espinha de peixe-leão. O Malfoy
tornara-se ainda mais desagradável
depois do desafio
de Quidditch. Irritado
por os Slytherin
terem perdido, tentou
pôr toda a
gente a rir,
sugerindo que o
próximo seeker que
substituísse Harry teria
de ser uma
raineta
com três grandes
bocas abertas. Mas
constatou que ninguém
achava graça à
sua piada
porque,todos
tinham ficado verdadeiramente impressionados com
o modo como
Harry
conseguira mover-se,
agarrado à imparável vassoura.
Voltou então, cheio de raiva e
inveja, a
implicar com ele por não ter uma família como devia ser.
Era verdade que
o Harry não
ia passar o
Natal a Privet
Drive. A professora
McGonagall
fizera na semana anterior uma lista dos alunos que iriam
ficar em Hogwarts durante as férias e
Harry tinha sido o
primeiro a assinar. Mas não se sentia
nada triste com isso. Aquele iria ser,
muito provavelmente, o melhor Natal de sempre. Ron e os
irmãos iam também ficar porque os
pais pretendiam ir à Roménia visitar o Charlie.
Quando saíram dos
calabouços, no fim
da aula de
poções, depararam com
um enorme
abeto que lhes
barrava a passagem
no corredor. Dois
pés enormes surgiam
por debaixo da
árvore e o
som de uma
respiração ofegante fê-los
adivinhar que por
detrás do abeto
se
encontrava Hagrid.
— Olá Hagrid,
queres ajuda? —
perguntou o Ron,
esticando a cabeça
por entre as
ramagens.
— Não, ‘tou bem, obrigado, Ron.
— Importas-te de sair da frente? — disse a voz fria do
Malfoy, atrás deles. — Estás a tentar
ganhar algum dinheiro extra, Weasley? Pensas ficar como
guarda dos campos quando deixares
Hogwarts? Aquela cabana do Hagrid deve parecer-te um palácio
comparada com o lugar onde
vive a tua família.
Ron atirou-se a ele no preciso momento em que o Snape vinha
a subir as escadas.
— WEASLEY!
Ron largou o manto de Malfoy.
— Ele foi
provocado, professor Snape
—, disse Hagrid,
esticando a sua
cara enorme para
fora da árvore. — O Malfoy estava a insultar a família dele.
— Mesmo assim,
lutar é contra
as regras de
Hogwarts, Hagrid —
disse Snape, de
forma
insinuosa. — Cinco
pontos a menos
para os Gryffindor,
Weasley, e deves
ficar grato por
não
serem mais. Agora, saiam todos daqui.
Malfoy, Crabbe e Goyle empurraram bruscamente o pinheiro,
espalhando agulhas por todo
o lado e rindo abertamente.
— Ainda o
apanho — disse
o Ron entredentes
quando o Malfoy
virou costas. —
Um dia
destes, apanho-o.
— Eu detesto os dois —, disse o Harry. — O Malfoy e o Snape.
— Vá lá,
animem-se, rapazes. ‘Tamos quase no Natal. Venham comigo ver como está o
salão, parece uma festa.
E lá foram
todos atrás do
Hagrid e da
sua grande árvore
até ao salão
onde a professora
McGonagall e o professor Flitwick estavam a colocar as
decorações de Natal.
— Ah! Hagrid, a última árvore; coloca-a ali, naquele canto,
está bem?
O salão estava
espectacular. Grinaldas de
azevinho pendiam de
todas as paredes
e eram
doze as altíssimas
árvores de Natal
que circundavam o
salão, umas cintilantes,
cheias de
pequeninos pingentes de gelo, outras resplandecentes com
centenas de velinhas acesas.
— Quantos dias faltam p’ra vocês começarem as férias? —
perguntou Hagrid.
— Só um — disse Hermione. — E isso vem lembrar-me que —
Harry, Ron, temos meia hora
até ao almoço —, devíamos estar na biblioteca.
— É verdade
— disse o
Ron, afastando o
olhar do professor
Flitwick que fazia
sair bolas
douradas da ponta da sua varinha mágica e estava a dispô-las
nas ramadas da última árvore.
— A biblioteca?
— perguntou Hagrid,
seguindo-os. — Mesm’ antes do começo das férias,
meio estranho, não acham?
— Ah! não é para nenhum trabalho — disse-lhe o Harry
alegremente. — Desde que fizeste
referência ao Nicolas Flamel, temos andado a tentar
descobrir de quem se trata.
— Vocês o quê? — Hagrid parecia chocado. — Ouçam bem, eu disse-vos p’ra se deixarem
disso. Não é da vossa conta o qu’aquele cão está a guardar.
— Nós só queremos descobrir quem é Nicolas Flamel, nada mais
— explicou Hermione.
— A menos que tu queiras dizer-nos e poupar-nos todo este
trabalho — acrescentou Harry.
— Devemos ter
consultado já uma
boa centena de
livros e ainda
não encontrámos o nome
dele, dá-nos pelo menos uma pista; eu sei que li o nome dele
em qualquer lado.
— Eu não digo nada de nada — respondeu Hagrid com um ar
sorumbático.
— Parece então que
temos de descobrir por nós próprios
— disse o Ron, deixando Hagrid
preocupado a vê-los apressarem-se em direcção à biblioteca.
Tinham
efectivamente procurado o
nome de Flamel
em vários livros
desde que o
Hagrid,
por engano, o
deixara escapar. De
que outro modo
poderiam saber o
que Snape andava
a
tentar roubar? O
problema estava em
não saberem por
onde começar, ignorando
por
completo o que Flamel poderia ter feito para ter o seu nome
nos livros. Não era referido nos
Grandes Feiticeiros do Século Vinte, nem nos Nomes Notáveis
do Nosso Tempo. Também não
falavam dele nas
Importantes Descobertas da
Magia Moderna nem
no Estudo dos
Novos
Desenvolvimentos
da Feitiçaria. E,
é claro, havia
ainda que ter
em conta as
dimensões da
biblioteca. Milhares de livros, centenas de prateleiras e de
filas estreitas.
Hermione reuniu uma
lista de assuntos
e títulos sobre
os quais decidira
pesquisar,
enquanto o Ron, na tentativa de fazer qualquer descoberta,
deitava abaixo uma pilha de livros
colocando-os ao acaso nas prateleiras. Harry andava à volta
da secção dos reservados. Não lhe
saía da cabeça
a ideia de
que o Flamel
devia ser mencionado
num deles. Infelizmente,
era
preciso uma autorização
especial, assinada por
um dos professores,
para consultar os
livros
dos reservados e
ele sabia que
nunca conseguiria obtê-la.
Aqueles eram os
livros que
continham os poderosos
ensinamentos da magia
negra, que não
fora nunca ensinada
em
Hogwarts, e que apenas eram lidos pelos alunos mais velhos
que estudavam a defesa contra as
artes das trevas.
— De que é que estás à procura, rapaz?
— De nada — disse Harry.
Madame Pince, a bibliotecária, ameaçou—o com um espanador de
penas.
— E melhor saíres daqui, vá, vá, fora!
Lamentando não ter
tido a capacidade de inventar rapidamente uma desculpa, Harry saiu
da biblioteca. Tinham decidido os três não perguntar a
Madame Pince onde podiam encontrar
Flamel. Estavam certos
de que ela
saberia informá-los, mas
não podiam correr
o risco de o
Snape desconfiar do que eles andavam a fazer.
Harry esperou cá
fora, no corredor,
para ver se
o Ron e
a Hermione tinham
encontrado
alguma coisa, mas sem acalentar grandes esperanças. Havia
quinze dias que pesquisavam mas,
como dispunham de
muito pouco tempo,
geralmente entre uma
e outra aula,
não era de
estranhar que não tivessem conseguido encontrar o que
procuravam. O que lhes fazia falta era
umas boas horas seguidas sem a presença de Madame Pince a
espreitar por detrás deles.
Cinco minutos mais
tarde, Ron e
Hermione juntaram-se-lhe, abanando
negativamente as
cabeças.
— Vocês vão
continuar a procurar enquanto
eu estiver fora,
não vão? —
perguntou
Hermione antes de
começarem a almoçar.
— E mandem-me
uma coruja se
descobrirem
alguma coisa.
— E tu podes perguntar aos teus pais se eles sabem quem é o
Flamel —, disse Ron. — Não
corres perigo nenhum em perguntar-lhes.
— Nenhum. São ambos dentistas — lembrou Hermione.
Logo que as
férias começaram, Ron
e Harry passaram
a divertir-se tanto
que nem se
lembraram mais do
Flamel. Tinham a
camarata só para
eles e a
sala comum estava
bastante
mais vazia do que era costume, o que lhes permitia ocupar
sempre os melhores sofás, junto da
lareira.
Sentavam-se durante cerca
de uma hora
a comer tudo
aquilo que pudessem
espetar
com um garfo longo — pão, bolos de farinha, alteia — e
divertiam-se a conceber estratagemas
para fazer com
que o Malfoy
fosse expulso, que
não passavam de
meros exercícios de
imaginação pois tinham perfeita consciência de que nunca
poderiam funcionar.
O Ron começou
também a ensinar
ao Harry o
xadrez dos feiticeiros
que era exactamente
como o dos Muggles com a única diferença de que as figuras
estavam vivas, o que fazia o jogo
parecer-se um pouco com a direcção dos exércitos
durante a batalha. O tabuleiro e as peças
do Ron eram muito antigos e gastos. Como tudo o que ele
tinha, pertenceram antes a alguém
da família, neste
caso ao avô.
Contudo, o facto
de os peões
do xadrez serem
velhos não
constituía um inconveniente. Ron
conhecia-os tão bem
que nunca tivera
qualquer problema
em fazê-los actuar de acordo com a sua vontade.
Harry tinha jogado com os peões que o Seamus Finnigan lhe
emprestara e eles não haviam
confiado nele. É certo que não era ainda um grande jogador
mas eles não paravam de lhe dar
conselhos, o que
se tornava imensamente
confuso: «Não me
ponhas aí, não
vês o cavalo
dele?», «Manda antes aquele, podemos perfeitamente
perdê-lo.»
Na véspera de Natal, Harry
foi para a
cama ansioso pela
chegada do dia
seguinte, pela
comida e pelo
divertimento mas sem
esperar receber nenhum
presente. Quando acordou,
contudo, a primeira coisa que viu foi um montinho de
embrulhos aos pés da sua cama.
Feliz Natal disse o Ron, estremunhado, enquanto Harry saía
da cama e enfiava o roupão.
— Para ti também — disse Harry. — Olha para isto, há
presentes para mim!
— O que é que tu esperavas, cebolas? — disse o Ron, olhando para o seu monte
que era
um pouco mais alto.
Harry pegou no
presente que estava
em cima. Vinha
embrulhado em papel
castanho
espesso e uns gatafunhos em toda a volta diziam Para o Harry
do Hagrid. Lá dentro vinha uma
flauta de madeira,
artesanal. Devia ter sido feita
pelo próprio Hagrid.
Harry soprou —
o som
parecia o piar de uma coruja.
O segundo presente, um pacotinho pequeno, continha uma nota.
Recebemos a tua mensagem e estamos a enviar-te o teu
presente de Natal. Do tio Vernon e
da tia Petúnia. Pegada à nota vinha uma moeda de vinte
escudos.
— É simpático — disse o Harry.
Ron ficou fascinado com os vinte escudos.
— Estranho! — disse ele. — Que formato, isto é dinheiro?
— Podes ficar
com ele —
disse o Harry,
cheio de vontade
de rir com
o entusiasmo do
amigo.
— Hagrid e os meus tios. Então, de quem serão estes outros?
— Acho que sei de onde vem esse — disse o Ron, corando um
pouco e apontando para um
embrulho rugoso. — É da minha mãe. Eu contei-lhe que tu não
ias ter presentes de Natal e —
Oh! não — resmungou. — Ela fez-te uma camisola Weasley.
Harry abrira bruscamente o papel e dera com uma camisola
verde-esmeralda, feita à mão e
uma grande caixa de bombons confeccionados em casa.
— Todos os anos eia nos manda uma camisola — disse o Ron,
desembrulhando a dele. — E
a minha é sempre castanho-avermelhado.
— É amoroso da parte dela — disse o Harry, experimentando um
bombom que era muito
saboroso.
O seu próximo
presente também continha
doces — uma
grande caixa de
sapos de
chocolate da Hermione.
Faltava apenas abrir
um embrulho. Harry
pegou-lhe e sentiu-lhe
o peso. Era
leve.
Desembrulhou-o.
Algo fluido e
de um cinzento
prateado deslizou para
o chão onde
ganhou ondulações
cintilantes. Ron manifestou-se.
— Já ouvi
falar disso —
referiu com uma
voz exaltada, deixando
cair a caixa
de feijões de
todos os sabores que
Hermione lhe oferecera. — Se é
aquilo que eu estou a pensar, é
muito
raro e extremamente valioso.
— O que é?
Harry apanhou o tecido prateado brilhante do chão. Tinha um
toque estranho, como o da
água entrançada em tecido.
— É um manto de invisibilidade — disse Ron com um olhar de
receio no rosto. — Tenho a
certeza. Experimenta-o.
Harry pôs o manto em volta dos ombros e Ron soltou um grito.
— É mesmo. Olha para baixo!
Harry olhou para
os pés e
constatou que haviam
desaparecido. Precipitou-se para o
espelho. Não havia
dúvida. Só a
cabeça se via,
suspensa no ar.
O corpo estava
totalmente
invisível. Puxou o manto para cima da cabeça e o seu reflexo
desapareceu por completo.
— Tem aqui um bilhete — disse o Ron, subitamente. Um papel
caiu do embrulho. .
Harry tirou o
manto e pegou
na carta. Numa
letra fina e
débil que ele
nunca tinha visto,
estava escrito o seguinte:
O teu pai
deixou isto na
minha posse antes
de morrer. É
altura de te
ser entregue. Usa-o
bem.
Um bom Natal!
Não estava assinado. Harry ficou a olhar para o bilhete
enquanto Ron admirava o manto.
— Eu daria tudo por um manto destes — disse ele.
— Tudo. Qual é o teu problema?
— Nada —
disse Harry, sentindo-se
estranho. Quem lhe
teria enviado o
manto? Teria
mesmo pertencido ao seu pai?
Antes de poder
dizer ou pensar
mais alguma coisa,
a porta da
camarata foi aberta
de par
em par e
Fred e George
Weasley entraram de
rompante. Harry escondeu
rapidamente o
manto. Não lhe apetecia, por enquanto, partilhá-lo com mais
ninguém.
— Feliz Natal!
— Olhem, o Harry também tem uma camisola Weasley!
O Fred e o George usavam camisolas azuis, uma com um grande
F e outra com um G.
— A do Harry é melhor do que as nossas — disse o Fred,
pegando na camisola do Harry. —
Ela esmerou-se mais por tu não seres da família,
— Por que é que não vestes a tua, Ron? — perguntou o George.
— Vá lá, veste-a, é bonita e
é quentinha.
— Detesto castanho-avermelhado —
resmungou o Ron,
triste, enfiando a
camisola pela
cabeça abaixo.
— A tua não tem nenhuma letra — observou o George. — Acho que ela tem
a certeza de
que não te esqueces do
teu nome. Mas nós não somos
parvos, sabemos muito bem que nos
chamam Gred e Forge.
— Que barulheira é esta?
Percy Weasley meteu a
cabeça na porta com um olhar reprovador. Estava, com certeza, a
desembrulhar os seus
presentes por que
transportava também no
braço, que o
Fred lhe
agarrou, uma camisola feita à mão.
— C. de D. (Chefe de Departamento)! Veste-a, Percy, vá lá,
estamos todos com as nossas,
até o Harry tem uma.
— Eu... não..,
quero — disse
o Percy, com
a voz empastelada,
enquanto os gémeos
lha
enfiavam pela cabeça, atirando-lhe os óculos ao chão.
— E não te vais sentar hoje com os chefes de departamento —
disse o George. — O Natal é
a festa da família.
Levaram o Percy para fora do quarto com os braços agarrados
pelas mangas da camisola.
Nunca, em toda a sua vida, Harry tinha tido uma ceia de Natal
como aquela. Uma centena
de grandes perus
assados, montanhas de
batatas assadas e
cozidas, escudelas de
grandes
salsichas, terrinas de ervilhas com manteiga, molheiras de
prata de caldo de carne e sumo de
uvas e montes
de foguetes de
feiticeiros espalhados ao
longo da mesa.
Estes fantásticos
foguetes não se
pareciam nada com
os foguetes dos
Muggle que os
Dursley costumavam
comprar
juntamente com brinquedinhos
de plástico e
chapeuzinhos de papel
colorido. Harry
puxou um dos foguetes dos feiticeiros com o Fred e ele não
se limitou a rebentar, saltou como
uma bola de
canhão e envolveu-os
a todos numa
nuvem de fumo
azul enquanto de
lá de
dentro explodia um
chapéu de contra-almirante e
vários ratinhos brancos.
Lá em cima,
na
mesa principal, Dumbledore tinha trocado o seu chapéu
pontiagudo de feiticeiro por um gorro
florido e ria entredentes de uma piada que o professor
Flitwick tinha acabado de lhe ler.
A seguir ao peru vieram os pudins flamejantes e o Percy
quase partiu os dentes na faca de
prata coberta pelo
molho do pudim.
Harry observava Hagrid
que ia ficando
cada vez mais
vermelho à medida
que bebia vinho,
tendo acabado por
beijar a professora
McGonagall na
bochecha. Para grande espanto de Harry, ela deu uma
risadinha e corou, com o chapéu alto já
à banda.
Quando Harry finalmente se levantou da mesa, ia carregado
com um monte de coisas que
tinham saído dos foguetes, incluindo um conjunto de balões
luminosos, não explosivos e o seu
novo estojo de
xadrez de feitiçaria.
Os ratinhos brancos
desapareceram e ele
teve a
desagradável
sensação de que
iam acabar por
ser o jantar
de Natal da
horrorosa gata Mrs.
Norris.
Harry e os
Weasleys passaram uma
óptima tarde nos
campos, travando uma
renhida
batalha com bolas de neve. Por fim, cheios de frio e já
quase sem fôlego, regressaram à lareira
da sala comum
dos Gryffindor, onde
Harry estreou o
seu novo tabuleiro
de xadrez sendo
estrondosamente
vencido por Ron.
Acabou por se
conformar, acreditando que
teria perdido
menos se o Percy não tivesse tentado ajuda-lo tanto.
Depois de um lanche de chá, sandes de peru, biscoitos,
docinhos e bolo de Natal, ficaram
todos tão enfartados
e cheios de
sono que, antes
de irem para
a cama, deixaram-se
ficar no
sofá a ver o Percy correr atrás do Fred e do George por toda
a torre dos Gryffindor, tentando
recuperar o distintivo que eles lhe tinham roubado.
Aquele fora, sem sombra de dúvida, o melhor Natal de toda a
vida do Harry. Contudo, uma
coisa tinha permanecido nos confins da sua mente durante
todo o dia. Só quando se deitasse
poderia pensar livremente no assunto: o manto da
invisibilidade e a pessoa que o enviara.
Ron, cheio de peru e de bolo e sem nada misterioso a
preocupá-lo, adormeceu mal correu
as cortinas do dossel. Harry inclinou-se para o outro lado
da sua cama e tirou de lá de baixo o
manto.
Do seu pai...
aquilo pertencera ao seu
pai. Deixou que
o tecido lhe
roçasse as mãos,
mais
macio do que a seda, mais leve do que o ar. Usa-o bem, dizia
o bilhete.
Tinha de experimentá-lo de
novo. Saltou da
cama e embrulhou-se
nele. Olhando para
baixo, para as pernas, apenas viu sombras e luar. Era um
sentimento estranhíssimo.
Usa-o bem.
De repente, sentiu-se
completamente acordado. Todas
as divisões de
Hogwarts se lhe
abriam com aquele
manto. A excitação
fê-lo vibrar enquanto
permanecia no silêncio
e no
escuro. Agora podia ir onde quisesse e o Filch nunca
saberia.
Ron roncou no seu princípio de sono. Deveria acordá-lo? Algo
o deteve — era o manto do
seu pai — e sentiu isso pela primeira vez — queria usá-lo
sozinho.
Esgueirou-se da camarata,
desceu as escadas,
atravessou a sala
comum dos Gryffindor
e
subiu pelo buraco do retrato.
— Quem está aí? —
perguntou a dama gorda. Harry não
respondeu. Desceu rapidamente
pelo corredor.
Onde poderia ir?
Parou com o
coração a bater
e pensou na
secção dos reservados
da
biblioteca. Podia ficar a ler durante todo o tempo que
quisesse, o tempo que fosse necessário
até descobrir quem
era Flamel. Dirigiu-se
para lá, apertando
bem contra o
corpo, enquanto
andava, o manto da invisibilidade.
A biblioteca estava escura como breu e misteriosa. Harry
acendeu uma lâmpada para ver o
caminho e as fileiras de livros. A luz parecia flutuar
sozinha no ar e, apesar de ele lhe sentir o
peso e saber
que era o
seu braço que
pegava nela, a
imagem da luz
solta no ar
causava-lhe
arrepios.
A secção dos reservados ficava na parte de trás da
biblioteca. Passando com todo o cuidado
por sobre a
corda que separava
estes livros dos
outros, ergueu a
luz para conseguir
ler os
títulos.
Não lhe diziam
muito. As letras
douradas, desbotadas e
gastas formavam palavras
em
idiomas que Harry
desconhecia. Alguns nem
tinham título. Havia
um livro com
uma mancha
escura que se
parecia horrivelmente com
sangue. Harry ficou
com os cabelos
em pé. Talvez
fosse imaginação sua, ou talvez não, mas pareceu-lhe ouvir
um sussurro vindo dos livros, como
se eles soubessem que estava ali alguém que não deveria ali
estar.
Era preciso começar
por um lado
qualquer. Colocando a
lâmpada no chão
com todo o
cuidado, procurou na prateleira de baixo um livro que lhe
parecesse interessante. Um volume
de capa negra e prateada chamou-lhe a atenção. Retirou-o com
alguma dificuldade porque era
extremamente pesado e, apoiando-o nos joelhos, abriu-o.
Um grito agudo
de sangue coalhado
quebrou o silêncio
— o livro gritava! Harry
fechou-o
com um estalido mas a gritaria continuava, uma nota aguda,
constante e ensurdecedora. Caiu
para trás batendo
na luz que
se apagou. Em
perfeito pânico, Harry
ouviu passos lá
fora no
corredor. Metendo o livro barulhento na prateleira começou a
correr. Passou pelo Filch, junto
da porta. Os olhos claros
e estranhos do Filch olharam através dele e
Harry esgueirou-se por
debaixo do braço do encarregado, galgando rapidamente o
corredor com o grito do livro ainda
nos ouvidos.
Parou junto de uma armadura. A sua preocupação em fugir da
biblioteca fora tal que nem
dera atenção ao caminho. E como estava escuro não fazia
ideia de onde se encontrava. Sabia
que havia uma armadura perto das cozinhas mas devia estar,
pelo menos, cinco pisos acima.
— O professor pediu-me que o avisasse se visse alguém a
vaguear por aqui durante a noite
e estava alguém na biblioteca, na secção dos reservados.
Harry sentiu o sangue subir-lhe à cabeça. Onde quer que ele
estivesse, o Filch conhecia um
atalho porque a sua voz untuosa estava cada vez mais próxima
e, para seu grande horror, foi
Snape quem lhe respondeu.
— A secção dos reservados? Bem, não deve estar longe,
apanhamo-lo com certeza.
Harry ficou pregado
ao chão enquanto
Filch e Snape
viraram numa esquina.
Não podiam
vê-lo, claro, mas o corredor era estreito e se se
aproximassem muito podiam chocar com ele —
o manto não fazia com que ele deixasse de ter um corpo
sólido.
Recuou o mais silenciosamente que pôde. Havia uma porta
entreaberta do lado esquerdo.
Era a sua única esperança. Entrou, sustendo a respiração,
tentando não tocar na porta e, para
seu grande alívio,
conseguiu entrar na
sala sem que
eles dessem por
isso. Eles seguiram
em
frente e Harry
encostou-se à parede,
respirando profundamente e
ouvindo os passos
de
ambos a afastarem-se. Tinham estado perto, muito perto, mas
isso fora alguns segundos antes
de ele reparar em algo absolutamente insólito que existia na
sala onde agora se encontrava.
Parecia uma antiga
sala de aulas.
As sombras escuras
das secretárias e
cadeiras
empilhavam-se
contra as paredes
e havia um
cesto de papéis
voltado ao contrário
— mas
encostado à parede,
de frente para
ele, estava algo
que não parecia
ser dali, algo
que tinha
todo o aspecto de ter sido ali posto para que ninguém o
encontrasse.
Era um espetho
magnífico, tão alto que quase
tocava no tecto,
com uma moldura
trabalhada em ouro e assente em dois pés de garra. No topo
havia uma inscrição: Ajese doãça
rocue to
sarno tsorue to oãno rnoc.
Tendo afastado o pânico com o desaparecimento de Filch e de
Snape, Harry aproximou-se,
querendo mais uma
vez olhar para
confirmar que não
via o seu
reflexo. Colocou-se bem na
frente do espelho.
Teve de levar as mãos à boca para não soltar um grito. Deu
meia volta com o coração mais
aflito do que
quando o livro
tinha começado a
gritar — porque
não só vira
o seu reflexo
no
espelho como o de uma multidão de gente, mesmo ali atrás
dele.
Contudo a sala estava vazia. Com a respiração alterada,
voltou-se de novo para o espelho.
Lá estava ele,
reflectido, pálido e
apavorado e reflectidos
atrás dele estavam
pelo menos
dez outros. Harry
olhou por cima
do ombro, mas
não havia ali
ninguém. Ou estariam
todos
invisíveis? Estaria ele numa sala cheia de gente invisível e
o dom daquele espelho seria o de os
reflectir a todos, invisíveis ou não?
Voltou a olhar
para o espelho.
Uma mulher mesmo
à sua direita
sorria e acenava-lhe.
Ele
estendeu a mão
e sentiu o
ar. Se ela
ali estava efectivamente, poderia
tocar-lhe, os reflexos
estavam tão
próximos... mas apenas sentiu o ar —
tanto ela como os outros apenas existiam
naquele espelho.
Era uma mulher muito bonita. De cabelos escuros avermelhados
e os olhos — os olhos dela
parecem-se com os
meus — pensou
Harry, aproximando-se um
pouco mais do
espelho.
Verdes,
brilhantes, exactamente com
o mesmo formato.
Mas foi então
que reparou que
ela
estava a chorar.
A sorrir e
a chorar ao
mesmo tempo. O homem alto
e magro de
cabelos
pretos
passou-lhe o braço
por cima dos
ombros. Usava óculos
e o cabelo
era desalinhado e
rebelde, arrebitava atrás como o seu.
Harry estava agora tão próximo do espelho que o nariz quase
tocava o do seu reflexo.
— Mãe? — disse baixinho. — Pai?
Eles apenas o olharam a sorrir. E lentamente Harry olhou
para os rostos de todas as outras
pessoas no espelho e viu outro par de olhos verdes como os
dele, outros narizes parecidos e
até um velhinho
que parecia ter
os joelhos nodosos
e protuberantes como
os seus. Pela
primeira vez, Harry estava a ver a sua própria família, pela
primeira vez na vida.
Os Potters sorriram
e disseram-lhe adeus
quando ele olhou
ansiosamente para eles,
pressionando as mãos
contra o espelho
como se esperasse
cair lá para
dentro e alcançá-los.
Tinha um sentimento poderoso dentro de si, uma mescla de
alegria e de profunda tristeza.
Não soube ao
certo quanto tempo
ali permaneceu. Os
reflexos não desapareceram
e ele
olhou e continuou
a olhar até
que um ruído
à distância o
trouxe de volta
à realidade. Não
podia ficar ali. Tinha que encontrar o caminho de regresso à
camarata.
Afastou os olhos
do rosto da
mãe, murmurando —
Eu volto —
e saiu apressadamente do
quarto.
— Podias ter-me acordado — disse o Ron, de mau humor.
— Podes ir comigo amanhã à noite. Eu vou lá voltar. Quero
mostrar-te o espelho.
— Eu gostava de conhecer a tua mãe e o teu pai — disse o
Ron, impaciente.
— E eu
quero conhecer toda
a tua família,
todos os Weasleys,
vais poder mostrar-me
os
teus outros irmãos também.
— Podes vê-los em qualquer altura — disse o Ron. — E só ires
à minha casa este Verão. E,
se calhar, o
espelho só mostra
as pessoas que
já morreram. Que
pena não encontrarmos
o
Flamel. Come uma fatia de bacon, por que é que não estás a
comer nada?
Harry não conseguia
comer. Tinha visto
os pais e
ia voltar a
vê-los nessa mesma
noite.
Esquecera
praticamente o Flamel.
Não lhe parecia
já tão importante
como isso. Quem
é que
queria saber o que o
cão das três cabeças estava a guardar? Qual a diferença que o Snape o
roubasse ou não?
— Estás mesmo bem? — perguntou o Ron. — Pareces estranho.
O que Harry mais temia era não conseguir voltar a dar com o
quarto onde se encontrava o
espelho. Com o Ron também embrulhado no manto tinham de
avançar muito mais devagar e
tentaram
reproduzir o percurso
do Harry a
partir da biblioteca,
vagueando pelas passagens
escuras durante quase uma hora.
— Estou gelado — disse o Ron. — Vamos esquecer isto e voltar
para a cama.
— Não — insistiu Harry. — Eu sei que é por aqui perto.
Passaram pelo fantasma
de uma bruxa
alta que deslizava
em sentido contrário
mas não
viram mais ninguém. No preciso momento em que o Ron tinha
começado a queixar-se de que
sentia os pés gelados, Harry deu com a armadura.
— É aqui, aqui mesmo, aqui!
Abriram a porta. Harry tirou o manto dos ombros e correu
para o espelho.
Lá estavam eles. A sua mãe e o seu pai, radiantes por vê-lo
de novo.
— Vês? — murmurou Harry.
— Eu não vejo nada.
— Olha. Olha para eles todos...
— Eu só te vejo a ti.
— Olha melhor. Põe-te aqui onde eu estou.
Harry colocou-se ao lado dele mas, com o Ron em frente do
espelho, deixara de conseguir
ver a sua família, só o Ron, no seu pijama de tecido
escocês.
O Ron, por outro lado, olhava perplexo para a sua própria
imagem.
— Olha só para mim! — disse
— Vês toda a tua família em volta?
— Não — estou sozinho — mas estou diferente, pareço mais
velho e sou chefe de turma!
— O quê?
— Sou, estou
a usar o
distintivo como o
Bill usava e estou a
segurar a taça
da equipa e a
taça do Quidditch — sou também capitão de Quidditch!
Ron afastou os olhos daquela fantástica visão para olhar
excitado para o Harry.
— Achas que este espelho mostra o futuro?
— Como é que isso é possível? Toda a minha família morreu.
Deixa-me ver de novo.
— Tiveste o espelho só para ti a noite passada, dá-me mais
um bocadinho de tempo.
— Tu só
queres ver a
taça do Quidditch.
Qual é o
interesse disso? Eu
quero ver os
meus
pais.
— Não me empurres.
Um súbito ruído
lá fora, no
corredor, pôs fim
à discussão. Não
se tinham dado
conta da
altura a que estavam a falar.
— Depressa.
Ron lançou o manto sobre ambos no momento em que os olhos
luminosos da Mrs. Norris
surgiram à porta.
Ron e Harry
não se moveram,
ambos preocupados com
o mesmo
pensamento — será
que o manto
da invisibilidade resulta
também com os
gatos? Depois de
um tempo que lhes pareceu nunca mais acabar, ela virou-lhes
as costas.
— Não sabemos se não terá ido chamar o Filch, aposto que nos
ouviu. Anda daí. — E Ron
puxou o Harry para fora do quarto.
Na manhã seguinte a neve ainda não tinha derretido.
— Queres jogar xadrez, Harry? — perguntou o Ron.
— Não.
— E se fôssemos visitar o Hagrid?
— Não. Vai tu sozinho.
— Eu sei que estás a pensar naquele espelho, Harry. Não
voltes lá esta noite.
— Porque não?
— Não sei.
É um pressentimento e
além disso já
houve sombras demasiado
próximas. O
Filch, o Snape, a gata Mrs. Norris anda por aí a farejar. E,
apesar de não te verem, se esbarram
contigo ou se bates nalguma coisa?
— Pareces a Hermione.
— Estou a falar a sério, Harry. Não vás.
Mas Harry só tinha
uma coisa na cabeça que era voltar a olhar para
aquele espelho e não
era o Ron quem iria impedi-lo.
Nessa terceira noite encontrou mais facilmente o quarto. Ia
a andar tão depressa que fazia
mais barulho do que mandava a prudência, mas não encontrou
ninguém pelo caminho.
Eles lá estavam.
A mãe e
o pai a
sorrirem-lhe de novo
e um dos
avós acenando-lhe
alegremente.
Harry baixou-se para
se sentar no
chão em frente
do espelho. Nada
iria evitar
que ele passasse ali a noite com a família. Absolutamente
nada.
Excepto...
— Então, Harry, aqui de novo?
Harry sentiu-se gelar todo por dentro. Olhou para trás.
Sentado numa das secretárias junto
da parede estava nem mais nem menos do que Albus Dumbledore.
Sem dúvida tinha passado
por ele mas, na pressa de chegar ao espelho, nem dera por
nada.
— Eu, desculpe, não o vi, professor.
— Estranho como
o facto de
ficares invisível te
torna míope —
disse Dumbledore e
Harry
ficou aliviado ao constatar que ele sorria.
— Portanto —
disse Dumbledore, saindo
da secretária para
se vir sentar
no chão com o
Harry, — tu,
como centenas de
outros antes de
ti, descobriste as
maravilhas do espelho
dos
invisíveis.
— Não sabia que se chamava assim.
— Mas, sem dúvida, já compreendeste o que ele faz!
— Ele, bem, mostra-me a minha família...
— E mostrou ao teu amigo Ron a sua própria imagem como chefe
de turma.
— Como é que o senhor sabe?
— Eu não preciso de um manto para me tornar invisível —
disse Dumbledore suavemente.
— Bem, mas és capaz de me dizer o que é que o espelho dos
invisíveis nos mostra a todos?
Harry acenou negativamente com a cabeça.
— Deixa-me explicar-te.
O homem mais
feliz do mundo
poderia usar o
espelho dos
invisíveis como se
fosse um espelho
normal. Isto é,
ele ver-se-ia a
si próprio exactamente
como era. Achas que isso o ajudaria?
Harry ficou a
pensar. Depois disse
lentamente: — Mostra-nos
o que nós
queremos...
quando queremos...
— Sim e não — disse Dumbledore. — Mostra-nos apenas o mais
profundo e intenso desejo
que reside no
nosso coração. Tu,
que nunca conheceste
a tua família,
viste-a à tua
volta. O
Ronald Weasley, que
viveu sempre à
sombra dos irmãos,
viu-se sozinho, como
o melhor de
todos. Contudo, este espelho não nos dá nem o conhecimento
nem a verdade. Muitos homens
têm estado na frente dele, hipnotizados pelo que ele lhes
mostra, outros enlouqueceram sem
saber se o que tinham visto era real ou mesmo possível.
O espelho vai ser transportado amanhã para outro lugar,
Harry. E peço-te que não voltes a
procurá-lo. Se voltares
a encontrá-lo, estarás
preparado. Não se
resolve nada a
divagar em
sonhos quando nos esquecemos de viver. Lembra-te disto.
Agora, porque não vais dormir um
pouco?
Harry levantou-se.
— Professor Dumbledore, posso fazer-lhe uma pergunta?
— Claro que sim. Acabas de a fazer — disse Dumbledore a
sorrir. — Mas podes fazer outra,
vá lá!
— O que vê o senhor quando olha para o espelho?
— Eu? Vejo-me a segurar um par de peúgas de lã.
Harry olhou-o pasmado.
— Peúgas quentinhas
é uma coisa
que faz imensa
falta. Passou mais
um Natal e
ninguém
me ofereceu um único par. Toda a gente insiste em
oferecer-me livros.
Só quando já
estava na cama
é que Harry
se apercebeu de
que Dumbledore estava,
de
certo modo, a brincar. Mas pensou também, enquanto enxotava
o Scabbers da almofada, que
aquela fora uma pergunta bastante indiscreta.
XIII
NICOLAS FLAMEL
Dumbledore
convencera Harry a
não voltar a
procurar o espelho
dos invisíveis. Portanto,
durante o resto das férias de Natal, o manto da
invisibilidade ficou dobrado no fundo da mala
de Harry. Ele bem tentava
esquecer o que
tinha visto naquele
espelho mas não
era capaz.
Começou a ter
pesadelos. Sonhava sempre
com os pais
a desaparecerem numa
explosão de
luz verde enquanto uma voz aguda se ria às gargalhadas.
— Estás a ver que o Dumbledore tinha razão, o espelho podia
levar-te à loucura — disse o
Ron quando ele lhe contou aqueles sonhos.
Hermione, que regressou
um dia antes
do começo das
aulas, viu as
coisas de uma
perspectiva diferente. Ficou horrorizada com a ideia do
Harry andar três noites a fio a vaguear
pela escola («E
se o Filch
te tivesse apanhado?»)
e desapontada por
ele não ter
descoberto,
pelo menos, quem era o Flamel.
Tinham perdido praticamente
a esperança de
encontrar Flamel num
dos livros da
biblioteca,
apesar de Harry
continuar a ter
a certeza de
que tinha lido
o nome dele
em
qualquer lado. Mal
as aulas começaram,
recomeçou o sistema
de visitas rápidas
à biblioteca
entre uma aula e outra. O
tempo de que Harry dispunha era agora bastante reduzido devido
ao recomeço dos treinos de Quidditch.
O Wood estava
a exigir cada
vez mais da
equipa. Nem a
chuva infindável que
viera
substituir a neve
conseguira quebrar-lhe o
ânimo. Os Weasleys
queixavam-se de que
ele
estava a ficar
fanático mas Harry
estava com Wood.
Se ganhassem o
próximo jogo contra
os
Hufflepuff, ultrapassariam os Slytherin como equipa vencedora
do campeonato, pela primeira
vez em sete anos. Além de querer vencer, Harry descobriu que
tinha menos pesadelos quando
chegava à cama bastante cansado dos treinos.
Foi então que, durante um treino particularmente
molhado e cheio de lama, o Wood lhes
deu aquela péssima notícia. Tinha acabado de ralhar com os
Weasleys que, na brincadeira, não
paravam de se bombardear um ao outro, fingindo cair das
vassouras.
— Vocês parem
imediatamente de criar
confusão! — gritou.
— E esse
tipo de coisa
que
pode levar-nos a
perder o campeonato!
O Snape vai
arbitrar desta vez
e pode agarrar-se
a
qualquer coisa para retirar pontos aos Gryffindor!
George Weasley caiu mesmo da vassoura ao ouvir estas
palavras.
— Snape vai
arbitrar? — balbuciou
com a boca
cheia de lama.
— Mas ele
nunca arbitrou
um jogo de Quidditch, não vai ser justo connosco se
ultrapassarmos os Slytherin.
O resto do clube pôs-se ao lado de George, protestando.
— Não é
por minha culpa
— disse o
Wood. — Mas
temos de garantir
um jogo tão
limpo
que o Snape não tenha qualquer motivo para implicar
connosco.
Estava tudo muito bem, pensou Harry, mas ele tinha outra
razão para não querer o Snape
por perto enquanto jogava Quidditch...
O resto dos
jogadores juntou-se para
falar, no final
do treino, mas
Harry foi direito
à sala
comum dos Gryffindor onde encontrou o Ron e a Hermione a
jogarem xadrez. Era o único jogo
em que Hermione costumava perder o que, segundo Ron, lhe
fazia muito bem.
— Não falem comigo agora — disse o Ron quando Harry se
sentou ao lado dele — preciso
de concentração —,
mas ao ver
a expressão do
amigo, perguntou: —
O que é
que se passa,
estás com um aspecto horrível?
Baixinho, para que ninguém mais ouvisse, Harry contou-lhes a
súbita e sinistra intenção do
Snape de arbitrar o jogo de Quidditch.
— Não jogues — disse Hermione, de imediato.
— Diz que estás doente —, lembrou o Ron.
— Finge que partiste uma perna — sugeriu Hermione.
— Parte mesmo uma perna — aconselhou o Ron.
— Não posso
— disse o
Harry. — Não
há nenhum seeker
suplente. Se eu
lhes faltar os
Gryffindor não poderão jogar.
Nesse momento o Neville entrou de roldão na sala comum.
Todos se perguntaram como é
que ele conseguira
subir pelo buraco
do retrato, uma
vez que trazia
as pernas presas
uma à
outra com aquilo que identificaram de imediato como sendo «o
feitiço das pernas amarradas».
Devia ter tido
de saltar como
um coelho durante
todo o caminho
até chegar à
torre dos
Gryffindor.
Todos se partiram a rir com excepção de Hermione que, sem
perder tempo, pôs em prática
a contra magia. As pernas do Neville afastaram-se e ele
pôs-se de pé a tremer.
— O que
é que aconteceu?
— perguntou-lhe Hermione,
ajudando-o a sentar-se
junto de
Harry e Ron.
— O Malfoy — disse o Neville a tremer. — Encontrei-o fora da
biblioteca. Disse que andava
à procura de alguém em quem praticar.
— Vai já
ter com a professora McGonagall
e comunica-lhe isso — disse
Hermione
peremptoriamente.
Neville fez que não com a cabeça.
— Não quero mais problemas — sussurrou.
— Tens de
o enfrentar, Neville!
— aconselhou o
Ron. — Ele
está habituado a
passar por
cima de toda a gente, mas não é por isso que vamos
deitar-nos no chão e facilitar-lhe a vida.
— Não precisas
de me dizer
que eu não
sou suficientemente corajoso
para estar nos
Gryffindor. O Malfoy já mo disse —,balbuciou o Neville.
Harry meteu a mão no bolso da capa, retirou de lá um sapo de
chocolate, o último da caixa
que a Hermione lhe oferecera no Natal, e deu-o ao Neville
que parecia ir começar a chorar.
— Tu vales mais do que doze Malfoys — disse o Harry. — O
chapéu seleccionador escolheu-te para os Gryffindor, ou não? E onde é que está
o Malfoy? Nos nojentos Slytherin.
Os lábios do Neville esboçaram um ténue sorriso enquanto
desembrulhava o sapo.
— Obrigado, Harry...
acho que me
vou deitar. Queres
este cromo? Tu
fazes colecção, não
fazes?
Enquanto o Neville se afastava, Harry olhou para o cromo do
feiticeiro famoso.
— O Dumbledore de novo — disse. — Foi o primeiro que eu...
Estremeceu, os olhos
fixos na parte
de trás do
cromo. Em seguida
olhou para Ron e
Hermione:
— Encontrei-o! — murmurou. — Encontrei o Flamel! Eu
disse-vos que tinha lido sobre ele
no comboio quando vinha para cá — ouçam isto: O professor Dumbledore é particularmente
famoso por ter
derrotado o mago
negro Grindelwald em
1945, pela descoberta
de doze
utilizações para o
sangue de dragão
e pelo seu
trabalho alqulmico, juntamente
com o seu
colega Nicolas Flamel!
Hermione deu dois saltos de contente. Não se mostrava tão
entusiasmada desde o dia em
que recebera a nota do seu primeiro trabalho de casa.
— Fiquem aí — disse ela e correu pelas escadas acima até à
camarata das raparigas. Harry e
Ron mal tiveram tempo de trocar um olhar de espanto e já ela
estava de volta com um enorme
livro nas mãos.
— Nunca me lembrei de procurar aqui! — murmurou excitada. —
Trouxe-o da biblioteca há
umas semanas porque me pareceu uma coisa leve para ir lendo
aos bocadinhos.
— Leve? —
disse o Ron.
Mas Hermione mandou-o
ficar quieto e
começou a procurar
nervosamente em todas as páginas, resmungando sozinha.
Por fim encontrou aquilo de que estava à procura.
— Eu sabia. Eu sabia!
— Já podemos falar? — perguntou o Ron, mas ela nem lhe deu
resposta.
— Nicolas Flamel — leu dramaticamente — é o único autor
conhecido da pedra filosofal!
A frase não teve o impacte que ela esperava.
— A pedra quê? — perguntaram os dois ao mesmo tempo.
— Oh, francamente, vocês não lêem nada. Vejam aqui.
Pôs-lhes o livro na frente e Harry e Ron leram:
O antigo estudo
da alquimia relaciona-se
com a construção
da pedra filosofal,
uma
substância lendária com poderes fabulosos. A pedra
transforma qualquer metal em ouro puro.
Produz também o elixir da vida que tornará imortal aquele
que o beber.
Tem havido muitas
referências à pedra
filosofal ao longo
dos séculos, mas
a única que de
facto existe pertence
ao senhor Nicolas
Flamel que festejou
o ano passado
o seu 665.0
aniversário e que leva uma vida tranquila em Devon, com a
sua mulher Perenelle, de 658 anos.
— Estão a ver? — disse Hermione quando Harry e Ron
terminaram. — O cão deve estar a
guardar a pedra filosofal do Flamel! Aposto que ele pediu ao Dumbledore que tomasse conta
dela não só
porque são amigos,
mas também porque
devia calcular que
alguém andava a
tentar roubá-la. Por isso quis a pedra fora de Gringotts!
— Uma pedra que faz ouro e nos impede de morrer! — disse o
Harry. — Não admira que o
Snape ande atrás dela! Qualquer um andaria.
— E não
admira que não
conseguíssemos encontrar o
Flamel no Estudo
dos Novos
Desenvolvimentos da Feitiçaria — disse o Ron. — Ele não é
propriamente novo com seiscentos
e sessenta e cinco anos de idade!
Na manhã seguinte,
na aula de
defesa contra as
artes das trevas,
enquanto tiravam
apontamentos sobre as diferentes maneiras de tratar as
dentadas dos lobisomens, Harry e Ron
discutiam ainda o que cada um deles faria se tivesse uma
pedra filosofal. Só quando Ron disse
que comprava uma equipa de Quidditch só para ele é que Harry
voltou a lembrar-se do Snape
e do jogo que o esperava.
— Eu vou jogar — disse ele ao Ron e à Hermione.
— Se não
o fizer, todos
os Slytherin vão
ficar a pensar
que tenho medo
de enfrentar o
Snape. Vou mostrar-lhes. Acabam-se-lhes logo os sorrisinhos
todos se ganharmos o jogo.
— Desde que não tenhamos que te trazer de rastos do estádio
— disse Hermione.
À medida que o jogo se aproximava, Harry ia ficando cada vez
mais nervoso apesar de não
dizer nada ao
Ron nem à
Hermione. O resto
da equipa também
não estava propriamente
calma. A ideia
de vencer os
Slytherin no campeonato
de clubes era
maravilhosa, havia sete
anos que ninguém conseguia fazê-lo, mas será que iam ter
essa oportunidade com um árbitro
tão parcial?
Harry não sabia se era imaginação sua ou não mas parecia
estar sempre a dar de caras com
o Snape, para
onde quer que
se dirigisse. Chegou
a pensar se
ele não andaria
a segui-lo, na
tentativa de o
encontrar a sós.
As aulas de
poções estavam a
transformar-se na tortura
semanal, O Snape era tão horroroso com o Harry... Será que
ele descobrira que eles sabiam da
pedra filosofal? Harry
não via como
tal seria possível,
contudo, tinha por
vezes a pavorosa
sensação de que ele conseguia ler-lhes os pensamentos.
Harry sabia que quando, na tarde seguinte, Ron e Hermione
lhe desejaram boa sorte, antes
de ele entrar para os vestiários, nenhum deles tinha a
certeza absoluta de voltar a vê-lo vivo. E
esse pensamento não era propriamente reconfortante. Harry
quase não ouviu uma palavra do
discurso de incentivo do Wood, enquanto vestia o traje de
Quidditch e pegava na sua Nimbus
Dois Mil.
Enquanto isso, Ron
e Hermione tinham
arranjado lugar nas
bancadas, ao lado
do Neville
que não compreendia porque motivo eles estavam tão pálidos e
preocupados nem porque se
tinham lembrado de levar para o jogo as suas varinhas.
Do mesmo modo,
Harry ignorava por
completo que Ron
e Hermione tinham
andado a
praticar, às escondidas, «o feitiço das pernas amarradas»,
ideia que lhes fora dada pelo modo
como o Malfoy o usara com Nevilie e estavam agora prontos a
pô-lo em prática contra Snape,
à primeira tentativa de este fazer mal ao Harry.
— Não te esqueças, é Locomotor Mortis — murmurou Hermione
enquanto o Ron escondia
a varinha dentro da manga.
— Eu sei —, rabujou ele, — não chateies.
De novo no vestiário, Wood chamara Harry à parte.
— Não quero
pressionar-te, Potter, mas
se houve um
dia em que
agarrar a snitch
fosse
fundamental,
esse dia é
hoje. Vê se
consegues acabar o
jogo antes que
o Snape favoreça
demasiado os Hufflepuff.
— Está lá fora a escola em peso! — disse Fred Weasley,
espreitando pela porta. — Até, c’o
escafandro, até o Dumbledore veio assistir!
O coração de Harry deu um salto.
— Dumbledore? —
repetiu, dirigindo—se à
porta para ter
a certeza. Era
verdade, aquela
barba prateada não enganava ninguém.
Harry teve vontade
de rir bem
alto tal foi
o seu alívio.
Estava salvo, O
Snape não teria
coragem de tentar fazer-lhe mal na presença do Dumbledore.
Talvez fosse por isso que tinha um ar tão mal-disposto enquanto as equipas entravam em
campo. Facto que o Ron também notou.
— Nunca vi
o Snape com
um ar tão
mesquinho — comentou
ele com Hermione.
— Olha,
começaram, outch!
Alguém acabava de atingir Ron na nuca. Fora Malfoy.
— Desculpa Weasley, não te vi.
Malfoy esboçou um largo sorriso irónico envolvendo o Crabbe
e o Goyle.
— Gostava de
saber quanto tempo
o Potter vai
aguentar-se, desta vez,
em cima da
vassoura. Alguém quer apostar? Weasley?
Ron não lhe
respondeu. O Snape
tinha acabado de
conceder aos Hufflepuff
um penálti
porque o George
Weasley lhes arremessara
uma bludger. Hermione,
que fazia figas
no colo,
tinha os olhos fixos no Harry que voava em círculos sobre o
jogo como um falcão, em busca da
snitch.
— Sabes como é que, na minha opinião, eles escolhem os
jogadores para os Gryffindor? —
disse Malfoy bem
alto, alguns minutos
mais tarde, enquanto
Snape concedia aos
Hufflepuff
outro penálti sem
motivo nenhum. —
São as pessoas
de quem eles
têm pena. Olha
o Potter
que não tem
pai nem mãe,
os Weasley que
não têm onde
cair mortos. Tu
deverias estar lá
também, Longbottom, não tens miolos.
Neville ficou vermelho como um pimentão mas voltou-se no
lugar olhando Malfoy bem nos
olhos.
— Eu valho doze de ti — gaguejou.
Malfoy, Crabbe e
Goyle rebolaram-se a
rir mas o
Ron, não querendo
desviar os olhos
do
jogo, disse: — Isso mesmo, Neville.
— Longbottom, se os miolos fossem ouro tu eras mais pobre do
que o Weasley e olha que
ele já é mais pobre que a pobreza.
Os nervos de Ron estavam já em franja por causa de Harry.
— Estou a avisar-te, Malfoy. Voltas a abrir a boca e eu...
— Ron — disse subitamente Hermione. — Olha o Harry!
— O quê? Onde?
Harry fizera uma
descida espectacular que
merecera gritos e
ovações de todo
o público.
Hermione pôs-se de pé com os dedos cruzados em frente da
boca enquanto Harry mergulhava
direito ao chão como uma bala.
— Estás com sorte, Weasley. O teu amigo deve ter avistado
dez tostões no chão! — disse o
Malfoy.
Ron deu um salto e antes que Malfoy tivesse tido tempo de perceber o que se passava, já
estava em cima dele atirando-o ao chão. Neville hesitou mas
acabou por saltar pelas costas do
assento para ir ajudar.
— Vá lá, Harry! —
gritava Hermione, saltando no lugar para ver melhor a velocidade com
que Harry descia
direito a Snape
não reparara sequer
que o Malfoy
e o Ron
rebolavam pelo
chão nem dera
pelo tumulto e
pelos gritos vindos
do turbilhão de
socos e murros
entre o
Neville, o Crabbe e o Goyle.
Lá em cima,
no ar, Snape
voltou a vassoura
mesmo a tempo
de ver algo
escarlate passar
por ele, falhando
por centímetros no
segundo seguinte Harry
tinha terminado o
mergulho.
Com o braço no ar, vitorioso, mostrava a snitch que tinha na
mão.
As bancadas quase vieram abaixo. Era um recorde que nunca
fora atingido, jamais a snitch
tinha sido agarrada em tão pouco tempo.
— Ron! Ron! Onde estás? O jogo acabou! O Harry venceu!
Ganhámos! Os Gryffindor estão
na frente! —
gritava Hermione, dançando
e abraçando a
Parvati Patil que
estava sentada na
fila da frente.
Harry saltou da vassoura a
centímetros do chão. Mal podia acreditar, Tinha conseguido. O
jogo terminara. Durara apenas cinco minutos.
Quando os Gryffindor
começaram a encher
o campo, Harry
viu Snape aterrar
perto dele,
pálido e de
lábios cerrados —
Harry sentiu então
uma mão no
ombro e olhou
para o rosto
sorridente de Dumbledore.
— Muito bem — disse Dumbledore baixinho, para que só Harry
pudesse ouvir. — É bom ver
que não ficaste perturbado por aquele espelho e que tens
trabalhado a sério. Excelente!
Snape cuspiu causticamente para o chão.
Pouco depois, Harry saiu sozinho do vestiário para guardar a
Nimbus Dois Mil no barracão
das vassouras. Não se lembrava de alguma vez ter estado tão
feliz. Fizera algo de que podia a
partir de agora orgulhar-se — ninguém voltaria a dizer-lhe
que só era famoso pelo nome que
tinha. O ar do anoitecer
nunca lhe parecera
tão doce e
agradável. Caminhou sobre
a relva
macia, revivendo aqueles
momentos de uma
hora antes: os
Gryffindor a correrem
para o
levantar em ombros,
o Ron e
a Hermione lá
longe, aos saltos,
o Ron vibrando
de alegria,
apesar de ter o nariz todo a sangrar.
Chegou ao barracão,
encostou-se à porta
de madeira e
olhou para cima,
para Hogwarts,
com as suas
janelas avermelhadas pelo
pôr do Sol.
Gryffindor a liderar.
Ele conseguira, ia
mostrar ao Snape...
E por falar em Snape...
Uma silhueta encarapuçada
desceu sorrateiramente os
degraus da frente
do castelo. Não
querendo
obviamente ser visto,
avancou tão rápido
quanto lhe foi
possível em direcção
à
floresta
proibida. A vitória
foi-se apagando da
mente de Harry
enquanto o observava.
Reconheceu o coxear
daquela silhueta. O
Snape, a esgueirar-se
para a floresta
proibida
enquanto todos os outros estavam a jantar — o que é que se
passaria?
Harry saltou de
novo para a
Nimbus dois mil
e arrancou. Deslizando
silenciosamente por
sobre o castelo viu Snape entrar na floresta a correr.
Seguiu-o.
As árvores eram
tão espessas que
ele não conseguia
vislumbrá-lo. Voou em
círculos cada
vez mais baixos,
tocando os ramos
cimeiros das árvores
até que ouviu
vozes. Planou em
direcção a elas e em seguida aterrou sem fazer barulho no
alto de uma faia.
Trepou com todo
o cuidado ao
longo das pernadas,
bem agarrado à
vassoura, tentando
espreitar através das folhas.
Lá em baixo,
numa espécie de
clareira cheia de
sombras, estava Snape
mas não se
encontrava
sozinho. Quirrell fazia-lhe
companhia. Harry não
conseguia ver o
olhar dele mas
gaguejava como nunca. Esticou-se, tentando perceber as suas
palavras.
— Nnnão sssssei ppporque quis encccontrar-se ccomigo, logo
aqqqui, Severus... .
— Oh! porque se trata de uma conversa em particular — disse
Snape na sua voz gelada. —
Ao fim e ao cabo, os estudantes não devem saber da pedra
filosofal.
Harry inclinou-se para a frente. O Quirrell gaguejava e
Snape interrompeu-o.
— Já conseguiu descobrir o meio de passarmos por aquela
besta do cão do Hagrid?
— Mmmas Ssseverus, eu...
— Você não
me quer ter
como inimigo. Ou
quer, Quirrell? —
disse o Snape,
dando um
passo em direcção a ele.
— Eu... não sei o que vvvocê...
— Sabe muito bem o que eu quero dizer.
Um mocho piou tão
alto que Harry quase caiu da árvore
abaixo. Equilibrou-se a tempo de
ouvir o Snape dizer: — O seu bocadinho de hocus pocus. Estou
à espera.
— M... as eu não sssei.
— Muito bem
— cortou Snake.
— Vamos voltar
a ter uma
conversinha muito em
breve,
quando você tiver tido tempo de repensar e decidir a quem
quer ser leal.
Lançou o manto
sobre a cabeça
e desapareceu da
clareira. Estava a
escurecer muito
rapidamente mas Harry ainda conseguiu ver o Quirrell imóvel,
como que petrificado.
— Harry, ode é que tens estado? — perguntou Hermione na sua
voz agua.
— Ganhámos! Ganhámos!
Ganhámos! — gritava
o Ron, dando
palmadas nas costas
do
amigo. — Deixei o Malfoy com um olho negro e o Neville
bateu-se sozinho contra o Crabbe e o
Goyle! Ele ainda está magoado mas a Madame Pomfrey diz que
vai ficar bem — e falando em
mostrar aos Slytherin! Estava toda a gente à tua espera na
sala comum. Estamos a festejar, o
Fred e o George fanaram uns bolos e umas coisas das
cozinhas.
— Esqueçam isso
agora — disse
Harry, sem fôlego.—
Vamos procurar uma
sala vazia.
Esperem só até ouvirem o que tenho para vos contar...
Harry assegurou-se de que o Peeves não estava lá dentro
antes de fechar a porta atrás de si
e, em seguida, contou-lhes o que tinha visto e ouvido.
— Portanto estávamos certos, é a pedra filosofal e o Snape
está a tentar obrigar o Quirrell a
ajuda-lo a roubá-la. Perguntou-lhe se ele sabia como passar
pelo Fluffy e disse qualquer coisa
sobre o hocus
pocus do Quirrell
— suponho que
deve haver outras
coisas a guardar
a pedra
além do Fluffy, encantamentos provavelmente e o Quirrell deve ter feito um feitiço qualquer
contra as artes das trevas de que o Snape precisa para
conseguir passar.
— Queres com
isso dizer que
a pedra só
está a salvo
enquanto o Quirrell
fizer frente ao
Snape? — perguntou alarmada, Hermione .
— Ela vai sair dali na próxima terça-feira —, lembrou o Ron.
XIV
NORBERT, O DRAGÃO NORUEGUÊS
Mas o Quirrell deve ter sido mais corajoso do que eles
haviam suposto. Nas semanas que se
seguiram,
parecia estar cada
vez mais magro
e mais pálido
mas não dava
a impressão de ter
cedido.
De cada vez
que passavam pelo
corredor do terceiro
andar, Harry, Ron
e Hermione
encostavam os ouvidos
à porta para
se certificarem de
que o Fluffy
ainda estava a
rosnar lá
dentro. O Snape
continuava a demonstrar
o seu habitual
mau humor, o
que, sem dúvida,
significava que a pedra ainda estava a salvo. Durante esses dias, sempre que o Harry passava
pelo professor Quirrell, sorria-lhe como que a transmitir-lhe
coragem e o Ron começara a dizer
a todos que parassem de se rir sempre que ele gaguejava.
Hermione,
contudo, tinha algo
mais a preocupá-la
além da pedra
filosofal. Começara a
fazer revisões e
a sublinhar a
várias cores os apontamentos. O
Harry e o
Ron não se
teriam
importado, se ela não insistisse com eles para que fizessem
o mesmo.
— Hermione, falta uma eternidade para os exames!
— Dez semanas
— respondeu ela.
— Não é
uma eternidade, é
um segundo para
Nicolas
Flamel.
— Mas nós não temos seiscentos anos de idade —, lembrou o
Ron. —AIêim disso, o que é
que tu precisas de rever se já sabes tudo?
— O que
eu preciso de
rever? Vocês são
doidos? Têm consciência
de que precisamos
de
passar nestes exames
para entrarmos no
segundo ano? São
muito importantes. Eu
devia ter
começado a estudar há um mês, nem sei o que me deu para não
o fazer...
Infelizmente os professores pareciam pensar exactamente como
ela. Passaram-lhes tantos
trabalhos de casa que as férias da Páscoa não se compararam
nem de perto nem de longe com
as do Natal. Era difícil descontrair com a Hermione ao lado
a repetir alto as doze utilizações do
sangue de dragão ou praticando movimentos com a varinha, a resmungar
ou a gritar. Harry e
Ron passaram a
maior parte do
tempo com ela
na biblioteca, tentando
acabar todos os
trabalhos.
— Nunca mais
me quero lembrar
disto — desabafou
o Ron, uma
tarde, atirando com a
pena pelos ares
e olhando ansiosamente
pela janela da
biblioteca. Era o
primeiro dia bonito
que havia em meses. O
céu estava de um azul muito clarinho
e sentia-se no ar a chegada do
Verão.
Harry, que estava à procura de «díctamo» em Uma Centena de
Ervas e Fungos Mágicos, só
olhou quando ouviu o Ron gritar: — Hagrid, o que estás a
fazer na biblioteca?
Hagrid apareceu, arrastando os pés e parecendo esconder
qualquer coisa atrás das costas.
Estava bastante deslocado
naquele lugar, dentro
do seu enorme
sobretudo de pele
de
toupeira.
— ‘Tava só à procura
d’uma coisa —, justificou-se num
tom de voz
manhoso que lhes
chamou a atenção. — E vocês, o qu’é que ‘tão aqui a fazer? —
Parecia desconfiado. — Não é à
procura do Nicolas Flamel, pois não?
— Que ideia!
Há imenso tempo
que descobrimos quem
ele é —,
disse o Ron,
tentando
impressioná-lo. — E sabemos que o cão está a guardar a pedra
filosofal.
— Shhh! —
O Hagrid olhou
em volta rapidamente,
certificando-se de que
ninguém os
ouvira. — Não te ponhas para aí a dizer isso em voz alta, O
que é que te deu?
— Há algumas perguntas que queríamos efectivamente fazer-te
— disse o Harry. — Sobre o
que está a guardar a pedra além do Fluffy.
— Shhhhh! — voltou a fazer o Hagrid. — Venham mais tarde à
minha cabana. Não prometo
dizer-vos nada mas não andem prà’qui a espiolhar. Não é
suposto os estudantes saberem
disto.
— Até logo — disse Harry.
Hagrid desapareceu.
— O que é que ele estaria a esconder atrás das costas? —
perguntou Hermione, pensativa.
— Achas que tinha alguma coisa que ver com a pedra?
— Vou verificar
em que secção
é que ele
esteve —, disse
o Ron que
já tinha trabalhado
bastante. Voltou minutos
depois com um
monte de livros
nos braços e
depositou-os sobre a
mesa.
— Dragões —,
murmurou. — O
Hagrid estava à
procura de alguma
coisa sobre dragões.
Olhem só os títulos: Espécies de Dragões do Reino Unido e Irlanda,
Do Ovo ao Inferno, Um Guia
para os Guardas de Dragões.
— O Hagrid
sempre sonhou ter
um dragão. Disse-mo
ele no primeiro
dia em que
nos
conhecemos — confessou Harry.
— Mas é contra todas as nossas leis —, lembrou o Ron.
— A criação
de dragões foi
proibida pela Convenção
de Warlock em
1709, todos sabem
disso. Seria totalmente
impossível passarmos despercebidos
aos Muggles se
tivéssemos
dragões no jardim.
Além disso não
é possível domesticar
dragões, é perigoso.
Devias ver as
queimaduras que o Charlie fez a lidar com alguns dragões
selvagens na Roménia.
— Mas não há dragões selvagens no Reino Unido, pois não? —
perguntou Harry.
— Claro que
há —, afirmou
o Ron, —
os vulgares verdes
galeses e os
pretos das Ilhas
Hébridas. O Ministério
da Magia tem
um trabalhão a
abafar a existência
deles, podes crer.
Temos de arranjar feitiços para conseguir que os Muggles que
lhes puseram a vista em cima se
esqueçam por completo.
— Então o que estará o Hagrid a fazer? — perguntou Hermione.
Quando bateram à porta da cabana do guarda dos campos, uma
hora mais tarde, ficaram
espantados ao verificar que todas as cortinas estavam
fechadas. Hagrid gritou: — Quem é? —
antes de os mandar entrar e, em seguida, fechou devagarinho
a portasem fazer ruído.
Estava um calor
sufocante lá dentro.
Apesar de estar
um dia quente,
na lareira crepitava
um fogo esplendoroso.
Hagrid fez-lhes chá
e ofereceu-lhes sandes
de doninha que
eles
naturalmente recusaram.
— ‘Tão, queriam fazer-me uma pergunta?
— Sim —, disse o Harry. Não valia a pena estar com rodeios.
— Queríamos saber se nos podias dizer o que é que está a
guardar a pedra filosofal além do
Fluffy.
Hagrid olhou-o de sobrancelhas cerradas.
— ‘Tá claro que não posso — disse. — Primeiro, nem eu sei.
Segundo, vocês já ‘tão a saber
de mais e por isso não vos dizia mesmo que soubesse. Aquela
pedra ‘tú aqui por um bom
motivo. Quase foi
roubada de Gringotts;
calculo que saibam
disso? Fico parvo
com’é que
descobriram quem era o Fluffy.
— Vá lá, Hagrid, tu podes não querer dizer-nos mas não
tentes convencer-nos de que não
sabes. Tu estás
a par de
tudo o que
se passa por
aqui —, disse
Hermione com uma
voz
sedutora. — Nós só gostaríamos de saber em quem terá o
Dumbledore confiado tanto para o
ajudar nisto, além de ti.
O peito de Hagrid inchou com estas últimas palavras. Harry e
Ron olharam espantados para
Hermione.
— Eu suponho
que não fará
mal dizer-vos isto...
eu... ele pediu-me
o Fluffy emprestado
e
depois alguns dos professores fizeram uns feitiços... o
professor Sprout, o professor Flitwick, a
professora McGonagall —, Hagrid contava-os pelos dedos, — o
professor Quirrell e o próprio
Dumbledore, claro. Ah, esquecia-me de um, o professor Snape.
— Snape?
— Sim, ‘inda não sabiam isto, vocês. ‘Tão a ver, o Snape
ajudou a proteger a pedra. Não ia
depois roubá-la...
Harry tinha a certeza de que o Ron e a Hermione estavam a
pensar o mesmo que ele.
Se o Snape
tivesse feito parte
desse grupo, ter-lhe-ia
sido fácil descobrir
como os outros
professores
haviam guardado a pedra. Ele
parecia saber tudo
menos o feitiço
do Quirrell e
como passar pelo Fluffy.
— Tu és
o único que sabe como
é possível passar pelo
Fluffy não és?
— perguntou Harry
cheio de curiosidade. — E nunca dirias a ninguém, pois não,
a nenhum dos professores?
— A ninguém a não ser ao Dumbledore —, disse o Hagrid cheio
de orgulho.
— Bem, isso
já é qualquer
coisa — murmurou
Harry aos outros.
— Hagrid, não
se pode
abrir uma janela, estou a sufocar?
— Não posso,
Harry, desculpa. —
Harry reparou no
modo como ele
olhava para o
fogo.
Seguiu-lhe o olhar.
— O que é aquilo, Hagrid?
Mas ele já descobrira o que era. Bem no meio do lume, por
debaixo da chaleira, estava um
enorme ovo negro.
— Ah! — disse o Hagrid, coçando nervosamente a barba. —
Aquilo é... er...
— Onde o arranjaste, Hagrid? — perguntou Ron, inclinando -se
para o lume para o ver mais
de perto. — Deve ter-te custado uma fortuna.
— Ganhei-o — disse Hagrid. — A noite passada fui à vila
tomar umas bebidas e comecei a
jogar às cartas c’um desconhecido. Até acho qu’ele ficou
satisfeito por se ver livre dele.
— Mas o que é que vais fazer com ele depois de o chocar? —
perguntou Hermione.
— Bem, tenh’andado a ler — disse Hagrid, retirando um grande
livro debaixo da almofada.
— Trouxe este
da biblioteca —
Criação de Dragões
para Prazer e
Utilização —, ‘tá um
pouc’ultrapassado mas diz aqui tudo. Manter o ovo ao lume
porque as mães respiram sobre
eles, e quando
o bebé dragão
nascer alimente-o com
um balde de
brande misturado com
sangue de galinha, de meia em meia hora. E aqui, ‘tão a ver?
é como se reconhecem os
diferentes ovos. O qu’eu tenho é um dragão negro norueguês.
São muito raros.
Parecia extremamente feliz consigo próprio mas Hermione não.
— Hagrid, tu vives numa casa de madeira disse ela.
Mas Hagrid não estava a ouvi-la. Sentia-se alegre enquanto
reavivava o lume.
Portanto, agora tinham
outra preocupação: o
que poderia acontecer
a Hagrid se
alguém
descobrisse que ele estava a manter ilegalmente um dragão
dentro da cabana.
— Pergunto-me às vezes como será ter uma vida calma —
suspirava o Ron, à medida que,
serão após serão, travavam uma dura batalha para conseguir
fazer todo o trabalho de casa que
lhes era passado pelos professores. Hermione tinha já
começado a fazer horários de revisões
para eles os dois, o que os levava quase à loucura.
Até que uma
manhã, durante o
pequeno-almoço, a Hedwig
trouxe ao Harry
mais um
bilhete de Hagrid. Ele escrevera apenas duas palavras: Está
a nascer.
O Ron queria
faltar à aula
de herbologia e
ir direito à
cabana mas Hermione
nem
considerou a hipótese.
— Hermione, quantas vezes na vida vamos poder assistir ao
nascimento de um dragão?
— Temos aulas
e isso vai
criar-nos problemas. Não
fazes sequer ideia
do que poderá
acontecer ao Hagrid quando alguém descobrir o que ele anda a
fazer.
— Cala-te —, murmurou o Harry.
O Malfoy estava
a poucos centímetros
de distância e
tinha parado, morto
por ouvir a
conversa. Teria conseguido
captar alguma coisa?
Harry não gostou
nem um pouco
da
expressão que viu na cara dele.
Ron e Hermione
discutiram durante quase
todo o caminho
até à aula
de herbologia e no
fim ela acabou
por concordar em
darem a tal
corrida até à
cabana do Hagrid
durante o
intervalo
grande, a meio da manhã.
Quando tocou a
campainha no final
da aula, os
três
largaram as pequenas pás côncavas com que estavam a
trabalhar e partiram apressados pelo
meio dos campos até à beira da floresta.
Hagrid cumprimentou-os excitado e entusiasmadíssimo.
— Está quase! — e fê-los entrar, sem perda de tempo.
O ovo estava
sobre a mesa
e tinha grandes
rachas. Algo lá
dentro movia-se. Ouvia-se
nitidamente um barulhinho que vinha do interior.
Todos eles puxaram
as cadeiras para
junto da mesa
e ficaram a
ouvir-lhe a batida
do
coração.
De um momento
para o outro
houve uma espécie
de arranhão e
o ovo abriu-se.
O bebé
dragão tombou pesadamente sobre a mesa. Não era propriamente
bonito.
Segundo Harry ele
parecia um guarda-chuva
preto, todo amarrotado,
com umas asas
enormes em comparação com o corpo escanzelado, em forma de
jacto, com um nariz grande
de narinas abertas, as raízes dos corninhos à vista e uns
olhos protuberantes cor de laranja.
Espirrou. Uma série de faíscas saltaram-lhe do nariz.
— Não é
lindo? — murmurou
o Hagrid. Estendeu
uma mão para
fazer uma carícia
na
cabeça do pequeno dragão, mas ele tentou abocanhá-la
mostrando-lhe os dentes afiados.
— Olha, ele conhece a mamã dele — disse o Hagrid.
— Hagrid —,
perguntou Hermione. —
Quanto tempo leva
exactamente um dragão
norueguês a crescer?
Hagrid ia responder quando a cor lhe desapareceu do rosto —
deu um salto até à janela.
— O que é que se passa?
Estava alguém a espreitar p’la fresta das cortinas, um
garoto que vai a correr em direcção à
escola.
Harry
aproximou-se da porta
e espreitou. Mesmo
à distância não
lhe restava a
menor
dúvida.
Malfoy vira o dragão.
No decorrer da semana seguinte, algo no sorriso cínico de
Malfoy deixou o Harry, o Ron e a
Hermione
bastante nervosos. Passaram
praticamente todo o
seu tempo livre
na cabana do
Hagrid, tentando chamá-lo à razão.
— Deixa-o ir —, sugeriu o Harry, — liberta-o.
— Não posso —, disse Hagrid, — ele morreria logo.
Olharam para o dragão. Crescera para o triplo do
tamanho em apenas uma semana.
Saía-lhe fumo pelas
narinas. Hagrid deixara
de fazer as
suas obrigações como
guarda dos campos
porque o dragãozinho
mantinha-o ocupado de
manhã à noite.
O chão estava
repleto de
garrafas vazias de brande e penas de galinha.
— Decidi chamar-lhe Norbert — disse Hagrid, olhando para o
dragão com os olhos turvos
pelas lágrimas.
— Ele agora já me conhece mesmo, reparem só. Norbert!
Norbert! Onde está a mamã?
— Ele passou-se — murmurou o Ron ao ouvido do Harry.
— Hagrid —,
gritou Harry, —
dentro de quinze
dias o Norbert
vai ter o
tamanho da tua
casa. O Malfoy pode ir denunciar-te ao Dumbledore a qualquer
momento.
Hagrid mordeu o lábio.
— Eu sei que não posso ficar com ele p’ra sempre. Mas não
Posso abandoná-lo, não posso.
Harry voltou-se subitamente para Ron.
— Charlie — disse ele.
— Mau, também te estás a passar? Eu sou o Ron.
— Não é
isso. O teu irmão Charlie
que está na
Roménia a estudar
dragões. Podíamos
mandar-lhe o Norbert.
O Charlie podia
tomar conta dele
nos primeiros tempos
e depois
devolvê-lo à liberdade!
— Brilhante —, disse o Ron. — E o Hagrid?
Mas no fim
o Hagrid concordou
e disse que
podiam mandar uma
coruja ao Charlie
a
perguntar se ele aceitava esse encargo.
A semana seguinte passou a correr. Na quarta-feira à noite a
Hermione e o Harry estavam
sentados na sala comum, depois
de toda a
gente ter ido
para a cama,
O relógio de
parede
tinha batido a meia-noite quando o buraco do retrato se
abriu. O Ron apareceu não se sabe de
onde, tirando o manto de invisibilidade do Harry. Estivera
na cabana, ajudando a dar de comer
ao Norbert que comia agora ratos mortos através de uma
grade.
— Mordeu-me —,
disse ele, mostrando—lhes a
mão embruihada num
lenço
ensanguentado. Não vou conseguir pegar numa pena durante uma
semana. Acho que aquele
dragão é o animal
mais horroroso que alguma vez encontrei, mas da maneira como o Hagrid
está, parece-lhe tão
fofinho como um
coelho. Quando ele
me mordeu, mandou-me
embora
por o ter assustado e quando saí, estava a cantar-lhe uma
canção de embalar.
Ouviu-se um ruído na janela escura.
— É a Hedwig! — disse o Harry, apressando-se a deixá-la
entrar. — Deve trazer notícias do
Charlie!
Os três juntaram as cabeças e leram o bilhete.
Querido Ron
Como estás? Obrigado
pela tua carta.
Terei todo o
gosto em tomar
conta do Dragão
norueguês mas não vai ser fácil fazê-lo chegar aqui. Julgo
que o melhor a fazer será mandá-lo
por uns amigos
meus que vêm
visitar-me na próxima
semana. O problema
é que não
podem
ser vistos a transportar um dragão ilegal.
Poderias levar o
dragão até à
torre mais alta,
no sábado à
meia-noite? Eles irão
alter
contigo e trazem o dragão enquanto está escuro.
Responde-me tão breve quanto possível.
Um abraço do teu irmão.
Charlie
Olharam uns para os outros.
— Temos o manto da invisibilidade — disse o Harry. — Não deve ser muito
difícil — julgo
que ele é suficientemente grande para cobrir dois de nós e o
Norbert.
O facto de
os outros dois
terem concordado de
imediato era bem
a prova de
como a
semana tinha sido má. Valia tudo para se verem livres do
Norbert... e do Malfoy.
Havia uma dificuldade. Na manhã seguinte a mão do Ron que
fora mordida tinha inchado
para o dobro do tamanho e ele não sabia se seria prudente ir
procurar Madame Pomfrey será
que ela reconheceria a ferida como sendo uma dentada de
dragão?
Mas, de tarde, não teve mesmo outra alternativa. A ferida
tornara-se esverdeada como se
os dentes do Norbert fossem venenosos.
Harry e Hermione
correram até à
ala hospitalar e
foram dar com
o Ron de
cama, num
estado lastimoso.
— Não é só a mão —, murmurou. — Embora me doa tanto como se
fosse ficar sem ela. O
Malfoy disse à
Madame Pomfrey que
precisava de me
pedir um livro
emprestado só para
poder vir aqui
gozar com a
minha cara. Fartou-se
de me ameaçar
que ia contar
à Madame
Pomfrey quem me
dera a dentada
— eu disse-lhe
que tinha sido
um cão mas
não sei se ela
acreditou. Eu não devia ter atacado o Malfoy no jogo de
Quidditch, agora ele está a vingar-se.
Harry e Hermione tentaram acalmá-lo.
— Vai estar
tudo acabado no
sábado à meia-noite
— disse Hermione,
mas não foi o
suficiente para acalmar o Ron. Pelo contrário. Sentou-se e
começou a lamentar-se.
— Sábado à meia-noite — disse numa voz sumida. — Oh! não.
Oh! não, acabo de lembrar-me, a carta do Charlie estava dentro do livro que o
Malfoy levou. Ele vai descobrir tudo.
Harry e Hermione
não tiveram tempo
de responder porque
Madame Pomfrey entrou
naquele preciso momento
e mandou-os sair,
dizendo que o
Ron precisava absolutamente
de
descansar.
— É demasiado
tarde para alterar
os planos —,
disse Harry a
Hermione. — Não
temos
tempo de mandar
outra coruja e
esta pode ser
a nossa única
possibilidade de nos
vermos
livres do Norbert.
Há que correr
o risco. E o Malfoy
não sabe da
existéncia do manto
da
invisibilidade.
Quando foram dizer ao Hagrid que lhes abrisse a janela para
poderem falar com ele, deram
com Fang, o cão de caça, sentado cá fora com uma grande
ligadura na cauda.
— Não vos posso deixar entrar — respondeu quase sem fôlego.
— O Norbert está
c’uma atitude que não inspira confiança. Mas não é nada qu’eu não
consiga controlar.
Quando lhe contaram da carta do Charlie, os olhos
encheram-se-lhe de lágrimas, embora o
motivo pudesse ser também a dentada que o Norbert acabara de
lhe dar numa das pernas.
— Aaargh! está bem, ele só me agarrou a bota a brincar,
afinal ainda é um bebé.
O «bebé» batia
com a cauda
na parede, fazendo
estremecer a janela.
Harry e Hermione
regressaram ao castelo com a sensação de que o sábado nunca
mais chegava.
Teriam sentido pena do Hagrid quando chegou o momento de
este se despedir do Norbert,
se não estivessem tão preocupados com o que tinham de fazer.
Era uma noite escura e cheia
de nuvens e estavam a chegar com um ligeiro atraso à cabana
do Hagrid, porque tinham sido
obrigados a esperar que o Peeves saísse do caminho, no
vestíbulo de entrada onde ele jogava
ténis contra a parede.
Hagrid tinha metido o Norbert numa enorme caixa de grades.
— Ele tem um monte de ratos e algum brande prà viagem —
disse o Hagrid. — E meti aí um
ursinho de pelúcia p’ra ele não se sentir sozinho.
De dentro da caixa de grades vinham ruídos de rasgões que
deram ao Harry a certeza que o
urso tinha acabado de ficar sem cabeça.
— Adeus, Norbert! — balbuciou Hagrid, enquanto Harry e
Hermione tapavam a caixa com o
manto da invisibilidade e se cobriam também a si
próprios. — A mamã nunca se vai esquecer
de ti!
Nem eles próprios perceberam muito bem como foi que
conseguiram chegar com a jaula lá
acima ao castelo.
A meia-noite aproximava-se
enquanto levantavam com
esforço o Norbert
pelas escadarias de
mármore, ao longo
do vestíbulo e
dos corredores escuros.
Mais outra
escada. E outra.
Nem mesmo um
dos atalhos que
o Harry conhecia
conseguiu facilitar-lhes a
tarefa.
— Estamos quase a chegar! — disse Harry num desejo ansioso
quando atingiram o corredor
que ficava debaixo da torre mais alta.
Mas,
subitamente, um movimento
em frente deles
fez com que
quase deixassem cair a
jaula. Esquecendo-se de que estavam invisíveis,
esconderam-se nas sombras, olhando para as
silhuetas escuras de duas pessoas numa luta corpo a corpo, a
cerca de três metros de distância
do local onde se encontravam. Uma luz briihava no escuro.
A professora McGonagall,
num roupão aos
quadrados e com
uma rede de
dormir no
cabelo, agarrava Malfoy por uma orelha.
— Punição — gritava ela.
— E vinte
pontos a menos
para os Slytherin!
Andar por aqui a
meio da noite, como se atreve?
— Não está a compreender, professora McGonagall, o Harry
Potter vem aí e tem com ele
um dragão!
— Onde é
que se ouviu
maior disparate! Não
tem vergonha de
inventar uma mentira
dessas? Vamos embora. Hei-de falar de si ao professor Snape,
Malfoy!
A escada de
caracol que conduzia
ao cimo da
torre pareceu-lhes extremamente
fácil de
subir depois de
tudo o resto.
Só quando chegaram
ao ar frio
da noite retiraram
o manto da
invisibilidade, aliviados por poderem respirar de novo à
vontade. Hermione fez uma espécie de
dança.
— O Malfoy teve uma punição! Apetece-me cantar.
— Não cantes —, preveniu o Harry.
Rindo-se do Malfoy, esperaram. O Norbert fazia ruídos na sua
caixa de grades. Cerca de dez
minutos mais tarde, quatro vassouras desceram na escuridão
da noite.
Os amigos do
Charlie eram um
grupo bem-disposto. Mostraram
ao Harry e
a Hermione o
arnês que tinham
preparado para poderem
levar o Norbert
suspenso entre eles.
Todos
ajudaram a afivelar bem a jaula do Norbert e, em seguida,
Harry e Hermione apertaram a mão
aos outros e agradeceram-lhes portudo.
Finalmente o Norbert ia... ia... tinha-se ido embora.
Esgueiraram-se pela escada de caracol com os corações tão
leves como as mãos, agora que
não traziam o
Norbert com eles.
O dragão fora-se
embora, o Malfoy
tivera uma punição.
Haveria alguma coisa que pudesse estragar-lhes aquele
momento de felicidade?
A resposta esperava-os
ao fundo das
escadas. Mal entraram
no corredor o
rosto de Filch
saiu do escuro.
— Ora, ora, parece que vocês foram apanhados!
Tinham deixado o manto da invisibilidade no alto da torre.
XV
A FLORESTA PROÍBIDA
As coisas não podiam ter corrido pior. Filch levou-os ao
gabinete da professora McGonagall
onde ambos se sentaram sem trocar uma palavra entre si.
Hermione tremia. Desculpas, álibis e
histórias para mascarar a verdade sucederam-se no cérebro de
Harry, cada uma mais frágil do
que a anterior.
Não conseguia imaginar
como iriam sair
daquela embrulhada. Estavam
encurralados.
Como fora possível
serem tão estúpidos
e esquecerem-se do
manto da
invisibilidade?
Não havia qualquer
razão plausível aos
olhos da professora
McGonagall
paraeles estarem fora
das camas, vagueando
pela escola a meio da
noite, além de
que se
encontravam na torre
mais alta de
Hogwarts cujo acesso
apenas era permitido
durante as
aulas. Se descobrissem
do Norbert e
do manto da
invisibilidade estariam muito
em breve a
fazer as malas.
O Harry pensava
que as coisas
não poderiam ter
corrido pior? Estava
redondamente
enganado. Quando a professora McGonagall apareceu, vinha a
seguir o Neville.
— Harry — gritou o Neville, logo que viu os outros dois.
— Estava a tentar encontrar-vos para vos avisar de que ouvi
o Malfoy dizer que ia apanhar-vos. Ele disse que vocês tinham um drag...
Harry fez um
brusco sinal com
a cabeça para
que ele se
calasse mas a
professora
McGonagall tinha ouvido. Mais do que o Norbert, parecia que
ia lançar fogo pela boca quando
se aproximou dos três.
— Era a última coisa que esperava de qualquer de vocês. O
senhor Filch diz que estiveram
na torre da astronomia. É uma da manhã. Estou à espera das
vossas explicações.
Era a primeira
vez que Hermione
não conseguia responder
a uma pergunta
feita por um
professor. Olhava para os chinelos, quieta como uma estátua.
— Julgo que sei o que se passa aqui disse a professora
McGonagall. — Não é preciso ser um
génio para lá
chegar.Vocês aldrabaram o
Draco Malfoy com
uma história qualquer
de um
dragão, tentando fazê-lo sair da cama e meter-se em
sarilhos. A ele já o apanhei. Calculo que
achem imensa graça ao facto de o Longbottom também ter
acreditado!
Harry viu nos olhos do Neville uma onda de tristeza e de
espanto. Tentou dizer-lhe com o
olhar que não era verdade. Pobre Neville — Harry calculava o
quanto devia ter sido dificil para
ele tentar encontra-los para os avisar, sozinho naqueles corredores
escuros.
— Estou desiludida
convosco — disse
a professora McGonagall.
— Quatro alunos
fora da
cama numa única noite! É a primeira vez que isto me
acontece. Hermione Granger, pensei que
a menina tinha mais juízo. Quanto a si, Potter, acreditei
que Gryffindor tinha mais significado
para si do
que isto. Vocês
os três vão
receber punições —
sim, você também
Longbottom,
nada lhe dá
o direito de
andar a passear
pela escola à
noite, principalmente nestes
dias. É
extremamente perigoso — e cinquenta pontos serão retirados
aos Gryffindor.
— Cinquenta? —
resmungou Harry, —
assim perdemos a
liderança que tínhamos
conquistado no campeonato de Quidditch!
— Cinquenta pontos
cada — disse
a professora McGonagall
—, respirando pesadamente
pelo nariz pontiagudo.
— Professora, por favor...
— Não pode...
— Não me digas o que
eu posso ou não fazer, Potter. Agora, volta para a cama. Nunca
os
alunos dos Gryffindor me envergonharam tanto.
Cento e cinquenta
pontos perdidos. Aquilo
colocava os Gryffindor
em último lugar.
Numa
única noite eles
tinham destruído todas
as possibilidades dos
Gryffindor ganharem a
taça de
clubes. Harry sentiu
um peso de
chumbo no estômago.
Como poderiam alguma
vez redimir-se?
Harry não dormiu
durante toda a
noite. Ouviu o
Neville, tentando abafar
os soluços na
almofada durante o
que lhe pareceu
terem sido horas
e horas. Não
sabia o que
fazer para o
animar.
Calculava que o
Neville, tal como
ele próprio, receava
o dia seguinte.
O que poderia
acontecer quando os outros Gryffindor descobrissem o que
eles lhes tinham feito?
A princípio, quando
passaram pelas gigantescas
ampulhetas que marcavam
os pontos da
equipa, os Gryffindor
pensaram que tinha
havido um engano.
Como é que
podiam de um
momento para o
outro ter cento
e cinquenta pontos
a menos do
que no dia
anterior? Mas
depois a história começou a espalhar-se: Harry Potter, o
famoso Harry Potter, o seu herói dos
jogos de Quidditch,
fizera-os perder todos
aqueles pontos, ele
e um grupo
de estúpidos do
primeiro ano.PARA LER TODAS AS PARTES CLIQUE AQUI
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